1. Spirit Fanfics >
  2. 2012 >
  3. Pés e mãos atados

História 2012 - Pés e mãos atados


Escrita por: Mallagueta

Capítulo 4 - Pés e mãos atados


De onde estava, ela podia ter uma visão perfeita da terra flutuando no meio do espaço como uma bola azulada coberta com tons de verde e branco. Satélites artificiais orbitavam ao redor do planeta. Satélites meteorológicos, de telecomunicações, navegação, experimentais e também de vigilância, que eram para uso militar. De quando em quando ela também via o telescópio Hubble. Era impressionante a quantidade de satélites artificiais que tinham sido lançados ao longo do tempo e a dependência que as pessoas tinham por eles. Como elas iam se arranjar quando a maior parte deles deixasse de funcionar?

Aos olhos de um humano, que viam somente a matéria, o planeta parecia normal. Mas ela era capaz de ver as transformações pelas quais o planeta estava passando, tanto físicas quanto espirituais. Depois daquele ano, a Terra nunca mais seria a mesma.

- D. Morte, a equipe n. 308 acabou de se formar e já está pronta para receber as instruções. Quando você quiser.
- Obrigada, Penadinho.

A equipe de emissários estava a postos diante dela, aguardando por instruções. Era um grupo constituído por cerca de duzentos emissários, todos treinados por ela nos últimos cinqüenta anos e preparados para desempenharem sua missão quando a transformação da terra começasse. Aquelas equipes eram constituídas por uma classe especial de anjos, que tinham se especializado em conduzir as pessoas para o outro lado. Todos se vestiam da mesma forma: um conjunto de calça preta e blusas com mangas compridas da mesma cor. Eles também usavam um capuz e asas eram negras.  

D. Morte voltou-se para eles, olhando-os com um olhar crítico a procura de qualquer coisa que poderia estar errada ou que não tenha saído de acordo com suas ordens.  Seus olhos se fixaram em um deles e ela lhe apontou sua foice, falando com severidade.

- Você! Melhore essa postura! Levar a alma de uma pessoa exige força e segurança.

Logo depois, ela falou para mais outro:

- Arrume esse capuz.

Ela ainda chamou a atenção de mais alguns outros, mandando que arrumassem as roupas, lustrassem seus sapatos ou ajeitassem as penas das suas asas. Todos a obedeciam sem reclamar da severa disciplina que a morte lhes impunha. Antes de aceitarem aquele trabalho eles já tinham sido alertados que D. Morte costumava ser muito perfeccionista e parecia ter pouca tolerância a falhas.

Quando se deu por satisfeita, ela começou a dar as instruções para seus emissários. Eles foram informados sobre qual local da terra deveriam atuar, o número estimado de mortos e sobre os portais disponíveis em cada região. Eles também foram instruídos sobre eventuais dificuldades que poderiam ter e também precisavam ter o cuidado para não levarem pessoas cuja hora ainda não havia chegado e por isso estavam destinadas a sobreviver.

As equipes tinham que ser bem instruídas para poderem executar o trabalho sem erros. Levar a alma de uma pessoa não era tarefa fácil e naquele ano seus emissários iam trabalhar como nunca. Cada equipe tinha sido designada para trabalhar em uma área específica da Terra e foi formada de acordo com o número previsto de mortos. E esse número não era nem um pouco baixo. Nenhuma guerra, peste ou fome fora capaz de alcançar números tão altos.

Embora preferisse trabalhar sozinha, a população da Terra foi aumentando até chegar ao ponto em que ela se viu obrigada a aceitar ajuda de emissários, que trabalhavam sob suas ordens e instruções. E naquele ano, o número de mortes seria tão alto que aceitar a contribuição deles não era opção, era necessidade. Ainda assim ela continuava sendo a única D. Morte e precisava cuidar para que todo o trabalho fosse bem executado. Por isso ela preferia que cada equipe recebesse instruções separadamente. Mesmo que fosse preciso repetir a mesma coisa várias vezes, ela não se importava. Organização era fundamental para aquele ano.

__________________________________________________________

- Por favor, me deixa avisar meus amigos! Por favor!
- Sinto muito Ângelo. Você conhece as regras. Nenhuma informação pode ser passada as pessoas sem autorização expressa.
- Eles são meus protegidos, minha responsabilidade! Eu tenho que cuidar deles!
- E você poderá cuidar deles, ninguém irá lhe tirar essa tarefa. No entanto, eles não poderão ter nenhum tipo de informação privilegiada. Você sabe como isso pode ser perigoso.
- É perigoso salvar meus amigos?

O velho anjo tirou os óculos e coçou os olhos com o indicador e o polegar. Por mais que entendesse a aflição do jovem, ele não podia fazer nada que infligisse à lei. E a lei era bem clara: nenhum humano podia receber avisos diretos sobre a tragédia. Se eles tivessem que descobrir algo, teria que ser pelo próprio esforço e estudo.

Ângelo não se conformava com aquela situação. Por que as pessoas tinham que ser mortas sem nenhuma chance de defesa? Aquilo não era justo para ninguém!

- Ângelo, eu entendo sua tristeza e revolta, mas lembre-se de que os humanos foram avisados.
- Avisados? Você chama aquelas profecias vagas e confusas de aviso?
- Seja como for, eles receberam vários avisos e sinais. Se eles não foram capazes de interpretar e entender, paciência. Só não diga que eles não foram avisados porque isso não é verdade. Alguns governos da terra já sabem disso e estão tomando providências.
- É, eu sei! Tudo às escondidas enquanto o resto do mundo ignora totalmente! Por que o resto da população da terra não pode ser avisada?

