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História A Eleição (em betagem) - O pior dia de todos - Parte dois


Escrita por: Gabbehh

Notas do Autor


Postei e saí correndo... De novo.
Reta final, yasss! Mais dois capítulos e acabamos.
Apreciem.

As músicas desse capítulo são, respectivamente:
- Stay - Rihanna e Mikky Ekko
- We Never Change - Coldplay
- Pills - The Perishers

Capítulo 6 - O pior dia de todos - Parte dois


Enquanto Lara confrontava uma multidão, Ícaro dormia tão tranquilamente na mesa azul do refeitória que ao ouvir o barulho das pessoas chegando, levantou sua cabeça tão rápido que seu pescoço ficou com cãibra mais do que imediatamente. O garoto esfregou seus olhos e olhou assustado ao redor. O local que antes estava vazio quando ele chegara, agora estava tão cheio que chegava a ser claustrofóbico. Ícaro continuou a olhar ao redor por mais um tempo. Por todo o lado, pessoas andavam carregando suas bandejas de comida ou doces e outras coisas que eram comprados nas máquinas de venda ao lado da saída esquerda. 

Ícaro bocejou. Ele precisava de cafeína, caso contrário não aguentaria ficar acordado nem por mais um segundo. O garoto então se direcionou para a máquina de vendas para comprar um café forte e gelado e parou logo que viu uma cena quase inacreditável: Alessio também estava lá, sacudindo a máquina de doces raivosamente e gritando com ela como se fosse um ser humano. 

— Vamos lá, sua lata velha! — Alessio exclamou — ME DÊ OS MEUS TWIZZLERS! MERDA! — E deu um tapa no vidro. 

— O que diabos você está fazendo? — Ícaro perguntou enquanto observava a loucura do amigo.

Alessio se virou para Ícaro. Ambos pareciam cansados, mas conseguiam esconder muito bem o que estava acontecendo na vida de cada um. Principalmente Ícaro, que não se sentia nem um pouco estranho ao falar com Alessio mesmo depois do que havia feito. E Alessio parecia o Alessio de sempre.

— Ah, oi cara. — Alessio disse, voltando sua atenção para a máquina e dando um leve chute na mesma — Pedaço de merda... Uh, de qualquer forma, me ajuda aqui. Meus twizzlers ficaram presos. 

— Você podia apenas sacudir a máquina com a sua força excepcional — Ícaro disse enquanto se aproximava da máquina de bebidas e inseria uma nota de cinco dólares — Viu? Não precisava agredir a coitadinha. — Ele diz após Alessio seguir seu conselho. O garoto seleciona o café gelado no painel e ele cai logo em seguida, então ambos caminham de volta a mesa.

— Não te vi na aula hoje — Alessio falou enquanto mordia um pedaço de seus twizzlers — Estava matando aula? Como e por quê?

Ícaro deixou o celular sob a mesa e abriu seu café. Enquanto tomava um longo gole, ele via as notícias do dia em um site qualquer. 

— ... Eu não — Disse Ícaro levando a lata de café aos lábios

— Hey, eu não tô julgando! — Disse Alessio. Seu tom de voz queria dizer que ele estava julgando sim, porém internamente — Mas enfim, eu estava te procurando.

Alessio dá mais uma mordida em seus twizzlers e então olha fixamente para Ícaro, que estava parecendo um executivo bebendo café. 

— Então, eu tive umas ideias para a campanha. — Alessio volta a falar — Primeiramente, eu gostaria...

 O garoto é interrompido bruscamente pelo celular de Ícaro fazendo uma notificação irritante. Ambos se encaram.

— O que foi? Tá ocupado? — Disse Alessio de maneira irônica enquanto encarava Ícaro de forma um tanto quanto cômica. Ele mal piscava, e aquilo era mesmo muito engraçado de se ver.

— Não, eu... 

Mais uma notificação irritante. Dessa vez ambos olham para a tela do celular ao mesmo tempo e leem que "Eu amo essa pessoa ficou offline".

Os olhos de Alessio logo brilham e ele agarra o celular de Ícaro antes mesmo que ele consiga encostar no aparelho.

— Você tá de BRINCADEIRA!! — Alessio exclama enquanto sorri, abrindo o número de contato de "Eu amo essa pessoa" — Finalmente esqueceu aquela vagabunda da Luna?

Ícaro estava nervoso, muito nervoso mesmo. Ele sentia o sangue bombear no coração, e então foi dominado pelo medo de que Alessio descobrisse toda a verdade.

— Alessio, pare com isso — Ícaro diz, o nervosismo é visível em sua voz  — Devolve logo meu celular, vamos. 

— Ahhh, já entendi. — Alessio diz, se desanimando um pouco — É o contato da Luna, né? Puta que pariu...

Aquilo mexeu com Ícaro, e só ele sabe o quanto. Como Alessio ousava dizer que mesmo após de tudo que aconteceu, Ícaro continuava apaixonado por Luna? Quem ele pensava que era? Aquilo o irritou tanto que Ícaro então faz a coisa mais idiota que alguém poderia ter feito nessa situação: Ele retrucou. 

— E pra SUA informação, não é a vadia da Luna. É uma pessoa melhor, muito melhor. E fique sabendo que eu até já beijei ela! 

 Ah, Ícaro... Tão jovem e tão ingênuo... Ouso até dizer, um idiota. Ao falar aquilo, foi o suficiente para incitar a curiosidade de Alessio mais do que nunca. O garoto soltou um sorriso malicioso e por aquilo, você já podia adivinhar o que viria a seguir:

— Eu vou ligar.

— Não fode!! — Ícaro exclamou, correndo atrás de Alessio. Ele não podia deixar que ele descobrisse a verdade. 

— O que está acontecendo aqui? — Sam diz se aproximando dos dois com um sorriso nos lábios, aparentemente aquela situação estava muito divertida para ela. Ícaro para de correr e a encara. Ele ia morrer. Ia morrer, e iria para o inferno. Ah, se ia.  

Alessio havia subido na mesa do refeitório e continuava eufórico como antes. Sem delongas, ele foi bem direto:

— Vou ligar para a garota que o Ícaro gosta! 

