Nagasaki
Sonho on:
O Nagisa é legal, muito legal. Nunca conheci um garoto como ele, que me fizesse sentir viva.
- Não dá para fazer muita coisa nesse campo. – Ele afirma, virando a cabeça para todos os lados, a única coisa que tem aqui é grama. – Que tal se a gente criasse um parque de diversões?
- Parque de diversões... – Repito, mais uma expressão que eu nunca ouvi. – O que é um parque de diversões?
- É um local onde as pessoas vão para se divertir, e é muito legal. – Ele responde, fechando os olhos. Fico confusa, mas, quando ele reabre os olhos, sinto que estou pisando em algo diferente. Esfrego meu pé no chão, isso é madeira.
- Que barulho é esse? – Questiono, caminhando na direção de um estranho barulho, só sinto ele agarrando a minha cintura e me puxando para trás, quase me derrubando no chão.
- Cuidado! Você quase caiu no mar! – Ele exclama, ainda me segurando e nos mantendo colados. – Você não mora perto da costa, não é mesmo?
- É. – Confirmo, sem nem saber do que ele está falando, só sei que mar e costa são duas palavras que nunca ouvi. Vou para frente, forçando-o a me largar, não gosto da sensação de ser segurada.
- Vamos na roda-gigante. – Ele diz, segurando na minha mão e me puxando pela multidão, gostaria de conseguir sentir o seu toque. Acompanho-o com facilidade, apesar das minhas pernas queimarem com o esforço. Não consigo focar em nenhum rosto, apenas no dela. Todos os outros rostos parecem borrões sem cor, menos o dela.
Faço meus pés pararem, mesmo que meu cérebro ordene que eu o siga. Não quero continuar correndo, quero ir atrás dela. E, pela primeira vez, decido seguir o meu desejo.
Puxo meu braço com força e me solto, não espero para perseguir ela.
- CENTO E OITO! – Chamo por ela, talvez minha amiga esteja com medo, talvez ela não tenha percebido que sou eu. Mas, mesmo comigo chamando-a, ela não para de correr, e segui-la se torna cada vez mais difícil, pois minha visão começa a não conseguir diferenciá-la dos outros.
Nagisa
Sonho on:
Persigo a Nagasaki, que começou a correr do nada. É fácil enxergá-la, já que seu cabelo tem uma cor bem incomum, mas alcançá-la é outra história. Por ser magra, ela consegue correr a uma velocidade que eu nunca vi, nem mesmo a melhor corredora da minha turma do treinamento do governo chega a essa velocidade.
Depois de pouco tempo correndo, o cenário que eu criei começa a mudar. O piso de madeira se transforma em um chão de terra, cheio de pequenos cascalhos que devem estar machucando os pés dela, já que a Nagasaki está descalça.
Ela para de correr, agradeço por isso, pois estava dando o máximo de mim para chegar perto dela. Quando aproximo-me, vejo que ela está parada na frente de uma menina, que aparenta ter a mesma idade que a Nagasaki. Me escondo atrás de uma pequena estrutura, que está ao lado das duas meninas, e fico observando o que irá acontecer.
- Você está viva. – Afirma a que não conheço, quem construiu esse cenário e imaginou essa menina deve ter sido a Nagasaki. – Deveria estar morta, assim como eu.
Meus olhos se arregalam ao ouvir isso, não quero nem imaginar o motivo pelo qual a amiga da Nagasaki está falando isso.
- Você não está morta! – Ela exclama, ficando mais próxima da menina. – Você está bem aqui, bem na minha frente!
- Sessenta e três, você é tão inocente. – A menina fala, passando as mãos no cabelo da Nagasaki, que é bem mais baixa que ela. – E também é muito boba.
A garota puxa o pouco cabelo da Nagasaki para a frente, fazendo-a cambalear e cair ajoelhada no chão de cascalho. Fico tentado a ir até lá, porém resolvo esperar mais um pouco, quero ver a reação que ela vai ter.
- Você gostava tanto do seu cabelo... – Conta a outra, se ajoelhando atrás da azulada. – Entende por que eu fiz aquilo? Eu estava tentando te proteger.
- Você não queria me proteger. – Choraminga a Nagasaki, apertando a saia do vestido. – Você fez aquilo por si mesma.
- Não minta, você é péssima nessas coisas. – Retruca a outra, largando o cabelo dela. – Eu era sua melhor amiga... Só fiz o que era melhor para nós duas, o que você nunca teria coragem de fazer.
- Você deveria ter me dado uma escolha... Deveria ter perguntado se era isso que eu queria! – Exclama a Nagasaki, levantando o rosto e virando a cabeça para ver a amiga, se é que se pode chamar isso de amiga.
