História 10.528 km - Capítulo Único

Fevereiro é definitivamente o mês mais melancólico do ano, eu deveria estar contente pelos meus recém feitos 21 anos, porém os 3 últimos fevereiros tem tido sabor agridoce. Não é que seja exatamente uma época ruim, apenas é o período em que a saudade mais aperta. 

Ah YunOh, você não tem noção do efeito que ficar longe de você me causa, mais doloroso do que passar o meu aniversário distante, é passar o seu aniversário longe de ti, afinal, não é apenas seu aniversário, mas também nosso 5° aniversário de namoro. Infelizmente temos 10.528 km entre nós, impedindo qualquer plano comemorativo. 

A nevasca que cai do lado de fora do apartamento deixa o clima ainda mais nostálgico, inverno sempre foi nossa estação do ano, já perdi as contas de quantas xícaras do chocolate quente que costumava fazer para ti já tomei no dia de hoje, mas o frio parece não querer me deixar. 

Era inverno quando te conheci, era Janeiro, papai e mamãe haviam resolvido voltar a morar próximo aos meus avós, por isso eu havia acabado de atravessar o oceano e estava me dirigindo a minha nova casa. Eu estava assustado, enquanto era 2001 eu era Johnny Seo, único asiático da minha sala de aula em Chicago, o ano virou e de repente eu me tornei Seo Johnny, aliás, eu passei a usar meu nome coreano, que apenas meus avós usavam até então, YoungHo era como meus novos coleguinhas iriam me conhecer, e passei a morar em Seoul. 

Eu não entendia muito bem o que estava havendo, papai disse algo sobre um novo emprego, rever amigos da faculdade e essas coisas de gente grande. Quando nos mudamos para a nova casa, que na verdade era um apartamento de um grande prédio em Seocho, mamãe disse que uma amiga época da faculdade morava no mesmo andar que a gente, e ela tinha uma filha pequenininha que seria uma boa amiga pra mim. 

Mamãe sabia que eu iria gostar de ter uma bebezinha por perto, afinal, sempre lhe pedi uma irmãzinha pra cuidar, porém ela dizia que não poderia me dar. Foi nesse momento que eu conheci a Yerim, ela era tão pequenininha, tinha apenas 2 aninhos, eu fiquei encantado com a ideia de ter uma irmãzinha, mesmo que tivesse vindo da barriga de uma tia.  

Yerim estava aprendendo a falar, com o pouco coreano que sabia estive sempre ajudando ela, apesar de achar que ela me ensinou mais do que eu ensinei a ela. Mamãe sempre me levava durante as tardes após a escola pra visitar YeRim, e foi graças a ela que acabei lhe conhecendo.  

Tia Kim YuRim sempre falava sobre o noivo da Yerim, dizia que precisávamos nos conhecer e que seriamos ótimos amigos, eu não sabia o que a palavra noivo queria dizer, mas a forma como ela falava essa palavra me levava a crer que era algo muito legal. 

Em uma dessas tardes brincando com YeRim, tia Kim apareceu com uma mulher e um garotinho escondido entre suas pernas, me disse que o garoto era o noivo da YeRim, e me apresentou você, Jung JaeHyun. O garotinho tímido que sempre estava junto a sua mamãe, mas que se aproximava da YeRim e virava a criança mais fofa que já conheci. 

Depois de um tempo eu descobri que seu papai e o meu eram amigos, e que você também morava no nosso prédio, só que alguns andares acima do meu. Aos poucos você foi se soltando e fomos nos tornando amigos. Descobrimos que nossos aniversários eram bem próximos, e fizemos uma grande festa de aniversário. 

Conforme o tempo foi passando fomos nos tornando inseparáveis, frequentávamos a mesma escola – obviamente cada qual na classe que lhe dizia respeito – e era comum apenas uma de nossas mães buscar ambos. Na escola cada um foi fazendo amizade com sua turma, tinha um TaeYong na minha turma, baixinho com cara de bravo, mas que na verdade era um amor de pessoa, ironicamente ele se tornou seu amigo muito fácil e passamos a nos dar bem por isso, ele trouxe um garoto com cara de coelho, um vizinho e amigo dele – de uma turma diferente, por ser mais novo que nós e mais velho que você - chamávamos ele de DoYoung porque tinha um nome muito difícil, depois de um  tempo andando os quatro juntos, um aluno chinês foi transferido pra sua turma, você ficou com pena do garoto perdido, e trouxe SiCheng pro nosso grupo. 

