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História 2 - A Casa Vermelha - A criança


Escrita por: Samuel_Super_

Capítulo 6 - A criança


Fanfic / Fanfiction 2 - A Casa Vermelha - A criança

Ninguém sai daqui agora.

Uma voz retumbou na sala. Abaixei-me pensando que um míssel tinha atingido a casa. Mas depois percebi que era assim a voz: persuasiva. Eu não iria sair dali. Donovan me segurou pelo braço em um gesto defensivo.

            - Cala a boca, Croatoan! – gritou Donovan. Pela força que ele empregava na voz, eu tinha certeza que algo o estava motivando. – Esse assunto é dos mortos, não dos vivos. Ela não tem nada a ver com isso.

Olhei para ele.

            - Como assim dos mortos? – perguntei.

Ah, querida. Deixe-me responder...

Donovan tentou em segurar, mas fui lançada contra a parede. Entretanto fiquei presa lá e senti como se minha mente estivesse sendo arrombada.

 

Winsconsin, 1910

 

Então fui mandada para outra época. Eu estava dentro de uma espécie de carruagem totalmente limpa com cobertas de crianças e embalagens de chocolate por todo o lugar. Um casal estava sentado na parte da frente trocando beijinhos e segurando um a mão do outro. Olhei para meu lado esquerdo e vi uma vegetação familiar: a vegetação que dava entrada ao terreno da Casa Vermelha.

Quando me virei para olhar o lado esquerdo, assustei-me. Donovan estava sentado com roupas coloniais, assim como seus pais. Ele mordia uma barra de chocolate de uma marca muito velha. Ambos estavam de frente para o outro e eles não me notavam muito. Distinguir traços de Donovan em sua mãe e o olhar de seu pai.

Seus pais os olharam de um modo confuso.

            - Você está bem, Dono? – perguntou sua mãe.

Ele balançou a cabeça de um jeito positivo. Seus pais trocaram olhares nervosos.

            - Você vai se acostumar com a vida de campo. – prometeu seu pai. – Ei – disse ele o tocando. – Será convidativo!

Donovan passou a mão sobre sua roupa bufante e os olhou.

            - Se eu estiver mal, eu aviso. – ele checou a carruagem. – Certo?

Eles não responderam. Donovan ficou perturbado no automóvel.

            - Olha, não é porque papai quase morreu que eu vou morrer também. – ele disse chamando a atenção dos pais. – Não quero que fiquem agindo como se eu recebesse essa carga também.

A mãe apertou a mão do marido.

            - Nós só queremos te proteger, Dono. Achamos que foi uma mudança e tanto para você de repente. – ele segurou sua mão com delicadeza. – Você tinha amigos, tinha uma vida boa, e então tudo muda. Isso é muito para um adolescente.

            - Aliás, a casa é muito bonita. Você irá gostar Dono. – acrescentou seu pai. Ele usava uma tipoia no braço esquerdo e tinha um hematoma no rosto.

Donovan revirou os olhos, deu uma mordida no chocolate e voltou a olhar para fora.

Após quinze minutos chegamos ao destino. A Casa Vermelha parecia a mesma que eu estava morando, então encontrei poucas diferenças, como o pequeno canteiro de tulipas na frente do lago e uma bancada no meio do nada.

            - Que bom. – ironizou Donovan. – Agora somos agricultores.

Eles entraram na casa e se acomodaram devidamente. Donovan se afastou para a cozinha e ficou mexendo em um faqueiro que fora deixado lá não sei por qual razão. Os pais o seguiram tocando na madeira.

            - Existiam tantos outros lugares para ir já civilizados. – ele fez uma expressão pensativa. – New Jersey, por exemplo, já está bem mais civilizada que Winsconsin. Não sei por qual motivo, além do acidente, viemos para cá.

A mãe analisou a cozinha nova.

            - Dono, meu bem, se você reclamar outra vez eu vou te castigar...

            - E existe pior castigo que viver com vocês? – interrompeu ele.