- Escolha? E desde quando você toma decisões? – Ela interroga, agarrando o queixo da Nagasaki. – Você é apenas uma boneca.
Isso é o bastante, saio de trás da estrutura e vou até elas. A Nagasaki nem presta atenção em mim, a única coisa que ela faz é chorar. Nem acredito que a menina chorando no chão é a mesma que não tirava o sorriso do rosto, e que tentou de tudo para fazer-me sorrir.
- Fica longe dela. – Ordeno, só então as duas me notam. A menina solta o queixo da Nagasaki e se levanta.
- Nós não podemos continuar com isso sessenta e três, não podemos. – Ela afirma, com a voz e a expressão mudadas. Ela começa a andar de costas, sem desgrudar os olhos da Nagasaki. – Nós poderemos, finalmente, ser felizes.
- NÃO! – Grita a Nagasaki, me fazendo dar um pulo. – Não, por favor... Não faça isso de novo!
A garota continua recuando até chegar em uma árvore onde, magicamente, apareceu uma forca. A amiga da Nagasaki sobe em um balde e passa seu pescoço pela forca, não acredito que vou presenciar uma coisa dessas.
- Nos vemos do outro lado, sessenta e três. – Ela afirma, chutando o balde abaixo de seus pés. A garota nem chega a se debater, seu pescoço quebra na mesma hora, sendo anunciado por um baixo, mas audível, estalo.
- CENTO E OITO! – Berra a Nagasaki, correndo na direção do corpo inerte. Vou na direção dela, para tentar reconfortá-la.
- Isso é só um sonho, não é real. – Falo, abraçando-a por trás. Ela se vira e apoia sua cabeça em mim, ensopando minha blusa com suas lágrimas.
- Por favor, não me deixe. – Ela pede, de um jeito incrivelmente sincero.
- Eu não vou te d...
Sonho off:
- NAGISA!
Abro os olhos e viro, esquecendo que estou no galho de uma macieira. Caio com tudo no chão, perdendo o ar quando minhas costas atingem o chão. Um rosto aparece no meu campo de visão, preciso piscar algumas vezes para identificar a Yuna.
- Quando um número desconhecido ligou lá pro apartamento e disse que você estava dormindo numa macieira nessa rua, eu pensei que fosse trote. – Ela conta, mas eu só tenho uma coisa em mente.
- Foi mal Yuna, mas eu preciso achar uma menina. – Afirmo, saindo do chão. Começo a correr na direção do hospital, se alguém pode me disser onde a Nagasaki vive, essa pessoa é a Kin.
# Quebra de tempo #
Avisto o hospital e, na sua entrada, encontro a Kin. Acelero o passo e paro na sua frente, ela não está com uma cara muito boa.
- Sabia que você iria aparecer. – Ela diz, também vindo na minha direção. – Sei que conheceu melhor a Nagasaki.
- Sim. – Confirmo, não me surpreendo por ela saber disso. – Depois que nós trouxermos a Kayano de volta, eu gostaria de conhecer a Nagasaki na vida real.
- Nagisa... – Ela sussurra, dando uma pausa e respirando fundo. – Vocês se encontraram no sonho porque estão usando os brincos. Eu preciso que você me dê o brinco de volta.
- Mas, se eu fizer isso, o coração dela vai quebrar! – Exclamo, sem entender o porquê dela querer isso. Mas não é apenas por isso que não quero dar o brinco, eu gostaria de sonhar com a Nagasaki mais vezes.
- Se você não me devolver o brinco, uma pessoa irá morrer. – Ela conta, estendendo a mão. – Não precisa se preocupar, eu não vou deixar o coração dela quebrar.
- Você tinha dito que esse era o único jeito. – Retruco, levando uma mão ao brinco, pensando o que devo fazer.
- Eu encontrei outro jeito, eu prometo que o coração dela não quebrará. – A Kin promete, não sei o que acontece se uma deusa descumprir uma promessa. Retiro o brinco e estou prestes a entregá-lo, mas mantenho ele pairando sobre sua mão aberta.
- Se eu te der esse brinco, não poderei mais sonhar com ela. – Afirmo, quero usar isso ao meu favor. – Eu só irei te dar esse brinco se você, ao menos, me der o número do celular dela, para podermos conversar.
- Eu não posso fazer isso. – Ela fala, tentando arrancar o brinco da minha mão, mas eu seguro-o com força.
- Por que?! – Exclamo, a Kin parece não querer que nós nos conhecemos. – Eu só quero conversar com ela!
