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História A Escolha - Vamos fugir? (Reescrito)


Escrita por: MoniOliv

Notas do Autor


Boa noite, gente!!
Amanhã é feriado e eu provavelmente vou trabalhar! Hehehe... C'est la vie!
Por incrível que pareça, esse capítulo já estava pronto há algum tempo, mas eu nunca tinha tempo de postar! Afinal eu não consigo simplesmente postar um capítulo sem estar tranquila comigo mesma, algo que não estava acontecendo.
Enfim, estou de boa hoje e vou postar. É um capítulo mais leve, mas prometo que o próximo terá mais ação.
Boa leitura!

Capítulo 10 - Vamos fugir? (Reescrito)


            

Meu rosto ainda estava ardendo quando o segundo tapa veio.

            - Nunca mais repita isso, Elaisa! – Meu pai exclamou, cheio de cólera. – Você vai limpar as lágrimas desse seu maldito rosto e vai descer. Estão todos nos esperando para começar a viagem. Você não vai bancar a tola mimada agora.

            - Ele não me ama, papai. – Eu mantive a voz firme, tentando colocar um pouco de razão cabeça do meu pai. O rei havia se virado para retirar, mas minhas palavras o fizeram voltar. Eu estava tremendo quando falei: - Como posso me casar com ele?

            Eu ainda insistia, embora soubesse que meu esforço seria em vão. Já fazia dois dias que eu havia me trancado ao quarto, fingindo indisposição, quando na verdade eu não queria me encontrar com Victarion. Olhar para ele doía demais – eu o amava e sabia que não era correspondida. Mas agora não havia como fugir. Meus pertences já estavam guardados em baús, colocados nas carroças que acompanhariam nossas carruagens. Meu quarto estava vazio, exatamente da mesma forma que eu me sentia naquele momento. Minha mãe olhava para mim, cheia de dor, mas ela nunca iria interferir nos sermões do rei Franklin. Ela nunca interferia. Toda vez que meu pai me batia, era uma lágrima silenciosa que minha mãe deixava escapar.

            - Eu não me importo se ele a ama ou não! Não é papel dele amar você! – Meu pai falava sem piedade nenhuma. Eu sentia como se cada palavra dele fosse uma facada no peito, mais dolorida do que os tapas. - É dever de vocês dois honrar as promessas de seus pais e se casarem, pelo bem do povo! E com amor ou sem amor, quero um herdeiro em seu ventre o mais rápido possível!

            Eu chorava ainda mais, imaginando como seria meu casamento sem amor. Bom, da parte de Victarion, já que eu estava inegavelmente apaixonada por ele. Embora ele fosse cortês e tentasse parecer preocupado comigo – já que Milla me contara o quanto ele perguntava sobre meu bem-estar nesses últimos dois dias -, eu sabia que ele gostava era de Rosalie. Maldita Cesari! Eu a odiava ainda mais agora.

            - Agora faça o que eu te ordeno, Elaisa! Limpe esse rosto e vá se arrumar! Teremos pelo menos quinze dias de viagem e eu não quero ouvir nenhuma reclamação de sua parte! – Eu abri a boca para protestar, mas meu pai acertou outro tapa certeiro em minha boca, abrindo um corte pequeno com seu anel de ouro.

            - Franklin, por favor! – Minha mãe decidiu intervir quando viu que minha boca sangrava. Meu pai sempre fora cuidadoso em não deixar marcas, e agora eu tinha uma no rosto, poucos dias antes do casamento. – Pare!

            Meu pai estava furioso, mas as mãos delicadas de minha mãe sobre o seu braço foi o suficiente para acalmá-lo. Ele se virou rapidamente e saiu. Minha mãe correu para me abraçar, mas eu estava triste demais para corresponder. Ela me soltou e com um lencinho começou a limpar o sangue dos meus lábios.