Então Donovan saiu tempestuosamente pela cozinha. Os pais ficaram horrorizados, mas depois eles se uniram em um abraço. Quando se desgrudaram o pai falou:

            - Aqui vai ficar tudo bem, Georgia. – disse ele. – Eu prometo.

Ela assentiu. Então a família toda se afastou da cozinha e começou a subir as escadas. Olhei para a escada que dava para o porão e encarei dois olhos brancos familiares. Então a coisa que tinha me assustado antes no porão subiu lentamente pela escada. Eu fiquei incapacitada de me mover e então ouvi a risada de Croatoan. Desmaiei.

 

Quase que automaticamente, levantei-me com a casa completamente arrumada. Caminhei pela sala que era completamente diferente da minha, até no posicionamento dos móveis. Não havia fotografias e, pelo que puder ler em revistas, o pai de Donovan era um colono vindo da Inglaterra. Deixei as coisas no devido lugar e subi as escadas.

 Quando subi a escadaria longa, encontrei uma cena diferente. Georgia, a mãe de Donovan, estava caminhando pelo corredor com uma lamparina na mão. Ela passou por mim e pareceu não me ver, então a segui. Ela deu dois toques na porta do quarto de Donovan, pelo que pensei e entrou. Claro, eu fui junto.

Já dentro do quarto completamente vazio, sem ser por uma cama de dossel e uma penteadeira ao lado de um pequeno sofá, senti muito frio. Assim me liguei no que eu via.

            - Ele já dormiu. – disse Georgia para o filho que estava deitado na cama.

Donovan passou a mão na cama e a olhou.

            - Pode vir.

Então vi a cena mais inusitada após que me deu muito nojo. Georgia deixou o candelabro em cima da cabeceira e caminhou até o outro lado da cama. Então ela tocou no corpo do filho o deixando relaxado com pressão nos olhos. Ao decorrer da noite eles tiraram a roupa e começaram a transar. Mãe e filho. Fui entender depois o motivo disso.

Já depois de toda a coisa, Georgia pousou a mão na barriga do filho.

            - Sabe que não faço isso para puni-lo. – ela disse. – Então...

Donovan fez um gesto para ela se calar.

            - Sei que papai não pode te dar prazer nesse período da recuperação. – ele disse. – Quero apenas ajudá-la.

Ele levantou-se um pouco acima dele.

            - Isso é apenas nosso segredo, certo?

Ele assentiu e Georgia voltou para o quarto. Fiquei horrorizada com a cabeça entre os joelhos enquanto ouvia o ronronar de Donovan. Quando levantei a cabeça, os raios solares já tinham entrado pela janela e Donovan saía do quarto. Apressei-me e saí com ele.

Já no café da manhã eles se cumprimentaram como se nada tivesse acontecido. Donovan ficou no sofá escrevendo alguma coisa num caderninho. Então a mãe saiu da casa para tomar um ar fresco na varanda e o pai subiu. Após ver toda aquela cena, senti vontade de saber o que o pai debilitado gostava de fazer.

Passei pelo corredor com ele e entrei no seu quarto. O homem tirou um curativo no rosto e deitou para descansar.

            - Tolo. – disse uma voz masculina através das paredes.

O pai de Donovan se levantou abruptamente.

            - Quem está aí? – perguntou ele. – Georgia? Dono?

Uma risada repercutiu. Então surgiu um homem atrás do armário. Ele usava roupas antigas e uma enorme barba. Com um susto percebi que era o mesmo cara que estava com a faca na mão na noite da fogueira. Ele deu um passo a frente e levantou as mãos.

            - Não sou do mal. – ele revelou rindo.

O pobre homem se levantou da cama e se aproximou.

            - Quem você é?

            - Sou o novo vizinho da casa ao lado. – mentiu. Ele deu um sorriso e começou a olhar os móveis. – Vocês têm um bom gosto aqui.

O dono da casa pigarreou. Ele estendeu o braço bom e apertou a mão do homem.

