Capítulo Seis
Hambúrgueres, fotografias e os problemas acerca de Min Yoongi.
Sábado. Eu sempre visitava minha mãe aos finais de semana. Segundo ela, já que eu estava longe da família, deveria pelo menos ir visita-la quando estivesse livre. O problema era que eu odiava isso. Odiava ter que ir a Busan, mesmo que por pouco tempo. Aquele lugar me trazia lembranças ruins, e tudo o que eu menos precisava agora era de más recordações.
Me acostumei a inventar desculpas às vezes, quando ela me chamava para mais um daqueles programas familiares obrigatórios, onde você responde perguntas, come, elogia a comida, e finge estar gostando de estar ali. Ou eu dizia algo como "desculpe, tenho muitos trabalhos para fazer" ou "não vai dar, prometi sair com meus amigos", o que era uma mentira absurda porque nem amigos eu tinha. Até agora.
Só que dessa vez não consegui inventar nada, e me sentia culpado por evitar todas suas tentativas de se aproximar de mim desde a morte do meu irmão, então peguei um trem até Busan e me preparei para mais um daqueles dias monótonos.
Minha mãe parecia verdadeiramente feliz em me ver, e sorriu de uma forma que eu tive que tirar uma foto.
— Você é muito bonita, mãe. — Eu disse, checando a foto que havia saído, e colocando-a no bolso da camisa jeans.
— Eu estava esperando por você. — Ela me abraçou forte, e eu a abracei de volta, sentindo o cheiro familiar do perfume que ela costumava usar sempre que levava eu e Wonwoo para comer hambúrgueres.
Por algum motivo, comecei a achar que ela o tinha passado de propósito.
— Querido, o Jungkook chegou! — Anunciou, e seu marido apareceu logo atrás, ajeitando a manga da camisa.
— Oh, Jungkook-ssi, como vai? Sua mãe falou de você a semana inteira. — Falou, e eu me curvei, forçando um sorriso.
— Estou ótimo.
Minha mãe virou-se para mim e arrumou a barra do vestido amarelo, ela estava linda, como a anos atrás, jovem, e parecendo feliz como costumava ser.
— Vamos comer fora — Falou — Achei que seria divertido.
— Vai ser, mãe. Tenho certeza.
Na verdade, eu só tinha certeza de que ia fazer de tudo para não estragar o programa, ela estava se esforçando, e eu precisava colaborar.
Fui no banco do passageiro, olhando a cidade pela janela, enquanto mamãe cantava uma música na rádio junto com Choi, que sentou atrás, querendo que eu me aproximasse mais.
A cena era exatamente igual, só mudava as circunstâncias.
Ela costumava dirigir, enquanto Wonwoo ficava no banco do passageiro e eu no de trás, eu sempre quis ser igual a ele. Sempre quis ser mais velho para poder sentar no banco do passageiro e cantar Sweet Home Alabama bem alto – mesmo que não estivéssemos no Alabama –, mas não era a mesma coisa.
Agora, se eu pudesse escolher, escolheria que ele estivesse no meu lugar, e eu no lugar do marido da mamãe.
— Você e seu irmão adoravam essa música — Ela disse, e eu a olhei, enquanto a mesma aumentava o volume.
Sorri.
— Ainda adoro. — Cantamos juntos o resto da música, mesmo eu me sentindo meio mal ao ter perdido o começo por estar pensando demais em coisas que eu deveria esquecer.
Ela estava tão feliz, e eu não ousaria acabar com isso de forma alguma.
— Chegamos! — Cantarolou, estacionando o carro e desligando o rádio.
Era a mesma lanchonete.
— Lembra? Vocês amavam o hambúrguer daqui — Mamãe enlaçou seu braço ao meu e eu me limitei a sorrir e balançar a cabeça.
Entramos, e o sininho indicou que estávamos ali novamente. Apontei para a mesa perto da janela, onde eu sempre gostava de sentar para ver a rua e as pessoas.
Mamãe pediu o que ela sempre pedia, milkshake de baunilha, hambúrguer de carne e batatas fritas com queijo.