YeRim conseguia ser mais tímida que você, quando não estava conosco, sua única amiga era uma garota da mesma classe, Kim SaeRim o nome dela. Mesmo tendo encontrado novos amigos, nós dois nunca desgrudávamos, as vezes fugindo dos outros para passar um tempo só nosso, carregando YeRim junto sempre que a tia Kim permitia. 

 Em determinado momento você se mudou para minha Chicago, éramos adolescentes na época, achávamos que sabíamos de tudo, porém nem imaginávamos metade do que iríamos passar. Sua mãe queria ampliar os conhecimentos no idioma que lecionava, com isso foram 3 anos que ficamos separados. E eu fiquei sozinho em Seoul, com nossas memórias, tendo a companhia apenas da Yerim. Foi uma época difícil, mesmo que vocês sempre passassem as férias por lá, ainda era sempre pouco tempo, eu precisava de você JaeHyun – que na época já havia passado a se chamar YunOh – 24h por dia, durante os 365 dias do ano.  

Toda essa distancia foi criando uma dependência por ti que me deixava desnorteado, usávamos todas as redes sociais possíveis para manter contato, mas sempre parecia tão pouco. Minha mente era uma perfeita confusão, até eu perceber que o sentimento que tinha por ti não era apenas amizade. Parecia tão errado. Você era meu melhor amigo, e noivo da minha melhor amiga, eu não deveria nutrir sentimentos românticos por ti. 

Então eu passei a te evitar JaeHyun, fugia de ti sempre que estava online, me partia o coração não estar conversando contigo, mas eu não suportava lhe olhar, mesmo pela tela do computador. E acabei passando a evitar a YeRim também, mesmo que ela não tivesse culpa, porém doía saber que seria ela a ocupar o lugar que eu gostaria que fosse meu. 

Eu não tinha qualquer fator a meu favor, fosse o sexo – o fato de sermos do mesmo sexo era um grande agravante, não me permitiria sequer externar meus sentimentos – fosse a tipagem sanguínea – porque o universo quis que eu nascesse AB, e só quem tem B no sangue sabe o quão mal visto é pelos coreanos, tanto que a expressão do seu pai ao descobrir meu tipo sanguíneo é uma imagem que não sai da minha cabeça, hoje pode ser cômico, porém na época foi trágico, se continuamos amigos foi certamente por muita insistência de sua mãe para com ele. 

Me peguei divagando sobre nós dois novamente, isso sempre acontece, principalmente quando estou prestes a entrar em contato contigo. Gostaria de poder lhe chamar pra uma vídeo chamada, para lhe parabenizar, mas tu não aceita usar o Skype pela manhã, sinceramente amor, tu é muito paranoico com tua aparência. 

Sento de frente ao PC para lhe enviar um e-mail de felicitação, porque sei que não vai olhar o celular antes do horário do almoço, já o e-mail fica aberto 24h por dia para resolver questões acadêmicas. 

Queria que meu presente de aniversário chegasse para ti hoje, porém mamãe disse que o envio iria atrasar. Bem, chega de divagar, vamos escrever. 

Chicago,  IL. 

Fevereiro, 13, 2016. 

Bom Dia meu amor,  

Nesse momento você deve estar acordando para mais um fim de semana afundado em livros sobre civilizações antigas. Sinceramente, só você pra gostar de acordar antes das 7h da manhã para estudar sobre arquitetura etrusca. Sim amor, eu sei que KyungHee é um instituição de ensino muito exigente, o quanto o curso extracurricular de inverno sobre História da Arquitetura é importante para ti, e que você tem muito conteúdo para estudar e montar aquele seminário importante da próxima sexta feira, porém hoje é domingo, e aliás, é seu aniversário, você precisa se divertir um pouco, DoYoung e TaeYong devem te ligar em breve para lhe chamar pra sair, e você não deve recusar, nossos amigos querem comemorar seu aniversário contigo. Por favor leve a YeRim com vocês, você sabe quão sozinha ela fica quando não estou aí, e você sabe que independentemente dos antigos desejos dos seus pais, ela lhe considera um bom amigo. 

Sabe amor, são quase 5h da tarde aqui em Chicago, porém o céu já está escuro. O motivo? É incrível como as maiores nevascas do inverno cheguem justamente nos dias 13/14 de fevereiro. Parece que mesmo que eu esteja tão longe de ti, o universo faz questão que eu pense em você por todos os minutos durante o seu dia. Eu só preciso sentir o vento frio nas bochechas e ver a cidade pintada com o mesmo tom branco da sua pele, e minha mente já atravessa o oceano, para te perseguir por Seoul. 

