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História A canção de Jercy - O príncipe Jason


Escrita por: MaxPosey

Notas do Autor


Olá galera!
Voltei com mais um capítulo.
Estou super feliz com os comentários e favoritos, obrigado de coração.
Espero que curtam mais esse capítulo e tenham um bom final de semana.
Abraços,

Capítulo 4 - O príncipe Jason


Fanfic / Fanfiction A canção de Jercy - O príncipe Jason

As refeições na sala abobada eram meu único consolo. Ali, as paredes não pareciam me pressionar tanto e a poeira do pátio não se acumulava em minha garganta.

O vozerio constante cessava quando as bocas se enchiam de comida. Então eu podia me sentar sozinho com meu prato e respirar de novo à vontade.

Eram as únicas ocasiões em que eu encontrava Jason. Ele vivia isolado, em sua qualidade de príncipe, cumprindo deveres em que não nos imiscuíamos. Porém tomava todas as refeições conosco, circulando por entre as mesas.

Naquela sala tosca, sua beleza refulgia como uma chama, viva e cintilante, obrigando-me a contemplá-lo. O contorno de sua boca lembrava um arco curvado; seu nariz, uma flecha aristocrática.

Quando se sentava, seus membros não ficavam desengonçados
como os meus, mas assumiam naturalmente uma graça perfeita, como se posasse para um escultor. Talvez, o mais notável nele fosse a modéstia. Não se pavoneava como outros garotos bonitos. Na verdade, parecia não se dar conta da impressão que causava nos meninos à sua volta. E isso era estranho, pois eles o cercavam como um bando de cães famintos, de línguas pendentes.

Eu via tudo isso de meu lugar numa mesa de canto, revirando um naco de pão entre os dedos. A ponta aguda de minha inveja era como uma fagulha que escapa da chama.

Certa vez, ele se sentou mais perto de mim do que de costume: na mesa ao lado.
Seus pés cobertos de poeira se moviam impacientes sobre a laje enquanto comia.

Não eram rachados nem calosos como os meus, mas róseos e delicadamente bronzeados sob a camada de sujeira. Príncipe — murmurei para mim mesmo.

Ele se virou, como se tivesse me ouvido. Por um segundo, nossos olhares se cruzaram e meu corpo estremeceu. Baixei a cabeça e concentrei-me em meu pão.

Meu rosto ardia e minha pele formigava como na iminência de uma tempestade.

Quando, por fim, arrisquei-me a olhar de novo, ele já havia se acomodado à sua mesa e conversava com os outros meninos.

Depois disso, procurei ser mais discreto, mantendo a cabeça baixa e os olhos prontos a se desviar. Ele, porém, era mais hábil: pelo menos uma vez, durante a refeição, virava-se e me surpreendia antes que eu pudesse fingir indiferença.

Aqueles segundos — aquelas frações de segundo — em que nossos olhares se encontravam eram os únicos momentos, no dia, em que eu sentia alguma coisa.

Uma reviravolta súbita no estômago, um rápido acesso de ira. Eu era como um peixe hipnotizado pelo anzol.

Na quarta semana do meu exílio, entrei na sala de refeições e encontrei-o à mesa onde eu sempre me sentava. Minha mesa, como me habituara a pensar, pois ninguém mais queria partilhá-la comigo. Agora, por causa dele, ela estava tomada por um bando de garotos que se acotovelavam. Estremeci, hesitando entre a fuga e a cólera.

A cólera prevaleceu. Aquela mesa me pertencia, Jason não a tiraria de mim, pouco importava quantos companheiros tivesse consigo.

Sentei-me no último lugar vazio, de ombros tensos como se me preparasse para uma luta. Em volta, os meninos se pavoneavam, tagarelando sobre uma lança e um pássaro morto na praia, sobre as corridas da primavera... Eu não os ouvia. A
presença de Jason era como uma pedra em minha sandália, impossível de ignorar. Sua pele tinha o matiz do azeite que acaba de ser espremido, era lisa como madeira polida, sem as manchas e os arranhões que enfeavam a nossa.

Finda a refeição, retiraram-se os pratos. Pela janela da sala, avistávamos a lua alaranjada suspensa nas sombras do crepúsculo. Mas Jason se demorava.

Absorto, afastou da testa os cabelos, que haviam crescido desde que eu chegara.

Estendeu a mão para uma travessa de figos e retirou um punhado.

