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História A Bruxa da Floresta - A Bruxa da Floresta


Escrita por: Serin

Notas do Autor


Essa história e seus personagens me pertencem e não devem ser usados em outros lugares sem a minha autorização.

Essa história pertence ao universo da original "Estes lábios estão selados", podendo ser lida de modo independente.

Capítulo 1 - A Bruxa da Floresta


Fanfic / Fanfiction A Bruxa da Floresta - A Bruxa da Floresta

A Bruxa da Floresta

 

Tolos são aqueles que pensam que não há vida nas entranhas desse mundo, que acreditam que a única vida sobre a terra é a deles. Existe uma vida nesse mundo, uma vida dividida, guardada e protegida por nós. O que nós somos? Temo que eu não possuo a resposta para essa pergunta. Nós apenas somos. Nós nascemos com esse mundo e morreremos com ele. Nós somos esse mundo. Deve ser confuso para alguém que não é nós entender como nós somos. Mas essa é a verdade. Nós construímos, cuidamos e protegemos. Nós somos a força, a vida e a vontade desse mundo. E como existe vontades opostas, nós também destruímos, ameaçamos e ferimos. Um de nós mais do que todos.

 

Anlyra. Ela é o sorriso vermelho da dor, a ameaça que assombra e a tortura que se torna pesadelo. E, para os seres que vivem nos reinos desse mundo, ela é conhecida como a Bruxa da Floresta. Ela nasceu na primeira noite do mundo, após a lua alcançar seu lugar no céu. E as sombras vieram com ela. Se ela nasceu das sombras ou as sombras nasceram dela, eu não posso dizer. É difícil nos separar de nossos reinos, de nossa manifestação e lugar no mundo. Eu não sou capaz de desunir Anlyra da escuridão tanto quanto não sou capaz de me separar das raízes das florestas. Nós somos nosso poder, o reino que criamos e do qual nascemos.

 

Ela nasceu na primeira noite, em meio às árvores do meu reino. Eu me recordo do momento em que vi o sorriso vermelho e os intensos olhos verdes. Tanta beleza, um silencioso perigo e o perfeito equilíbrio para o encanto e a segurança da luz de Lathia e Laros. Nós a recebemos como uma de nós, a última a ganhar vida. E por um longo tempo, fomos apenas nós e o mundo, como peças mantendo um quebra-cabeça completo. Quando a noite caía, eu podia ouvir o eco dos corvos que ela criou, a companhia que ela mantém até hoje. Eu entendo o nascimento deles – eu mesmo tenho meus lobos – todos nós precisamos de companhia.

 

Nossa solidão como os únicos seres nesse mundo durou até o momento em que as crianças começaram a nascer. As nossas e as do próprio mundo. Deveria dizer que as crianças do mundo são nossas irmãs e irmãos, então? Eu não sei, mas elas possuem nosso toque, nossa presença nas mais variadas formas, mesmo que não sejam capazes de perceber. Elas, as crianças do mundo, se espalharam e criaram os próprios reinos, deram a si mesmas os títulos de reis e rainhas. E é nos reinos criados por elas que as nossas crianças crescem. Elas nascem conosco, mas nós as deixamos com as outras crianças, para que elas possam aprender e crescer da melhor maneira possível.

 

Mesmo que, muitas vezes, isso signifique causar dor às nossas crianças. Cada uma das nossas crianças recebe um nome que as diferencia das crianças do mundo e que denuncia de quem elas nasceram. As minhas são os feiticeiros e feiticeiras, os alvos favoritos da Bruxa da Floresta. Às vezes, eu me pergunto se a preferência pelas minhas crianças é o modo de Anlyra lidar com o silencioso desafio que existe entre nós. Eu conheço os desejos do coração da Bruxa e eu sei que o maior deles é me ver de joelhos diante dela, preso pelas correntes que ela sabe tão bem manipular.

