História 50 shades of blue - Extra

POV MIKE

Me sentei no banco mais alto que tinha a vista ampla para o parque. Era o nosso banco. Isa chegaria a qualquer momento, então decidi apenas sentar e observar enquanto a esperava.

A tarde estava fresca, o sol já baixo e amarelado pairava no céu coberto de nuvens brancas. Logo o frio chegaria e eu desejaria não ter que acordar cedo todos os dias para ir a faculdade.

Aos meus 18 anos entrei para a NYU já que queria ficar na cidade. Curso o terceiro ano de Direito agora e Isa faz Letras na Columbia, então nos víamos muito menos o que me deixava um pouco pegajoso.

Eu tenho sorte de que ela me ama, porque as vezes nem eu me aturo.

Apesar de querer ficar na cidade por causa dos meus pais, estava procurando um apartamento para mim e iria pedir a Isa para ir morar comigo.

Não me levem a mal, meus pais são ótimos. Mas bem, eles ainda são pais e eu tenho a remota sensação de que se limitavam muito a viverem suas vidas por minha causa.

Eu já estou com quase 22 anos, posso me virar sozinho.

Acho.

Talvez Isa me mantenha vivo.

Enquanto eu olhava para o nada com as mãos no bolso pelo recente vento frio vi um senhor se sentar ao meu lado.

- logo vai esfriar, não é mesmo? - ele disse com a voz grossa e um pouco rouca.

Ao olhar para ele percebi que não era tão velho quanto imaginei. Tinha cabelos negros um pouco longos, barba por fazer e olhos verdes. Ele usava uma blusa de frio grossa com cachecol e touca. Não deveria ter mais de 40 anos, mas com certeza estava um pouco acabado.

Quando seus olhos encontraram os meus fiquei enciumado, com a sensação de que o conhecia de algum lugar.

- sim. - respondi. - o frio já está aqui.

Ele sorriu de leve como um tio ou um pai faria. O homem não parecia um mendigo ou um ladrão, ele transmitia tranqüilidade.

- está esperando alguém? - perguntou puxando assunto.

Geralmente eu não ligava em conversar com estranhos, mas me senti um pouco incomodado com a invasão.

- namorada. - respondi. - e você?

- ninguém. Na verdade vim me despedir de algumas pessoas, mas estou com medo de vê-las. - pareceu triste com isso. - fiz coisas ruins a eles. - explicou.

- não pode ser tão ruim. Tenho certeza que seja o que for vão te perdoar. - falei amigável.

- você acha mesmo? - ele me olhou escondendo a surpresa.

- ninguém deveria ir embora sem se despedir, e ninguém deveria deixar alguém que ama partir. - falei só depois pensando no quanto aquilo servia para mim mesmo.

O homem torceu o lábio meio impressionado, meio pensativo.

- tem razão. - disse por fim e então sorriu nostálgico. - você puxou a sua mãe Mike.

Levei um susto com aquilo, o olhei analítico.

- desculpe, eu conheço você? - perguntei em desvantagem.

Ele deu um riso sem humor.

- não Mike, você não me conhece. Mas sabe, eu sinto como se te conhecesse. Você deveria ver como minha mãe fala de você. - contou como se a lembrança o agradasse.

Franzi o cenho tentando entender.

- sua mãe? Minha mãe? Tem muitas mães envolvidas e eu não estou entendendo nada. - confessei o vendo rir.

- tem razão. Me desculpe pela indelicadeza. - ele estendeu a mão para mim. - sou o Percy.

Fiquei olhando para aquele senhor assimilando as coisas, encontrando semelhanças e ligações.

Eu sabia muito pouco sobre aquela pessoa, mas o suficiente para ficar longe.

Percy sorriu sem jeito e abaixou a mão quando não a apertei.

- pela sua cara não ouviu coisas boas de mim. - comentou.

Engoli em seco. Porém não me sentia ameaçado.

- não muito para falar a verdade. - contei sem saber o que fazer.

Eu deveria sair e deixá-lo falando sozinho? Ligar para alguém?

- entendo. - Percy me estudou. - não se preocupe Mike, só estou aqui para conversar. Eu sempre quis te conhecer.

Apertei as mãos no bolso.

- porque? - perguntei realmente confuso.

Ele deu nos ombros.

- como eu disse minha mãe fala muito de você. 