            - Sou Rig. – ele disse forçando um sorriso. – A que devo a visita?

O homem da faca o analisou. Então ele sorriu.

            - O que há de errado? – perguntou Rig.

O colono pôs a mão no ombro dele.

            - Vá hoje ao quarto de seu filho. – ele disse. Depois largou o ombro de Rig e pôs a faca dentro da mão dele. – Então faça o que lhe vier a cabeça.

O pai de Donovan deu um passo para trás como se tivesse levado uma bofetada. Ele esfregou os olhos e vi o colono evaporando antes que ele abrisse os olhos. Rig saiu do quarto junto comigo e guardou a adaga de forma confusa na gaveta do corredor. Olhei para trás e percebi uma porta aberta de outro quarto na casa. Antes que eu fechasse, abri a porta.

Então me vi dentro do quarto de Donovan já à noite. E lá estava a cena mais estranha já vista: Georgia estava em cima de Donovan pulando enquanto ele gemia. Ouvi a porta sendo aberta de supetão, e Rig surgiu das sombras com uma tipoia.

Georgia se jogou para o lado vestindo suas roupas enquanto Donovan se embrulhava com o cobertor. Rig estava parado pensativo e sério, com um pouco de raiva no olhar. Então ele fez menção de pegar algo na cintura e vi o lampejar metálico da faca. Georgia levantou a mão.

            - Eu posso explicar, amor – gritou ela. Então Rig a olhou fixamente enquanto ela se aproximava dele com cuidado.

            - Porque você fez isso comigo? – ele perguntou. – Ainda mais com seu próprio filho!

Ela abaixou a cabeça e depois voltou a falar.

            - Eu estava carente... Você nunca mais transou comigo! – ela disse. Mas no fundo ela sabia que não era desculpa.

Rig riu.

            - Eu também quero te ajudar, Georgia.

Ela sorriu junto com Donovan. Depois ela beijou Rig com paixão.

            - Vai me ajudar em que, amor? – ela disse brincalhona.

Rig puxou a faca e pôs atrás da sua cabeça.

            - Vou te ajudar a ir para o inferno. – então ele fincou a adaga no seu crânio. 

Ela caiu morta no chão de madeira do quarto. Donovan se levantou e olhou para o pai com horror.

            - Desculpa pai! Juro que não faço mais isso! – pediu ele com as mãos levantadas.

Mas Rig estava indescritível. Ele começou a andar na direção de Donovan.

            - Não haverá perdão. – sua voz soava metálica. De relance percebi uma mulher de cabelos ruivos e pele morena de uma forma estranha avermelhada e com olhos completamente negros. Ela vestia farrapos e segurava uma adaga ao lado de seu corpo que estava pintado de preto, como se estivesse rolado no chiqueiro.

            - Mate-o... – ela sussurrou.

Com horror vi Rig encurralando Donovan na parede. Então Donovan pulou em cima do pai como um animal silvestre. Ele jogou o pai no chão e tomou sua adaga, então ele começou a golpear Rig no peito diversas vezes até que o chão ficou encharcado de sangue.

Donovan ergueu-se na frente do pai já morto. Ele deixou a adaga cair no chão. Seu semblante era imóvel sem nenhuma piedade ou horror. Apenas prazer. Aquilo me assustou muito. Dei um passo para trás e avistei o colono que entregou a faca para Rig com uma adaga pairando acima de Donovan.

A adaga desceu pelas costas de Donovan que soltou um grito e caiu morto. O fantasma limpou a faca e a embainhou de novo. Então ele se ajoelhou perto de Donovan e entoou alguma coisa que não entendi.

Derrubei uma vela que estava em cima do cômodo de tanto tremer. Entendia a história de Donovan agora. “Acredita que eles são fantasmas?” ele me disse. Então o cara me olhou sorrindo e fez um sinal de silêncio para mim.