 

Por quê? Porque eu posso ver o que ela não consegue, o que ela se nega a reconhecer em si mesma. Eu sou capaz de ver a conexão que ela tem com as crianças, o modo como ela é atraída para elas, como se cada criança que nascesse despertasse o interesse e a fascinação de Anlyra. Quando as primeiras crianças do mundo começaram a nasceram, a Bruxa da Floresta – que ainda não possuía tal título – foi a que mais se aproximou delas, se esgueirando nas sombras e velando os sonhos trazidos pela escuridão. E quando ela chegou perto o suficiente para tocar, o único toque que ela ofereceu foi o da dor. A dor que quebra a fraqueza e desafia a força.

 

Talvez, no final de tudo, esse seja o objetivo dela, mesmo que ela não saiba. Anlyra é uma de nós, parte da vida do mundo e como todos nós, ela tem um papel a cumprir. E, quem sabe, o mundo tenha escolhido para ela a função de desafiar e testar, de machucar e fortalecer. Se essa é a verdade, então a Bruxa da Floresta tem desempenhado seu papel de maneira extraordinária. Um sorriso nasce em meus lábios sem que eu possa controlar e eu me pego imaginando como seria me submeter à vontade de Anlyra, ao julgamento da Bruxa da Floresta. Eu terminaria quebrado, mas fortalecido ou ela se tornaria meu fim?

 

- Você deveria saber que é perigoso se deixar perder em pensamentos na floresta. – uma voz baixa, vibrante com zombaria, sussurra perto de mim.

 

Fecho meus olhos por um momento, sentindo as sombras se movimentarem ao meu redor. Unhas afiadas arranham a lateral do meu rosto, seguindo o caminho das negras linhas pintadas na minha pele. É um frio ardente a presença de Anlyra. Uma viva ameaça, que sorri e murmura palavras delicadas envoltas em perigo. Respiro fundo e abro meus olhos, me deparando com o intenso olhar esmeralda. As írises claras brilham sob o toque da lua, mas a face bela ainda é emoldurada pelas sombras da noite. No rosto de Anlyra, eu vejo o equilíbrio que se revela a cada novo anoitecer. A escuridão da Bruxa e a luz da Lathia. A luz que protege minhas crianças e as sombras que as roubam.

 

- Eu posso ver os seus pensamentos voando no seu olhar, Lobo. – ela diz e os lábios escarlates se esticam em um divertido sorriso – Posso conhecê-los? – o pedido é feito em palavras que soam como um desafio. Anlyra em si é um desafio. Às crianças. À mim. Ela é um desafio do próprio mundo.

 

- Você já não os conhece? – questiono e então vejo o brilho do divertimento se intensificar no olhar da Bruxa da Floresta.

 

- Conheço? – ela pergunta e não é um questionamento, uma tentativa de confirmação. É o desafio novamente. Ela gosta do desafio, de ser provocada. Mas o desafio deve ser feito da maneira correta. Arrogância é uma fraqueza e ela irá fazê-lo cair mais rápido do que você pode imaginar. E o medo é complicado. Se é um medo que o faz tremer e correr, então ela irá derrotá-lo. Entretanto, se apesar do medo, seu coração bater forte e rápido e você permanecer, desafiando-a em uma silenciosa imobilidade ou em trêmulas palavras, a dor que ela dará a você será diferente e a derrota dependerá apenas do seu olhar.

 

Unhas pintadas de sombras se afastam do meu rosto e os dedos finos se enroscam no meu cabelo, se perdendo na brancura dos fios. Eu apenas observo a atenção que os olhos verdes dedicam ao movimento, quase deixando escapar o desafio feito por Anlyra.

 

- Sim. – respondo – Você sabe que eu sou incapaz de me esconder de você. – o ar que deixa meus pulmões treme ao alcançar meus lábios – Você conhece meus pensamentos, conhece meu coração. Especialmente no que diz respeito a você.

 

- Oh! – ela exclama e apesar da permanência do sorriso vermelho, eu posso ver a sombra da mágoa que nasce nas írises esverdeadas – Então era em mim que os seus pensamentos o perdiam?

 

- Você fala como se esse fato fosse impossível. – digo em meu próprio tom de desafio, um sorriso atrevido esticando meus lábios em um movimento que arranca uma baixa e breve risada de Anlyra.