            - O que houve com você, Isa? – Minha mãe estava tão abatida que chegou a me dar um aperto no coração. As mãos dela estavam trêmulas sobre mim. – Você sempre gostou tanto do Victarion.

            - Eu ainda gosto, mamãe. – Eu confessei, chorando. – Ele é quem não gosta de mim. Está apaixonado pela Rosalie.

            - Que conversa descabida é essa, Isa? Victarion te olha com tanta devoção! O mesmo não acontece com Rosalie.

            - Vai ver ele não quer que ninguém perceba, pois quer honrar a promessa do pai. – Eu menti. Eu sabia que ele estava poupando Rosalie de algo que ele acreditava ser amaldiçoado. Além, claro, do seu maldito jeito frio... Ou talvez, ele só agisse daquela maneira comigo.

            - Se for isso, pelo menos é um bom homem. Nunca te faltou com respeito, Isa. O amor pode vir com o tempo, assim como foi comigo e com seu pai.

            - Tudo bem.

            Eu sabia que não iria adiantar mais argumentar. As agressões do meu pai só comprovavam que eu me casaria com Victarion, mesmo que fosse amarrada. As palavras da minha mãe eram brandas, mas a mensagem era a mesma. Eu não tinha escolha – Victarion seria meu marido.

            Minha mãe beijou minha face e saiu, abrindo brecha para que Milla entrasse em meu quarto. Ela me abraçou, tremendo, e esse abraço eu correspondi. Ela me soltou e começou a acariciar meu rosto.

            - Você está machucada, Elaisa! – Minha amiga tinha os olhos arregalados de preocupação. - Seu pai gritava tanto! Você está bem?

            - Não, Milla. Serei a rainha de um homem que não me ama.

            - Eu não sei o que houve para você pensar assim, Elaisa, mas pelo menos tente se acalmar! Pense que Victarion nunca será abusivo com você como seu pai é. Ele pode aprender a amá-la! Você é tão linda! É tão especial!

            - Minha mãe pensa a mesma coisa, mas eu não quero ser a mulher chata que pede para ser amada.

            Milla me puxou para a penteadeira e eu me sentei, olhando com desânimo para o meu rosto vermelho e meu lábio inferior ferido. Milla correu para a sala de banho e voltou com uma toalha molhada, cuidado do corte.

            - A rainha Alana é muito sábia, Elaisa. Escute-a. – Milla soltou a toalha molhada e agora passava pó em meu rosto, tentando disfarçar a vermelhidão.

            - O que faria em meu lugar, Milla? – Eu segurei suas mãos, fitando-a com desespero. – Casaria mesmo assim?

            - Nós tivemos criações diferentes, minha amiga. Eu não sei como reagiria em seu lugar, já que os pobres se casam por amor...

            - Assim como as criaturas da floresta. – Eu disse, lembrando-me do que Kalon dissera da última vez que nos vimos. Meu doce amigo. – Será se Kalon vai realmente me seguir para o norte?

            - Tenho certeza que sim, Elaisa. – Milla sorriu, tentando me animar. – Ele gosta muito de você.

            Devolvi um sorriso forçado para Milla, para deixá-la mais tranquila, e fiquei em silêncio, pensando em como seria minha vida ao lado de Victarion.

            “Espero que ele seja tudo o que você sonhou. Eu amo você.” Eu estava com o bilhetinho de Kalon em minhas mãos, agarrando-me às suas palavras. Como eu havia sido tola, durante todos esses anos. Fiquei mais tranquila em saber que Kalon estaria lá comigo, que iria me apoiar, me consolar. Meu amado amigo.

            Milla terminou de prender meus longos cachos em uma longa trança lateral e nós descemos. Eu olhava para cada canto do castelo com melancolia, pensando que aquele lugar onde eu crescera não mais seria meu lar. Eu estava indo para um lugar desconhecido para dividir cama com um homem que não me amava. Eu suava frio e minhas pernas tremiam. Eu estava pronta para fugir, caso eu tivesse um lugar que fosse bem vinda – o que não era o caso. Se eu corresse para Aidan, meu pai me deserdaria. Que utilidade Aidan teria em se casar com uma princesa Saens sem terras?