Sam riu. Ela não fazia a menor ideia. Não havia se tocado de que Ícaro a amava. Para ela, aquele beijo havia sido apenas uma ajuda, como ele mesmo disse no começo. Sem nada demais. 

— Eu também quero ver isso! — Sam diz, sorrindo.

E esse era o fim. 

Assim que Alessio clicou no botão para fazer a chamada, Ícaro levantou uma das cadeiras do refeitório e ficou pronto para acertar Alessio, mas no momento em que o celular de Sam toca revelando a verdade, todo o refeitório se cala. Todos, sem a menor exceção. Todos ficaram em silêncio. Aquele cômodo parecia morto. O celular de Sam toca cinco vezes até que a garota coloque a mão trêmula no bolso do casaco e retire o aparelho de lá. O visor dizia "Ícaro", e ela atende. Surpresa, tudo o que ela consegue dizer foi:

— ... Olá.

Alessio encara Ícaro com uma expressão estranha. Ele estava chocado. Completamente chocado. Não conseguia pensar em nada para falar. Seu melhor amigo... Com sua namorada... Por que? Por que Deus decidiu puni-lo justamente nesse dia, enviando acontecimentos ruins e descobertas chocantes? E por que Ícaro a beijou? E Sam, por que ela deixou isso acontecer? Ser traído já era ruim, mas ser traído pela namorada com o melhor amigo... Era duas vezes pior. Era como se os dois tivessem traído Alessio. E agora todos sabiam daquilo.

Aquele dia estava indo de mal a pior, e Alessio nem sabia o que falar sobre todos aqueles acontecimentos deprimentes, mas no momento em que encarou o rosto de Sam, que olhava para os próprios sapatos sem abaixar a cabeça, e em seguida se entreolhou com Ícaro, tudo o que conseguiu dizer foi:

— Então essa é a garota que você ama... E que já beijou?

Ícaro fez que sim com a cabeça, mantendo o contato visual com Alessio segundos antes do amigo correr para fora do refeitório, largando seus twizzlers na mesa. 
 

Como o esperado, não demorou nem dois segundos para que Samantha Travis fosse atrás de seu namorado com uma urgência inimaginável. Ela não amava Ícaro, amava Alessio, e agora estava preocupada com ele e sem entender quase nada do que acontecia. Parte dela queria ter ficado no refeitório e confrontado Ícaro sobre a história do contato "Eu amo essa pessoa", por que sério, que visão conturbada ele possuía sobre Sam? Já era estranho demais ter Alessio interessado, e agora Ícaro? Sam se perguntava como tudo havia chegado àquele ponto. Mas é claro que a garota estava muito mais preocupada com o namorado, a pessoa que ela realmente amava. Apesar de não demonstrar tanto, Alessio era uma pessoa muito importante para Sam, e ela sabia que realmente o amava porque nunca havia sentido aquele sentimento por nenhuma outra pessoa, e mesmo que tentasse, não conseguiria. Porque aquele tipo de amor era o amor que causa a vontade de se casar com o parceiro. Então assim que virou na curva do primeiro corredor do segundo andar, dando de cara com Alessio completamente ofegante, ela não conseguia falar nada, apenas sentir. Sentir o medo de perder a pessoa que ela amava.

Demorou alguns segundos até a coragem chegar.

— Alessio, eu... — A garota tenta dizer, mas é interrompida.

— Então você beija ele, mas não a mim, certo? — Alessio disse, ainda ofegante e sem se virar para olhar Sam — Que tipo de namorada é você? Meu Deus, era o meu melhor amigo!

Por um segunda Sam fica completamente sem reação, mas logo sua expressão se torna turva. O que diabos ele queria insinuar com aquilo? Que a culpa era dela? Alessio realmente achava que ela havia pedido por aquilo?

— Não fale como se eu tivesse pedido por isso! — Sam retruca e sua voz soa um pouco mais grave do que o normal. — Ícaro me beijou, certo?! Ele quis isso desde o começo! Desde quando fomos para aquela festa ridícula de Chuck Swanson!

Pôde-se ouvir um curto "Ah meu Deus" vindo de Alessio segundos antes do garoto puxar uma lata de lixo para perto de si e vomitar dentro da mesma. Sam apenas observa aquilo por alguns segundos, fazendo uma cara de nojo durante todo o processo.

— Pelo amor de Deus, Sam!! Assuma a sua cota de culpa também! — Alessio diz, limpando a boca e se virando para a garota com os olhos marejados — Você deixou isso acontecer! Todo o tempo você podia ter evitado ou empurrado Ícaro quando ele estava prestes a te beijar, mas você apenas ficou parada! Que merda, meu Deus, que merda!!

— Me DESCULPA, tá legal?! — Sam diz quase gritando. O modo como ela disse aquilo dava total certeza de que estava arrependida. — Eu não quis beijar ele. Nunca quis. Porque eu não amo o Ícaro. Eu amo você. E não quero que tudo se acabe por causa dessa merda que aconteceu.— A garota disse segundos antes das lágrimas começarem a cair de seus olhos — Por favor Alessio, vamos lidar com isso juntos.

Alessio a olhou com aquela expressão de surpresa, os olhos arregalados, a boca escancarada e os braços caídos ao lado do corpo. Virou-se completamente em direção a Sam, era quase como se seus corpos também se encarassem. As lágrimas ainda escorriam pela bochecha da garota e ela quase não conseguia enxergar nada, mas assim que piscou ela pôde ver claramente que não era a única ali que estava chorando. Era estranho, é claro. Ela nunca havia visto Alessio chorar e na verdade, nem pensava que ele desperdiçaria a água e os sais minerais de seu corpo chorando. Mas estava fazendo isso agora. E era assustador vê-lo como um ser humano qualquer e não como o cara mais incrível da escola inteira, porque como o esperado, Alessio não era mais do que uma pessoa qualquer. 

Ambos continuaram a se encarar por um tempo com lágrimas nos olhos. Sam usou a manga do casaco para limpar seu rosto e dessa vez olhou para o garoto com sua face ainda vermelha. Ele abriu a boca para falar e por um segundo, só por um segundo, Sam teve a esperança de ouvir algo bom.

Mas a realidade era totalmente diferente. 

— Eu estou terminando com você. — Alessio disse friamente e então foi embora.