 

- Eu não diria que é impossível, apenas improvável. – ela responde, os dedos pálidos se desentrelaçando do meu cabelo e voltando a traçar as linhas em minha face – Julgaria que estaria pensando em Lathia ou na criança que você observa tão atentamente de longe.

 

A menção da minha criança faz com que o sorriso nos meus lábios desapareça e o que se encontra na boca vermelha de Anlyra aumente. Um nó nasce em minha garganta e queima diante do prazer que encontro no olhar da Bruxa da Floresta. Se Anlyra é o desafio que leva à força, o mundo a fez capaz de se deliciar com sua tarefa, de sentir prazer ao ferir e torturar.

 

- Por que enfeitiçá-la? – pergunto tentando esconder o incômodo que sinto diante da provação da Bruxa – Por que mantê-la em uma silenciosa prisão?

 

- Porque ela tem o nosso sangue. Seu sangue. – o toque das unhas afiadas seguindo os desenhos em minha pele faz com que um intenso tremor percorra meu corpo – Ela não é menos filha do mundo do que nós somos e, como nós, ela pode aprender. Ela pode sobreviver. – Anlyra dá um passo para trás, se afastando lentamente – Como os irmãos e irmãs que ela não conhece, ela nasceu na noite. Não é apenas justo que ela conheça a escuridão?

 

- E o silêncio pertence à escuridão? – questiono.

 

- Mais do que à luz. – ela responde e sorri o mesmo vermelho e satisfeito sorriso – Crianças nascem, crescem e aprendem. Algumas delas caem e outras persistem e aquelas que permanecem o fazem conhecendo a escuridão da dor, o silêncio da solidão. Elas enfrentam o pesadelo e acordam para a realidade, feridas e marcadas. Mas não são as cicatrizes que afirmam que a vida ainda existe dentro daquele que sangra?

 

- Elas desafiam você e então você as faz sangrar, quebra cada uma delas. – digo olhando nos intensos e profundos olhos verdes – Você mostra a elas a vida que elas possuem. Você as faz cair, mas também as permite levantar quando perceber que elas podem sobreviver.

 

- Está dizendo que eu sou o pesadelo, a escuridão que persegue e assombra as pobres e indefesas crianças do mundo? – há sarcasmo na voz da Bruxa da Floresta, mas também há hesitação no olhar que me observa com atenta cautela.

 

- E você não é? Você não pensa que elas são pobres e indefesas, mas você vai atrás delas quando vê algo nelas e responde quando elas são tolas o suficiente para vir até você. – sem pensar, me aproximo passo a passo até encurralar Anlyra contra o tronco de uma larga e antiga árvore – Como o rei Erik e o filho dele. Você amaldiçoou o rei e torturou o príncipe.

 

Por um segundo, eu vejo a chama da raiva tremular no olhar de Anlyra, mas dura apenas um momento. O fogo se apaga e a tensão deixa a postura da Bruxa da Floresta. Os lábios vermelhos se esticam em um suave sorriso, repleto de calma e satisfação. Mas a tranquilidade em Anlyra faz nascer a tensão em mim. Eu sinto meus músculos enrijecerem sob o toque suave em meu peito, que me afasta em um lento comando impossível de resistir.

 

Ainda sorrindo, ela caminha, se afastando sem realmente estar colocando alguma distância entre nós. Qualquer vantagem que eu pudesse ter conquistado no momento em que a encurralei, agora deixou de existir. Ela tem o poder, o controle. Como ela sempre consegue ter. O olhar verde é dirigido a mim, limpo e sem barreiras, sem dissimulações. O mesmo olhar da noite em que ela nasceu. Uma rara visão.

 

- O rei... – ela inicia – Agiu como uma tola criança que se iludiu com a ideia de fazer o mundo se ajoelhar. E ele pensou que pode poderia começar a transformar sua ilusão em realidade fazendo com que eu me ajoelhasse. – ela para de caminhar e orgulho nasce no verde olhar – Mas nós somos o mundo, Lobo. E o mundo não se ajoelha perante nenhuma criança. – as palavras ditas pelos lábios escarlates ecoam o sentimento presente nas írises claras.

