Acordar cedo nunca foi problema. Sempre estudei no turno matutino, para mim é muito melhor ter as tarefas escolares pela manhã, assim eu tenho o restante do dia para fazer qualquer outra coisa. Nunca fui um exemplo de aluna nota dez, mas me esforçava sempre que possível. Eu não me interessava pelas matérias ensinadas, a não ser por linguagem. Matemática para mim era como uma aula vaga, já que eu raramente me atentava aos números. Biológicas, humanas... eu sempre fazia as provas focando no resultado que me faria passar de ano. Só isso.
Contudo eu não considerava a escola um lugar chato. Eu até que gostava de interagir com os demais alunos. Desde pequena eu era a mais “popular” da sala. Na hierarquia estudantil eu tinha meu lugar. Nunca fui uma excluída, uma agressora, esnobe, bagunceira ou a mais inteligente. Eu me destacava pela minha imponência, por não deixar que pisassem em mim nem nos meus colegas ao redor.
Tipicamente eu defendia os menos favorecidos, mas nem por isso perdia espaço entre os populares da turma. Simplificando: eu era a amiga de todo mundo. Bem, pelo menos era o que pensavam. Amigos mesmo, de verdade, não tive muitos. A maioria ou era da turma dos descolados que saíam comigo por eu ser legal, ou eram as vítimas que viam em mim uma espécie de porto seguro.
Não posso negar, gostava da companhia de todos, a desenvoltura que eu não tinha nos estudos, compensava em interação social.
Entretanto a solidão vinha como consequência. Eu nunca criava intimidade com muita gente, minhas relações eram superficiais. Em casa meus pais sempre estavam ocupados demais para conversar comigo. Mas tudo bem, não posso culpá-los, também tenho culpa nessa parte. Com minha família eu ficava reclusa, com medo de desapontá-los, mas esse era um medo irracional, a maioria dos meus parentes era muito descontraída, nunca me cobravam além do que eu poderia oferecer. Então por que eu me sentia tão cobrada?
Talvez a cobrança partisse de mim mesma, talvez eu fosse a pessoa mais exigente que conhecesse. E, claro, como boa autocrítica, não deixava transparecer minhas inseguranças.
Isso nunca foi um grande problema para mim. Até eu conhecer uma pessoa, uma garota que marcou meu ensino fundamental.
Provavelmente não deveria estar pensando nessas coisas logo ao acordar, seria meu primeiro dia de aula na nova escola, nem estava nervosa, dificuldade para fazer “amigos” eu nunca tive. Mas eu reencontraria a pessoa marco da minha oitava série, dessa vez eu tinha a intuição de que nossa reaproximação seria inevitável. E eu teria de encará-la com uma postura firme que não gostava de impor para ela.
Observei Raquel na cama ao meu lado. Ela parecia tranquila ainda dormindo, não ousaria acordá-la, teve uma noite péssima e não queria que fosse para a escola naquela manhã. Diferente de mim, Raquel poderia faltar até um mês inteiro de aulas que em nada afetaria o resultado do seu boletim. Ela era inteligente, muito mais que eu. Talvez fosse isso que me chamasse a atenção nela. Só gostaria que essa garota conseguisse resolver os problemas da sua vida com a mesma facilidade com a qual resolvia uma questão de geometria.
Silenciosamente tomei banho, vesti o uniforme e tomei o café da manhã. Elizabeth não estava em casa, o trabalho lhe sugava a maior parte do tempo. Giovanna fez a refeição comigo. Apenas me deu um tímido bom dia e não parecia muito interessada em conversar.
Ela me lembrava a prima, de certa forma. Conheci a Gio no hospital, enquanto visitava Raquel após sua segunda tentativa de suicídio. Giovanna não estava alegre na ocasião, parecia ser uma jovem séria, totalmente diferente da mulher que Raquel havia me contado que era.