Seu marido pediu o mesmo e eu fiquei em dúvida, quando olhava o cardápio, sentia uma vontade enorme de sair dali.
Pedi o mesmo que Wonwoo pedia. Suco de laranja, sanduíche com frango, cheddar e bacon. Eram combinações estranhas, do jeito que ele gostava. Quando fiz o pedido, vi o olhar dela ficando cada vez mais distante. Mas não tinha volta, já havia o feito.
Seu marido tentou quebrar o clima tenso e puxou assunto comigo, perguntou sobre a faculdade, os amigos, e a namorada que ele achava que eu teria. Respondi tudo calmamente, e em questão a namorada, tive que negar.
— Na verdade, eu gosto de garotos. — Falei, sorrindo, e ele engoliu em seco.
— Oh, isso é... novo, eu acho. — Riu, e minha mãe nos olhou com suavidade.
— Tenho certeza que Jungkook vai encontrar um bom companheiro. — Ela sorriu e acariciou minha mão.
Não me surpreenderia se seu marido quisesse se afastar de mim ou se separar dela pela mesma ter um filho gay, mas só de pensar nisso, meu estômago revirava. A última coisa que eu queria era trazer mais problemas a ela. Então repeti a mantra silenciosamente:
Não estrague tudo, não estrague tudo, não estrague tudo.
Ao contrário do que eu imaginava, Choi pediu desculpas pela pergunta, disse que não sabia da minha orientação sexual e começou a conversar normalmente, como se fôssemos verdadeiros amigos, e por mais incrível que parecesse, eu havia gostado daquilo.
Tudo que eu desejava para minha mãe era que ela nunca encontrasse um homem igual ao meu pai, e aquele cara era totalmente diferente.
Quando os pedidos chegaram, ele a fez rir diversas vezes, colocando batatas nos dentes e dizendo ser um vampiro, ou somente fazendo trocadilhos com o nome dos hambúrgueres. Não pude deixar de rir também, porque finalmente o ambiente estava agradável, e era como se todas as preocupações sumissem de repente.
Eu sorria tirando algumas fotos dela enquanto gargalhava, mesmo que isso fosse gastar rapidamente os meus filmes, era incrível. O sorriso dela seria o meu preferido se não fosse o de Park Jimin.
— Como você é idiota... — Ela dizia a ele, ainda rindo boba, e aquilo me deixava completamente aliviado.
Era bom vê-la tentando, era bom vê-la se reerguendo depois que meu pai foi embora e deixou seu coração simplesmente fodido.
Eu o odiava, mas não por ter nos deixado. Essa foi a melhor coisa que ele já fez, ir embora. Eu o odiava por ter feito da nossa vida um inferno, por ter deixado tudo mais complicado e sobrecarregado tanto o meu irmão a ponto de fazê-lo tirar a própria vida. Ou apenas por ter feito minha mãe sofrer. Meu pai era um monstro, e só de lembrar que ele não está mais aqui, já é um motivo para agradecer, porque graças a isso ela conseguia tentar viver novamente.
E estava conseguindo.
Um tempo depois avisei que tinha que ir, já que estava ficando tarde. Eu não queria ir, mas sabia que precisava, que a qualquer minuto minha mãe entraria no assunto daquela noite, e eu já estava cansado de mentir para ela.
— Foi ótimo passar esse tempo com você, mãe. Eu vou voltar mais vezes.
Quando eu disse isso, ela me olhou de uma forma como se fosse chorar, mas me deu um beijo na testa e acenou, enquanto eu entrava no trem e esperava que as portas fechassem. Seu marido segurou seus ombros, e sorriu para mim. Devolvi-lhes um sorriso fechado e, quando a imagem dos dois já estava distante, me sentei em um dos bancos vazios.
Com a câmera no colo, tirei as polaroids do bolso e observei as que tinha tirado ao longo dos dias, eram fotos amadoras, uma ou outra se destacavam. Eu sabia que tinha que melhorar, mas gostava do meu estilo, se eu mudasse, talvez não fosse algo meu.
Eu queria ser único, pelo menos para mim mesmo.
