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História 2012 - Bolero de Ravel


Escrita por: Mallagueta

Capítulo 36 - Bolero de Ravel



No capítulo anterior, Armandinho Ribamar morreu em um acidente de carro junto com seu capanga e sua filha Valeska.

25 DE JUNHO DE 2012

- E aê, Magá? O que tá pegando? Você tá com uma cara...
- Oi, Cascão. Você não ia sair com a Cascuda?
- Nem! Eu tirei as piores notas da minha vida e meu pai me botou de castigo até o fim do ano. Ou até o fim do mundo, sei lá. O que vier primeiro.
- Você bem que podia ter estudado um pouquinho, né?
- Pfff! Se eu não estudei nem quando precisava, é ruim que vou esquentar minha cabeça agora!

Ela deu um pequeno sorriso e disse.

- Você já pensou se o mundo não acaba e tudo continua na mesma?
- Qualé! Do jeito que as coisas estão hoje, acho que não vai ter mais jeito!
- Ah, sei lá... eu fico pensando se tudo isso não é só um engano ou uma fase e que no fim as coisas vão ficar do mesmo jeito...
- E esse aumento de terremotos pelo mundo? Cara, o bicho tá pegando lá fora e daqui a pouco o troço vai ficar feio pro nosso lado também!
- Ainda não sei...

O rapaz ficou sério. Magali ainda continuava naquele estado de negação e às vezes ele se preocupava em como ela ia ficar se tudo acabasse mesmo. Uma coisa o preocupou.

- Você já tem o dinheiro pra vazar daqui?
- Tenho. E o Quim tem também.
- Ufa...
- Mas estou pensando em usar esse dinheiro pra fazer uma viagem...
- Cuméquié? Fazer viagem? Magali, você andou cheirando as minhas meias? Não pode gastar nada não, tem que guardar pra quando...
- E se esse “dia” não chegar nunca? Ah, Cascão! Vocês ficam trabalhando feito doidos tentando juntar dinheiro e no fim pode não acontecer nada!
- Se não acontecer nada, tranqüilo. Aí sim você gasta o dinheiro com outra coisa, mas até lá, segura a onda mais um pouco! Pô, Magá! Não custa nada você esperar!
- Mas... – ela começou a chorar e ele viu que alguma coisa estava errada.
- Poxa, o que tá acontecendo? Eu vi que você tá com uma cara muito preocupada. Se abre aí, vai.

Magali enxugou as lágrimas, respirou fundo e tentou falar.

- É a tia Nena, ela tá muito ruim no hospital. Desde que o tio Pepo morreu, parece que ela desistiu de viver!
- Caramba...
- E agora, se tudo for acabar mesmo, como a gente vai fazer com ela?

Ele não soube o que responder e ela continuou.

- E se o terremoto acontecer quando ela estiver no hospital? A gente vai ter que fugir e deixar ela pra trás? Cascão, eu não vou conseguir fazer isso!
- De repente ela se anima e aí todo mundo foge junto!
- Duvido, Cascão. Ela está arrasada!
- Você já falou pra ela?
- Não tive coragem!
- Por que não arrisca? Isso pode dar um bom sacode nela.
- E se o efeito for o contrário?
- Magá, você tem que pensar um pouco mais positivo, criatura! Não fica pensando só no pior que isso não leva a nada!
- É que...
- Da próxima vez que você for ao hospital, fala com sua tia sobre o que vai acontecer. Se ela não acreditar, vai tudo ficar na mesma. Se acreditar, pode ser que ela acabe se animando a sair dali.
- Ou pode ser que ela acabe se afundando de vez... não sei se vale a pena arriscar!
- Aí é você quem sabe. No seu lugar eu arriscava. Ah, olha lá a Mônica e o careca.

Os dois correram na direção dos amigos e viram que as coisas também não estavam boas para eles. Mônica estava abatida, com grandes olheiras e Cebola também parecia muito triste e aborrecido.

- Que tá pegando, gente? – Cebola respondeu.
- A Mônica tá tendo problemas na casa dela.
- É?
- Meus pais descobriram que eu tô juntando dinheiro pra gente fugir e brigaram comigo.
- Depois, eles contaram pros meus pais e eu tive que escutar um monte! Fiquem de olho que é capaz de sobrar pra vocês também!
(Magali) - Essa não! Eu sabia que isso ia acabar mal!
(Cascão) – O que a gente faz, careca? Se meu pai bota a mão nesse dinheiro, é capaz de tomar tudo pra me castigar!

Cebola andou para um lado e para o outro, tentando pensar em algo e voltou-se para o resto.