Só que eu observava o modo que Giovanna tratava a Raquel, era bonito de se ver. Pareciam duas irmãs. Em pouco se pareciam na aparência, Gio tinha cabelo escuro e bem curtos, era bem alta e com os olhos negros. Sua postura passava uma mensagem silenciosa de “hey, mexa com quem eu amo que mato você!”, contudo a personalidade se assemelhava a de Raquel. Meio maluquinha, meio esquisita, misteriosa...
Eu não queria colocar ideias sem nexo na cabeça, mas tinha a leve impressão de que a Gio não ia muito com a minha cara. Não lembrava de algum dia ter feito algo para chateá-la, sempre fui bondosa com a Raquel, respeitava o espaço de todas naquela casa, mas Giovanna não me tratava como provavelmente deveria tratar outra amiga da prima.
Ela não me maltratava nem fechava a cara para mim, mas era perceptível o quanto evitava ficar a sós comigo, ter longas conversas ou simplesmente manter o olhar em mim por muito tempo. Era como se eu a incomodasse, mas também não fosse uma grande ameaça. Sei lá, eu não tinha coragem de perguntar.
Uma coisa era certa: a Giovanna de verdade era a que se mostrava para a mãe Elizabeth e a prima Raquel, já para mim, só restava um lado introvertido e misterioso.
— Eu vou pra cidade — Gio avisou um pouco antes de sair. — Não voltarei por hoje, dormirei por lá quando sair da universidade. Minha mãe vai voltar para o almoço, mas retornará ao hospital nessa tarde. Você pode cuidar da Raquel?
— Não precisa me pedir uma coisa dessa — falei. — Eu faria mesmo sem qualquer aviso.
Giovanna soltou um pequeno riso.
— Ah, é claro. Desculpa. — Desviou os olhos de mim e ajeitou a mochila nas costas. — É que eu já estou tão acostumada a ter que lidar com as inimizades da Raquel que às vezes esqueço que agora ela tem uma amiga de verdade. Alguém que realmente gosta dela.
De repente o pão que estava comendo deixou de ser tão saboroso. Deixei o alimento sobre a mesa tentando captar alguma mensagem subliminar nas palavras da Gio. Seu tom de voz parecia querer me dizer algo, mas não compreendia o que era. E ao mesmo tempo eu me sentia um pouco culpada porque, apesar de ter ficado ao lado da Raquel na madrugada, eu ainda sentia um pouco de ressentimento pelo que ela havia me contado na tarde anterior.
— Eu... não gosto da Raquel — disse fixando o olhar na Giovanna.
Seu rosto se virou para mim com rapidez e as sobrancelhas se uniram.
— Eu a amo — concluí antes de complicar as coisas para o meu lado.
Pensava que a expressão da prima da minha amiga fosse suavizar após minha declaração, mas não, pelo contrário, endureceu mais ainda.
— Sendo assim — falou abrindo a porta de saída. —, vê se não a machuca. Você não quer fazer mal a ela, certo?
Antes que eu pudesse responder qualquer coisa, Giovanna definitivamente saiu de casa.
Fiquei sem entender. Aquilo era uma ameaça? Era o quê? Será que algum dia eu dei motivos para ela desconfiar de mim? Cria que não.
Minutos depois foi minha vez de sair. Dessa vez minha chateação falou mais alto, não me despedi da Raquel, a deixei dormindo e nem sequer escrevi um bilhete. Ao mesmo tempo em que me sentia totalmente dominada pela paixão que sentia por ela, o rancor por ter escondido de mim o envolvimento que teve com a Elisa me fazia querer castigá-la.
Cheguei em cima da hora na escola. Depois de receber algumas informações de um monitor, me dirigi à sala de aula. Sentei numa cadeira distante do professor depois da típica apresentação de aluno novato. Como estava com a cabeça cheia e embaralhada, me debrucei sobre a mesa a fim de tirar um cochilo.