Com base nesse pensamento, tentei responder a questão passada por Seokjin na aula, mas cheguei à conclusão de que nada se encaixava.
Qual era a importância da fotografia?
Era a mesma coisa que me perguntar: “por que você faz isso”? Eu não sabia explicar, apenas demonstrar.
Suspirei, poderia simplesmente escrever qualquer coisa e esperar que ele me avaliasse da maneira que bem entendesse, mas isso não era certo, eu precisava ser sincero.
Só não sabia como faria isso.
. . .
GeniusMin: Você está aí??
GeniusMin: Não diga que não está, estou te vendo online.
JJungkookie: Estou aqui.
GeniusMin: O porteiro me deixou subir, estou chegando. É bom você ter comprado batatinhas.
Revirei os olhos e deixei o celular de lado, me concentrando em colar algumas notas no meu Bullet Journal. Aquele era um livro que eu tinha desde que meu irmão se foi, eu escrevia palavras que me lembrassem coisas boas e fazia colagens, para que elas formassem alguma frase bonita. Era mais como um passatempo.
Escrevi "cigarro" "fotografia" "azul-piscina" e embaralhei por uma das páginas, talvez algum dia eu terminasse aquela frase. Ouvi a porta ser aberta e me virei, Yoongi sentou-se do meu lado e apontou para o diário em minhas mãos.
— O que é isso? — Perguntou.
— Nada importante.
Apesar de ser meu melhor amigo, não esperava que ele entendesse, então apenas fechei o livro e coloquei em uma das gavetas da minha cômoda, junto com outras coisas que eu tenho mania de esquecer.
— Certo, bom, eu vim aqui porque precisava jogar conversa fora antes que minha cabeça simplesmente exploda.
Notei que ele pegou meu pacote de batatinhas mas nem disse nada, eu nem gostava tanto de salgadinho, só comprava para que ele comesse e eu fingisse ficar bravo com o mesmo.
— Aconteceu alguma coisa? — O olhei.
— Se com “alguma coisa” você quer dizer “Kim Taehyung e Jung Hoseok brigaram feio”, então sim, aconteceu alguma coisa. — Ele disse, parecendo meio puto.
— Você... ‘tá puto?
— É CLARO QUE EU ‘TO PUTO, PORRA! — Socou uma almofada e bufou, olhando as paredes — Legal, você pintou de azul.
Dei risada e me deitei ao seu lado.
Min Yoongi tinha esse hábito estranho de mudar rapidamente de humor e se distrair facilmente com as coisas. Ele suspirou, enfiando umas quatro batatas de vez na boca e inflando as bochechas para que coubessem melhor. Então ele mastigou, suspirou novamente e falou de boca cheia:
— Me desculpe por te encher o saco com isso, é só que... — Engoliu as batatas — Eles sempre brigam, sabe? Mas dessa vez, Hoseok se convenceu de que a culpa é minha.
O encarei curioso.
— Sua?
— É. Soube que eles te contaram sobre a festa de confraternização, a aposta e tudo mais, só que tem um problema: eles não te contaram tudo.
— Bom, eu estou disposto a ouvir — comentei.
— Taehyung tem sérios problemas com álcool, Kook, e ele também fez besteira naquela noite. Depois que eu subi na mesa e fiz todo um “showzinho”, a gente meio que... se beijou... — suspirou, escondendo o rosto nas mãos e fazendo um barulho estranho de frustração — Eu não queria ter feito aquilo. Hoseok viu, mas de começo não deu tanta importância porque ele sabe bem as coisas que o namorado faz quando bebe, só que hoje cedo Taehyung pediu um tempo e disse que o que aconteceu naquela festa o fez pensar em muita coisa, então Hoseok deduziu que isso tinha a ver comigo e o beijo.
Pisquei algumas vezes, era muita informação para assimilar no momento, e seja lá qual fosse a verdade, tudo aquilo ainda não se encaixava.
— E tem? Digo... você tem algo a ver?
— Não faço ideia, mas eu duvido que tenha. Taehyung nunca olharia para mim dessa maneira.
