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História A canção de Jercy - O amadurecimento dos figos


Escrita por: MaxPosey

Notas do Autor


Olá semideuses!
Eu estou muito feliz com os comentários de vocês e os favoritos. Eu também estou amando fazer essa adaptação.
Este capítulo tem o primeiro momento Jercey e como é um romance mais puro, esse momento também é.
Boa leitura....

Capítulo 10 - O amadurecimento dos figos


Fanfic / Fanfiction A canção de Jercy - O amadurecimento dos figos

Estávamos na primavera e tínhamos 15 anos. Os gelos do inverno haviam durado mais que o usual e era agradável sair de novo para a luz do sol.
Tiramos as túnicas e nossa pele estremecia à passagem da brisa leve. Eu não ficara tão completamente nu durante todo o inverno; fizera frio demais para prescindirmos de nossas peles e nossos mantos, exceto quando nos lavávamos rapidamente na rocha oca que nos servia de banheira.
Jason estirava os membros entorpecidos pela longa permanência no interior da caverna. Passáramos a manhã nadando e caçando na floresta. Meus músculos estavam agradavelmente cansados, felizes por entrar de novo em ação.

Observei-o. Além da superfície crespa do rio, não havia espelhos no Monte Pélion, de modo que eu só conseguia me avaliar pelas mudanças notadas em Jason.
Seus membros continuavam esguios, mas agora eu já via neles os músculos ondeando sob a pele quando se movimentava. Também seu rosto se
tornara mais marcante, seus ombros estavam mais largos.

— Parece mais velho — disse eu.

Ele parou e se virou para mim.

— Eu?

— Sim — confirmei. — E eu?

— Venha cá — disse ele. Levantei-me e caminhei ao seu encontro. Olhou-me por um momento.

— Sim — disse finalmente.

— Quanto? — Eu queria saber. — Muito?

— Seu rosto está diferente — respondeu ele.

— Onde?

Jason tocou minha mandíbula e percorreu-a com a ponta do dedo.

— Aqui. Seu rosto ficou maior. — Ergui a mão para averiguar eu mesmo a diferença, mas não notei nenhuma, apenas osso e pele.
Ele pegou minha mão e desceu-a até minha clavícula. — Isto aqui também está maior. E isto. — Seu dedo tocou de leve a protuberância macia em meu pescoço. Engoli em seco e senti seu dedo se deslocar com o movimento.

— Onde mais? — perguntei.

Jason apontou para a trilha de pelos finos e escuros que, do peito, me desciam para o ventre.

Ele parou, e meu rosto começou a arder.

— Isso basta — disse eu, de maneira um tanto abrupta. Sentei-me de novo na relva e ele recomeçou seus exercícios de alongamento. A brisa revolvia seus cabelos e o sol acariciava sua pele dourada. Estirei-me de costas e deixei que o astro rei acariciasse também a minha.

Depois de algum tempo, Jason parou e veio sentar-se ao meu lado. Ficamos contemplando a relva, as árvores e os brotos que começavam a despontar.
Sua voz soou distante, quase indiferente:

— Você não ficaria insatisfeito com sua nova aparência, penso eu.

De novo meu rosto ardeu. Porém nada mais dissemos a respeito.

Íamos completar 16 anos. Logo os mensageiros de Grace apareceriam com os presentes.

Logo os frutos amadureceriam e cairiam em nossas mãos. Aquele seria o último ano de nossa infância; a partir daí, nossos pais nos considerariam homens e passaríamos a usar não apenas túnicas, mas também capas e armaduras.

Um casamento seria arranjado para Jason e eu próprio poderia ter uma esposa, se quisesse. Pensei de novo nas servas com seus olhos vagos. Lembrei-me dos fragmentos de conversa sobre seios, ancas e cópulas que entreouvira dos meninos.

Ela é macia como creme.

Quando você estiver no meio daquelas coxas, esquecerá seu próprio nome.

As vozes dos rapazinhos, de rostos afogueados, vibravam de excitação. No entanto, quando eu tentava imaginar as cenas que descreviam, minha mente se esquivava como um peixe temeroso da isca.