            Chegamos à entrada do castelo, que estava lotada de pessoas. Homens carregavam baús, colocando-os em carroças, enquanto as mulheres carregavam cestos cheios de comida. Havia também soldados fardados das terras do sul, norte e oeste. Todos teriam o mesmo destino: o castelo cinzento do norte. Os Cesari também nos acompanhariam, para participar da cerimônia de matrimonio e coroação.

            Vi Keith se aproximar, mas dediquei-lhe um olhar irritado, fazendo-o vacilar, confuso. Aquele idiota havia me feito acreditar que Victarion gostava de mim. Não quis dar chance para ele se aproximar, então puxei Milla para a esquerda.

            - Onde está indo, Elaisa?

            - Quer conversar com Keith?

            - Ó céus, não! – Ela respondeu prontamente, com os olhos arregalados.

            - Então me siga.

            Milla concordou e começamos a andar por entre aquele amontoado de pessoas e carruagens. Meu pai ficaria furioso se me visse em meio aos plebeus, com os pés na lama, ao invés de estar quietinha em minha carruagem, mas eu não queria pensar no rei Franklin naquele momento. Continuei a andar, misturando-me no mar de pessoas.

            Meu coração apertou assim que vi o rosto enrugado de Lucile, apoiada ao seu filho Johnathan, procurando alguém em meio à multidão.

            Eu havia prometido a mim mesma, há três dias, que visitaria Lucile, mas por causa da conversa que ouvi de Victarion, acabei não indo. Soltei-me de Milla e corri para Lucile, chorando novamente. Abracei minha velha ama, fazendo ela se sobressaltar com meu movimento repentino.

            - Minha princesinha. – Ela me envolveu com seus braços calorosos.

            - Se-senhora Lucile! – Minha voz parecia não querer sair da minha garganta. - Vou sentir tanta a sua falta!

            - Minha menina... Não faz ideia do quanto eu também sentirei sua falta! – Ela me afastou e limpou minhas lágrimas. – Tão linda, tão iluminada. – Lucile disse, sorrindo. - Eu estava mesmo te procurando! Vamos!

            - “Vamos”? – Limpei as lágrimas do meu rosto, olhando com curiosidade para Lucile.

            - Sim, à sua carruagem! Tenho um presente a lhe dar.

            - Sim. – Eu sorri e deixei que Milla nos guiasse até o local onde minha carruagem se encontrava.

            Vi meu pai ali perto, conversando com Victarion. Mais uma vez, meu coração doeu em ver o homem que eu amava ali, com uma expressão abatida, olhando para baixo. Seu cabelo estava preso em um coque baixo e os olhos azuis pareciam carregar toda a tristeza do mundo. Eu o entendia, afinal ele iria casar comigo e não com a amada. Meu pai lhe tocava o ombro, se esforçando em sorrir. Eu não fazia ideia do que eles estavam conversando, mas acelerei o passo, desejando que Victarion não me visse.

            Com a ajuda de Milla, entrei em minha carruagem e me sentei. Johnathan ajudou sua mãe, que já não tinha tanto controle do corpo. Assim que Lucile conseguiu se acomodar, Milla fechou a porta, nos dando a privacidade que minha pequena carruagem oferecia.

            - Todos esses anos, minha querida, – Lucile começou, colocando minha mão entre as suas. – eu escondi uma história de você. Eu sei que você via as histórias como contos, fábulas, mas algumas delas são reais. Reais como esta que eu lhe contarei agora.

            Fiquei fascinada. Lucile se despediria de mim oferecendo uma história. Era o melhor presente que eu poderia ganhar. Busquei abrir um largo sorriso, embora ainda tivesse mágoa no peito.