Com certeza, havia muita coisa das quais eu ainda estava por fora, como por exemplo o fato do Kim ter problemas com álcool. Isso nunca havia me passado pela cabeça, e nem mesmo o fato de que os dois tinham um relacionamento conturbado, quando aparentava ser tudo perfeito.
Yoongi parecia machucado com aquela situação, ele escondeu os olhos com o braço e respirou fundo, tive medo de que ele estivesse chorando, então tentei confortá-lo, mas ele apenas caminhou até a janela e ficou olhando para fora, como se desejasse estar bem longe dali.
Então ele fechou a cortina, deu de ombros e se virou.
— Tá afim de levar uma porrada no Naruto Ultimate Ninja?
Revirei os olhos e sorri de canto, me levantando.
— Sonha, Yoongi, sonha.
. . .
— Está pronto para uma nova aventura, fiel escudeiro? — Foi a primeira coisa que Jimin disse assim que eu atendi sua chamada, quase a meia-noite.
Cocei os olhos, àquela altura eu já estava deitado debaixo das cobertas, me preparando para desligar o abajur e ir dormir.
— Tenho aula amanhã. — Respondi.
— Ahh, qual é, Jungkook! A noite é uma criança. — Ele parecia animado, decidi jogar duro com ele pelo menos uma vez e tentei resistir ao seu tom de voz manhoso.
— E eu sou um adulto responsável, ou pelo menos tento ser.
— Eu duvido muito disso. Vou passar aí para te buscar, esteja pronto daqui cinco minutos e não esqueça a câmera. — E assim ele desligou.
Meus lábios formaram um bico, mesmo sem querer, Park Jimin conseguia me dobrar facilmente.
Quando os cinco minutos se passaram, Jimin foi pontual, e logo ouvi a campainha tocar. Calcei o tênis e peguei a câmera com alguns filmes, abrindo a porta.
— Parece que não vejo seu rosto a anos, você está mais bonito, mudou o cabelo? — Apontou.
— Nós nos vimos a apenas três dias atrás, e eu só penteei o cabelo. — Sai do apartamento e me certifiquei de trancar a porta.
— Mesmo assim, eu senti saudades. — Cruzou os braços e me encarou, talvez estivesse mesmo falando sério, ou não. Eu nunca sabia dizer quando ele estava falando sério e quando não estava.
Segui-o até uma picape estacionada de mal jeito em frente ao meu prédio e entramos. Não demorou muito para que ele ligasse o rádio e colocasse uma música que eu reconheci ser do Dean, uma chamada Half Moon.
— Sem bicicleta hoje?
— A ocasião nos pede o Jiminiemóvel.
Dei risada, cruzando os braços.
— E qual a ocasião?
— Uma festa. E das grandes.
Não entendi no começo o que ele quis dizer com “das grandes”, até o “Jiminiemóvel” – um nome ridiculamente criativo, que eu até gostava de dizer – parar em frente a uma casa enorme num dos bairros nobres de Seul, que parecia cheia de gente.
Segui o alaranjado pela entrada, onde ele cumprimentou algumas pessoas – mas não me apresentou a nenhuma delas – e me manteve por perto, vez ou outra esbarrando a mão na minha, como se quisesse que eu não me afastasse, então eu não o fiz, apenas fiquei o mais próximo possível dele, enquanto ele pegava umas bebidas para nós dois.
— Não quero te apresentar a essas pessoas, elas são nojentas e falsas. — Me entregou um copo.
— Tudo bem, eu também não sou muito bom em manter contato com pessoas. — Bebi um gole da bebida que estava no copo vermelho, e era até gostosa, então acabei com a mesma em três goles longos e peguei um pouco mais. — Prefiro gatos.
Jimin riu e bagunçou meus cabelos.
— O que viemos fazer aqui, mesmo? — Perguntei, tendo que quase gritar.
A música estava alta demais e ele quase não me ouviu, mas entendeu o que eu disse, então aproximou os lábios da minha orelha e sussurrou:
— Nos divertir, de todas as formas possíveis.