Aquelas palavras atingiram o coração de Sam com uma precisão assustadora. Tanto que tudo que ela pôde fazer era ficar ali no chão do corredor frio e vazio
e apenas sentir.

---

Então é assim que tudo termina? Sam pensou enquanto olhava para a área do parapeito que começava a descascar. Ela chutou a casca de tinta seca e ficou observando aquele pedacinho dançar conforme o vento balançava, e então cair levemente no chão distante depois de um tempo. 

Talvez esse era seu destino. Era isso que ela deveria fazer há muito tempo. A tristeza de perder o namorado era o de menos importante. Seu pai, a única família que ela possuía, agora seguia sua vida tranquilamente como se sua mãe nunca tivesse existido. Enquanto Sam ainda lamentava após todos aqueles anos, Paul estava tão tranquilo com aquilo que até mesmo havia arranjado uma nova mulher para substituir sua falecida mãe. Uma mulher terrível, por sinal. E agora ele voltava a tratar Sam como uma criança que não pode ficar sozinha. E a culpa era toda de Luna. Ela sempre tinha as piores ideias nos piores momentos. Mas então chega Ícaro... E ele fodeu com tudo. Como se as coisas já não estivessem fodidas o suficiente. 

Ela olhou para o chão. Era uma dura queda. Ela certamente morreria de traumatismo cranioencefálico antes mesmo que a ambulância chegasse. Sam podia imaginar claramente todos os passos. Na verdade, um passo. Um simples passo e tudo estaria acabado. Sem mais lágrimas ou sofrimento, ela estaria livre. 

Sam fechou os olhos e respirou fundo. Não é tão difícil quanto parece, ela pensou. Antes que percebesse, já tinha começado a chorar novamente. 

— Eu estou tão feliz. — Ela murmurou e deu um passo a frente. 

Mas algo a segurou. 

Sam pôde sentir o exato momento em que seu braço se deslocou de seu ombro. Ela gritou de dor e só então sentiu que a mão fria de Ícaro a segurava, apertando seu pulso com toda a força. O garoto estava se esforçando completamente para segurar Sam, e é claro que não foi nada fácil começar a puxá-la para cima. E se Ícaro não tinha jeito para ser o herói, Sam também não tinha o menor jeito para a princesa em apuros. Ela começou a se debater loucamente e a tentar se livrar da mão de Ícaro com arranhões e forçando-a mais ainda, mas ele não a soltava de jeito nenhum. 

— NÃO VAI MORRER!! — Ícaro gritou enquanto puxava Sam para cima.

A essa altura a garota já estava na metade do caminho para a verdadeira salvação. Ícaro conseguiu forças suficientes para puxá-la com as duas mãos, e assim que os braços de Sam ultrapassaram o parapeito, o garoto a jogou de forma brusca no terraço mais do que imediatamente. 

Ambos ofegantes, agora se encaravam em silêncio de uma distância segura. Sam estava com os cabelos sobre o rosto e segurava seu braço deslocado enquanto encarava Ícaro com um olhar ameaçador. Ícaro parou de encarar Sam e passou a olhar para o céu enquanto respirava pesadamente. Demorou muito tempo até que alguém decidisse se manifestar ali.

— Por que você fez aquilo? — Ícaro perguntou quando finalmente voltou a olhar Sam. Os olhos do garoto demonstravam reprovação e desespero. — Por que tentou se matar?

— E por que diabos você tentou me impedir? — Sam falou com um tom de indignação, quase gritando. 

— Alguém precisava fazer isso. — Ícaro retrucou com impaciência. Naquele momento o sentimento mais forte em seu peito era a raiva. Estava com raiva de Sam por tentar se matar, por não valorizar seus esforços e seu amor. Mas a pior parte é que aquela raiva não tinha fundamento algum. 

Sam continuou a encará-lo de forma assustada enquanto hiperventilava. A essa altura a garota mal conseguia se lembrar de algo antes de sua quase queda do telhado por conta de toda a adrenalina passando por seu corpo. Após alguns segundos ela conseguiu se recordar do motivo de ter tentado se matar. E o principal motivo estava sentado bem a sua frente com as sobrancelhas arqueadas de raiva. 

Sam nunca havia pedido para que Ícaro fizesse aquelas coisas com ela. Sam não queria beijar ele. Sam não o amava de forma alguma, e ela principalmente, não havia pedido para que ele a salvasse. A garota então se levanta de forma lenta, ainda abraçando seu braço deslocado. Mas dessa vez ela não iria pular. 

— Por que é que você sempre aparece? — Sam falou. Agora era ela quem estava com raiva.

— O quê?

— Por que você sempre destrói tudo? — Sam diz aumentando seu tom de voz — Se eu quiser morrer, me deixe morrer! É A MINHA VIDA! — Pronto. Ela agora estava dizendo uma coisa mais cruel que a outra. E Ícaro apenas escutava sem esboçar reação alguma — Quando é que você vai se tocar de que eu não quero a merda da sua ajuda? Eu DEFINITIVAMENTE não quero ela, porque até agora você só conseguiu foder tudo. E é isso o que você sempre faz, Ícaro. Você fode com as coisas. Não contente em foder com seu relacionamento com a Luna, agora você decide foder com o MEU relacionamento com o Alessio. Eu não queria te beijar, certo? Nunca pedi por isso. E sabe por quê? Porque eu não te amo. Nunca te amei. E sabe o que eu senti quando nos beijamos? Nada. Eu não senti merda nenhuma. Então me deixe em paz, Ícaro, pelo amor de Deus. Eu te odeio.

Ao contrário do esperado, Ícaro não disse nada para se defender e muito menos demonstrou tristeza. Ele continuou encarando a garota com sua expressão vazia e na verdade, após ouvir todo o discurso com um requinte de crueldade que Sam havia feito, tudo o que Ícaro conseguiu dizer foi:

— Você não me odeia mais do que eu me odeio. 

Sam ignorou aquilo, dando as costas para o garoto e em seguida foi caminhando fortemente para a escada que levava a saída do terraço, provavelmente iria para a enfermaria para darem um jeito de levá-la para um hospital de verdade para que então consertassem seu braço deslocado. E em nenhum momento ela olhou para trás.