Mesmo que você não goste do inverno, as memórias mais bonitas que tenho de nós dois são justamente dessa estação fria. Era inverno quando nos conhecemos, eu era um pirralho recém chegado de Chicago que falava muito pouco coreano, enquanto você era um pirralho coreano querendo aprender inglês pra impressionar os pais. 

Eu provavelmente nunca agradeci Yerim e tia Yurim por colocarem você na minha vida. Apesar de que, os pais da Ye não devem ter gostado muito da idéia de eu ter roubado o noivo dela pra mim. Sinceramente até hoje eu não entendo bem esse costume dos pais de prometer os filhos em casamento, parece que voltamos no tempo, direto para a época dos casamentos que selavam acordos financeiros, mesmo sabendo que não é esse o caso. 

Falando na nossa princesinha, como está indo o relacionamento dela com o TaeYong? Uma parte de mim esta surpresa em imaginar os dois juntos, enquanto a outra parte fica imaginando quão fofo não deve ser ver ambos apaixonadinhos. Por favor mantenha os olhos no anão de jardim que gosta de se auto intitular seu melhor amigo, somos amigos, mas não vou perdoar que ele faça mal a nossa princesinha. 

Sabe yeobo, lembra o jantar que eu disse que iria com meus pais no meu aniversário? Eu estava um tanto quanto chateado e acabei externando meus pensamentos. Você sabe como eu sempre segui o que papai dizia, tanto que é por isso que estou aqui hoje fazendo medicina na Universidade de Chicago ao invés de estar treinando pra ser idol pela empresa que havia passado na audição, a SM. 

Eu estava frustrado e acusei o papai de ter exigido minha vinda a Chicago para me afastar de ti, que eles não apoiavam nosso relacionamento, porém optavam por ficar em silêncio para não criar um clima ruim em casa. Porém eu fui surpreendido pela resposta deles. Papai disse que sempre soube o quanto eu queria ser idol, mas sabia também que o mais importante pra mim é estar com você, ele sabe o quanto foi sofrido pra ti os anos em que deixou Seoul para morar em Chicago, e que não iria querer deixar Seoul novamente. Em uma sociedade tão conservadora e homofóbica como a Coréia, um idol jamais conseguiria viver em paz sendo homossexual, por isso ele prefere me ver em uma profissão que ainda sendo bem prestigiada, fica distante dos holofotes da mídia, permitindo assim o nosso relacionamento. 

Depois dessa conversa com eles eu percebi estar sendo egoísta por culpar a eles pela distancia física entre nós. Eu estava realmente disposto a pegar aquele tão amado e odiado voo Chicago-Seoul de 13 longas horas apenas para passar o seu aniversário contigo, porque esse nosso terceiro aniversário distante parece mais doloroso que os anteriores, eu sei que você não gostou da ideia porque eu perderia uma avaliação importante, não vamos discutir novamente sobre isso, eu apenas sinto sua falta. 

Por favor não estude demais, não pule as refeições e agasalhe-se bem. Lhe proíbo de ficar doente sem que eu esteja ao seu lado para lhe mimar. Eu devo passar boa parte da noite estudando, me ligue para que eu possa ouvir sua voz quando fizer uma pausa. Mil beijos da pessoa que não deixa de pensar em ti um minuto sequer. 

SarangHae-yo, Yeobo. 

Obrigado por me esperar! 

Do seu primeiro e único,  
Johnny. 

Logo após clicar no enviar, ouço a campainha do apartamento tocar, ignoro e volto ao artigo científico que estava lendo antes de divagar até Seoul, mas minha mente está dispersa, e depois de uns 5 minutos tentando entender o que lia, alguém passa a bater na porta do meu quarto. 

Me levanto preguiçoso para abri-la, e estanco na mesma ao me dar conta do que ocorre. A apenas um passo de distância está o dono dos meus pensamentos, embrulhado em agasalhos e com uma mochila nas contas, meu querido JaeHyun. Dou um passo a frente para quebrar a distância, e o abraço que recebo é o meu preferido lugar no mundo todo. 

Se não estivesse em seus braços, consideraria delírio as palavras que minha mente captou sendo sussurradas em meu ouvido: 

— Feliz dia dos namorados, yeobo.