Amélia Sobeziki's Point Of View
– Isso. Agora pule e finalize com os pés juntos – disse em português para minha priminha.
Kayla sorriu para mim através do espelho e fez exatamente o que eu havia pedido. Ela aprendia fácil, mas já estávamos a quase uma hora ensaiando alguns passos de dança e hoje eu não estava com cabeça para ensiná-la a dançar. Um certo homem ocupava todos meus pensamentos.
Agachei-me lentamente demonstrando todo meu cansaço e peguei uma toalha de rosto, jogando-a em direção minha prima para que ela pudesse enxugar o pouco suor que escorria pelo seu rostinho.
– Já terminamos por hoje? – Kayla forçou seu português também. Ela não era acostumada a falar com essa língua, fazendo com que sua pergunta saísse com a pronuncia um pouco estranha.
– Sim, meu amor. Eu estou cansada. Amanhã treinamos mais. Aproveite e vá tomar seu banho.
A loirinha me olhou estranho, sabendo que havia algo de errado comigo. Aquela criança me conhecia tão bem ao ponto de saber que não adiantaria tentar tirar algo de mim. Eu não falaria nada. Minha mente já estava cheia o suficiente. Kayla apenas assentiu em minha direção e saiu da sala de dança. Esperei um pouco, tempo suficiente para ela já estar tomando banho, para desabar no chão, deixando com que meu corpo quente entrasse em um pequeno choque térmico pelo chão gelado.
Queria tanto que Kyala fosse mais velha e me ajudasse a resolver todos meus problemas. Infelizmente, ela ainda era nova demais para compreender algumas coisas.
Rolei pelo chão, ficando de bruços e suspirei. Eu estava abatida desde o dia anterior. Lembrar das palavras de Justin era algo terrível. Ele achava que eu não gostava dele. Mas eu já achava que era óbvio meus sentimentos de amizade por ele. Ele era o único que sabia sobre Allan, além de Merings e minha família. E era isso que me incomodava. Eu havia aberto meu coração para ele e ele simplesmente não pensou duas vezes antes de virar as costas para mim.
Eu era sensível. Saber que ele não queria me ver, me machucava de certa forma. Machucava mais ainda quando eu lembrava que ele havia prometido nunca me deixar. Eu não queria que acontecesse igual aconteceu com Allan. Eu estava com medo de tanta coisa.
Levantei e comecei a procurar meu celular. Eu precisava de algum conselho. Meu tio ainda estava com raiva de mim, então ele não poderia ser. Minha tia e Isabelly sempre falavam sempre a mesma coisa, logo elas também não seriam uma boa opção. Kayla era uma criança e Justin estava, pelo que eu desconfiava, com raiva de mim. Eu não tinha ninguém. Minha última e única opção era conversar com alguém que eu não falava a meses. Alguém que eu odiava e amava ao mesmo tempo.
Encontrei meu celular perto da caixa de som que havia na sala de dança. Precisei de alguns instantes para saber se eu ligaria ou não. Por fim, era minha única opção. Eu precisava de algum conselho.
Procurei na minha lista de contatos pelo nome Bárbara. Achei tão depressa quanto cliquei no contado e pus para chamar.
Estava tarde demais para voltar atrás agora.
A senhora atendeu na segunda chamada.
– Achei que nunca mais me ligaria – o português carregado soou pelo outro lado da linha. Precisei segurar o choro ao escutar aquela voz.
– Hola abuela – tentei falar em espanhol com ela. Eu não gostava de quando falávamos em português. Trazia más lembranças.
– Não se atreva a falar em espanhol comigo. Se você não falar em português, vou desligar a ligação – ácida como sempre, minha avó não perdia uma oportunidade de pegar pesado comigo.
Saí da sala de dança rumo ao meu quarto. Eu sabia que nossa ligação iria demorar ao menos um pouco. Eu precisava me deitar para conversar com ela, era necessário. E o chão duro não seria minha melhor opção. Eu preferia mil vezes minha cama. Quando se tratava de minha avó, as coisas não eram fáceis.
– Preciso de um conselho – voltei a falar em português, suspirando. Apesar de tudo, os conselhos da minha avó sempre foram os melhores. Talvez porque ela sempre via tudo pelo lado racional.
– Diga de uma vez.
– Conheci um homem. Ele me faz lembrar de Allan.
Cheguei em minha cama e me esparramei na mesma. Pude ainda escutar a respiração pesada da senhora pelo telefone. Ela não gostava de Allan, mas isso não se dava ao fato de tudo que ele fez por mim. Ela achava ele um idiota e estava pouco se importando por tudo que ele me fez passar. Ela sempre deixou isso bem claro.