E Ícaro ficou sentado lá esperando suas forças se recuperarem e digerindo as palavras de Sam. Mas depois das palavras que seu pai escrevera no envelope, aquilo não era nada. 

---

— Ficou ótima! — A empregada disse após tirar uma foto da família inteira na frente de seu quadro caríssimo na sala de estar. 

Na foto estavam Lara e Matt, o garoto com o braço ao redor dos ombros da irmã, Jared ao lado direito de Ann, ambos de mãos dadas, e a mais nova sócia da advocacia, Jeanie Mumford, estava do lado direito de Jared com um sorriso. Para uma mulher que antes estava bêbada e desmaiada na cama, Ann parecia muito mais feliz agora a noite em comparação àquela manhã que ela mal conseguiu levantar para levar Lara para a escola. Mas obviamente, havia algo errado naquela foto, e é claro, naquela casa.

Mas Jared parecia estar muito feliz com tudo aquilo, já que fora ele mesmo quem organizou o grande jantar de comemoração. As empregadas da casa se encarregaram de preparar um jantar suntuoso para todos, e certamente havia muita coisa na mesa de jantar: A entrada era uma salada com mussarela de búfala com um tempero especial, o prato principal era um delicioso salmão grelhado ao molho de alcaparras e de sobremesa, um mil folhas de caramelo e nozes com massa folhada caseira aguardava para ser montado assim que todos terminassem o prato principal.

Mas é claro que tudo aquilo era uma grande mentira. Lara sabia exatamente o que estava acontecendo com cada membro daquela família. Eles não passavam de um bando de fantoches, agindo como as pessoas queriam que agissem, dançando conforme a música, escondendo seus sentimentos. 

Naquela noite, assim que se sentaram à mesa para comer o delicioso banquete preparado pelos melhores empregados da casa, Lara era a única que estava com uma expressão de indignação e raiva. Enquanto seu irmão comia sua salada de forma desesperada, como se não comesse algo em meses, enquanto Ann tomava mais uma taça de vinho (já era a terceira) e enquanto seu pai conversava entre sorrisos com Jeanie Mumford, a garotinha era a única que não estava escondendo seus verdadeiros sentimentos. 

— Então minha querida, como foi seu dia na escola? — Jared perguntou para a filha, dando uma garfada na mussarela de búfala  

Lara olhou para seu prato, que ainda estava cheio de salada, e depois para seu irmão que comia como um sem-teto.  Ela pegou o garfo e remexeu a salada, respondendo o que todos naquela mesa gostariam de ouvir.

— Foi normal, papai. 

— E como vai a sua campanha? Sabe, Jeanie, Lara está concorrendo para a presidência do grêmio estudantil. — Jared disse colocando todo seu orgulho da filha em sua voz. Aquilo fez Ann beber mais um pouco de vinho enquanto olhava para o marido de canto do olho. 

Jeanie fez uma cara surpresa e depois olhou para Lara, que não demonstrava nem um pouco de felicidade. 

— É mesmo? — Jeanie disse da maneira entusiasmada que você fala algo para um criancinha. — Uau! Isso é mesmo incrível, Lara! 

Lara não demonstrou felicidade alguma. Ao contrário disso, a garota a encarou tanto que Jeanie e Jared recuaram na cadeira, desconfortáveis com os olhares reprovadores de Lara. 

Ann bebeu o vinho que restava em sua taça e então todos ficaram em silêncio por um tempo. Assim que o prato principal fora servido, todos ficaram maravilhados com a beleza da comida, e então comeram em silêncio. Ao menos por alguns segundos. 

— Está um pouco sem sal — Ann disse enquanto mastigava seu salmão.

— Lara, minha querida, pode passar o sal para a minha linda esposa? — Jared pediu enquanto olhava para Ann de forma carinhosa. Ann retribuiu o gesto falsamente. 

 Lara então pegou o saleiro, mas não sem antes dizer algo que destruiria o jantar de todos ali

— Qual da duas, papai?  

Naquele momento, todos ficaram em estado de choque. Até mesmo Matt deixou os talheres caírem na mesa de forma brusca, e ainda com o salmão na boca, encarou o pai com um olhar surpreso. Ann apenas abaixou a cabeça e então colocou a mão sobre os olhos, mas você ainda podia saber que ela estava chorando, já que os soluços eram perfeitamente audíveis. Jared não sabia para onde olhar, então correu os olhos pela mesa inteira de forma nervosa. Já Jeanie encarava Lara. Todos ficaram extasiados. 

— Mas que merda... — Matt falou depois de um tempo, engolindo o salmão sem tirar os olhos do pai.

—  De onde você tirou essa ideia, Lara? — Jared disse enquanto olhava para seu prato ainda com os restos das alcaparras.

Nesse momento, Ann socou a mesa tão forte que uma de suas unhas foi arrancada. Chamando a atenção de todos para si. 

— ... Até quando você vai continuar fingindo, Jared? — A esposa disse enquanto ainda tampava seus olhos com uma das mãos. Ela estava tremendo. 

Jared não sabia o que mais o assustava: O fato das duas mulheres da casa saberem sobre seu caso com a mais nova sócia da empresa, ou o fato de Ann socar a mesa com força suficiente para tirar uma unha, e ainda assim não dar a mínima para a dor. 

— Eu posso explicar, Ann... — Jared disse, tentando segurar a mão machucada da esposa. 

Ann rapidamente puxou sua mão para longe do marido. Ela não queria ser tocada por ele. Nunca mais. 

— EU SEI DAS LIGAÇÕES, CERTO? — Ann grita, finalmente mostrando sua cara de choro — Acha mesmo que eu não saberia? Meu Deus, Jared! Então eu ficava em casa, cuidando da nossa filha deficiente e desse filho drogado, depois ia para o trabalho exausta enquanto você encontrava essa vadia para transar? MEU DEUS, JARED! — Nesse momento, Jared tenta segurar os ombros da esposa, mas ela se levanta bruscamente da cadeira e quase cai no chão, gritando de forma descontrolada — NÃO, NÃO ENCOSTE EM MIM!

Jared então tenta se aproximar de Ann, e enquanto sua esposa se debate loucamente, o homem vira sua cabeça em direção a Jeanie e murmura um "É melhor você ir embora". Obviamente, não demora nem dois segundos para a mulher pegar seus pertences e sair correndo dali. 