Mas as lembranças falaram mais alto que minha vontade de apagar. Afinal, há algumas salas de distância estava ela, a garota que um dia teve grande importância na minha vida: Jennifer Jinks.
♀♀
Iniciei minha vida acadêmica na escola da cidade, nunca havia mudado de instituição até esse ano. Tinha amigos que conhecia desde pequena, mas a maioria deles se mudou ou simplesmente foram me esquecendo. Na oitava séria entrou uma menina nova na turma. Ela era tão pequena na época, com longos cabelos negros e olhos verdes que combinavam com a pele morena, parecia uma garota tão inocente e inofensiva...
Como era de costume meu, tomei a iniciativa de falar com ela. Me apresentei, fiz algumas perguntas e jurei que a partir dali seríamos muito amigas. Acontece que Jennifer na verdade era o tipo de aluna que eu mais odiava: a agressora. Logo na primeira aula de educação física do semestre a vi intimidando uma dupla de garotas da sexta série. Fiquei tão indignada que intervi. Jennifer não gostou da minha postura perguntou por que eu havia interrompido a sessão de bullying e eu expliquei que era totalmente contra esse tipo de atitude.
Pensei que Jennifer faria o que geralmente os agressores faziam comigo: me ignorar e se afastar. Mas a Jennifer realmente pareceu encantada com meu jeito de defender os demais que abandonou a postura de aluna má e passou a se comportar como uma estudante exemplar.
Nos tornamos melhores amigas. Jennifer adorava conversar comigo e eu também gostava da sua companhia. Pela primeira vez pensei que pudesse firmar uma amizade de verdade. Jennifer era bonita de um jeito que eu desejava muito ser, chamava a atenção de todos os garotos da classe, até dos mais velhos, do ensino médio. E eu, mesmo ganhando destaque pela popularidade, não conseguia chegar nos garotos que despertavam interesse em mim.
Comecei a sentir certa inveja da Jinks, ela parecia conseguir tudo o que queria. Era bonita, popular e boa de conversa. Seu único ponto fraco parecia ser os estudos, ela tinha muita dificuldade. E eu, sabendo um pouco mais que ela, sempre a ajudava. Jennifer constantemente fazia questão de me dizer o quanto era grata por eu ficar ao seu lado e estudar com ela nos horários vagos. E eu, em forma de brincadeira, dizia que em troca gostaria que ela me desse uma dica para os garotos me notarem não só como uma menina extrovertida e defensora dos menos favorecidos, queria que me enxergassem como alguém atraente.
Como resposta eu recebi:
— Você não precisa de muito esforço, Malu, já é atraente por si só. — A vi ruborizar, mas julguei ter sido coisa da minha cabeça.
Como não era acostumada a esse tipo de elogio, fiquei sem graça. Mudei de assunto e continuei a lhe ajudar a resolver os exercícios de geografia. Mais umas semanas se passaram e a rotina era a mesma.
Até o dia em que vi Jennifer chorar muito num canto da praça de alimentação durante o recreio. Fiquei preocupada com ela e a chamei para conversar.
— O que está acontecendo contigo? — eu lembro de ter perguntado. Em vez de me dizer algo, Jennifer me abraçou muito apertado.
— Eu gostaria muito de saber também — ela respondeu.
A encorajei por alguns minutos para ver se me dizia algo. Descobri que ela estava passando por uma fase ruim em casa, os pais não estavam se dando muito bem e Jennifer julgava ser sua culpa. Procurei tranquilizá-la, mas não adiantava, parecia que minha amiga estava escondendo algo a mais. Com paciência, já perdendo o restante dos horários de aula, aguardei até que a confiança de Jennifer se reestabelecesse e ela me contasse o que de fato estava acontecendo.
— Não é de hoje — ela começou. — Já faz algum tempo que eu venho sentindo coisas... diferentes.
— Que tipo de coisas? — eu perguntei.