 

Voltei ao meu mundo. A presença de Croatoan ainda estava na casa, mesmo depois que caí como uma pedra no chão. Donovan me levantou com cuidado e pôs a mão delicadamente no meu rosto.

            - Você está bem? O que ela lhe mostrou? – perguntou ele.

Sua história, querido. Retumbou Croatoan.

Eu ainda estava superatordoada com o que Croatoan me mostrara poucos segundos atrás. Donovan me olhou de um jeito perdido, como se estivesse querendo saber o que eu estava pensando.

            - Precisamos sair daqui, já! – ele me segurou pelo pulso quando a porta rachou de vez e foi totalmente quebrada. Avistei um javali enorme do lado de fora com uma daquelas criaturas estranhas. Olhei pela janela da frente e vi uma mulher de cabelos ruivos e pele morena fina com traços indígenas. Ela estava tocando a porta da casa do lado de fora enquanto se concentrava. A mesma moça da visão, pensei.

Com um susto percebi que era Croatoan. Dei a mão para Donovan e juntos pulamos pela janela.

 

Caímos como pedras no chão. Levantamos-nos rapidamente e corremos para a camionete do papai que fora deixada lá antes de eles irem para a cidade. Entretanto deu tudo errado. Enquanto corríamos para o automóvel (com aquelas coisas atrás de nós), um carro preto entrou na área de entrada da casa. Minha família acabara de voltar da cidade e olhavam abismados para tudo.

Donovan estava segurando minha mão até certo ponto, então eu caí e ele desapareceu da vista. Ainda podia ouvir os grunhidos e a correria dos seres estranhos de Croatoan, mas quando olhei para trás não havia nada. O carro dos meus pais estacionou na árvore de costume e eles saíram correndo na minha direção.

Minha irmã foi a primeira a chegar.

            - O que houve Sally? – perguntou ela com a voz cheia de preocupação.

            - Croatoan! Croatoan! – gritei aos berros apontando para a casa.

De soslaio a vi olhando para os lados enquanto meus pais caíam ao meu encalço.

            - Não há nada... – ela disse com a voz embargada.

            - O que aconteceu? – perguntou meus pais ao mesmo tempo.

Olhei para trás e realmente não havia nada. Pronto, sou louca, pensei. Meu pai mediu a pressão quando entramos em casa. Mamãe trouxe um copo para mim. E minha irmã ainda estava atordoada com minha revelação, até achei estranha a forma como ela me olhara depois que eu disse. Fiquei me perguntando se ela tinha visto também as mesmas coisas que eu nesses dias.

Expliquei tudo para eles. No meio da explicação apresentei Donovan que surgira na porta minutos depois com o rosto cheio de terra. Ele explicou de uma forma melhor para eles que se negaram a entender.

            - Então vocês estão dizendo que existem fantasmas e um demônio feminino indígena morto que quer matar a todos nós? – perguntou meu pai levando da forma mais irônica. Ele deu um sorriso. – Sally, querida, você tem passado por muitas coisas esse último mês...

Afastei-me dele. Segurei sua mão com força.

            - Vocês precisam acreditar em mim. Nós temos de sair daqui antes que seja tarde demais. – avisei. Donovan os olhava de forma pedinte.

Meu pai olhou para ele.

            - Então quer dizer que você está morto? – meu pai levantou a sobrancelha.

Ele assentiu.

            - Morri em 1910 quando me mudei com minha família para cá. Depois de muito tempo entendi o processo de imortalização da alma que fica presa na casa, pois da minha família apenas eu fiquei preso aqui. – ele disse com a voz ficando meio embargada. – Eu fui o único que fiquei, pois, de certa forma, os donos da casa ainda são os colonos mortos. Eles te matam e fazem você ficar na casa.

            - Mas sempre com um propósito. – falei. – No caso de Donovan, os colonos o mataram e a família dele com a intenção de proteger uma criança que mora aqui e que nunca vimos. Donovan estava na mesma idade que ele na época, e não se lembra do rosto dele. Eles eram melhores amigos, até que a criança desapareceu.