 

- Então você o amaldiçoou para que ele aprendesse a não tentar subjugar o mundo? – pergunto sentindo a tensão em meus músculos começar a ceder.

 

- Eu disse antes, Lobo. Algumas crianças caem. – ela responde com simplicidade – Especialmente quando forçadas a se depararem com o que de fato existe em seus corações.

 

- E o filho do rei? – questiono – Ele nasceu com a sua maldição e nunca a desafiou. Ou ao mundo. Ainda assim, você o torturou.

 

- Ele é diferente do pai. – Anlyra responde voltando a caminhar ao meu redor, mas nunca ficando mais do que alguns poucos passos longe de mim.

 

- E você queria garantir que ele não cometeria o mesmo erro do pai? Que ele não se atreveria a desafiar você? – minhas palavras arrancam uma suave risada dos lábios de Anlyra.

 

- Isso apenas funcionaria se ele fosse igual ao pai. – diante da confusão que eu tenho certeza de que se encontra à mostra em minha face, ela continua – O quanto você observa as crianças, Fenris? – a pergunta é simples, mas o uso do meu nome me faz sentir vulnerável demais à Bruxa da Floresta.

 

- Eu as observo toda noite. – respondo sentindo a cautela pesar em minha voz.

 

- Sim, mas o quanto você realmente as observa? – Anlyra questiona novamente – Você as observa o suficiente para notar o quanto Ulric é diferente do pai, como ele é mais uma criança do mundo do que pai dele jamais foi?

 

Apesar da tensão ainda presente em mim, eu sinto um sorriso se desenhando em meus lábios. Eu noto a confusão que surge nos olhos de Anlyra quanto ela percebe o meu sorrir. Ela provavelmente não se se dá conta, mas de todos nós, ela é a que melhor pode ver as crianças. Ela vê as forças e fraquezas, as diferenças e semelhanças. Como a Bruxa da Floresta, ela as machuca, mas a dor que ela causa se origina de um clara e lúcida visão.

 

- Então que objetivo você esperava alcançar com Ulric? Dar a ele uma razão para se tornar o pai, desafiar você e cair? – a confusão desaparece dos olhos verdes e o sorriso vermelho se estica ainda mais. Realização cai sobre mim como um peso de incompreensão – Você queria fazê-lo desafiar você.

 

- Não, Lobo. – ela responde de modo calmo – Ulric é diferente do pai. Ele iria e irá me desafiar, dado a ele a motivação certa.

 

- Então como ele é diferente do pai?

 

- Os motivos dele importarão. – Anlyra responde e, por um momento, o olhar verde é elevado ao céu, para a lua. Lathia. – Ele não é uma criança tola e arrogante como o pai. Ele é capaz de reconhecer o poder que está acima dele e respeitá-lo, se submeter a ele.

 

- Ele se submeteu a você.

 

- Sim. – ela confirma – Por enquanto. Ulric irá me desafiar, se encontrar uma razão para tal. Ele irá cair, mas irá se reerguer. Ele sempre irá se reerguer.

 

- Entretanto, ele caiu. – digo – Ele foi torturado por você. Você o quebrou, o marcou o suficiente para que ele nem mesmo considere a ideia de desafiá-la!

 

- E ainda assim, ele senta no trono, não é mesmo? A criança é um rei e reis devem fazer escolhas, sacrifícios para proteger aqueles que estão sob sua proteção. O rei se ajoelhou, jurou não me desafiar. Mais por seu reino e por suas memórias do que por si mesmo. Mas e o homem? O homem é forte como o pai nunca foi, é bravo e leal. O atual Rei Lobo pode sobreviver melhor do que o anterior, pode me desafiar melhor.

 

- E se isso acontecer... – começo a questionar – Se Ulric a desafiar, você permitirá que ele volte a se levantar?

 

- Ulric sempre irá se reerguer, Lobo. – Anlyra responde – Aquela criança poderia ser uma das nossas, tamanha é a força e o poder dentro dele.