- achei que estava na prisão. - soltei sem conseguir controlar minha língua.

- sai a dois anos. - ele engoliu devagar antes de continuar. - pouco depois que meu pai morreu.

Me lembrava daquilo. De como Sally ficou arrasada pela morte-não-tão-precoce-assim do ex marido criminoso. Eu sabia muito pouco sobre toda aquela história e preferia não perguntar causando mais incomodo e constrangimento.

Eu só sabia que Percy e Poseidon fizeram muito mal aos meus pais, não precisava de nenhuma informação além disso.

- não fique ofendido se eu não fiquei sabendo disso. - falei seco. - não me interesso por coisas que fizeram mal a minha família.

Percy ponderou a cabeça. Mesmo sabendo que ele era ainda mais novo que meus pais, era inevitável não reparar em sua aparência envelhecida ao redor dos olhos juvenis.

- não esperava que você soubesse qualquer coisa de mim Michael. - disse com desdém.

- o que você quer? - perguntei sem esconder meu incomodo.

- conversar, como disse antes. Não quero machucar ou magoar ninguém. Tive muito tempo na prisão para refletir sobre isso. - ele abaixou os olhos como se as lembranças doessem. - é só que... Eu os amei um dia, dois de seus pais. Queria te conhecer, saber como você é... - ele me fitou analisando por um momento. - posso ver a semelhança com Annabeth e também o jeito do Will de olhar fixamente. - sorriu fraco. - um pouco da petulância do Nico também.

De alguma forma que não soube explicar aquilo me irritou. Parecia muito errado que Percy falasse deles com aquele carinho todo.

Ignorei suas observações.

- então você quer o que? Que eu fique com pena de você? Veja que você mudou e se tornou um homem melhor? - bufei irônico.

Percy fez uma careta.

- não. Nada disso. - desmentiu. - não quero sua pena e não me interessa que veja quem sou agora já que não vai mudar sua visão de mim Mike. - o encarei esperando uma conclusão. - acho que... Achei que era mais fácil falar com você do que com eles.

- espero estar colaborando com sua consciência pesada. - ironizei.

- apenas me diga Mike, como eles estão? Como é a vida de vocês? - perguntou quase em súplica.

- acha que vou dar informações a você? Só pode estar louco. - indignei.

- tem razão. Você tem motivos para achar que eu faria algo, mas espero que acredite que não farei. Agora não quero mais nada além de reconstruir minha vida. - Percy disse sincero me fazendo o encarar.

Ele pegou uma foto no bolso e me entregou. Na foto estava uma garota com sorriso brilhante, olhos verdes e cabelos ruivos cacheados em frente ao mar.

- o nome dela é Rachel. - contou. - a conheci em uma das minhas tentativas frustradas de distrair a cabeça. Fui parar em um estúdio de artes, tentando pintura em tela e ela era a professora. - sorriu ao lembrar. - apesar de jovem ela é muito talentosa. - devolvi a foto a ele que a pegou encarando. - Rachel me aceitou como sou agora, independente do meu passado. Ela aceitou se casar comigo. Estamos nos mudando para o Havaí.

Foi inevitável sentir seu alívio e esperança. Mesmo sem saber de tudo, sem conhecê-lo, eu fiquei feliz por ele.

- ela parece uma ótima garota. É por isso que quer se despedir?

- sim. Não posso recomeçar aqui, não posso ficar perto de nenhum de vocês. - sua tristeza era palpável.

- você deveria conversar com eles. Sua mãe, Tyson...

Percy assentiu pensativo.

- sinto que ainda estou fugindo ao ir embora, sabe? Deles. Não sei se entenderiam.

- eu aposto que sim. - afirmei o vendo me fitar. - sua mãe sempre foi compreensiva e mente aberta, e Tyson mudou muito, não é mais o irmãozinho que você lembra.

Percy deu um sorriso duro.

- você tem razão Mike. Obrigado por não sair correndo ou me agredir. - disse realmente grato.

Sorri sarcástico.

- não posso dizer que não pensei nisso.

Ele riu baixo.

- você me lembra seus tios também. Não herdou só os nomes deles.

Franzi o cenho curioso. Ninguém nunca me falava deles, era doloroso demais.

- você os conheceu?

Percy assentiu.