Minha família ouvia atentamente ao relato.

            - Agora Croatoan quer nos matar para poder roubar a criança por algum motivo. – resumiu minha mãe. – Acreditando em vocês ou não, precisamos sair da casa.

Meu pai assentiu.

            - Nós não. – ele me olhou junto com mamãe e Lacy. – Você Sally.

Seus olhares me fuzilaram de forma terna, o que achei diferente. Donovan segurou meu pulso para me dar apoio e eu estreitei os olhos.

            - Do que vocês estão falando? – perguntei. – Precisamos sair daqui...

            - Se não Croatoan vai nos matar! – imitou-me Lacy. Ela se levantou e pegou um copo de água. – Não percebe que está enlouquecendo Sally?

Minha mãe apoiou a cabeça no ombro de papai e chorou silenciosamente.

            - Sentimos muito, Sally. – lamentou papai. – Mas você tem andada diferente ultimamente. Percebemos isso em você! E agora com essa história de Croatoan e bichos com chifres temos certeza...

Mamãe se compôs. Ela sempre fazia isso quando estava em um estado constrangedor.

            - Por isso hoje no carro tomamos a decisão de mandá-la para um orfanato em Santa Monica, na Califórnia. Seu tio é gerente de lá, ele sempre cuida bem de seus jovens. – ela disse. A ideia parecia absurda saindo de uma mãe para uma filha. – Ele cuidará de você. E estaremos sempre visitando você.

Eles assentiram em acordo. Eu estava devastada. Como assim eles não acreditavam em mim? Nunca fui de mentira. Eu tinha que me safar daquilo! Depois de mentir para colonos, enfrentar um demônio indígena e beijar um fantasma eu na podia parar em um orfanato para adolescentes na Califórnia.

            - Vocês têm que acreditar em mim! – falei. Olhei em uma expressão pedinte para meus pais. – Por favor...

Eles mantiveram a expressão sombria.

            - Faltam apenas um mês para as suas aulas, Sally. - papai disse. – Você terá que perder um ano de sua vida estudantil, pra, quando percebermos a recuperação, você voltar a estudar.

Eles assentiram juntos e minha irmã deitou no sofá. Donovan apertou ainda mais minha mão e olhou carrancudo para minha família. Saímos juntos da sala e subimos os degraus em direção ao meu quarto. Um pensamento me ocorreu no meio do caminho. Fechei a porta do cômodo e me sentei na cama. Donovan puxou uma cadeira da penteadeira e se sentou na minha frente.

            - Sinto muito, Sally...

O olhei.

            - Antes de eu sair daqui tenho de convencer aos meus pais sobre o que há nessa casa. – segurei suas mãos. – Mas antes temos de saber quem é a tal criança. Conte-me sobre a amizade que vocês tinham...

            - Eu tenho um diário onde escrevi tudo depois da morte. – ele revelou. Puxou um caderninho de um dos babados da sua roupa. O caderno tinha uma capa de couro com folhas completamente amareladas e um pouco rasgadas. Abri e o folhei rapidamente sentindo o peso do conteúdo.

Levantei o diário.

            - Eu vou ler depois. – disse guardando o diário dentro do armário. Olhei dentro dos olhos de Dono – Mas você não se lembra do rosto dele?

Ele olhou pensativo para a porta atrás de mim.

            - Na época eu tinha 15 anos. Hoje tenho muito mais, mas continuo com a mesma cara. – ele riu. – Aconteceu muita coisa depois que não me lembro...

Segurei sua mão.

            - Não precisa se esforçar. Vou ler seu diário antes de ser mandada para o sanatório e resolverei os problemas. – olhei para seus dedos macios e nada mortos. – Antes preciso ter informações de alguns colonos.

 

Estava caminhando sem ideia para onde ir ao meio da floresta, quando os encontrei. Na verdade eles estavam reunidos numa fogueira alta cantando e contando histórias de como eles iriam ser libertados. A mulher mais velha que tinha discutido comigo reparou na minha presença e se curvou.