 

O silêncio se coloca entre nós por longos momentos. O olhar de Anlyra volta a ser focado em mim e eu me deixo ser refém da força dos olhos que veem mais do que nós podemos pensar em perceber. Mais do que qualquer um de nós, Anlyra é uma força do mundo. Uma força que caminha entre as crianças usando uma máscara aceita como uma fraude necessária, uma mentira para esconder a verdade que as crianças desconhecem.

 

A Bruxa da Floresta é um conto, uma lenda viva que oculta a verdade sobre Anlyra. O pesadelo que ela que se torna, a ameaça que ela representa, a dor que ela causa é apenas o modo como ela se manifesta. Ela não é apenas o gosto pelo desafio. Ela não é tão simples assim. Anlyra é o desafio em si. O desafio desse mundo a cada criança e a ele mesmo. Ela vê – sempre viu – mais do que qualquer um de nós, que preferimos o silêncio e o ocultamento à possibilidade de ferir as crianças. Especialmente as nossas.

 

- E Luna? – pergunto em um hesitante sussurro. Minha criança – Ela pode sobreviver à prisão de silêncio na qual você a colocou?

 

- Você sempre pergunta se elas podem sobreviver. – ela comenta me observando com renovada atenção – Você acredita tão pouco na força da sua criança, Lobo? – Anlyra questiona com uma aparente genuína curiosidade – Você acredita tão pouco em todas as suas crianças? Mesmo quando elas crescem e se tornam donas de seus próprios domínios?

 

- Elas não são todas iguais. – respondo sentindo minha voz arranhar minha garganta – E elas são minhas. Você pode me culpar por me importar e me preocupar com elas, querer protegê-las? – cada palavra machuca e ameaça travar minha garganta, calar minha voz.

 

- E ainda assim você as deixa com as crianças do mundo, você não as retira de mim quando as coloco sob minha tutela. – o sorriso nos lábios vermelhos permanece e a voz de Anlyra não se altera, permanecendo calma e estável em contraste com os tremores cada mais intensos que correm sob minha pele – Você permite a dor da qual você quer protegê-las. Porque você entende que essa dor é necessária. Que há um papel para a dor no mundo.

 

- O seu papel. – digo sem pensar, vendo a surpresa paralisar a Bruxa da Floresta – O papel das mentiras que você conta para manipular as minhas crianças e as crianças do mundo. A dor tem um papel no mundo, em você.

 

- Talvez. – Anlyra responde com a voz falsamente estável. Os olhos verdes brilham e tremem em uma estranha e inesperada vulnerabilidade – Mas você não possui um papel no mundo também? Você pode se separar das raízes da floresta, que o envolvem tão profundamente que chegam a desenhar os contornos delas na sua pele? Você pode abandonar a floresta?

 

- Não. – respondo sem força, respirando fundo e sentindo os tremores em mim se acalmarem.

 

- Nós todos temos um papel a cumprir, até mesmo as suas crianças. E se elas forem capazes de cumprir esse papel, elas não irão cair diante de mim.

 

Mais uma vez, sou levado de volta para aquelas primeiras noites, em que todos nós tentávamos nos acostumar com a presença uns dos outros e a nossa própria presença no mundo. Naquela época, Anlyra era a mais quieta de nós, o silêncio dela era mais presente do que ela mesma. E enquanto nós procurávamos mais a companhia uns dos outros, ela procurava as sombras. Logo, os corvos nasceram e a presença deles se tornou a presença de Anlyra.

 

E quando o momento chegou e as crianças do mundo começaram a nascer, ela procurou pelas crianças. Foi quase uma atração natural. Mas as crianças temem as sombras, veem e sentem dor nelas. Então, Anlyra começou a mostrar a dor da escuridão para elas. Eu me pergunto se naquelas noites em que Anlyra observava as crianças, ela viu qual era o papel dela no mundo e então decidiu assumi-lo com todo o prazer e satisfação de alguém que encontra o lugar a que pertence.

 

Eu estava errado, então? Anlyra vê mais nas crianças do que qualquer um de nós. Isso também vale para ela mesma? O que eu acredito que ela não admite para si mesma, ela na verdade admite, mas não demonstra, não nos deixa ver?

