História 10 Seconds - Rewind

Quinta-feira, seis horas da manhã. Mais um dia de tortura psicológica, como Vi costumava dizer, mesmo adorando o seu emprego de surrar alguns babacas sem ser punida por isso.

A mulher de cabelos rosa se levantou antes do alarme tocar, o que já considerava um tempo recorde. Para ela, não havia mais sentido em desperdiçar tempo tentando preencher o vazio da cama de solteiro, quando se dividia o espaço com a única pessoa que ela amou mais do que poderia amar a si mesma. Em menos de quinze minutos, estava pronta para sair. Vestiu uma calça preta justa, uma regata branca revelando o seu ótimo porte físico e o seu par de coturnos favorito. Não foi necessário mexer muito no cabelo pois a lateral raspada já facilitava para mantê-lo minimamente arrumado. O café-da-manhã não foi mais que um café sem açúcar e uma torrada quase seca se não fosse por um mísero risco de manteiga.

Marcava 06:20 quando Vi saía de casa, o caminho era longo até chegar na delegacia embora tal detalhe não fosse de grande importância. Sua única preocupação naquele momento era aproveitar o máximo do último cigarro que estava perdido em um dos bolsos da jaqueta que carregava em seu ombro.

— Bom dia, pessoal. — Vi cumprimentou a todos os funcionários com um breve sorriso em seu rosto, talvez pela satisfação de ter conseguido aproveitar o seu cigarro.

— Bom dia, Vi. — Jayce cumprimentou-a de volta, virando o rosto para o outro lado como sinal de desconforto. — Sabia que é desagradável sentir cheiro de nicotina vindo de uma moça tão bonita quanto você?

— Querido, olha bem pra minha figura. Você acha mesmo que só o meu hábito de fumar que incomoda? — O sorriso de simpatia logo se tornou sarcástico, aquele comentário era até leve perto de outras coisas que ela teve de escutar em certos momentos.

— Realmente, eu não sei nem o que a Caitlyn viu em você...

— Se nós tivemos um relacionamento sério, pode ter certeza que eu chamei a atenção dela de alguma forma. — Vi percebeu logo que aquela conversa estava tomando um rumo diferente. Qualquer um poderia falar mal do seu jeito ou de seus hábitos, mas ela não aceitava que falassem de sua relação com Caitlyn.

— É verdade, você chama a atenção pelo seu passado de bandidinha. — Ao terminar a frase, a policial já estava segurando o rapaz pela gola da camisa, de tamanha raiva.

— Escuta aqui, seu bosta. Você pode estar se achando porque é o noivo da Cait, mas eu tenho certeza que você não ama ela de verdade!

— É claro que eu amo, tanto que eu estive esperando ansiosamente pelo término de vocês para que eu pudesse conquistá-la. Sabe por quê? Você nunca vai ser ideal para ela! — A xerife chegou antes que a mulher pudesse avançar nele de uma vez.

— Ei! Eu não sei qual é o motivo da briga, mas eu não estou afim de perder alguns dos melhores funcionários dessa delegacia! — Caitlyn se colocou entre os dois, separando-os.

— Escutou essa, Vi? Não é a única queridinha da Xerife! — Aquela frase despertou ainda mais a ira da policial. Por mais furiosa que estivesse, ela apenas aceitou e sussurrou “Você me paga, desgraçado” antes de sair da recepção.

— Se continuar com esse comportamento infantil, eu posso te rebaixar de cargo num piscar de olhos, sr. Jayce. — Retrucou, tentando não perder a razão com tanta petulância assim como aconteceu com Vi.

— Ok, eu vou parar. Não quero irritar a minha linda noiva. — Jayce passou a costa da mão no rosto de Cait, o que fez a mesma responder com um tapa em seu pulso para interromper o contato físico e “Você me dá nojo” num sussurro. De forma alguma, queria continuar perto de alguém que era capaz de tratar tão mal uma das pessoas pela qual tinha muito apreço — se não fosse por ela, ninguém teria conseguido esse mérito antes.

Caitlyn foi atrás de Vi após o show de horrores vindo de seu noivo. A Xerife sentia raiva do mesmo e também se preocupava muito com sua companheira. O término do relacionamento amoroso não foi capaz de desfazer o forte vínculo entre elas, algo que foi construído desde o dia em que a acolheu num momento decisivo de sua vida. Como Xerife, havia muita experiência na profissão, principalmente com casos difíceis de resolver — ainda assim, nunca foi dito que era fácil para lidar com o lado mais vulnerável dela, totalmente contrário de sua personalidade durona e agressiva.