E eu não via necessidade de contar tudo que estava acontecendo com Justin. Ela só precisava saber do principal, assim ela já me daria um bom conselho. Sem contar que ela não gostava quando eu ficava dando muito detalhes.
– Deixa eu adivinhar. Você tem medo que esse homem faça o que Allan fez ou pior. E ainda por cima, você continua apaixonada pelo Allan e tem mais medo ainda de se apaixonar por esse homem. E para você estar me ligando, com certeza você e esse homem tiveram uma discussão ou algo do tipo. Você se sente sozinha e quer desistir de tudo. Mas pelo que eu te conheço, você e esse homem tem alguma ligação, provavelmente de amizade. Não diga que eu estou errada.
– O nome dele é Justin – falei baixinho. Não daria para contrariar. Quando minha mãe morreu, minha avó pegou o posto de quem me conhecia melhor nesse mundo.
– E o que você quer que eu faça? Se esqueceu que eu estou no Brasil e você no Canadá? – vovó perguntou sarcástica. Ela sabia que eu precisava de um conselho, mas ela queria que eu falasse com todas as palavras.
– Quero um conselho.
Escutei um coçar de garganta. Típico de vovó. Ela sempre fazia isso antes de demonstrar toda sua superioridade.
– Vá atrás desse tal Justin. Mas não ouse em imaginá-lo como alguém além de um amigo. Supere sua paixão por Allan primeiro, eu sei que você ainda o ama com todo seu coração, apesar do que ele fez.
– Justin é só um amigo, ou quase um amigo. Não se preocupe.
– Eu não me preocupo, você quem deveria se preocupar – fechei os olhos com força. Era a verdade no final das contas. – Preciso desligar.
Bárbara não esperou que eu respondesse. Ela desligou. Como sempre fria, ela pouco se importava para o que eu achava dela. Ela tinha certa antipatia por mim, assim como eu tinha por ela. Isso poderia ser ao fato que ela não me viu crescer, mas eu sabia que apesar de tudo, ela ainda gostava um pouco de mim, porque era exatamente o que eu sentia por ela.
E como sempre, ela estava certa. Justin havia se chateado por alguma coisa que eu havia feito, então era eu quem precisava ir atrás dele.
Levantei correndo da cama a fui para o meu banheiro, onde eu tinha certeza que Kayla estava tomando banho. Ela adorava ficar no meu quarto, tornando o quarto de hóspedes intacto sempre que passava um tempo comigo.
– Kayla? – bati na porta escutando um resmungo em resposta. – Se apresse. Você vai dormir na casa da Isabelly hoje.
Eu pouco me importava com o horário. Como hoje havia tido período integral na escola, eu já havia voltado para casa tarde, e agora o relógio já marcava quase onze da noite. Mas eu não me importava. Eu precisava conversar com Justin. Eu não queria que nós ficássemos apegados novamente, mas dessa vez eu queria contar tudo de uma vez. Eu contaria o que mais Allan me fez. Esclareceria como eu me sentia por ele e deixaria que ele me dissesse que o que o havia afetado. Era hora de por todas as cartas na mesa.
E mesmo que isso significasse que ele continuaria a não olhar em meu rosto, pelo menos ele saberia de tudo logo. Já fazia duas semanas que nos conhecíamos, tempo suficiente para eu confiar em Justin de olhos fechados. Ele, de alguma forma, havia ganhado a minha confiança rápido demais. Eu não saberia dizer se isso era algo ruim.
Quando o relógio marcava quase meia noite, eu já deixara Kayla com Isabelly e estava dirigindo rumo a casa de Drew. Se eu quisesse sua amizade, eu precisava que ele me conhecesse completamente. Até se ele quisesse saber sobre minha avó, ele também saberia. Seria melhor ele saber tudo de uma vez.
Estacionei o carro em frente ao seu prédio e corri logo para falar com o porteiro. Quando anunciei meu nome ao mesmo, imaginei se deveria ter falado quem eu realmente era. Eu não sabia se Justin queria me ver, pois hoje mais cedo, ele havia me ignorado completamente na escola. Mas mesmo de forma receosa, pude escutar quando Justin me deu livre acesso para seu porteiro. Apenas sorri agradecendo e andei depressa até o elevador.
Assim que eu entrei na caixa metálica e apertei o botão para a cobertura, eu precisei pensar no que eu diria para Drew. O mais certo seria fazer as pazes primeiro para depois contar tudo que ele quisesse saber de mim. Então foi isso que decidi fazer. Depois de hoje, eu pretendia ter Justin como um dos meus melhores amigos. Porém eu também compreendia que depois de hoje, seria eu quem precisaria de um tempo afastada dele. Mesmo que fizéssemos as pazes hoje, nós continuaríamos por mais alguns dias separados. Isso era uma certeza a qual eu teria que aceitar, mesmo que eu quisesse Justin sempre do meu lado de uns dias para cá.