Ele deu outro suspiro. Explicar as coisas para aquele jovem anjo não estava sendo fácil.

- Se isso acontecer, haverá um caos total. Rebeliões serão levantadas ao redor do globo causando várias tragédias. Os humanos irão se apavorar e fazer todos os tipos de loucuras e desvarios. Você sabe como eles são. E tem outra coisa.
- O que, exatamente? – o rapaz perguntou com raiva.
- Os governos do G8 estão tomando providências para salvar o maior numero possível de pessoas, juntamente com boa parte do patrimônio cultural e científico da humanidade incluindo o conhecimento tecnológico, pesquisas cientificas, engenharia, eletrônica, etc.
- E?
- Esse preparo será necessário na hora de reconstruir a civilização humana. Se houver uma rebelião geral, todo esse preparo será prejudicado. Entenda que a transformação do planeta irá acontecer de qualquer jeito, mas se esses humanos não puderem se preparar, a humanidade terá dez vezes mais trabalho para ser reconstruída. É por isso que tudo tem que ser mantido em segredo.

Desde que tomaram conhecimento da tragédia, os governos se mobilizaram para recolher obras de arte importante, literatura e toda informação disponível e necessária para se criar um novo mundo. Arcas estavam sendo construídas com a capacidade para cerca de 400 mil pessoas e boa parte dos bilhetes estava destinada a funcionários do alto escalão do governo e pessoas selecionadas de acordo com a genética como gênios, cientistas, etc. O restante estava sendo vendido a um bilhão de euros cada, o que ele achava injusto e absurdo.

- E você acha que é justa a maneira como esses governos estão organizando essas arcas?
- Não. Eu não acho. Muitos políticos inúteis serão salvos enquanto milhões de pessoas boas serão abandonadas a própria sorte. Mas é a única forma que eles conhecem, é o melhor que eles podem fazer. Não cabe a nós julgar.
- E não vou perder tempo julgando esse tipo de coisa, eu só quero poder avisar pros meus amigos! Eles não vão sair espalhando nada para ninguém!
- Você tem idéia das implicações disso?

Como o rapaz não respondeu, ele continuou ajeitando os óculos.

- Seus amigos têm família. Pais, mães, irmãos, irmãs, tios, primos... Sabe até onde isso pode dar? Não se trata apenas de salvar seus amigos. Eu não duvido que eles consigam ser discretos, mas você não pode me dar garantias dos demais parentes. E ainda existe o risco de ninguém acreditar.
- Mas...
- Não tem “mas”. Esse assunto é muito delicado para você sair espalhando dessa forma. Tentar impedir a queda de um objeto pode causar mais estragos do que deixá-lo cair livremente.
- Então eu não poderei fazer nada?

O corpo do rapaz tremia e ele se esforçava para não deixar as lágrimas caírem pelo seu rosto. Seu superior abrandou um pouco o tom de voz e falou de maneira paternal.

- Há locais seguros em várias partes do Brasil. Esses locais não serão atingidos pela onda de terremotos e não estarão ao alcance dos mega-tsunamis que se formarão. As pessoas que conseguirem se abrigar nesses locais estarão seguras e poderão refazer suas vidas depois que toda a transformação terminar. Você sabe quais locais são esses, não sabe?
- Sim, eu sei.
- Ótimo. Você não pode avisá-los de nada do que irá acontecer, mas poderá encaminhá-los para um desses lugares seguros.
- Tentarei isso, só que vai ser muito difícil com a tragédia em andamento! E olha, muitas coisas já estão acontecendo pelo mundo, então não seria a hora de falar com eles?
- Sinto muito. Não. É a minha palavra final e se você ainda quiser ter a chance de proteger seus amigos, não tente se rebelar ou correrá o risco de ser transferido de setor e com isso não poderá fazer nada por eles.

Aquilo fez com que o rapaz se calasse. Ser transferido ia piorar mais ainda as coisas e Ângelo achou que era melhor dar alguma proteção do que nenhuma. Como não podia fazer nada, só restava esperar pelos acontecimentos.

__________________________________________________________

- Então ele não deu permissão para avisá-los...
- Não, Nina. Nós não poderemos falar nada por eles.
- Que triste...
- E quanto a você? Haverá tantos desastres naturais...
- Desastres naturais que ocorrem sem interferência humana não nos machucam, mas ainda assim teremos muito trabalho para ajudar a reconstruir os ecossistemas quando tudo terminar. Vai ser uma loucura.

Ele passou o braço sobre o ombro dela, fazendo com que ela pousasse a cabeça em seu ombro e os dois ficaram em silêncio.

- Sabe, eu estou preocupada. Não vai demorar muito até o bairro Limoeiro ser afetado. Se eu pudesse ao menos dar alguma pista para eles...
- Eu também queria fazer isso, mas tenho medo de ser penalizado e mudado de setor. Se isso acontecer, não terei como ajudar ninguém.
- Entendo... melhor poder ajudar alguns do que não ajudar ninguém. Bom, se for o caso, eu e minhas amigas poderemos ajudá-los retardando o terremoto para que eles tenham tempo de fugir.
- Obrigado, minha flor!

Os dois se beijaram carinhosamente e ficaram ali contemplando o lago do Santuário. Em pouco tempo, aquele lugar também deixaria de existir e os seres mágicos que habitam aquele lugar teriam que encontrar outra casa quando o planeta estabilizasse novamente. Eram tempos de grandes mudanças.
 



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...