Matt então se levanta com um pulo da cadeira e se mete no meio dos pais, tentando afastar o pai para longe da mãe. E apesar de ter sido chamado de "filho drogado" ele não fica magoado por aquilo. 

— ELA NÃO QUER ISSO — Matt grita enquanto dá um empurrão no pai, fazendo-o cambalear para trás — CAI FORA!

 Lara apenas assistia toda aquela loucura acontecer na sala de jantar. Como e por quê? Como as coisas haviam chegado àquele ponto, e por quê aquilo tivera que acontecer justamente com sua família? Eles sempre pareciam tão unidos, tão felizes, tão perfeitos... Mas a verdade era que ninguém era feliz ali. Todos escondiam seus sentimentos, engoliam suas cicatrizes e disfarçavam com um sorriso. E ninguém nunca havia tentado abrir as cortinas desse palco e encarar a realidade por trás da feliz família Wachowski. E ao fazer isso pela primeira vez, Lara temia que seus familiares nunca conseguissem se recuperar da realidade. 

A garota então se distanciou da mesa, e depois se distanciou da sala de jantar, para então ir até a porta de entrada e se distanciar daquela maldita casa de mentira. 

---

— Eu consegui um emprego! — Alessio disse de maneira orgulhosa assim que pisou dentro de casa. Mas o esperado apoio de sua mãe não havia chegado. Ao invés disso, seu irmãozinho, Kevin, saiu correndo a toda velocidade e abraçou o irmão maior com toda a força que tinha. Aparentemente ele havia parado de chorar fazia um tempo, mas ainda estava triste. 

Alessio fez carinho na cabeça do irmão de forma carinhosa. 

— E onde está a mamãe? — Alessio perguntou enquanto o irmão mais novo se sentava no sofá e ligava a televisão. 

— Está no quarto. — Kevin respondeu com o controle na mão e então ambos ouvem sua barriga roncar — Ela dormiu o dia inteiro.  

Ótimo, Pensou Alessio, Ela dorme enquanto o filho passa fome. É assim que as crianças costumam morrer. Com pais irresponsáveis.

Sem perder tempo, Alessio caminhou até o quarto que antes também pertencia a seu pai, mas agora era apenas a fortaleza da solidão de sua mãe. Ele parou na frente da porta e pensou se deveria bater ou entrar de uma vez, como fazia antes. Mas por respeito ao luto de Silvia, Alessio decidiu bater. 

Silvia abriu a porta mais do que imediatamente. A mulher estava horrível, com o cabelo bagunçado e sua cara de choro. Alessio reparou que a mãe também estava com grandes olheiras abaixo de seus olhos, o que ele estranhou. Kevin não tinha dito que ela dormira o dia inteiro? 

— O que você quer? — Silvia disse de forma rude, correndo os olhos de cima a baixo e dando uma fungada. Ela parecia um pouco assustada.

— Quero que você cuide do seu filho. — Alessio disse firmemente enquanto olhava fundo nos olhos da mãe — Kev não comeu nada o dia todo porque você decidiu lamentar suas mágoas no quarto. 

Silvia abaixou o olhar e fungou novamente. 

— ... Meu marido está morto. — Ela disse depois de um tempo, lutando para que as lágrimas não voltassem a cair. 

— É, eu sei disso. Porque ele era meu pai também. — Alessio retrucou — Ele tá morto. Não vai mais voltar. E não podemos fazer nada senão seguir em frente. Se continuar assim, o Kevin vai acabar tendo que cuidar de si mesmo. É isso que você quer? É o que quer pro seu filho?

— EU NÃO LIDO TÃO BEM QUANTO VOCÊS! — Berrou Silvia. A rua inteira devia ter ouvido aquele grito.

— ELE TEM DEZ ANOS, MÃE! DEZ! — Alessio gritou enquanto sacudia a mãe pelos ombros. O cobertor que a envolvia agora estava caído no chão. Silvia voltou a chorar e soluçar de forma descontrolada e o garoto a abraçou fortemente, como se nunca mais fosse soltá-la — Eu sei que você está triste pela morte do papai. Eu também estou. — O garoto então sente as lágrimas se acumulando em seus olhos — Mas você é uma adulta. Você tem um filho pra criar, mãe. Kev precisa de você mais do que nunca agora. Então por favor, por favor mesmo, pare de ignorar a realidade. 

Aquilo foi o suficiente para que ambos começassem a chorar. E até mesmo Alessio chorou. Não apenas pelo infortúnio que havia acontecido, como também por todas as coisas tristes que aconteceram nos últimos anos das quais ele se recusara a chorar. Alessio era uma pessoa normal, como seu irmão ou sua mãe. Uma pessoa normal com emoções normais. 

O garoto então limpa suas lágrimas do rosto e dá um carinhoso beijo na testa da mãe, se distanciando em seguida. Silvia o encara com sua cara chorosa por alguns segundos, mas depois de secar as lágrimas com a manga da camisa, ela finalmente retoma o controle de si. 

— Mamãe? Lessie? — Kevin murmura enquanto se esconde atrás da divisória da parede.  

— Oi meu amor! — Silvia diz de forma animada, andando em direção a Kevin e o pegando no colo. 

Alessio observa aquela cena e sente as lágrimas voltarem. 

— Lessie arranjou um emprego! — Kevin diz, apontando para o irmão. 

A mãe de Alessio se vira completamente na direção do filho, e pelo seu olhar, você poderia ver que ela sentia muito orgulho

— Já disse para não me chamar de Lessie! — Alessio  diz enquanto se senta em uma das cadeiras da mesa de jantar. 

— Isso é maravilhoso! ... Lessie. — Silvia diz, apenas para provocar. Ela consegue tirar um sorriso do filho mais velho — Então, me digam o que vocês querem comer?

Aquilo era quase tranquilizador para Alessio. Ver sua família sorrindo novamente, Silvia cozinhando, Kevin correndo animadamente e o chamando daquele apelido ridículo. No final, o garoto até chegou a pensar que aquele dia poderia não ser tão ruim assim. 

---

O relógio do celular de Ícaro marcava onze horas da noite. O garoto bloqueou a tela e voltou a fazer o que estava fazendo. 