- EU NÃO POSSO FAZER ISSO! – Ela grita novamente, percebo que seus olhos estão cheios de lágrimas não derramadas. – A NAGASAKI NÃO ESTÁ DORMINDO!
- C-Como assim? – Questiono, isso é impossível, para nos encontrarmos no sonho, nós dois deveríamos estar dormindo ao mesmo tempo.
- E-Ela sofreu um acidente. – Explica a Kin, com a voz trêmula. – Ela caiu da varanda do segundo de uma casa.
- Não me diga que ela está... – Não consigo terminar a frase, não quero nem pensar nessa possibilidade.
- Não, ela só ficou inconsciente. – Ela fala, porém não fala isso com alegria. – Apesar do acidente ter sido feio, ela ia melhorar...
- Mas? – Indago, percebendo que não acaba aí.
- Para impedir que o coração dela se quebrasse sem estar ligado a sua alma... Para impedir que alguém morresse... – Ela soluça, é a primeira vez que vejo-a chorando. – Eu coloquei a Nagasaki em coma. Essa foi a única maneira que encontrei.
Minha mão se abre, o que faz o brinco cair no chão. Fico estático enquanto a Kin se abaixa e pega o brinco, não quero acreditar que isso seja verdade.
- Você não podia ter feito isso. – Sussurro, a tristeza dando lugar a raiva. – Ela é só uma criança! Não é porque você é uma deusa que isso te dá o direito de brincar dessa maneira com a vida das pessoas!
- Isso é um jogo. – Ela afirma, com as lágrimas escorrendo pelo rosto. – Mas não do jeito que você pensa, eu não sou a vilã da história.
- Você deve, ao menos, me dizer em que hospital ela está internada. – Digo, eu preciso ver a Nagasaki, nem que seja apenas para ver seu corpo inconsciente.
- A partir de hoje, vocês nunca mais vão se ver. – Conta a Kin, abaixando a cabeça. – É melhor você se esquecer dela.
- ISSO NÃO É JUSTO! – Grito, começando a chorar, é estranho eu gostar tanto de uma menina que mal conheci. Ela passa por mim e começa a se afastar, mas a Kin acaba parando.
- Eu vou dar a chance de vocês se despedirem. – Ela fala, se virando e voltando. – Sente-se e feche os olhos.
Faço o que ela manda, sem me importar com o fato do chão ser incrivelmente sujo.
-Você deve explicar para a Nagasaki que ela está em coma.
Sonho on:
Me vejo no mesmo cenário de antes, só que, dessa vez, o corpo da garota não está pendurado na árvore.
- Nagasaki. – Chamo-a, ela se levanta do chão e se vira para mim.
- Achei que você tivesse ido embora. – Ela conta, com voz chorosa, vindo correndo para me abraçar. Detenho-a, a situação só ficará mais dolorosa se ela fizer isso.
- Preciso te explicar uma coisa. – Afirmo, sentando-me no chão. Ela faz o mesmo, reúno todas as minhas forças para não começar a chorar. – Você sabe o que é coma?
- Não. – Ela responde, é estranha a quantidade de coisas que ela não sabe
- Quando uma pessoa sofre um grave acidente, ela pode entrar em coma. Quando a pessoa está em coma, parece que ela está dormindo. – Conto, tentando explicar de uma maneira que uma criança como ela entenda. – É tipo quando você dorme, a diferença é que você não consegue acordar.
- Você não acorda nem se alguém gritar no seu ouvido? – Ela questiona, fico aliviado por ela não perguntar o motivo deu ter perguntado isso.
- Não. – Falo, a Nagasaki é realmente muito inocente para não perceber o motivo deu estar contando isso. – Você não acorda porque você não escuta. Podem gritar, bater, tacar um balde de água fria em você... A pessoa não sentirá nada.
- Você sabe sobre muita coisa. – Ela afirma, parecendo impressionada. – Sabe quando fica escuro e aparece um monte de pontinhos brilhantes no céu? Você sabe o que são?
- São estrelas. – Digo, sem saber como voltar ao assunto de antes.
- Aquilo que são estrelas? – Ela indaga, pelo visto já deve ter ouvido falar. – Eu não sabia o que eram estrelas... Agora sei.
- O que aconteceu com você antes de vir parar aqui? – Pergunto, será mais fácil se eu fizer a Nagasaki ligar os pontos.
- Não importa. – Ela responde, apertando os braços.
- O que aconteceu com você?! – Torno a perguntar, vendo a relutância dela em responder.
- Eu não quero f...