— Céus, pensei que você tinha saído por aí. Não estava te achando em lugar algum. — Caitlyn suspirou aliviada ao encontrar a companheira que estava lhe esperando em seu escritório.

— Não, Cait. Por mais que eu odeie aquele cara, não posso desonrar os compromissos que tenho com você e com esse emprego. — Vi se levantou da poltrona que ficava próxima ao gabinete, fitando a mulher com uma expressão séria.

— Que isso, Vi. Esse é só um emprego, não precisa levar tão a sério.

— Você mudou a minha vida, e eu não falo isso só pela sua generosidade de oferecer uma chance pra uma pessoa que até então era mais uma criminosa. Por você, eu faço qualquer coisa, inclusive aguentar o seu noivo asqueroso. — A mulher cerrou os punhos ao lembrar das provocações de Jayce.

— Devo concordar que o Jayce é um babaca e eu odeio quando ele te trata mal, mesmo sabendo muito bem da nossa parceria. — Caitlyn fez com que sua mão fosse ao encontro da mão de Vi, entrelaçando-as, o que fez a policial abrir um sorriso enorme.

— Então, por que você vai se casar com ele? Eu tenho certeza que você não tem sentimentos amorosos por ele! — A aflição no rosto de Vi ainda era evidente, temendo pela resposta terrível que poderia receber.

— Você tem razão. Eu não consigo ter sentimentos amorosos por ele, porque eu ainda te amo tanto quanto eu te amava no início do nosso relacionamento. — Era difícil para a xerife proferir tais palavras ao mesmo tempo que havia algum vínculo com uma pessoa que sequer conseguia sentir qualquer coisa que não fosse repulsa.

— Eu não tenho mais ninguém além de você, depois que a Jinx foi embora. — Vi se aproximou devagar, passando a ponta de seus dedos pelo rosto de Caitlyn. — Não ouse me abandonar agora.

— Não seja boba, eu nunca faria isso. — Caitlyn sorriu, aproveitando a oportunidade para entrelaçar as mãos no pescoço de Vi e selar seus lábios.

Por um momento, a policial se assustou com tal ato. Não esperava nem que ela dissesse que ainda a amava — devido ao receio de se aproximar dela quando Jayce estava por perto — muito menos que fosse capaz de roubar um beijo seu, naquelas circunstâncias.

— Desculpa, não deveria ter agido desta forma! — A xerife estava constrangida pela sua atitude tão brusca, mas não arrependida.

— Nós duas sabemos que você faria isso de qualquer jeito, com ou sem esse anel no seu dedo. — Disse Vi, apontando para o anel de noivado.

— Bom... acho que já sei o que fazer para te compensar por aquela situação ridícula de antes.

— O quê?

— Que tal sair hoje à noite? Não precisa de nada muito extraordinário, a única coisa que eu quero é sair daquele ninho de cobras que é a minha casa, com a minha família e o Jayce. — Caitlyn revirou os olhos ao lembrar as situações desagradáveis que surgiram desde o início do bendito noivado.

— Tem certeza que é só por isso que você quer sair? — A mulher de cabelos rosa sorriu sarcástica.

— Você sabe que é uma das poucas pessoas em quem confio, Vi. Ao contrário deles, que eu não me importaria nem um pouco se precisasse ficar distante. — A xerife sentia uma mescla de raiva e tristeza ao lembrar deles. Ela poderia ser muito autoritária em seu trabalho, mas essa não era a sua única face.

— Não se preocupe que irei cuidar bem de você, independente do que aconteça. — Vi beijou a testa de Caitlyn e lhe abraçou por alguns instantes para confortá-la. O que foi muito eficiente para afastar os pensamentos ruins que insistiam em assombrar Caitlyn. — Aliás, você não acha que ainda estamos em horário de expediente?

— Ih, é verdade! Não acredito que eu não parei pra pensar nisso, sendo que sempre estou pegando no pé de quem não está produzindo no expediente. — As duas riram.

O tempo em que Vi e Caitlyn ficaram no escritório foi muito suspeito para Jayce, sabendo-se que ele faria de tudo para afastá-la de sua noiva. O rapaz deixou de lado suas suspeitas quando percebeu o olhar fulminante da xerife em sua direção e logo voltou ao seu trabalho. Apenas uma pessoa seria capaz de amenizar sua autoridade, o que não quer dizer que ela seja mais flexível só por que tem alguém com quem possa contar em todos os momentos.