Outras imagens brotavam em seu lugar. A curva de um pescoço inclinado sobre a lira, cabelos cintilando ao fogo da lareira, mãos de tendões esguios.

Passávamos juntos o dia inteiro e eu não tinha como escapar: o perfume dos óleos que ele usava nos pés, os vislumbres de pele quando ele se vestia... Procurava desviar os olhos e evocar aquele dia na praia, a frieza em suas pupilas e a pressa com que se afastara de mim. E sempre lembrava-me de sua mãe.

Comecei a sair sozinho ao amanhecer, quando Jason ainda dormia, ou à tarde, quando ele se exercitava no arremesso de lança. Levava comigo uma flauta, mas raramente a tocava. Em vez disso, escolhia uma árvore em que me recostar e aspirava o aroma penetrante dos ciprestes que descia do alto da montanha.

Devagar, como se quisesse fugir à minha própria vigilância, minha mão deslizava para o meio das coxas. Era vergonhoso aquilo que eu fazia e mais vergonhosos ainda os pensamentos que o ato despertava. Mas pior seria que me ocorressem no interior da gruta de quartzo-rosa, com Jason ao meu lado.

Às vezes, era difícil voltar depois para a caverna.

— Por onde andou? — perguntava então Jason.

— Por aí... — respondia eu, apontando vagamente em qualquer direção.

Ele concordava com um aceno de cabeça, mas eu sabia que notava o rubor em minhas faces.

O verão ficou mais quente e buscávamos o frescor do rio, cujos borrifos descreviam arcos de luz quando chapinhávamos na água ou nadávamos. As pedras do leito, recobertas de musgo, eram frias sob meus pés. Gritávamos, assustando os peixes, que fugiam para seus buracos de lama ou para as águas mais calmas contra a corrente.

O gelo que ainda restara na primavera se fora; eu me estendia de costas e deixava que a corrente me levasse. Gostava da sensação que os raios de sol provocavam em meu ventre e do frescor da água em minhas costas. Jason flutuava ao meu lado ou nadava contra o fluxo lento do rio.

Quando nos cansávamos dessa brincadeira, segurávamos os galhos baixos de um salgueiro e nos erguíamos a meio corpo da água.

Naquele dia, com as pernas balançando, tentamos nos desalojar um ao outro empurrando-nos com os pés para subir primeiro no galho. Num impulso, larguei meu galho e agarrei-o pelo torso suspenso. Ele emitiu uma exclamação de surpresa. Lutamos assim por um momento, rindo, meus braços segurando-o firmemente. Ouviu-se então um estalido e o galho se partiu, lançando-nos ao rio. A água se fechou sobre nós, mas continuamos lutando, mãos contra peles escorregadias.

Voltamos à superfície, arquejantes, impetuosos. Ele saltou sobre mim e afundamos novamente. Sempre presos um ao outro, subíamos para respirar e afundávamos outra vez.

Por fim, com os pulmões ardendo, as faces rubras por permanecer muito tempo sob a água, arrastamo-nos para a margem e lá nos deixamos cair sobre o tapete de relva e ervas pantanosas. Nossos pés se afundavam na lama fria da margem.

A água ainda pingava de seus cabelos e eu acompanhava os filetes descendo por seus braços e seu peito.

Na manhã de seu décimo sexto aniversário, eu acordei cedo. Quíron me mostrara, na encosta mais distante do Pélion, uma figueira cujos frutos já começavam a amadurecer, os primeiros da estação. Jason não sabia de sua existência, garantiu-me o centauro.

Acompanhei a evolução dos frutos dia após dia, vendo seu verde escurecer e sua polpa inchar, prenhe de sementes. Agora eu os colheria para o desjejum de Jason.

Não era o meu único presente. Encontrei um pedaço de freixo bem seco e comecei a entalhar secretamente suas camadas macias. Depois de quase dois meses, uma forma emergiu: um menino tocando lira, a cabeça erguida para o céu, a boca entreaberta como se cantasse. Tinha agora a peça comigo, enquanto caminhava.