— Segundo minha família, coisas “anormais”. Sabe, Malu, eu não consigo enxergar os garotos do mesmo modo que você.
— Como assim?
— Todo mundo diz que eu sou bonita e tal, que posso namorar o cara que quiser, mas... Tá, eu até quero alguém, mas não é um cara, entende?
Hoje eu entenderia, mas naquela época não. Por isso perguntei inocentemente:
— Você está a fim de alguém?
— Infelizmente sim, Malu.
— Por que infelizmente?
Jennifer respirou profundamente e prosseguiu:
— Você tá realmente entendendo o que eu tô te falando? Eu não estou gostando de quem eu deveria gostar.
— Jennifer, não tô conseguindo captar muito bem aonde você quer chegar.
— Não sei muito bem como te dizer isso — sua voz foi embargando.
— Só diz. Somos amigas, certo? — Ela assentiu.
— Maria Luísa, nossa relação mudaria se eu te dissesse que não me sinto atraída por garotos, mas sim por garotas?
A declaração me pegou desprevenida. Eu nunca havia imaginado que Jennifer fosse lésbica, ela sempre me pareceu tão... hétero. Mas tudo bem, é claro que isso em nada mudaria nossa amizade.
— Você sabe que não — disse. — Nossa amizade não se baseia em quem você sente ou deixa de sentir atração.
— Tem certeza?
— Sim, mas... É essa sua real insegurança? Você se assumiu pros seus pais e agora eles estão infernizando sua vida?
— É, Malu, mas essa é só uma parte do problema.
— Quer me contar tudo, então?
Seus olhos me diziam que não, mas sua cabeça balançou confirmando que diria.
— Maria... — sua voz tremeu ao pronunciar meu nome. — Eu tô apaixonada. — Esperei que me dissesse o nome da pessoa. — Eu não queria, lutei contra, mas... eu não consigo mais evitar o que tô sentindo por ti.
Como eu era bem lerda no ensino fundamental, demorei um pouco para entender.
— Hã? Quê? Não... espera... você tá dizendo que gosta de mim?
— Sim.
Me levantei com um impulso e fiquei boquiaberta. Não soube o que fazer, não sabia qual deveria ser a melhor reação. Falei que o sentimento não poderia ser correspondido já que eu era hétero — tadinha, era tão inocente... — e não me sentia atraída por ela. Me senti mal por está-la rejeitando, mas iludi-la seria muito pior.
Jennifer pareceu entender. Pediu para eu não contar nada sobre essa conversa e voltamos para a sala de aula. Eu realmente achei que tudo estaria bem, mas a partir do dia seguinte a Jinks não falou mais comigo, tomou uma postura agressiva para com os demais colegas e passou a me esnobar, me inferiorizar.
Inicialmente não tive capacidade nem para me defender, estava chocada demais. Jennifer não absorveu muito bem a rejeição e sua maneira de se vingar de mim era me privando da sua amizade e maltratando a todos que a rodeassem.
A oitava série terminou, começou o primeiro ano. Jennifer formou seu próprio grupinho com umas garotas toscas e juntas aterrorizavam os ‘inferiores’. Eu, que tinha o costume de defender os agredidos, já não me sentia mais à vontade intimidando a Jennifer e suas capangas.
A garota tão pura que um dia foi minha melhor amiga de repente se tornou uma das minhas maiores inimigas. Entretanto, não bastando essa história toda, na metade do ano, durante as férias, a turma fez uma festa. Eu fui sem muita empolgação, fiquei a maior parte do tempo sentada curtindo as músicas enquanto meus colegas bebiam e fumavam se achando super independentes só porque estavam no ensino médio.
Jennifer estava com as amigas dançando, mas a noite foi caindo e logo a casa onde estávamos foi ficando vazia. Eu comi um pouco antes de me levantar para ir embora, mas não fui porque vi Jennifer sentada num canto já sozinha. Como os restantes que ficaram já estavam muito bêbados, foi o mesmo que estar sozinha com minha ex-amiga.