O elevador se abriu e eu me dirigi para a única porta daquele andar. Toquei a campainha e esperei mais um pouco. Não foi necessário nem um minuto para que um Drew descabelado e com cara de abatido abrisse a porta.
– Oi – foi a única coisa que conseguir falar.
Justin acenou com a cabeça e me deixou entrar, dando alguns passos para o lado.
– Por que está aqui essa hora? – sua voz estava rouca, o deixando ainda mais sexy. Apesar de eu não vê-lo como alguém além de um amigo, eu não poderia negar que Justin era lindo.
– Precisamos conversar – disse simples, sentando em seu sofá.
Drew sentou-se ao meu lado e fechou os olhos, acho que imaginando por onde deveria começar. Eu sabia porque eu estava pensando a mesma coisa.
– Precisamos.
– Quer me dizer o que aconteceu ontem? Estou confusa até agora.
Retirei meus tênis e puxei minhas pernas para cima do sofá, as abraçando. Eu me sentia mais protegida e pronta para o que viesse daquele jeito. Drew me olhou de relance e fez o oposto de mim, se esparramando mais ainda no sofá.
– Eu percebi algo que me atingiu. Eu sei que fui dramático, mas não pude evitar.
– O que te atingiu? – perguntei baixinho, encarando meus braços ao redor de minhas pernas.
– Acho que fiquei sensível quando a ficha caiu que você não gosta de mim.
Suas palavras me surpreenderam. Eu compreendi que ele não falava de uma forma mais amorosa de gostar, e sim de amizade. E isso me confundiu um pouco. Eu gostava tanto de Drew. Ele estava virando um dos meus melhores amigos, apesar da aposta e tudo mais. Ele estava se tornando alguém importante na minha vida. Saber que ele não tinha conhecimento disso, também me deixava triste. Eu não poderia deixar que ele continuasse pensando assim.
– Por que diz isso? Eu gosto de você – falei o mais sincera possível.
Tombei minha cabeça em meus joelhos para encará-lo melhor. Ele também me encarou, deixando nossos olhos se encontrarem do jeito que eu tanto gostava.
– Então por que quando eu disse que nunca te deixaria, você não disse o mesmo? E você sempre me trata com tanta frieza. Eu não sei lidar com a rejeição.
– Desculpa por isso. Eu também não sei lidar muito bem quando se trata de confiança.
Ficamos em um silêncio desconfortável por alguns minutos. Eu não aguentava ficar daquele jeito com ele. Era preciso resolver de uma vez por todas. Eu queria ser amiga de Drew, assim como também queria que ele fosse meu amigo.
Ignorei que o certo seria continuar conversando antes de fazer movimentos precipitados. Ignorei minha consciência que dizia para não fazer o que eu estava imaginando. Apenas deixei com que um sorriso se apoderasse de meus lábios e me deixei levar. Se eu teria que ficar uns dias afastada de Drew após essa conversa, pelo menos eu aproveitaria o momento que tínhamos ali, agora.
Pulei em cima de seu corpo forte e o abracei, escondendo minha cabeça na curvatura do seu pescoço. Inebriei-me com seu perfume amadeirado e esfreguei meu nariz gelado em seu pescoço quente. Ele se arrepiou, me deixando ainda mais feliz. Eu adorava que seu corpo respondesse ao meu.
– O que você está fazendo? – sua voz rouca ainda iria me levar a loucura. Como eu amava aquele timbre.
– Eu prometo nunca te deixar – sussurrei em seu ouvido, lembrando que ele reclamara que eu não havia prometido isso a ele. No final das contas, eu não seria capaz de deixá-lo.
Tirei minha cabeça da curvatura de seu pescoço a tempo de ver um sorriso glorioso crescer em seus lábios. Aquele simples ato, me fez sorrir também. Seus sorrisos eram contagiantes. Foi então que eu percebi que eu amava várias coisas em Drew. Sua voz, seu sorriso, seus olhos... Definitivamente, eu nunca conseguiria abandoná-lo. Ele já fazia parte da minha vida. Fiquei mais animada ainda ao imaginar que ele poderia se tornar meu melhor amigo.
– Desculpe por ontem. Eu fiquei sensível.
Sorri mais ainda em sua direção. Eu estava amando ter Justin como um amigo. Então eu criei coragem de falar logo. Ele precisava me conhecer.