            - É mais uma história de amor, o gênero que você tanto gosta.

            Fechei o sorriso que eu acabara de abrir. Fitei minha ama com tristeza.

            - Não sei se gosto de histórias de amor agora, senhora Lucile. – Respondi um pouco melancólica, abaixando o rosto.

            - Minha querida - Lucile gentilmente levantou meu rosto –, histórias de amor sempre estarão presentes em nossa vida. Elas sempre vão aquecer nossos corações e trazer vida a eles, mesmo que tais histórias terminem tristes, porque o amor sempre justifica tudo, não se esqueça jamais disso. Todo ser busca por amor, busca ser amado. Até mesmo aqueles seres que parecem impiedosos, querem ter o amor de seus controlados e têm amor pelo poder. Todos amam, mesmo que para os motivos errados. Acalme-se, criança. Você tem o amor puro dentro de você; o amor transformador, o que te faz progredir. -  Lucile deu um sorriso sincero e acariciou meu rosto. - Posso ver nos seus olhos o quanto está em dúvida, mas tenho certeza de que você vai conseguir escutar seu coração e ele vai te levar pelo caminho certo.

            - Escutar meu coração. – Eu repeti, sentindo-me tocada com as palavras gentis de Lucile.

            - Seu caso não é tão complicado como os protagonistas de minha história: uma humana e um espírito da floresta, que se apaixonaram. Até então, sem muitos problemas, já que em muitas das minhas histórias o casal era composto por raças diferentes, que se aceitaram e se amaram acima de qualquer diferença. – Lucile suspirou e continuou, mantendo o sorriso singelo no rosto. – O jovem espírito, chamado Nigel, era amaldiçoado e desapareceria caso tocasse um humano. Ele fora um humano antes, mas como foi abandonado na floresta em sua tenra idade pelos pais, a floresta colocou sobre ele um encantamento que um humano jamais se aproximaria dele.

            - E ele foi logo apaixonar por uma humana... – Eu disse, sentindo o coração apertado, afinal de contas, aquela era uma história real. E eu já poderia imaginar como ela terminaria.

            - Exatamente, alteza. A humana gostava de colher flores na floresta e sempre era observada por Nigel. Um dia ele decidiu se mostrar a ela e, da amizade, floresceu o amor. A garota temia tocá-lo, mas ao mesmo tempo ansiava em sentir os lábios de Nigel sobre os seus. Nigel, sentindo a mesma necessidade, buscou ajuda de uma bruxa. Ela lhe prometeu um feitiço que estenderia a vida de Nigel por uma noite; faria com que ele durasse mais do que alguns segundos depois do toque de sua humana.

            - Oh não! Ele sumiria do mesmo jeito?

            - Sim, minha pequena. Por causa disso Nigel ponderou, durante vários dias, se entregaria sua vida por uma noite. No entanto, ele via sua agonia espelhada em sua amada e, sem contar nada a ela, decidiu aceitar a proposta da bruxa. Ela orientou Nigel que a melhor noite seria a de lua nova, quando a única luz que iluminaria a noite seria a do amor incondicional de Nigel e sua humana.

            Eu já sentia a melancolia do casal e de seu amor impossível. Era triste saber que Nigel inevitavelmente sumiria. O que seria a minha dor comparada à da humana, sabendo que seu amor matara seu amante?

            - Nigel decidiu fazer um presente para sua amada, para que ela se lembrasse sempre do amor deles quando ele partisse. Então, ele trançou um cordão de tira de couro negra e colocou um pingente de lua crescente, feito de um cristal azulado.

            - Por que lua crescente se a noite dos dois seria na lua nova?