Com movimentos rápidos do pulso, foi atirando os figos para o alto — um, dois, três —, fazendo malabarismos com eles com tanta leveza que a pele delicada dos frutos permanecia intacta. Acrescentou um quarto, depois um quinto. Os garotos,entusiasmados, batiam palmas. Mais, mais!

Os figos voavam, manchas indistintas no ar, tão rápido que pareciam não lhe tocar as mãos e saltar por vontade própria. Malabarismos eram truques de
prestidigitadores e mendigos, mas ele fazia deles algo mais, um arabesco vivo pintado no espaço, tão belo que nem mesmo eu consegui fingir desinteresse.

O olhar de Jason, que até então acompanhara o movimento dos frutos, se encontrou com o meu. Não tive tempo para disfarçar antes que ele dissesse em voz
baixa, mas distinta:

— Pegue!

Um figo se destacou do arabesco e, descrevendo um círculo gracioso, voou em minha direção. Recebi-o nas mãos espalmadas, macio e tépido. Percebi que os garotos aplaudiam.

Um por um, Jason recolheu os frutos que restavam e devolveu-os à mesa com um floreio de artista. Menos o último, que levou à boca, a polpa escura se abrindo para revelar as sementes rosadas entre seus dentes. O fruto estava perfeitamente
maduro, suculento. Sem pensar, aproximei também dos lábios o que ele me atirara.

Sua doçura granulosa encheu minha boca; a pele era aveludada contra minha
língua. Sempre gostei de figos.

Ele se levantou e os meninos se despediram em coro. Pensei que fosse olhar para mim de novo. Porém apenas se virou e desapareceu, recolhendo-se a seu quarto no outro lado do palácio.

No dia seguinte, Grace voltou e fui conduzido à sua presença, na sala do trono, abafada e cheia de fumaça da lenha que queimava na lareira. Ajoelhei-me
respeitosamente, saudei-o e recebi seu lendário sorriso bondoso.

— Percy — murmurei, em resposta à sua pergunta. Já estava quase acostumado à brevidade desse nome, sem o de meu pai para complementá-lo.

Grace fez um leve aceno de cabeça. Pareceu-me velho, encurvado, embora não
tivesse mais de 50 anos, a idade de meu pai. Não lembrava em nada o homem que conquistara uma deusa e gerara um filho como Jason.

— Você está aqui porque matou um menino. Você entende isso?

Esta era a crueldade dos adultos. Você entende isso?

— Sim — eu disse a ele. Poderia ter dito mais, falado dos sonhos que me deixavam exaurido e de olhos vermelhos, dos gritos que me feriam a garganta enquanto eu procurava sufocá-los. Das estrelas que percorriam lentamente seu caminho pela noite, diante de meus olhos insones.

— Você é bem-vindo aqui. Ainda pode se tornar um grande homem. — Para ele, essas palavras eram um incentivo.

Mais tarde, naquele dia, talvez por ele ou por algum servo de ouvidos apurados, os garotos finalmente souberam o motivo de meu exílio. Era de se esperar. Eu os surpreendera muitas vezes bisbilhotando outros meninos; boatos eram a única moeda de troca entre eles. Ainda assim, intrigou-me a mudança que se instaurara em seus rostos, contraídos de medo ou fascínio quando eu passava. Agora, até o
mais arrojado sussurrava uma prece quando esbarrava comigo: a má sorte é contagiosa, e as Erínias, nossos cruéis espíritos de vingança, nem sempre fazem
distinções. Os garotos espiavam de uma distância segura, assustados. Será que elas
beberão o sangue dele?

Seus cochichos me incomodavam, tornavam amarga a comida em minha boca. Eu pegava o prato e ia para algum canto ou corredor onde me sentava sem ser perturbado, exceto por um ou outro servo de passagem. Meu pequeno mundo ficou menor ainda: não ia além das fendas no chão, das espirais entalhadas nas paredes, que eu percorria de leve com as pontas dos dedos.

— SOUBE QUE VOCÊ ESTAVA AQUI. — Uma voz cristalina como as águas geladas de um
regato.

Ergui a cabeça. Eu estava numa despensa, sentado com os joelhos encostados ao
peito, em meio a cântaros de azeite espesso. Imaginara-me um peixe prateado à luz do sol ao saltar das ondas. Porém essas se dissiparam, voltaram a ser ânforas e sacos de trigo.

Era Jason, postado à minha frente. Com uma expressão séria e seus olhos azuis fixos em mim. Senti-me culpado. Não devia estar ali e sabia bem disso.

— Vim à sua procura — disse ele. Essas palavras soaram inexpressivas aos meus ouvidos; não diziam nada que eu pudesse captar.