Senti meu corpo paralisar, o que não durou muito, porque antes de se afastar, ele sorriu e me puxou para a sala, onde começou a dançar. Eu sentia as bochechas corarem pela bebida e ria como um idiota ao vê-lo dançar de forma tão sexy e ao mesmo tempo engraçada.
A música era algo como R&B, e até que não era ruim.
Li seus lábios quando ele gritou “vamos, dance comigo”, mas não entendi o que ele disse em seguida. Me aproximei e tentei dançar algo, me lembrando de quando costumava dançar com minha mãe e Wonwoo nas festas de família, e sorri de volta quando Jimin sorriu para mim.
Eu podia ter esquecido da câmera pendurada ao meu pescoço, se eu não quisesse tanto tirar uma foto dele naquele momento e deixar aquele momento guardado, e foi o que eu fiz, ele fez um “V” com os dedos quando posicionei a polaroid nos olhos e apertei o botão, assustando-o um pouco pelo flash. Ri e peguei a foto que havia saído, observando os detalhes.
Na foto, Jimin estava com os cabelos laranjas levemente bagunçados, um sorriso largo e os olhos fechadinhos em duas meias-luas por causa do flash, assim como na música do Dean.
— Ficou boa? — Perguntou alto, e eu apenas sorri.
É claro que havia ficado.
Umas sete músicas depois, ele me puxou para os fundos da casa, onde era possível ver algumas pessoas fumando e se embebedando ainda mais. Nos sentamos na grama e ele acendeu um cigarro, me oferecendo um, do qual eu recusei educadamente.
— Hyemin descobriu que nós pichamos a casa dela. — Ele riu, soprando a fumaça.
— O quê? A casa era dela? — Minha boca se formou num “O” perfeito.
Isso explicava a briga dos dois a uns dias atrás.
— De quem mais poderia ser? — Bateu as cinzas de leve em um guardanapo e deu de ombros — Mas eu tinha descoberto que ela estava me traindo esse tempo todo, então, quem é pior?
— Sinto muito... — O encarei.
— Nah, está tudo bem, não é como se eu estivesse realmente magoado, ou surpreso. Eu sabia dos riscos quando comecei a sair com ela. — Ele deitou na grama, descansando a cabeça na minha coxa, e jogou o cigarro longe.
— Então por que saiu?
— Carência, eu acho. — Falou baixo e olhou para o céu — Eu tenho um problema, Jungkook, sempre me sinto sozinho, e eu odeio me sentir sozinho. É tão deprimente...
Ouvir aquilo me deixou com o coração um pouco mais pesado que o comum, eu sabia como era se sentir sozinho e nunca imaginei que isso pudesse acontecer com Jimin. As festas em que ele era convidado, a quantidade de amigos no Facebook, a fama no campus... tudo isso o fazia parecer tudo, menos solitário.
Mas ele era só mais uma das provas de que nem tudo é o que parece, e eu ansiava poder conhecer mais do mundo dele, esse que ninguém fazia parte, e que pouco a pouco, ele ia dividindo comigo, me fazendo sentir tão especial quanto o universo.
Jimin fechou os olhos e eu olhei para as estrelas. Era como se não existisse ninguém a nossa volta, nem mesmo a música alta de dentro da casa nos fazia tirar os olhos da imensidão azul acima de nós, e dos corpos celestes que brilhavam bastante. Um tempo depois, o vi recolher algumas margaridas, arrancando pouco a pouco as pétalas de cada uma, quando o perguntei porque ele estava recolhendo-as, ele respondeu:
— Margaridas significam juventude, estou contando os dias até quando a minha irá acabar. — E continuou arrancando as pétalas.
— Posso ouvi-las gritando de dor, seu monstrinho. — O empurrei e ele riu, deixando a última margarida intacta, e me entregando.
— Você pode ficar com o resto da minha juventude.
Sorri, segurando a flor entre os dedos, enquanto ao contrário de mim, ele segurava um cigarro. Ia dizer alguma coisa, mas fomos interrompidos pelo som de passos não muito longe, o que o fez se levantar.
— Bom, parece que é hora do show. — Murmurou, e eu segui seu olhar.