Os figos pendiam suculentos e pesados da árvore; sua polpa curva afundava ao toque dos meus dedos — mais dois dias e ficariam muito maduros. Recolhi-os numa travessa de madeira e levei-os com o maior cuidado para a caverna.

Jason estava sentado à porta com Quíron, tendo aos pés uma nova caixa enviada por Grace, que ainda não abrira. Seus olhos se arregalaram quando recebeu os figos. Já estava de pé, remexendo avidamente na travessa, antes que eu a depositasse ao seu lado. Comemos até não mais poder, nossos dedos e queixos ficaram melados de doçura.

A caixa de Grace encerrava mais túnicas e cordas de lira; dessa vez, porém, havia para seu décimo sexto aniversário um manto tingido com a caríssima púrpura extraída da concha murex. Era um manto de príncipe, de futuro rei, e percebi que o presente lhe agradara. Assentaria bem nele, sem dúvida, e a púrpura pareceria mais rica em contraste com o dourado de seus cabelos.

Quíron também deu presentes: um cajado para caminhadas e uma nova bainha de punhal. Por fim, entreguei-lhe a estátua. Ele a examinou, correndo os dedos pelas pequenas marcas deixadas por minha faca.

— É você — falei, sorrindo tolamente.

Jason ergueu os olhos e havia neles o brilho da satisfação.

— Eu sei — ele disse.

Uma noite, não muito depois, permanecemos até altas horas ao redor das brasas da fogueira. Jason ficara fora boa parte da tarde — Tétis aparecera e retivera-o por mais tempo que de costume. Agora, tocava a lira de minha mãe. A música era suave e luminosa como as estrelas sobre nossas cabeças.

Ouvi, perto de mim, Quíron bocejar e acomodar-se melhor nas pernas dobradas.

Um instante depois, a lira emudeceu e a voz de Jason soou alto na escuridão:

— Está cansado, Quíron?

— Eu estou.

— Então vamos deixá-lo descansar.

Em geral, ele não tinha tanta pressa para se recolher nem costumava falar por mim; mas eu próprio me sentia fatigado e não me opus. Levantou-se, deu boa-noite a Quíron e caminhou até a caverna. Espreguicei-me, aproveitei mais alguns momentos da fogueira e o segui.

Dentro da caverna, Jason já estava deitado, depois de lavar o rosto na fonte.

Lavei-me também, sentindo a água fria em minha testa.

— Você ainda não me perguntou sobre a visita de minha mãe — disse ele.

— Como ela está? — perguntei.

— Ela está bem. — Era a resposta de sempre. Por isso, às vezes, eu não lhe perguntava nada.

— Ótimo. — Atirei um pouco de água ao rosto, para retirar a espuma de sabão.

Nós mesmos o fabricávamos com azeite de oliva, cujo aroma ainda permanecia nele; rico e amanteigado.

Jason continuou:

— Ela disse que não pode nos ver aqui.

— Como? — estranhei, pois não esperava que ele insistisse no assunto.

— Não pode nos ver aqui. No Pélion.

Havia certa tensão em sua voz. Virei-me para ele.

— O que você quer dizer?

Seus olhos passearam pelo teto.

— Ela disse... Eu lhe perguntei se nos observava aqui. — A voz de Jason estava estridente. — Ela disse... Ela disse que não.

Fez-se silêncio na caverna. Só se ouvia o murmúrio da água escorrendo lentamente.

— Oh! — exclamei.

— Eu queria lhe dizer porque... — ele se calou. — Porque pensei que gostaria de saber. Ela... — Jason hesitou de novo. — Ela não ficou nada satisfeita com a minha pergunta.

— Ela não ficou nada satisfeita... — repeti. Sentia-me aturdido, minha mente remoia sem cessar suas palavras. Não pode nos ver. Percebi que ia ficando congelado junto à fonte, a toalha suspensa à altura do queixo. Com muito esforço, despi-me e fui para a cama. Algo selvagem despertou em mim e me inundou de esperança e terror.

Puxei as cobertas e deitei-me no catre já aquecido por sua pele. Seus olhos continuavam fixos no teto.