- Primeiro, não contem pra eles que toda a turma tá nisso. Digam que é só entre a gente! Assim o resto do pessoal não vai ser prejudicado.
(Magali) – E o dinheiro que a gente juntou?
(Mônica) – Ainda bem que meus pais não sabem do dinheiro da família do Toni, senão ia dar rolo! E pelo menos o meu dinheiro eles não vão querer tomar.
(Cebola) – Os meus pais também não falaram em tomar o meu dinheiro. Devem pensar que eu não juntei muita coisa. Vamos fazer o seguinte: coloquem seus dinheiros em pacotes fechados, cada um escreve o nome e me entreguem pra eu guardar.
(Cascão) – Tá legal, mas o meu pai pode acabar perguntando desse dinheiro. O que eu falo?
- Fala que gastou! Você separa o suficiente pras passagens e deixa um restinho pra trás. Quando ele ver que é só mixaria, vai te deixar em paz. Vocês duas façam a mesma coisa e Mô, coloque o dinheiro da família do Tonhão num pacote separado. Quando chegar a hora, a gente devolve pra eles.
- Tá bom.
- Eu vou arrumar um bom lugar e falo pra todo mundo. Assim, se acontecer alguma coisa comigo, vocês podem encontrar o dinheiro sem minha ajuda.

Eles marcaram de se encontrar na casa do Cebola em uma hora que seus pais não estariam em casa, assim teriam mais liberdade para esconderem todo o dinheiro.

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Era um lindo dia de domingo e a família estava reunida ao redor de uma piscina. Os Frufrus estavam em um sitio luxuoso, repleto de belos jardins vegetação nativa. O dono tinha conseguido reunir, em um lugar só, as comodidades da cidade grande em um local bucólico, tranqüilo e repleto de belas paisagens.

Um cozinheiro profissional cuidava do churrasco, assando carnes nobres. Seu pai conversava com outros homens da família, segurando um copo com whisky escocês da melhor qualidade. Sua mãe conversava com as cunhadas e amigas sobre os últimos lançamentos da moda, desfiles, colunas sociais e toda uma coleção de futilidades.

Luisa se banhava na piscina com outros jovens e Felipe fazia suas exibições de patinação na quadra de esportes, contornando obstáculos que tinham sido improvisados. A música tocava a um volume agradável, somente para compor um fundo musical para o ambiente. Ela só não sabia que música era aquela.

Quer dizer, Carmen até conhecia a música porque tinha ouvido em outros lugares, mas não sabia o seu nome. Ela apurou os ouvidos e ficou ouvindo a música, que tocava em um ritmo invariável. A melodia tocava de maneira uniforme e repetitiva, mas nem parecia porque havia uma sensação de mudança proporcionada pelos efeitos de orquestração e dinâmica. Inicialmente, a música começou com poucos instrumentos.

Primeiro, a música tinha começado com o som de algo que parecia uma flauta. Era algo suave, bem baixo que exigia certa concentração para poder ouvir bem. Aos poucos, ela foi ouvindo o som de outros instrumentos, que foram sendo introduzidos um a um e que ela não conhecia. O volume também pareceu aumentar gradualmente, dando mais dinamismo a música.

O mais estranho era que ela ouvia somente essa música. Seus ouvidos não percebiam mais nenhum outro som no ambiente. Não havia o som das conversas, nem o barulho das pessoas pulando na piscina. Também não se ouvia o canto dos pássaros ou o vento balançando as flores das arvores. Somente o som daquela música que aos poucos foi crescendo em seus ouvidos.

- Mãe! Pai! Gente! – ela chamava várias vezes, sem obter resposta. Todos estavam distraídos demais se divertindo, agindo em sincronia um com o outro, como se fosse um comercial de margarina.

Somente ela parecia não se integrar ao ambiente. Carmen se sentia deslocada, fora de lugar, como se fosse um pedaço de picanha sobre um bolo de chocolate com nozes. Havia algum problema com ela? Ou o problema não estaria no ambiente e nas pessoas? Olhando melhor, ela sentiu como se tudo aquilo fosse apenas um cenário. Nada parecia real. As arvores, cadeiras, mesas, guarda-sóis, tudo parecia ser de plástico como se fossem brinquedos organizados em um tabuleiro.

O céu, a casa do sitio, as pessoas... de repente tudo pareceu ficar plano e achatado. Não havia mais movimento e nem vida.

Ela tentou gritar, chamar a atenção das pessoas e ninguém respondia. Claro, figuras de mentira não podiam falar.

- Carminha? – a voz de um menino chamou e ela viu, aliviada, seu primo Fabinho ao seu lado.
- Fabinho? Que bom! Tá tudo estranho!
- Eu estou com medo!
- Fica com medo não, Xodozinho! Vem... – ela o pegou no colo e tentou sair daquele lugar estranho. Então algo aconteceu.

O cenário começou a se rasgar, como se estivesse se desfazendo em pedaços. Toda aquela perfeição foi se desmanchando e revelando um cenário muito diferente, uma cidade caótica que parecia atravessar uma grande crise. E tudo mudou.

A música continuou tocando, dessa vez mais alto e com a integração de outros instrumentos que foram aparecendo gradualmente. Carmen saiu correndo dali apavorada, tentando encontrar um local seguro.