 

- Você disse que Ulric irá desafiá-la, se encontrar um motivo para isso... – começo a dizer – Luna fará o mesmo?

 

- O que você acha, Lobo? – ela rebate – Os irmãos e irmãs dela o fizeram, você acredita que ela irá seguir os passos deles?

 

- Ela irá. – respondo mudando as palavras que se encontram em minha mente.

 

Você quer que ela a desafie, como você quis que as outras a desafiassem. Você quer que Ulric a desafie por um motivo melhor do que o do pai. Você quer que as crianças a desafiem, você quer testar a força delas, as fraquezas que elas possuem. Você quer o desafio, gosta dele. Você se deleita com seu papel, sente satisfação nele. Principalmente quando as crianças sobrevivem.

 

Com o sorriso ainda presente nos lábios vermelhos se tornando ainda maior e mais cheio de contentamento, Anlyra se aproxima. Os passos dela são lentos, calculados, uma provocação em si mesmos. As írises verdes procuram pelo meu olhar, prendendo-me com o divertimento que elas exibem.

 

- Você possui um olhar muito transparente, Fenris. – ela sussurra.

 

- E o seu esconde muito, Anlyra. – respondo sorrindo e tocando a face pálida da Bruxa da Floresta.

 

- A noite está terminando. – ela diz – Logo a luz de Lathia será substituída pela luz de Laros, mas mesmo na presença dos dois, eu permaneço. Eu sempre permanecerei, Lobo. – os lábios escarlates tocam meu rosto em um carinho suave – E você?

 

O barulho das copas das árvores e dos galhos trincando contra um inesperado peso desvia minha atenção da pergunta de Anlyra. Olho para além da Bruxa e vejo os corvos criados por ela ajoelhados nos galhos, todos em suas formas humanas. Esperando pela Dama que os comanda. Anlyra me oferece um sorriso vermelho e então se afasta, caminhando em direção aos próprios soldados, que crocitam diante da aproximação de sua líder. Eu a observo ir até que as sombras da noite a envolvam completamente e eu seja deixado sozinho com o silêncio da noite. O vento sussurra em meu ouvido, começando a carregar consigo o calor do dia. Viro meu corpo, seguindo o caminho oposto ao de Anlyra, seguindo as trilhas que levam para além do coração da floresta, para um lugar mais escondido do que o lar da Bruxa da Floresta.

 

O reino de Anlyra se mistura ao meu, nossos caminhos sempre se cruzam na escuridão da floresta, na proximidade que ela mantém das minhas crianças. É quase como uma eterna caçada, um desafio sempre repetido e nunca recusado por completo. Eu sou o desafio que Anlyra mais deseja, a criança que ela mais anseia por quebrar. Mas eu não posso permitir que nossos desafios alcancem esse limite. Se eu aceitar desafiar Anlyra, enfrentar o poder e a dor que ela oferece à todas as crianças, eu não tenho certeza de que minha queda seria reversível.

 

Eu chego aos limites de meu lugar de descanso, meus passos arranhando a pedra e chamando a atenção dos meus lobos. Eles me observam em silêncio enquanto caminho até o trono colocado no centro das ruinas. Apenas quando tomo meu lugar é que eles se aproximam, deitando aos meus pés. Eles permanecem em quietude – e eu também – enquanto as raízes quebram a terra e se esticam até nós, nos envolvendo em um forte e protetor abraço.

 

É um pensamento tentador, o desafio de Anlyra. Ela é tentadora e as crianças percebem isso, se enchem de arrogante e tolo orgulho e a desafiam, caem. Ou então elas apenas reconhecem a tentação, a cobrem de medo e chamam de ameaça, de perigo. Poucos são os que oferecem à Anlyra o desafio que ela aguarda, que ela deseja. Eu poderia oferecer o tipo de desafio que ela aproveitaria, que a satisfaria?

 

Sim, eu poderia. Mas não irei. Eu não sou forte como minhas crianças ou como algumas crianças do mundo.

 

Eu sucumbiria à Bruxa da Floresta.


Notas Finais


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