É fato que uma pessoa normal jamais faria o que ele estava fazendo. Sentado no guarda-roupa com um pacote de Lay's ao seu lado e uma tesoura e isqueiro em suas mãos, Ícaro havia retirado todas as fotos restantes de sua caixa de coisas preciosas e agora estava liberando sua raiva enquanto destruía memórias felizes. Um almoço na casa de Alessio, hora de queimar essa foto. Uma foto em que Luna o abraçava e Sam escondia o rosto, é melhor cortar as duas ao meio. Uma foto dele e seu pai pescando... Bom, essa vamos deixar intacta por um tempo. Enquanto esses pensamentos conturbados o atingiam, ele pegou mais uma batatinha, a jogou em sua boca e mastigou. Que jantar maravilhoso. Na verdade, ele até sabia cozinhar um punhado de coisas, mas estava desanimado demais para isso.

Estava quase cortando a foto dele e Sam no parque de diversões Pacific Playland quando seu celular vibrou. Ícaro desbloqueou a tela só para ver que a mensagem recebida era de Sam. Esquisito, já que ela havia dito mais cedo que o odiava. Ícaro começou a pensar se o celular de Sam não havia sido roubado, porque só desse jeito para ela o enviar uma mensagem as onze horas. A curiosidade foi maior do que a razão, e Ícaro abriu a mensagem sem pensar duas vezes. 

"Oi. 

É, eu sei. É muito estranho pra mim escrever isso, tanto quanto é estranho pra você receber essa mensagem. Mas coisas precisam ser esclarecidas. Por favor não pare de ler.
Eu lamento profundamente pelo que aconteceu hoje. Definitivamente, tentar me jogar do telhado não foi a coisa mais inteligente a se fazer. Eu não sou uma suicida. Não tenho depressão nem nada parecido, então não sei o que aconteceu para eu querer fazer aquilo. Talvez tenha sido no calor do momento, apenas isso. E também devo dizer que escrever só com uma mão é muito difícil, então me perdoe por quaisquer erros. 
Eu não odeio você. Quer dizer, não completamente. Olhe, Ícaro, nós não somos tão diferentes. Eu sei disso. Sei porque foi pra mim que você contou ter traído a Luna uma vez, quando estava bêbado e beijou a Sthepanie Foster naquela festa antes do Alessio te jogar na piscina. Eu prometi nunca contar. E nunca contei, mesmo com Luna sendo minha melhor amiga. Nós já vivemos momentos incríveis juntos, e não quero que nossa amizade acabe assim por motivos tão fúteis.

O único motivo por eu estar escrevendo isso é porque estando aqui deitada nessa maca de hospital com uma tala no meu braço enquanto meu pai me olha de forma reprovadora está simplesmente me matando por dentro. Eu não contei a verdade pra ele. Não ainda. Tudo que disse foi que sofri um acidente ao pular o muro para entrar na escola. A questão é que toda vez que eu lembro das coisas que eu disse naquele telhado, isso também me mata por dentro. Você me salvou, Ícaro. Se eu estivesse morta, meu pai talvez não suportaria esse acontecimento. Eu te disse coisas muito cruéis. E não quero isso. Não quero ferir você mais do que já está ferido. Eu gosto de você, Ícaro. Mas não da maneira que você gosta de mim. Ainda assim, não quero deixar de ser sua amiga. 

Sinceramente;
Samantha Travis."

Aquilo era um tanto chocante para Ícaro. Nunca esperava que Sam pedisse desculpas daquela maneira. Pedindo desculpas por tudo, aliás. Até mesmo pelas palavras cruéis que não o atingiram. Mesmo sabendo que Sam não o amava, Ícaro ficou feliz. Aquilo era um gesto muito gentil da parte dela. Ícaro deveria respondê-la. Sim, essa seria a coisa mais apropriada a se fazer. 

"Samantha Travis; 

Quando seu braço melhorar, vamos ao Pacific Playland novamente. Como amigos.

Com a melhor das intenções,
Ícaro da Grécia antiga."

Assim que enviou, Ícaro saiu de dentro do guarda-roupa e calçou seus sapatos, decidindo que a melhor coisa a se fazer era sair um pouco de sua caverna. 

---

Tudo que Lara queria fazer era fugir. Fugir de sua casa, fugir da escola... Queria fugir até mesmo de seu próprio corpo. Com aquelas pernas ela nunca seria capaz de fazer nada que gostava, como andar e correr. E ela estava completamente certa. 

A garota parou assim que chegou a uma pequena praça do outro lado do quarteirão. Ela foi até o balanço e se apoiou no petal, respirando pesadamente, segundos antes de desabar mais uma vez. Com as mãos sobre o rosto, ela chorou e chorou como nunca havia chorado antes, como se todas aquelas lágrimas fossem se transformar em um grande curativo que resolveria todos os problemas e sararia todas as suas feridas. Mas nada disso ia acontecer, porque Lara era a protagonista de sua própria vida, ela fez suas escolhas, e agora sofreria com as consequências. 

Lara estava tão ocupada chorando suas mágoas para fora que nem percebeu que estava com companhia. Sentado no banco que ficava alguns passos atrás da garota, estava Ícaro. Ela observava tudo com um olhar apreensivo, como se o choro de Lara fosse algo para se temer. Mas em parte, era algo assustador para Ícaro, já que o garoto nunca havia visto uma garota chorar. 

Lara tirou as mãos do rosto e se virou para trás, encarando Ícaro que a encarava de volta. 

E isso só a fez chorar mais do que nunca. 

Nem é preciso dizer que o garoto quase entrou em pânico ao ver esse acontecimento. Ícaro saiu correndo de seu banco com tanta pressa que um de seus sapatos até saiu de seu pé, mas ele não se importou em voltar para buscá-lo. Assim que chegou até Lara, se ajoelhando em frente da mesma, Ícaro fez a pergunta mais idiota que alguém poderia fazer:

— Você está bem?

— Claro que não! — Lara disse entre soluços. 

Ele logo abaixou o olhar. Não sabia o que fazer para deixá-la melhor, e certamente também não estava nem um pouco acostumado com a tristeza de outras pessoas. 