— Você não compareceu aos exercícios da manhã.

Enrubesci. Por trás da culpa, a raiva foi se avolumando, lenta e cegamente. Ele tinha o direito de me castigar, mas eu o odiava por isso.

— Como sabe? Você nunca vai lá.

— O mestre percebeu sua ausência e disse a meu pai.

— E seu pai o mandou. — Eu queria fazê-lo sentir-se mal por seu papel subserviente.

— Não, vim por conta própria. — A voz de Jason era glacial, mas notei que sua mandíbula se contraía ligeiramente. — Ouvi por alto o que diziam. Quis verificar
se por acaso você não estava se sentindo bem.

Não respondi. Ele me observou por um instante.

— Meu pai está pensando em algum castigo — disse por fim.

Eu sabia o que aquela frase significava. O castigo era físico e quase sempre em público. Um príncipe nunca seria açoitado — mas eu não era mais um príncipe.

— Você não está doente — disse ele.

— Não — respondi balbuciando.

— Então não poderá usar isso como desculpa.

— O quê? — Tomado de medo, eu não conseguia entendê-lo.

— Não poderá usar isso como desculpa para estar aqui. — Seu tom era paciente.

— Se não quer ser punido, o que vai dizer?

— Não sei.

— Terá de dizer alguma coisa.

Sua insistência me irritou.

— O príncipe é você — resmunguei.

Isso o surpreendeu. Ele inclinou um pouco a cabeça, como um pássaro curioso.

— Como assim?

— Fale com seu pai e diga que estávamos juntos. Ele me perdoará. — Eu não confiava muito nesse expediente. Se falasse a meu pai em defesa de outro menino, ele seria chicoteado do mesmo jeito. Mas eu não era Jason.

Ele franziu de leve o cenho, cerrando os olhos.

— Não gosto de mentir — ele disse.

Era o tipo de franqueza ingênua de que os outros garotos zombavam; ainda que alguém a tivesse, não deveria revelá-la.

— Então me leve para suas aulas — propus. — Não seria, então, uma mentira.

Jason arqueou as sobrancelhas e olhou-me fixamente. Permanecia imóvel, o tipo de imobilidade que não parecia própria a nenhum ser humano. Nele, só o que palpitava eram o pulso e a respiração — como um cervo atento ao zunido do arco
do caçador. Contive o fôlego.

De repente, sua expressão mudou. Ele havia tomado uma decisão.

— Siga-me — disse ele.

— Para onde? — eu perguntei cauteloso. Agora talvez fosse punido por sugerir uma fraude.

— Para minha aula de lira. Assim, como você diz, não mentiremos. Depois conversaremos com meu pai.

— Agora?

— Sim. Por que não? — Olhou-me curioso. Por que não?

Quando me levantei para segui-lo, meus membros doíam por eu
ter ficado tanto tempo no chão frio. Meu peito palpitava sem que
eu soubesse o motivo. Fuga, perigo, esperança — tudo ao mesmo tempo.

Atravessamos em silêncio os corredores sinuosos e chegamos por fim a um pequeno aposento, onde só havia um grande baú e alguns bancos. Jason apontou para um deles e me sentei sobre aquele pedaço de couro esticado sobre a armação de madeira nua. A cadeira de um músico. Eu só vira iguais quando os bardos vinham, muito raramente, tocar junto à lareira de meu pai.

Jason abriu o baú, tirou dali uma lira e estendeu-a para mim.

— Eu não sei tocar — confessei.

Ele franziu a testa.

— Nunca tocou?

Estranhamente, eu não tive coragem de desapontá-lo.

— Meu pai não gosta de música.

— E daí? Seu pai não está aqui.

Segurei a lira. Era fria e suave ao toque. Dedilhei as cordas, extraindo algumas notas quase indistintas. Era a lira que ele empunhava quando cheguei.

Jason se debruçou de novo sobre o baú, apanhou outro instrumento e veio juntar-se a mim.

Pousou-o nos joelhos. A madeira tinha incrustações de ouro e brilhava, e ele o manipulava com muito cuidado. Era a lira de minha mãe, que meu pai enviara
como parte de meu preço.

Jason feriu uma corda. A nota soou cálida e vibrante, docemente pura. Minha mãe sempre instalava sua cadeira perto dos bardos que nos visitavam, tão perto que meu pai franzia o cenho e os criados murmuravam. Lembrei-me, subitamente, do brilho escuro em seus olhos à luz das chamas, enquanto ela acompanhava o
movimento das mãos do bardo. Sua expressão era a de uma pessoa sedenta.