— Você... gostou da resposta? — arrisquei, finalmente.

— Sim — disse ele.

Ficamos calados por um momento, em meio àquele silêncio tenso e palpitante.

Geralmente, à noite, contávamos histórias e anedotas um para o outro. O teto, lá em cima, trazia o desenho das estrelas e, quando nos cansávamos de tagarelar, apontávamos para elas: — Órion — dizia eu, acompanhando seu dedo. — As Plêiades.

Porém, nessa noite, nada disso aconteceu. Cerrei os olhos e esperei por longos minutos até supor que ele já havia adormecido. Então eu me virei para observá-lo.

Jason estava deitado de lado, olhando para mim. Eu não o ouvira se mexer.

Nunca o ouço. Permanecia completamente imóvel, naquela imobilidade que era só dele. Respirei fundo e senti a superfície lisa do travesseiro entre nós.

Ele se inclinou para mim.

Nossas bocas se aproximaram, entreabertas, e a doçura tépida de sua garganta invadiu a minha. Eu não conseguia pensar, não conseguia fazer nada exceto sorver cada alento seu, cada movimento suave de seus lábios. Era o êxtase.

Eu tremia receoso de afugentá-lo. Ignorava o que ele queria que eu fizesse. Beijei lhe o pescoço e toda a extensão do peito, que tinha gosto de sal. Jason se intumescia, parecendo amadurecer como um fruto ao meu toque. Cheirava a amêndoas e terra. Apertou-se contra mim, esmagando-me os lábios.

Ele permanecia imóvel enquanto eu o acariciava — macio como o veludo das pétalas. Eu conhecia bem sua pele dourada, a curva de seu pescoço e de seus cotovelos. Conhecia suas reações de prazer. Nossos corpos se estreitavam como mãos.

As cobertas se enroscaram ao meu lado e Jason as jogou para longe. O ar espicaçou minha pele, fazendo-a estremecer. O corpo dele se recortava contra o desenho dos astros; a estrela Polar fulgia em seu ombro.

A mão de Jason deslizou sobre meu ventre, que arfava descompassadamente. Apertava-me com delicadeza, como se apalpasse o mais suave dos tecidos, e meus quadris se erguiam ao seu toque. Puxei-o para mim, cada vez mais trêmulo. Ele também tremia como se houvesse corrido durante muito tempo por longa distância.

Acho que pronunciei seu nome. Esse ecoou em mim como se fosse um junco suspenso ao vento. Não havia tempo, apenas nossas respirações.

Tomei seus cabelos entre meus dedos. Tudo dentro de mim se revolvia, meu sangue pulsava a cada movimento de sua mão. Ele comprimia o rosto contra o meu, mas ainda assim eu tentava puxá-lo para mais perto. Não pare, eu disse.

Jason não parou. A sensação foi aumentando até que um grito rouco escapou de minha garganta e o prazer agudo me comprimiu arquejante contra ele.

Ainda não era tudo. Minha mão desceu, encontrou a sede de seu prazer. Jason cerrou os olhos. Eu podia sentir o ritmo que o deliciava pela respiração entrecortada, pelo arquejar anelante. Meus dedos ligeiros acompanhavam o compasso cada vez mais acelerado de seus gemidos. Suas pálpebras tinham a cor da alvorada; seu corpo rescendia a terra e chuva.

A boca de Jason se abriu num grito inarticulado; estávamos tão juntos que senti o jorro quente contra mim. Ele estremeceu e ficamos imóveis.

Aos poucos, como um crepúsculo que descia, fui me dando conta de meu suor, da umidade das cobertas e do líquido que escorria entre nossos ventres. Separamo nos, nossos rostos intumescidos pela ardência dos beijos. Um cheiro quente e doce vagava pela caverna, como o de frutas ao sol. Nossos olhares se cruzaram, mas nada falamos.
O medo brotou em mim, repentino e agudo. Era o momento de maior perigo e a tensão me invadiu diante da ideia de que ele pudesse lamentar o ocorrido.

— Nunca pensei... — ele disse. Depois se calou. Não havia nada no mundo mais importante para mim do que ouvir aquilo que ele calara.