Hyemin estava ali, puxando um garoto pela gola da sua camisa e o beijando ferozmente, como se fosse engoli-lo, aquilo estava me deixando incomodado, que tipo de criatura acha gostoso beijar alguém assim tão rápido?
— Qual é, todo mundo sabe que beijo é bem melhor quando é lento. — Comentei, e ele riu, me cutucando de leve e apontando com o queixo para a câmera.
Entendi o recado e posicionei-a, tirando uma foto.
Quando a garota percebeu que tinha espectadores para o pior beijo na história da humanidade, ela se afastou dele, e a surpresa foi ver que seu namorado – ou ex, agora – estava ali também do meu lado, acenando para ela com um sorriso cínico.
Tirei outra foto, precisava registrar o seu semblante assustado ao ser pega traindo Park Jimin.
— J-Jimin, e-eu posso explicar...
Ele se levantou e estendeu a mão para me levantar junto, peguei e bati de leve na calça para tirar a grama que havia grudado. Entreguei-lhe as duas fotos.
— A foto ficou bonita, quer guardar de recordação? — Jogou a primeira para ela, mas guardou a segunda em que ela notava nossa presença. — Pegue, não despreze o trabalho do Kook.
Hyemin se abaixou para pegar e olhou para mim, seus olhos transbordavam raiva.
— Da próxima vez que for trair alguém, verifique o perímetro antes. — Jimin pegou minha mão e me puxou para o carro, dando partida logo.
Ele abriu os vidros do carro e suspirou, sentindo o vento bater no rosto, logo soltando uma risada sem graça.
— Eu sou tão idiota...
— Ela que é. — Deixei a câmera no meu colo. — Você não tem culpa.
O ruivo suspirou.
— Você viu, Jungkook? — Franziu os lábios — Viu por que eu preciso dar um jeito na minha vida? Viu por que eu preciso de você para fazer tudo isso?
Permaneci em silêncio, apenas o olhando e o ouvindo falar.
— Porque tudo a minha volta é de mentira, nada é real. Eu amo meus amigos, mas eu não amo essas pessoas que me cercam, porque elas não gostam de mim de verdade, elas fingem gostar porque eu tenho status. — Apertou o volante — Eu não amo a minha vida, é por isso que eu preciso dar um jeito nisso tudo, deixar as coisas nos seus devidos lugares. Antes de ir, preciso marcar cada lugar, com você...
— Eu estou com você, hyung. — Olhei para ele — Eu prometi te ajudar com isso, e se você deixar, posso te ajudar a dar um jeito na sua vida, nem tudo está perdido se você tiver alguém.
O Park sorriu, e por um momento jurei ter visto suas bochechas corarem.
— Eu até que gosto da ideia.
Sorri pequeno e ele parou o carro perto do Rio Han. Eu já tinha ido correr ali algumas vezes, ia dali até a ponte, passava pelo parque, dava uma volta no bairro e voltava para casa. Era bom para pensar, mas eu nunca tinha ido ali com alguém.
O ruivo colocou uma música no celular e me mostrou o nome, Overthinking, do Acid Ghost. Era com toda a certeza o tipo de música que eu ouviria sozinho, e até dançaria sozinho, dependendo do meu humor.
— Já que aquela festa foi uma merda cheia de gente ridícula, faremos a nossa própria festa. — Piscou e eu ri.
— Não foi tão ruim assim... foi divertido dançar com você. — Quis me bater por ter dito aquilo, mas ele apenas riu.
— Eu também achei, mas a presença daquela garota estragou nosso momento.
Nosso momento.
Nosso momento.
Nosso momento.
Repeti isso para mim mesmo na minha cabeça umas treze vezes, até ele finalmente bagunçar meu cabelo e dançar comigo.
Eu estava rindo, porque era ridículo. Dois garotos no meio da madrugada dançando perto do rio, como se fossem dois delinquentes malucos.
Mas eu realmente não me importava, desde que Jimin estivesse ali comigo. Desde que eu pudesse sentir a euforia deliciosa que o mesmo me fazia sentir toda vez que esbarrava sua mão na minha.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.