Eu queria chegar para conversar, mas não sabia se seria certo. Contudo eu me aproximei mesmo assim. Jennifer ficou calada com o rosto soturno apenas observando os garotos pulando e outras garotas dançando. Queria muito tomar a iniciativa como no dia em que nos conhecemos e recomeçar tudo. Queria dizer: “oi, meu nome é Maria Luísa, e o seu?” queria poder voltar escutá-la me chamar de Malu — era a única que me chamava assim.
Mas o silêncio provou que ambas não tínhamos coragem de tentar um recomeço. Jennifer conseguiu se tornar a gostosa popular que intimidava os mais fracos e eu perdi um pouco meu brilho por ser a aluna “corretinha” que até era simpática, mas “acabava com as brincadeiras” na hora.
Porém a minha frustração naquela noite foi substituída por um intenso nervosismo. Jennifer não estava bêbada, eu tinha certeza, a observei a noite toda e certifiquei que estava sóbria. Isso deixou o seu ato mais assustador para mim.
Tocou minha coxa com uma mão. Apesar da calça que usava, sentia o calor da sua palma ultrapassar a barreira do tecido. Devagar coloquei minha mão sobre a sua com o intuito de retirá-la gentilmente, afinal, “eu era hétero”. Mas Jennifer foi mais rápida, se virou para mim, me puxou pelo pescoço e me beijou na boca.
Naquele minuto mil coisas passaram pela minha cabeça. Uma delas foi o quanto Jennifer havia sido ousada. Ela tinha muita vergonha de demonstrar sua sexualidade, como poderia estar me beijando num lugar onde provavelmente seríamos vistas?
Eu queria afastá-la, mas ao mesmo tempo queria ficar perto. Então permiti que aquele beijo se formasse. Jennifer foi a primeira garota que eu beijei e foi a beijando que eu percebi que gostava muito daquilo. Eu não sentia somente atração por garotos, na verdade, quem disse que eu realmente gostava deles? Nunca havia beijado nenhum com tanto desejo quanto beijei Jennifer.
Talvez eu não fosse hétero, talvez eu estivesse apenas aceitando o que a sociedade impusera para mim. Eu estava naquele momento me descobrindo. E descobri que ficar com uma garota era tudo de bom.
Mas adquiri um problema: eu beijei minha maior inimiga. O que aconteceria a partir dali não seria uma maravilha, eu conhecia o temperamento da Jennifer, talvez aquele beijo fosse uma vingança, um modo de me destruir, sei lá.
Após o beijo não me disse nada e foi embora de vez. No dia seguinte eu até a procurei para conversar, mas fui ignorada. Jennifer seria para sempre uma incógnita. Eu sabia que ela não era a garota péssima que propagavam, mas também não colocaria a mão no fogo por ela. Aquele beijo não me fez apaixonar, mas abri os olhos para mim mesma. Eu acordei para a minha realidade e Jennifer me ajudou a descobrir qual era minha orientação sexual.
Até o final do ano fiquei com alguns garotos e garotas, mas os meninos não me despertavam o mesmo que as meninas. Acabei com minhas dúvidas de vez, eu era lésbica e ponto final. O que me diferia da Jennifer era que meus pais não haviam feito um escarcéu por conta disso e eu podia demonstrar livremente quem era de verdade.
Jennifer ficava com garotos, para ela era fácil pegar quem quisesse e ninguém suspeitava de nada. Eu era a única que sabia sua orientação sexual e facilmente poderia acabar com a sua reputação se esclarecesse isso publicamente. Poderia usar essa arma como vingança, mas não fazia muito meu tipo destruir alguém só por briguinha pessoal. E Jennifer sofria muito com a não aceitação própria, ela não queria admitir que era lésbica e seu sofrimento passava despercebido por todos, menos por mim.