– Não tem problema. Eu também te entendo. E exatamente por isso que eu estou aqui agora.
– Como assim? – achei sua confusão fofa, tanto que precisei beijar ambas suas bochechas para somente depois explicar.
– Você pode me perguntar o que quiser sobre mim que eu respondo. Quero que sejamos amigos. Mas infelizmente vai ter um porém.
– Do que você está falando?
Me remexi em seu colo em busca de uma posição melhor, fazendo com que ele colocasse suas mãos em minha cintura para evitar que eu caísse. Posicionei minhas mãos em seus ombros e deixei com que um sorriso terno tomasse meus lábios. Eu queria mais do que tudo que ele me conhecesse assim como minha vó me conhecia. Eu queria que ele soubesse quem eu era.
– Eu vou contar tudo sobre mim hoje, porém não vamos poder nos ver pelo resto da semana.
– Espera. Para sermos amigos, nós temos que ficar separados? Eu não estou entendendo.
Sua confusão ainda era explícita, mas eu pouco estava me importando. Logo ele me entenderia e nós poderíamos passar para a parte que ele começava a me conhecer.
– Se eu contar tudo para você, eu vou precisar de um tempo sozinha. Também quero concertar as coisas com meus tios antes de ter mais alguma coisa para me preocupar. Vou contar minha vida inteira se você quiser e você pode passar esses dias digerindo tudo. Eu só estou pedindo um tempo. Está acontecendo tudo muito rápido – expliquei tudo de uma vez, eu estava ficando ansiosa.
– Não tem como fazer você mudar de opinião? Ou pelo menos diminuir esses dias? Até o fim da semana é muito tempo.
Justin estava sendo manhoso. E se esse tempo não fosse tão importante para mim, eu com certeza cederia. Mas dessa vez eu realmente precisava ficar um pouco longe de Drew.
– Sinto muito – respondi no mesmo tom, deitando minha cabeça em seu peitoral.
– E como fica nossa aposta?
– Podemos dar uma pausa nela também. No domingo tudo pode voltar ao normal. Até lá eu já vou ter clareado minha mente.
– Isso significa que hoje é nosso último dia juntos até domingo? Quer dizer, hoje ainda é quarta-feira.
– Exatamente isso – respondi baixinho aproveitando meu aconchego. Era muito bom estar em cima de Drew. Eu achava imensamente confortável e cheiroso.
– Então deveríamos aproveitar. Temos uma noite inteira ainda – senti seu sorriso sacana. Oh, aquele sorriso fazia despertar coisas desconhecidas em mim.
– Se aproveitarmos do jeito que você está dizendo, se tornará impossível eu contar tudo sobre mim – respondi risonha. Ele faria eu esquecer tudo antes mesmo que eu começasse a contar.
– Podemos tentar.
Drew prendeu minhas pernas ao redor de sua cintura e deu impulso para nos deitar no sofá. Ri de seus movimentos enquanto me preocupava em prender meus braços ao redor de seu pescoço para que eu não caísse. Eu estava completamente agarrada em seu corpo, já ele apoiava seus cotovelos ao lado da minha cabeça para não deixar todo seu peso em mim. Nossos rostos estavam a centímetros de distância. E foi só eu perceber isso para parar de dar risada e me concentrar em toda beleza que Drew esbanjava.
Olhei em seus olhos me perdendo na perfeição que eles eram. Minhas adoradas esferas de ouro derretido.
Parecia que eu estava sendo hipnotizada. Esqueci de tudo por alguns segundos. Justin tinha esse poder sobre mim. Ele fazia eu criar uma bolha o nosso redor e pouco me importar com o que acontecia além dessa.
– E como isso vai funcionar? – perguntei assim que recobrei um pouco da minha consciência.
– Você conta sobre você enquanto eu exploro seu corpo. Depois eu conto sobre mim enquanto você explora o meu corpo.
– Não é justo.
– Por quê?
– Hoje ainda é meu dia. Então eu começo.
Com um pouco de dificuldade e com toda minha força, inverti nossas posições, o deixando submisso a mim. Justin apenas riu levemente e me encarou com as sobrancelhas arqueadas.
– Tudo bem. O que você quer saber sobre mim?
Sorri e me posicionei melhor em sua cintura. Soltei meu cabelo que estava preso em um coque e o chacoalhei, liberando todas as madeixas, o fazendo ficar um pouco volumoso. Apoiei minhas mãos em seu peitoral e respirei fundo, pensando no que eu poderia perguntar sobre ele. Ele não parecia esconder segredos. Enfim pensei em alguma coisa.
Meu sorriso se tornou malicioso. A noite seria longa.
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