            - Preciso saber de tudo que vocês sabem dessa casa. – falei após alguns minutos quando uma criança me trouxe um copo com suco de uva. Não sabia como eles prepararam aquilo estando mortos, mas bebi de qualquer forma. O homem que tinha matado Donovan surgiu por trás de mim e se sentou ao meu lado. Senti minha pele formigar.

            - A Casa Vermelha pertencia a nós na época colonial. Então morremos nessa terra por culpa de Croatoan e ficamos aprisionados aqui, devido aos nossos corpos terem sido roubados e maculados por Croatoan. Assim muitas famílias e pessoas se apossaram da casa ao decorrer do tempo e todas morreram.

Estreitei os olhos.

            - Mas tiveram pessoas que ficaram depois de terem sido mortas. – falei. – Como Donovan.

O homem que o matou tomou um gole.

            - Isso acontece por nossas culpa. Há muito tempo sabemos de uma palavra que tem muito poder depois de nossa morte que é capaz de aprisionar almas num lugar. – ele respondeu. – Provavelmente você já deve saber da história de Donovan e que fui eu quem o matou.

A mulher mais velha andou ao redor da fogueira.

            - Mas não matamos por prazer, como Croatoan. – ela disse sem olhar para mim. – Nós matamos quando temos um propósito para essa alma.

            - No caso de Donovan era ser o “irmão” que a nossa criança nunca teve. – revelou uma das bruxas. – Tiveram outras almas que ficaram presas também, mas isso não tem necessidade ser dita.

Recapitulei tudo que eu já sabia e acrescentei informações.

            - Vocês se lembram da aparência dessa criança? – perguntei. – Digo, vocês já deviam tê-la visto, certo?

Todos assentiram.

            - Ele tinha cabelos castanhos. Olhos castanhos avermelhados, quase como um morcego... Não havia muito mais coisas. Ah! Desde criança ele tinha uma expressão dura, como um de nossos guerreiros na época colonial. – a senhora disse sonhadora. – Ele era lindo!

            - E porque vocês não o cuidavam? Eram mais próximos dele, no caso...

Um homem ao meu lado com olhos afetados e cheios de sangue me interrompeu.

            - Não podíamos. Após os anos 90, nunca mais pudemos entrar na casa. Não sabemos o motivo, mas achamos que é tudo culpa dos nossos corpos. Provavelmente Croatoan queimou a maioria deles. – ele olhou diretamente para a fogueira. – Acho que essa é a regra: só podem entrar na casa em alma, se o corpo não sofrer nada.

Algumas pessoas riram. Um dos colonos disse:

            - No caso do menino Donovan e dos outros que ficaram nós deixamos dentro da casa! – eles riram como se aquilo fosse algo bem engraçado.

Mantive-me séria.

            - Bom, mas que palavra mágica é essa? – perguntei.

Eles ficaram mudos. A senhora mais velha me encarou.

            - Nenhum humano deve saber. A palavra é usada para aprisionar almas. – ela disse ríspida.

As bruxas se levantaram. Elas estavam com a mesma expressão sonolenta.

            - Ela não é uma simples humana. Ela é uma descendente de Salém! – as três disseram em uníssono.

Todos ao redor da fogueira se calaram e arqueei a sobrancelha.

            - Croatoan. – disse o homem que matara Donovan. – Essa é a palavra. O mesmo ser que nos matou, é o mesmo ser que nos aprisionou.

            - Tudo que envolve o nome dela, é eterno. Não sabemos o motivo.

Meus ombros ficaram tranquilos de repente. Levantei-me do tronco da árvore e me afastei do bando. Sem me dar conta do mundo ao meu redor, percebi que o sol estava se pondo. Com medo da escuridão, corri para minha casa.

 

Todos haviam dormido quando abri o diário. Logo na primeira página já sabia quem era a criança. 



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