Já na última semana de aula Jennifer cometeu o erro de arrumar confusão diretamente comigo. Tentou me humilhar do mesmo jeito que fazia com a Raquel — uma colega com a qual tinha nenhum contato já que era de outra turma, mas sabia que existia. Eu não iria somente receber os insultos caladas, claro, por isso cutuquei a ferida da minha ex-amiga. Disse que já estava na hora dela sair do armário. Jennifer ficou tão irritada que tentou me agredir. Eu, por impulso, reagi e a agredi primeiro.
Minha raiva estava tomando conta de mim. Disse muitas coisas e descarreguei nela toda a frustração dos meses anteriores. A partir desse dia Jennifer Jinks passou a me temer mais do que de costume.
Eu, também muito chateada, passei a agir como se a desprezasse por completo, usei minha força para me impor e amedrontá-la. Seria melhor assim.
O segundo ano começou, Jennifer e eu éramos para todos oficialmente inimigas. Ela passou a intimidar alunos de outras turmas para, assim, me manter afastada. Deu certo no começo, eu não quis mais me envolver tanto nos assuntos dela, já estava farta de bancar a heroína, ainda mais que, para isso, eu teria sempre de enfrentá-la e olhá-la nos olhos. Não me importava o quanto ela estava se transformando em um monstro, sempre a veria como a garota legal que um dia foi minha amiga.
No segundo semestre do ano passado foi quando a orientadora Elisa entrou na escola e conforme as semanas foram passando ela me intimou a cuidar da Raquel. Tenho que confessar que tive meus interesses pessoais ao aceitar. Agora eu teria a desculpa perfeita para interceptar mais uma vez as agressões da Jennifer. O que eu não podia imaginar era que meu coração fosse se preencher por um sentimento tão terno por aquela menina que Elisa me indicou.
E foi também nesse sentimento que eu notei em mim certo preconceito. Quando conversei com a orientadora sobre o assunto eu falei que gostava de garotos e ainda disse “por que isso agora?”, como se essa fosse a maior pergunta da minha vida.
Raquel me conquistou com o tempo. Ela se tornou minha grande paixão e eu ainda estava determinada a lutar por ela. Eu queria protegê-la da Jennifer assim como queria fazer essa ser uma boa menina outra vez. Nossa história estaria para sempre escondida? Não sabia, mas quem sabe nesse último ano acadêmico eu não encontrasse algumas respostas para esses vários quesitos?
♀♀
O intervalo pareceu demorar uma eternidade para chegar. Alguns alunos me rodearam para perguntar coisas sobre mim, me conhecer melhor. Respondi a eles um pouco a contragosto e me afastei para uma área mais isolada. Tinha muito o que pensar, principalmente na Raquel. Nunca a via visto sofrer tanto como na última noite. Me partia o coração relembrar suas palavras recheadas de dor.
Mas não era só isso. Eu queria voltar correndo para casa e cuidar da minha garota, assim como gostaria muito de deixá-la sozinha. Cara, sério, não sou rancorosa, mas por que isso agora? Por que descobrir que Raquel na verdade ama Elisa me destruía tanto a ponto de me fazer querer ficar afastada?
Quem eu era, na verdade? Uma boa amiga, uma garota legal ou somente uma idiota prestes a destruir a vida da garota mais importante da minha existência? Eu não conseguia me entender mais. Meus sentimentos haviam ficado muito confusos depois da nossa discussão. Eu ainda sentia que a amava, mas... eu não estava sendo imbecil demais nutrindo esse amor não correspondido?
Deveria eu desistir de tudo ou continuar lutando?
Meus pensamentos foram interrompidos por uma voz atrás de mim:
— Ah, agora sim eu me sinto completa. Minhas duas sapas preferias reunidas na mesma escola para eu poder infernizar suas vidas. Isso não é maravilhoso, Malu?
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