— O quê? — tentei instigá-lo. Se for alguma coisa ruim, que seja dita logo.

— Nunca pensei que iríamos... — hesitava a cada palavra e eu não podia censurá ló por isso.

— Eu também jamais havia pensado — confessei.

— Está arrependido? — As palavras lhe escaparam de uma só vez.

— Não — eu disse.

— Eu também não — disse ele.

Houve um silêncio então, e eu não me sentia incomodado com a umidade das cobertas e com meu suor. O olhar de Jason, verde mesclado com ouro, era decidido. A segurança foi me dominando e alojou-se em minha garganta. Jamais o deixarei. As coisas serão assim para sempre, enquanto ele o desejar.

Se eu tivesse palavras para dizer isso, diria; mas nenhuma me pareceu grandiosa o suficiente para externar aquela verdade pujante.

Como se lesse meus pensamentos, Jason estendeu a mão. Não precisei olhar; seus dedos estavam gravados em minha memória, esguios e estriados como pétalas, fortes, ágeis e certeiros.

— Percy — murmurou ele. Ele sempre fora melhor que eu com as palavras.

Na manhã seguinte, acordei com o ânimo leve, o corpo transpirando calor e bem-estar.

Depois da ternura, avolumou-se a paixão; ficáramos serenamente estendidos, fruindo uma noite de sonhos que se arrastava.
Agora, vendo-o mexer-se ao meu lado com a mão sobre meu ventre, orvalhado e recolhido como uma flor ao amanhecer, a excitação me dominou de novo. Lembrei-me subitamente das coisas que dissera e fizera, dos ruídos que emitira.
Receei que a magia se tivesse desfeito, que a luz, entrando pela caverna, transformasse tudo em pedra.

Então ele acordou — os lábios formando uma saudação meio sonolenta e a mão ainda buscando o

aperto da minha. Continuamos deitados até que a luz da manhã inundou a caverna e Quíron nos chamou.

Comemos e fomos nos banhar no rio. Saboreei o milagre de poder contemplá-lo livremente, de deleitar-me com o jogo de luzes sobre seus membros e a curva de suas costas quando ele mergulhou. Depois, estiramo-nos na margem, revisitando com visão nova as curvas de nossos corpos. Esta, essa, aquela... Éramos como deuses na alvorada do mundo e nossa alegria chegou a um ponto tal que só conseguíamos perceber um ao outro.

Se Quíron percebeu alguma mudança, não disse nada. Porém eu não podia deixar de ficar preocupado.

— Você acha que ele se enfurecerá?

Estávamos no bosque de oliveiras do lado norte da montanha. Ali, as brisas eram ainda mais doces, frescas e puras como água da fonte.

— Acho que não — respondeu ele, pousando a mão em minha clavícula, a linha que gostava de percorrer com o dedo.

— Mas poderia. Sem dúvida, já deve saber a esta altura. Deveríamos dizer algo?

Não era a primeira vez que aquilo me ocorria. Discutíramos o assunto em várias ocasiões, em tom conspiratório.

— Se você quiser... — Era o que já havia dito antes.

— E se ele ficar irritado conosco?

Ele se pôs a refletir. Eu gostava dessa sua atitude. Não importava quantas vezes eu houvesse perguntado, ele sempre respondia como se fosse a primeira vez.

— Acho que não ficará. — Nossos olhares se encontraram. — Isso importa? Não vou parar. — Sua voz estava quente de desejo. Um arrepio me percorreu a pele.

— Mas ele pode contar a seu pai. Ele ficará furioso — ponderei.

Disse isso em tom quase de desespero. Agora minha pele queimava e em breve eu não conseguiria mais refletir.

— E daí? — A primeira vez que ele proferira coisa semelhante, eu ficara chocado.

Ainda que seu pai se enfurecesse, Jason continuaria fazendo o que desejava... Isso eu não podia entender ou sequer imaginar. Ouvi-lo falar assim me afetava como uma droga. E eu nunca me cansava de ouvi-lo.

— E quanto à sua mãe?