- ah sim, não tanto quanto gostaria, devo dizer. Lee era o mais velho e o mais marrento. Céus, ele queria brigar por qualquer coisa e isso fazia de Michael o protetor. Lee brigava, Michael defendia e Will chorava em silêncio. No final acabavam juntos, rindo uns dos outros. - ele riu breve da lembrança. - era uma família e tanto.

Percebi o rancor em sua voz.

- diferente da sua? - soltei com ousadia.

- muito diferente. - respondeu com o olhar baixo e triste.

Fiquei o estudando por um momento.

Pode ser que eu estivesse enganado, mas era quase impossível ver maldade naquele homem quebrado.

- minha mãe é casada e tem uma filha. - contei o vendo me olhar surpreso pela informação repentina. - ela é feliz pelo que sei e está presente sempre que pode. - ele assentiu com um sorriso aliviado. - meus pais trabalham demais, mas todo dia, apesar do cansaço, eles sentam a frente da TV se abraçam, contam coisas um ao outro e brincam como adolescentes. - balancei a cabeça afastando a cena ridícula que eu tanto amava. - Will ainda é super protetor e eu duvido que isso mude, mas é moderado agora. Nico parou de fotografar tudo que vê e começou a viver mais o momento. Ele passou por coisas difíceis, mas eu vejo o quanto forte ele é. - suspirei. - é engraçado como eles cuidam de mim como se eu tivesse 4 anos, mas as vezes conversam comigo como se eu tivesse 30. - sorri para mim mesmo antes de olhar para Percy que me fitava fascinado. – acho que posso dizer que eles são felizes.

O homem soltou o ar disfarçando o que quer fosse e me jogou um sorriso grato.

- obrigado por ter me contado Mike. Pelo menos agora sei que não destruí a vida deles. - assenti e ficamos em silêncio um momento. - acha que há uma segunda chance pra mim?

O olhei sem evitar a solidariedade.

- sempre há uma segunda chance aos que procuram se redimir Percy. - falei com sinceridade. - apenas não estrague tudo, ok?

Ele concordou com os lábios apertados e os olhos brilhantes em lágrimas contidas.

- você é um bom garoto Mike. - disse me olhando nos olhos e depois sorriu divertido. - fico feliz por não ser seu pai, estragaria sua genética. - brincou.

Ah se ele soubesse o quanto estragada ela já era.

Ri baixo.

- graças aos céus por isso. - murmurei sorrindo.

Os olhos de percy foram para além de mim.

- você tem bom gosto, ela é linda. - ele comentou me fazendo seguir seu olhar.

Ao longe Isa vinha em nossa direção com o olhar desconfiado e os cabelos loiros voando de encontro ao vento.

- sim, ela é. - sussurrei em concordância como sempre babando nela.

Ouvi Percy rir o que me fez olhá-lo.

- você tem muita sorte meu amigo. - disse colocando a mão firme e fria no meu ombro brevemente. - foi um prazer te conhecer Michael.

Apertei um sorriso me sentindo repentinamente triste por saber que ele iria embora. Havia algo em Percy que me fazia querer ajudá-lo, abraçá-lo e dizer que tudo ficaria bem.

Ele se levantou e andou tranquilamente devagar.

- não estrague tudo. - avisei um pouco alto.

Percy me deu um aceno sem se virar me fazendo sorrir.

- Ei... - Isa disse ao chegar até mim. - quem é?

A vi franzir as lindas sobrancelhas em desconfiança.

- só um fantasma. - respondi mais para mim mesmo.

- o que? - indignou.

- nada. Não era ninguém. - me levantei lhe dando um selinho carinhoso antes de passar meu bravo em seu ombro. - vamos comer alguma coisa.

Mesmo intrigada ela concordou e fomos conversando normalmente para o restaurante.

Eu não sabia se deveria contar aos meus pais sobre meu encontro com Percy.

Provavelmente era desnecessário já que eles surtariam atoa. E também, se Percy contasse a mãe sobre termos nos conhecido logo eles ficariam sabendo me poupando o trabalho de contar.

Eu não sei o que Percy fez com exatidão, talvez nem queira descobrir. Eu só sei o quanto aquele homem dos olhos verdes conseguiu me surpreender.

Acho que não devemos julgar as pessoas pelo que elas eram, apenas aceitar que podem melhorar e quem são agora.

Quem sabe assim não conseguem encontrar a felicidade?

Percy estava a caminho da sua e aquele aceno foi um bom adeus.