— O que aconteceu? — Ícaro perguntou, esperando que dessa vez ele não ferrasse tudo. 

Lara estava completamente inconsolável. Tantas coisas estavam passando pela mente dessa pequena garota, tantas coisas impossíveis de se organizar. Pensou em falar sobre a briga no jantar ou na traição de seu pai como problema maior, mas então se lembrou daquela maldita rede social na qual postaram mentiras sobre ela, e que todos poderiam ver, também pensou em falar sobre a dependência de seu irmão, usando cannabis sempre que possível, mas então ela se lembrou de como era bom correr quando tinha dez anos, e lembrou que nunca mais poderia mover suas pernas ou ter filhos, tudo por causa de um maldito acidente.

Ainda chorando, Lara reuniu todas suas forças para dizer: 

— Eu nunca mais vou correr!

O garoto ficou surpreso. Então aquele era o motivo de tantas lágrimas? Ele conhecia Lara desde os doze anos de idade, e durante todo esse tempo ela nunca pareceu abalada por sua deficiência. Ela até fazia piadas sobre sua condição, como "É melhor eu ir andando", e ria juntamente com os outros. 

— ... Certo... Hum... É só isso mesmo, Lara? — Indagou Ícaro, desconfiando de outros possíveis motivos. 

A garota não respondeu. Apenas continuou chorando de forma desolada como antes, enquanto Ícaro tentava se comunicar sem sucesso algum. 

— Lara, ei — Ícaro disse enquanto encostava na mãozinha da garota — Lara, vamos, fale comigo.

Se comunicar com Lara era quase uma missão impossível, visto que a garota estava tão desolada que mal parava de chorar. A garota já estava começando a soluçar por causa de todas as lágrimas quando Ícaro puxou uma flanela do bolso de sua bermuda e começou a secar o rosto da menina. 

— Ei, pronto, está tudo bem — Ícaro disse as únicas palavras de consolo que surgiram em sua cabeça e em seguida continuou secando as lágrimas de Lara — Quer que eu te leve pra casa? 

— Não! — Lara exclamou quando finalmente conseguiu parar de chorar — Por favor, não me leve de volta para aquela casa! Por favor, não...! 

Ícaro não disse nada, apenas guardou a flanela de volta no bolso e a abraçou. Vendo seu visível desespero quando ele disse a palavra "casa" significava que a luxuosa mansão dos Wachowski não era mais um lar para Lara. E Ícaro entendia isso. 

Dois anos atrás, Ícaro ainda morava com sua mãe e seu pai em um local um pouco mais distante da escola. Apesar de viverem juntos, aquilo não significava que os três eram uma família. Àquela altura do casamento o amor havia se esgotado e seus pais simplesmente se odiavam. Brigas eram constantes todas as noites, principalmente com seu pai chegando bêbado quase todas as noites. Você poderia imaginar o quão alta seria a discussão pelo horário do relógio. Aquilo continuou pelo ano todo quando sua mãe, Eleanor, finalmente decidiu pedir o divórcio, deixando bem claro que ela não ficaria com seu único filho. É claro que aquilo foi totalmente revoltante para Ícaro, obviamente. Como uma mãe poderia não querer ficar com seu único filho? Se bem que agora... Ele até entendia, já que seu pai também o abandonara, anos após o divórcio. Acho que nenhum dos dois nunca quis lidar com a realidade de ter um filho. 

— Tudo bem, Lara. — Ícaro disse enquanto se levantava bruscamente e começava a empurrar a cadeira da garota — Não vou te levar pra sua casa.  

— Então pra onde está me levando? — Ela perguntou

Era difícil dizer algo daquele gênero para uma garota, mas Ícaro disse mesmo assim.

— Estou te levando pra minha casa. 

---

— Eu... Trouxe algumas roupas pra você— Ícaro disse, fazendo com que Lara virasse a cabeça em direção ao garoto.

Após muito pensar, Ícaro havia decidido que levar a garota para a casa não era a decisão mais inteligente de sua vida. Então como forma de ajudar uma amiga (ajudar de verdade, dessa vez), ele ofereceu sua casa para Lara passar a noite. Ela dormiria no que antes era o quarto de seu pai, e Ícaro a manteria bem longe de seu quarto e suas maluquices, se possível. Era a primeira vez que uma garota dormiria em sua casa. Ele estava visivelmente nervoso, e você podia testemunhar isso pelo jeito que suas mãos tremiam enquanto ele segurava aquelas roupas confortáveis e antigas, que após essa noite ficariam cobertas pelo cheiro doce e feminino de Lara. 

— Obrigada — Disse Lara assim que o garoto pousou as roupas sobre a cama macia e arrumada. 

Lara estava impressionada em como a casa inteira estava tão arrumada. A garota presumiu que não devia ser tão difícil assim de limpá-la, já que era muito menor do que sua casa.  Ainda assim não deixava se se surpreender com o vaso com as peônias de plástico que estava perfeitamente polido, ou com a televisão da parede do quarto sem uma poeria sequer, e até mesmo com o tapete e os sofás da sala, que estavam encantadoramente aspirados. Mas logo parou de olhar para os móveis quando percebeu que só estava pensando em limpeza. 

 — Você... Hã... — Ícaro gaguejou — Precisa de ajuda com...? 

— Não. — Lara disse mais do que imediatamente. Ele não pensava que ela era tão dependente assim, pensava? 

A vergonha no rosto do garoto indicava que ele pensava, sim. Mas não era como se Ícaro esperasse permissão de uma garota como Lara para que ele a vestisse. Era bem pelo contrário, já que aquilo seria altamente constrangedor para ambos os lados. 

— Precisa que eu te coloque na cama ou... 

— Eu me viro. — Lara falou, começando a ficar com raiva.  

— Ok, tudo bem, me desculpe. — O garoto disse de forma rápida e nervosa enquanto dava meia volta e encostava a porta, ficando em silêncio por alguns segundos. — Me avise quando tiver terminado — Ele disse. Suas palavras foram levemente abafadas pela porta. 