Quíron, Grace, Tétis: a trindade de meus terrores.

Ele deu de ombros.

— E o que poderia ela fazer? Raptar-me?

Poderia me matar, pensei. Porém não disse nada. A brisa era suave demais, o sol tépido demais para que semelhante pensamento fosse comunicado.

Ele me observou por um instante.

— Você se preocuparia se eles se irritassem?

Sim. Ficaria apavorado se Quíron me repreendesse. A desaprovação sempre calara fundo em mim; eu não conseguia ignorá-la como Jason. Porém não permitiria que ela nos separasse, se chegássemos a esse ponto.

— Não — eu disse por fim.

— Ótimo — disse ele.

Baixei a mão para afastar as madeixas de sua têmpora. Jason cerrou os olhos.

Contemplei seu rosto, inclinado para o sol. A delicadeza de suas feições fazia-o às vezes parecer bem mais novo. Tinha os lábios túrgidos e rubros.

Ele abriu os olhos e disse:

— Cite um herói que tenha sido feliz.

Pensei um pouco. Héracles enlouquecera e chacinara a família; Teseu perdera a noiva e o pai; os filhos de Jasão e a segunda esposa foram assassinados pela primeira; Belerofonte matara a Quimera, mas ficou aleijado ao cair do dorso de Pégaso.

— Não conseguiria. — Ele sentou-se inclinado para a frente.

— Não, não conseguiria.

— Sei disso. Os deuses não permitem que sejamos famosos e felizes. — Franziu o cenho. — Vou lhe contar um segredo.

— Conte-me. — Eu adorava quando ele se comportava assim.

— Eu serei o primeiro. — Segurou minha mão e pousou-a na sua. — Jure.

— Por que eu devo jurar?

— Porque você é a razão. Jure.

— Eu juro — murmurei perdido nas cores luminosas de seu rosto, na chama de seus olhos.

— Juro — ecoou ele.

Permanecemos imóveis por um momento, nossas mãos se tocando. Ele riu.

— Acho que agora comeria o mundo inteiro cru!

Uma trombeta soou em algum ponto das encostas abaixo de nós. Um som abrupto e rude, como um alarme. Antes que eu pudesse falar ou me mexer, Jason já estava de pé e arrancara a faca da bainha presa à coxa.
Era apenas uma faca de caça, mas para ele bastava. Enrijeceu-se, ficou completamente imóvel, ouvindo com todos os seus sentidos semidivinos.

Eu também tinha uma faca. Devagar, saquei-a e me levantei. Ele se postara entre mim e o som. Eu não sabia se devia me colocar a seu lado com minha própria arma em riste.
Acabei não o fazendo. Fora uma trombeta de soldado — e a luta, como dissera Quíron francamente, era o dom dele, não o meu.

A trombeta soou novamente.

Ouvimos o ruído de dois pés sobre a relva. Um homem. Talvez estivesse perdido, talvez em perigo. Jason deu um passo em direção ao som. Como se respondesse, a trombeta soou outra vez — e uma voz

ecoou pela montanha:

— Príncipe Jason!

Estremecemos.

— Jason! Estou à procura do príncipe Jason!

Pássaros esvoaçaram das árvores, fugindo do barulho.

— Vem da parte de seu pai — sussurrei. Somente um arauto real saberia onde nos procurar.

Jason assentiu, mas parecia estranhamente relutante em responder. Eu imaginava o ritmo acelerado de seu pulso; um instante antes, ele estava pronto para matar.

— Aqui! — gritei com as mãos em concha sobre a boca.

O barulho cessou por um segundo.

— Onde?

— Consegue seguir minha voz?

Conseguiu, mas com dificuldade. Passou-se algum tempo antes que ele surgisse na clareira. Tinha as faces cheias de arranhões e a túnica palaciana úmida de suor.

Ajoelhou-se com uma graça forçada, ressentida. Jason baixou a faca, embora ainda a segurasse firmemente.

— Sim?

Sua voz era fria.

— Seu pai o chama. Há assuntos importantes que devem ser tratados em sua casa.