Jason feriu outra corda e uma nota vibrou no ar, mais grave que a primeira. Sua mão procurou uma cravelha e apertou-a.

É a lira de minha mãe, quase cheguei a dizer. As palavras estavam em meus lábios e atrás delas outras se atropelavam. É a minha lira. Porém não disse nada. Como reagiria ele a semelhante declaração? A lira era dele agora.

Engoli em seco.

— É bonita.

— Foi meu pai quem me deu — disse ele descuidadamente. Contudo, o modo como seus dedos a seguravam, com a maior delicadeza, me impediu de dar vazão à cólera.

Ele nem percebeu.

— Pode pegá-la, se quiser.

Eu conhecia a maciez daquela madeira como minha própria pele.

— Não — eu falei, apesar da dor em meu peito. Não vou chorar diante dele.

Jason ia dizer alguma coisa quando o mestre entrou — um homem de meia idade.

Tinha as mãos calosas de um músico e carregava sua própria lira, lavrada em nogueira escura.

— Quem é este aí? — ele perguntou. Sua voz era áspera e estridente. Um músico, mas não um cantor.

— Este é Percy — respondeu Jason.

— Ele não sabe tocar, mas quer aprender.

— Não neste instrumento. — E a mão do homem se adiantou para arrebatar-me a lira. Instintivamente, meus dedos se aferraram a ela. Não era tão bonita quanto a de minha mãe, mas ainda assim podia ser considerada um instrumento de
príncipes. Eu faria de tudo para não soltá-la.

Entretanto não precisei fazer nada. Jason travou-lhe o pulso antes que o homem a tocasse.

— Neste instrumento, sim, se ele quiser.

O mestre se enfureceu, mas não disse palavra alguma. Jason soltou-o e ele foi se sentar amuado.

— Comecemos — ele disse.

Jason assentiu e debruçou-se sobre a lira. Nem tive tempo para refletir sobre sua intervenção. Seus dedos correram pelas cordas e todos os meus pensamentos se desfizeram. O som era puro e doce como água, picante como limão. Eu nunca
ouvira música assim antes. Tinha o calor do fogo, a textura e a densidade do marfim polido. Grandiosa e serena ao mesmo tempo. Alguns fios de cabelo
penderam sobre sua testa enquanto ele tocava. Eram finos como as próprias cordas da lira e brilhavam.

Ele interrompeu a execução, afastou os cabelos e virou-se para mim.

— Agora, você.

Sacudi a cabeça desalentado. Não podia tocar naquele momento. Nem nunca, se
em vez disso pudesse ouvi-lo.

— Não, continue — disse eu.

Jason voltou ao instrumento e a música ressoou novamente. Dessa vez, ele cantou também, entremeando seu próprio acompanhamento com uma voz de soprano rica e clara.

“Sabemos muito bem que ainda há tempo
Então, é errado dançar esse verso?
Se o seu coração estivesse cheio de amor
Você desistiria?

Pois quanto aos, quanto aos anjos
Eles vêm e vão
Nos fazem especiais
Não desista de mim
Não desista de mim

Quão injusto é o nosso acaso
Encontramos algo tão verdadeiro
Que está fora de alcance
Mas se você encontrasse nesse vasto mundo
Você teria coragem de deixá-lo ir?

Pois quanto aos, quanto aos anjos
Eles vêm e vão
E nos fazem especiais
Não desista de mim
Não desista de mim

Pois quanto aos, quanto aos anjos
Eles vêm e vão
E nos fazem especiais
Não se trata, não se trata de anjos
Anjos”

 Sua cabeça pendeu um pouco para trás, mostrando a garganta
flexível, de um tom suavemente dourado. Um leve sorriso contraiu o canto esquerdo de sua boca. Sem querer, inclinei-me para a frente.

Quando ele por fim terminou, senti um estranho vazio no peito. Eu o vi erguendo-se para guardar as liras e fechar o baú. Dispensou o mestre, que se virou
e saiu da sala. Demorei a perceber que ele esperava por mim.

— Agora, vamos falar com meu pai.

Não ousei dizer nada, apenas sacudi a cabeça e segui-o pelos corredores angulosos até a presença do rei.


Notas Finais


Percy começou a sentir novos sentimentos pelo jovem príncipe Jason.
A música tocada e cantada por Jason:
https://www.youtube.com/watch?v=kxVUee4WsoA

Abraços e até p próximo...


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