Todo o chão tremia e qualquer lugar que ela pisava se desfazia sob seus pés. O caos era enorme, com pessoas sendo engolidas por enormes buracos que surgiam por todos os lados. Por mais que corresse, não havia onde se esconder. Todas as construções estavam desmoronando e soterrando quem estivesse em seu interior ou pelo menos por perto.

Carmen corria tentando levar seu primo no colo e sua mochila de sobrevivência em suas costas. Era como se levasse uma tonelada de peso e ela não conseguia correr tão rápido quanto precisava.

Na música, vários instrumentos começaram a tocar juntos sendo que antes era apenas um de cada vez. E o volume tinha aumentado ainda mais.

- O que tá acontecendo aqui? Socorro! Alguém me ajude! – ela gritava correndo com o menino no colo. Onde estava sua família? Será que eles tinham ficado naquele cenário? Ela não sabia e não tinha como voltar para buscá-los.

A música foi tocando mais alto e com instrumentos que pareciam ser de cordas, como violinos e algo que parecia ser um bumbo, ou tambor. Ela corria tentando se desviar dos prédios que caiam sobre sua cabeça e viu mais adiante um local que parecia ser aberto, livre de construções. Carmen correu para lá na esperança de escapar dos desmoronamentos e viu que ali o chão não estava se desfazendo.

Ela olhou para o céu, com a música ainda tocando em seus ouvidos e gritou ao ver que ali havia algo que parecia ser um buraco, ou um portal. Não dava para saber. Era enorme, como se quisesse engolir toda a cidade. Mas não parecia ser esse o propósito daquela coisa. Ao redor daquele buraco, ela também viu anjos de asas negras indo e vindo levando algo que pareciam pessoas, mas com uma aparência mais translúcida, quase transparente. Aquelas pessoas eram tiradas da cidade, de dentro dos buracos ou debaixo dos escombros.  

Fabinho estava com a cabeça pousada em seu ombro, como que não querendo ver todo aquele cenário dantesco. Apenas ela acompanhava toda a movimentação. A música parecia estar em seu auge, ecoando em seus ouvidos de um jeito ensurdecedor. Ao olhar para trás, Carmen viu que tudo estava destruído e ela chorava de pavor ao imaginar o que teria acontecido com sua família.

- O que eu faço? Tenho que ir atrás deles agora!

Quando virou-se para refazer o caminho, ela viu uma grande onda se aproximando e engolindo tudo. Suas pernas falharam e a moça caiu de joelhos apertando o menino contra seu corpo. As águas se aproximavam de vagar e Carmen percebeu que poderia ter uma chance e tratou de reunir todas as suas forças para fugir dali.

Aqueles anjos de asas negras voavam ao seu redor, levando as pessoas e um deles pousou na sua frente. Mas não era um anjo.

- Não se aproxime, vai embora! – ela gritava para aquela figura sinistra e vestida de preto, que parecia ignorar seus apelos e chegava cada vez mais perto. Carmen não podia voltar para trás por causa das ondas e tinha medo de avançar e ir para cima daquela mulher assustadora.

Ela chegou mais perto, apontando a foice para seu pescoço. Antes que ela sentisse a lamina fria tocando sua pele, um som estridente fez com que ela desse um salto.

O som do despertador tocando com insistência fez com que ela percebesse que estava em sua cama, no seu quarto. Havia bobs nos seus cabelos e creme facial noturno no seu rosto. Ela ofegava, sentindo corpo molhado de suor e seu coração palpitava.

- Credo, que sonho maluco! Vixe! – embora fosse apenas um sonho, ela sentia algo estranho dentro de si, uma sensação ruim que parecia ter se entranhado dentro do seu peito. Para tentar afastar aquela sensação, Carmen foi até a janela para respirar um pouco de ar fresco. Do seu quarto, ela podia ver os jardins bem cuidados da sua família, mantidos graças ao trabalho de habilidosos jardineiros. Um empregado lavava o carro do seu pai mais ao longe e as empregadas estavam vindo carregando algumas compras para o café da manhã.

O tempo estava frio, por ser inverno, mas o céu estava limpo e com poucas nuvens, o que permitia o sol brilhar e iluminar o ambiente.

A música do seu sonho continuava tocando em sua cabeça, indicando que não ia acabar tão cedo.

Ela deu mais uma olhada na paisagem antes de sair da janela para começar o dia. De repente, tudo aquilo lhe pareceu mesmo apenas um cenário que passava uma falsa sensação de tranqüilidade mas que escondia algo sinistro e tenebroso. Foi quando pela primeira vez em sua vida, Carmen teve realmente medo do futuro.
 


Notas Finais


Bom, para quem não sabe, a música que tocou no sonho da Carmen se chama bolero de Ravel, que ilustra um pouco o ritmo dos acontecimentos, que começam fracos e vão aumentando aos poucos de intensidade. É uma música que vale a pena ouvir.


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