- Isso é uma ordem. – Aviso, com voz de comando, me sinto um idiota por fazer isso, até parece que ela irá me obedecer.
- Eu estava me equilibrando em cima de um negócio que ficava na beirada da varanda do segundo andar. – Ela conta, nesse momento me questiono onde estavam seus pais para deixarem a Nagasaki fazer uma coisa tão perigosa. – Eu estava andando naquele negócio, mas minha perna dobrou e eu perdi o equilíbrio.... A-Acho que cai...
- Por que você fez isso?! – É uma pergunta retórica, não espero por uma resposta. – Você está em coma.
Ela demora a ter uma reação, o que significa que ela demora a compreender-me.
- Não... – Escuto-a sussurrar, aumentando o aperto em seu braço. Seus olhos, antes pequenos, agora se encontram enormes, como se estivessem prestes a saltar das orbitas.
- Tenho certeza que vai ficar tudo bem. – Minto, porém preciso manter a calma dela. – Pode demorar, mas tenho certeza que você irá acordar.
- T-Tem que ter a-algum jeito deu acordar. – Ela gagueja, se levantando.
- Lamento, mas...
- Podem fazer qualquer coisa comigo e, mesmo assim, eu não vou acordar?! Vou continuar dormindo?! – Ela me interrompe, para fazer esses questionamentos.
- É mais ou menos isso. – Respondo, se bem que essa resposta não ajuda em nada.
- Você é uma boneca. – A menina que se enforcou antes reaparece, falando isso bem no ouvido da Nagasaki. Ela se vir assustada e vem para o meu lado. – Uma boneca de porcelana, prestes a ser quebrada.
- E-Essas palavras não são s-suas. – Afirma a Nagasaki, tenho certeza que essa menina é alguém importante para a Nagasaki, por isso as palavras dela parecem afetar tanto a azulada.
- Podem até não ser minhas, mas você sabe que são verdadeiras.
- Quem é você?! – Exclamo, querendo arrancar alguma resposta.
- Eu sou a menina que quase evitou tudo isso. – Ela responde, dando um sorriso e um olhar triste na direção da Nagasaki. – Eu tentei evitar tudo isso. Eu tentei salvar minha melhor amiga.
- Se ela é sua melhor amiga, por que fica torturando-a com essas palavras? – Questiono, essa garota está parecendo uma assombração.
- Porque ela pensa que pode mudar as coisas. – Ela rebate, essa garota parece ter convicção de que está fazendo o melhor pela Nagasaki. – Todos morrem no final. E será muito melhor se ela adiantar o seu próprio final trágico.
- E-Eu não vou me matar! – Exclama a Nagasaki, que parece tentar manter a voz firme. – A vida merece ser vivida! E eu quero vivê-la até o meu último suspiro!
- Você não muda, sessenta e três. – Sussurra a garota, não entendo porque elas se chamam por números. – E é isso que eu adoro em você.
As duas correm e se abraçam, se ajoelhando sem se desgrudarem. As duas choram e soluçam, e é nesse momento que consigo enxergar a amizade delas.
- Eu estou com medo. – Conta a Nagasaki, fico tentado a abraçá-las. – Eu estou com muito medo.
- Eu não vou sair do seu lado. – Responde a outra, parecendo apertar a Nagasaki ainda mais. – Vou ficar com você até que acorde.
-Se junta ao abraço. – Pede a Nagasaki, virando a cabeça para me ver. Não posso recusar um pedido vindo dela, me ajoelho e as abraço.
- Posso não estar aqui ao seu lado. – Murmuro, para que só ela escute. – Mas eu prometo que nos encontraremos na vida real.
- Eu espero nunca te encontrar na vida real. – Ela diz, chorosa, conseguindo me dar um fraco sorriso. – Mas eu adoraria te ver novamente nos meus sonhos.
Sonho off:
- Nagisa. – O Karma me chama, me fazendo abrir os olhos. – Você está chorando. Teve um pesadelo?
Percebo que estou deitado, e não sentado como antes. Presumo que o Karma me trouxe para casa.
- Foi muito mais que isso. – Afirmo, levantando-me um pouco e envolvendo o seu pescoço. –Uma amiga minha está em coma, por tempo indeterminado.
- Eu sinto muito Nagisa... – Ele diz, me puxando para um abraço. – É por isso que você falou aquelas coisas no hospital...?
- Sim, foi por isso. – Confirmo, mesmo que seja mentira, tenho certeza que a Nagasaki não se incomodará se eu usar isso para devolver minha vida aos eixos. – Eu estava mentindo e fingindo que estava bem, mas eu estou destruída com o coma da minha amiga.
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