Lara começou tirando suas roupas sofisticadas de antes. Não que esse seja um detalhe que você precise saber, já que nada de nudez parcial é permitido nessa história. Imagine uma porta, e agora imagine que algo está acontecendo dentro do cômodo. Não malicie. Algo puro. Como uma pessoa ou um coelho de olhos vermelhos dormindo de forma confortável sob um colchão macio, envolto em lençóis brancos. Mesmo sabendo que não é isso que acontece dentro de um quarto onde uma pessoa se troca, ainda assim isso te enche de paz. Era isso o que Ícaro devia imaginar. Um coelho de olhos vermelhos está dormindo sob o colchão do meu pai. Não tem uma garota loura de olhos azuis se trocando. Não tem garota nenhuma. Não tem ninguém...

— Lara? — Ícaro a chama sem pensar, e então pisca, saindo de seu transe. As palavras simplesmente escapam de seus lábios. 

— Algum problema? — A garota responde gentilmente. 

— ... — É difícil pensar em um assunto. — Por que você estava chorando? 

Para Lara, é difícil pensar em uma resposta. 

— Coisas ruins aconteceram em casa. 

— É, eu percebi. — Ele diz e então se encosta na parede ao lado da porta, escorregando lentamente até o chão — Quer falar sobre isso? — Ícaro diz após bagunçar os cabelos para tentar colocar os pensamentos em ordem. 

A verdade é que Lara queria. Queria muito confessar todas as coisas terríveis que estavam acontecendo em sua vida no momento. Sobre a família, sobre a escola... Mas Lara sabia que Ícaro também tinha seus próprios problemas. Uma parte queria falar sobre o assunto, mas outra parte não queria perturbá-lo com mais idiotices. Mas aquilo não era idiotice. 

— Meu pai está traindo minha mãe. — Ela finalmente diz com uma serenidade absurda em sua voz. 

Ícaro fica estático. Seus pais nunca traíram um ao outro, ao menos não que ele saiba. Era algo que todos em sua vida fizeram questão de repudiar, sempre julgando as pessoas que eram adúlteras. Ele pensava que nunca faria algo assim, mas era tarde demais. Ele havia traído seu melhor amigo, e feito Sam o trair também, forçadamente. Aquilo era tão estúpido que o fazia ter vontade de deitar na cama e nunca mais  se levantar. Deus, por quê eu sou tão estúpido? Ele pensava, arrependido. 

— Que merda. — Ícaro disse após muito tempo escolhendo as palavras. 

— É, eu sei. — Lara respondeu — Eu acabei.  

Ícaro então abre a porta, apenas para ver como Lara continuava exuberante mesmo com uma camiseta Lacoste azul três vezes maior do que o tamanho normal da garota e com sua bermuda usada de infância. Era esquisito ver outra pessoa usando roupas que um dia pertenceram a ele.

— E o que aconteceu com você, Ícaro? —  A garota pergunta ao perceber que Ícaro estava a encarando. 

— Hum... É meio complicado. — Ele responde.

— Eu tenho tempo. Me explique. — Lara diz com um sorriso no rosto e levantando os braços — E me coloque na cama! ... Por favor.  

Ele então caminha até Lara e abraça seu corpo, a levantando em seguida, de forma que um ficasse com a cabeça no ombro do outro. Ícaro se move cuidadosamente e gentilmente, como se apenas tocá-la fosse suficiente para partir seus ossos em milhões de pedaços. Era um pouco de exagero de sua parte, mas Lara gostava disso. Já havia se esquecido de quando foi a última vez que um garoto que não fosse seu irmão a abraçou daquela maneira. 

— É mais complicado do que você pensa... — Ícaro diz ajeitando cuidadosamente o corpo da garota sobre a cama.

— Como eu disse, eu tenho tempo. — Lara diz e os dois se encaram por um tempo.

 A garota dá duas batidinhas leves com a palma da mão no lado vazio da cama, para que Ícaro se sentasse lá. Ele cede. 

— Já gostou tanto de alguém que... Sentiu que fosse explodir? — Ele começa a explicar enquanto coloca um travesseiro abaixo da cabeça da menina.

— Não. 

— Era o que eu esperava. — Ícaro fala, soltando uma risada curta e cobrindo Lara com o edredom — Enfim, eu meio que quebrei o Bro Code e... Hum... beijeianamoradadoalessio.

Aquelas últimas palavras foram ditas com uma rapidez excepcional. Tanto que se tornaram indecifráveis para Lara. 

— Você o quê? 

— Eu... Hã... Beijei a namorada do Alessio. — Ícaro confessou, virando o rosto para o lado logo em seguida. 

Se Ícaro havia ficado em choque com a notícia da traição dos pais de Lara, a garota ficou ainda mais surpresa ao saber que ele havia beijado a namorada do melhor amigo. Isso definitivamente não era algo certo. E o fato dele falar daquela maneira não era nada correto. Mas ela decidiu não julgá-lo. Lara estava na casa dele, e Ícaro estava sendo muito gentil e cuidadoso deixando ela passar a noite ali. O mínimo que ele merecia era um pouco de respeito por isso.

— ... Uau. — Lara disse e então piscou — Não sei o que dizer sobre isso. 

— Tudo bem. — Ícaro falou ainda sem olhar para Lara  — Você não estava por perto na hora, mas o Alessio ligou para o contato "Eu amo essa pessoa" no meu celular quando a Sam estava por perto e agora meio que a escola inteira sabe que eu beijei a namorada dele. 

— Puta merda.

Ícaro a encara. Ele não sabia que Lara falava palavrões. Na mente de todos, Lara sempre foi a garota mais fofa e perfeita da escola inteira. A musa de todos. Mas a realidade era bem diferente e ouso dizer, melhor do que toda a fantasia de garota impecável.

 Ambos soltaram uma risada curta e logo se encararam novamente. A tensão era presente, já que era muito raro os dois ficarem a sós. Principalmente em um ambiente como esse. Mas era divertido. Lara era divertida. Ícaro estava gostando de conversar com ela, mesmo que fosse sobre coisas pessoais. 

— Espero que tudo melhore. — Lara diz encostando na mão de Ícaro com a ponta dos dedos. O garoto fica envergonhado. — Quer dizer, você e o Alessio se conhecem desde que vocês nasceram. É besteira deixar uma garota estragar isso. 

 — Tomara que você esteja certa, Lara. —  Ícaro diz  retribuindo o toque gentil dos dedos da garota  — Espero mesmo. 



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