Fiquei imóvel também, como Jason um momento antes. Se continuássemos exibindo aquela postura ameaçadora, talvez não precisássemos ir.

— Que tipo de assunto? — perguntou Jason.

O homem se recuperara um pouco. Lembrou-se então de que falava com um príncipe.

— Perdoe-me, meu senhor, mas pouco sei a respeito. Mensageiros foram enviados de Reino dos Stoll a Grace com notícias. Seu pai discursará esta noite ao povo e quer que você esteja lá. Tenho cavalos ao pé da montanha.

Houve um instante de silêncio. Julguei que Jason fosse recusar. Mas, por fim, ele disse: — Percy e eu teremos de arrumar nossa bagagem.

No caminho de volta para a caverna, onde Quíron nos aguardava, especulamos sobre as notícias. Reino dos Stoll estava bem ao sul e seu rei era Connor, que gostava de se chamar “pastor de homens”. Dizia-se que o seu exército era o maior de todos entre os nossos reinos.

— Seja o que for, ficaremos lá apenas por uma ou duas noites — tranquilizou-me Jason. Eu concordei — grato por ouvi-lo dizer aquelas palavras. Só alguns dias.

Quíron nos esperava.

— Escutei a gritaria — disse ele. Jason e eu, que o conhecíamos bem, percebemos desaprovação em sua voz. O centauro não gostava que a paz de sua montanha fosse perturbada.

— Meu pai mandou me chamar — comunicou Jason —, mas apenas por esta noite. Espero voltar logo.

— Estou vendo — disse Quíron. Parecia maior que o usual, os cascos cravados na relva brilhante, os flancos castanhos banhados pela luz do sol. Perguntei-me se sentiria nossa falta. Nunca o vira em companhia de outro centauro. Indagáramos sobre isso uma vez e sua face se contorcera: “Bárbaros”, foi tudo o que disse.

Juntamos nossos pertences. Eu tinha pouca coisa para levar — algumas túnicas, uma flauta. Jason não tinha muito mais — suas roupas, pontas de lança que fabricara e a estátua que eu esculpira para ele. Pusemos tudo em alforjes de couro e fomos nos despedir de Quíron. Jason, sempre mais ousado, abraçou o centauro, no ponto onde o flanco de cavalo dava lugar à carne humana.

O mensageiro, esperando às nossas costas, virou-se para sair.

— Jason — disse Quíron —, você se lembra de quando lhe perguntei o que faria caso os homens o convocassem para lutar?

— Sim — respondeu Jason.

— Pois reflita sobre sua resposta — disse Quíron. Um frio me percorreu a espinha, mas eu não tinha tempo para pensar no assunto. Quíron já se virava em minha direção: — Percy — chamou ele. Adiantei-me e o centauro pousou a mão, larga e quente como o sol, em minha cabeça. Senti-lhe o cheiro todo especial, misto de cavalo, suor, ervas e floresta. Sua voz era calma. — Agora, você não desiste com

tanta facilidade como antes — ele disse.

Eu não sabia o que replicar a isso, de modo que apenas murmurei: — Obrigado.

Ele esboçou um sorriso.

— Fique bem. — E a enorme mão se afastou, deixando minha cabeça gelada em sua ausência.

— Estaremos de volta em breve — repetiu Jason.

Os olhos de Quíron eram sombrios na luz da tarde que caía.

— Velarei por vocês — disse ele.

Pusemos os alforjes ao ombro e deixamos a clareira.
O céu já havia ultrapassado o meridiano e o mensageiro se mostrava impaciente. Descemos a encosta às pressas e montamos os cavalos que esperavam por nós.
A sela me parecia desconfortável depois de tantos anos em que só andara a pé — e cavalos sempre me enervavam.  

Quase esperava ouvi-los falar, mas é claro que isso eles não podiam fazer. Voltei-me para contemplar o Pélion; talvez avistasse a caverna de quartzo rosa ou o próprio Quíron. Porém já estávamos longe. Fixei-me na estrada e deixei me levar para Fítia.


Notas Finais


É isso aí meus caros.
Obrigado e até o próximo...


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