            - Porque ele queria que sua humana se lembrasse que depois da escuridão da noite de lua nova, a luz sempre volta e um ciclo se renova. Nigel, convidou sua humana para uma clareira, onde apenas uma vela mágica brilhava. A jovem ficou maravilhada com o lugar, ainda mais quando seu amado lhe tocou a mão sem desaparecer. Ela, achando que ele havia conseguido se livrar da maldição, jogou-se nos braços do amado e se entregou a ele, de corpo e alma.

            “Os dois adormeceram abraçados, deitados sobre a grama macia da clareira. Os primeiros raios de sol que tocaram na pele de Nigel fizeram com que a pele do jovem brilhasse em mil feixes de luz, como um diamante multicolorido. A luz que o jovem emitia acordou sua humana. Com lágrimas nos olhos, a garota viu o jovem espírito começar a desaparecer, não antes de colocar seu presente no pescoço da amada. ‘Eu a amarei para sempre’, ele disse antes de sumir”.

            - Essa história é muito triste. – Eu disse com lágrimas nos olhos. - Como a de Ceci e Valanor. O amor não venceu.

            - Sim, minha menina, mas a jovem humana nunca desistiu do amor dele, crente de que quando ela partisse deste mundo, ela se encontraria com Nigel no reino das estrelas. Este é o presente que tenho para você, minha bela princesa. – Lucile sorriu, enquanto depositava o cordão com a lua em cristal em minhas mãos. Eu arregalei os olhos, emocionada. – Nunca se esqueça, minha princesinha, que o amor que começa aqui, nunca terminará aqui. Ele se estende, pela eternidade, tão antigo e duradouro quanto o brilho das estrelas. Nunca desista do amor. Ele é a chama que nos mantêm acesos, que nos mantêm vivos. – Lucile mordeu os lábios finos e disse com a voz sofrida: - Eu sempre vou amar você, mesmo distante.

            - E eu amarei a senhora! – Eu abracei minha doce ama, chorando. – Para todo sempre! Obrigada! Obrigada!

            Lucile se afastou, com os olhos enrugados também cheios de lágrimas. Deu dois toquezinhos na porta da carruagem e Johnathan abriu-a para sua mãe, ajudando-a gentilmente a sair daquele pequeno espaço. Emocionada, eu amarrei o cordão em meu pescoço, escondendo a lua crescente sob o decote do meu vestido. Aquele seria o meu segredo, minha lembrança de como o amor pode ter formas diferentes e de como eu não deveria desistir dele.

            Muito embora eu já houvesse desistido.

 

 

            Era o terceiro dia de viagem e eu já não aguentava ficar confinada em minha carruagem. Embora as cortinas sempre estivessem abertas, eu sentia que era um desperdício ficar dentro daquela caixinha com rodas. Eu nunca havia saído dos limites do castelo, nem mesmo conhecera a cidade que ficava ali, tão perto, cheia de cores e de comerciantes, que gritavam a qualidade e a beleza de seus tecidos – especialidade do reino do oeste. Fiquei maravilhada por ver nobres misturados a plebeus, andando entre as barraquinhas montadas pelos comerciantes. As pessoas riam enquanto barganhavam mercadorias e conversavam sobre as futilidades da vida. Mais um dos prazeres que o sangue nobre me privara.

            Tive vontade de pular daquela janela. De correr entre as tendas, de sentir as fibras dos tecidos, sentir a textura aveludada das costuras de flores coloridas sobre panos claros. Eu queria sentir o cheiro daquelas flores do carrinho que uma mulher alegre carregava. Eu queria experimentar as frutas, as compotas de doces. Eu era tão nova e sabia tão pouco sobre meu próprio reino. Talvez nunca tivesse oportunidade de voltar, de ver aquela feira alegre.

            Depois da cidade, vieram outras paisagens que me deixaram maravilhada: florestas, lagos cristalinos, clareiras, campos esverdeados, pequenas aldeias de casinhas coloridas. E tudo isso eu via de dentro da carruagem, com raiva por não poder sentir o cheiro das folhas, das flores, da terra. De dentro da carruagem eu via o clima mudar, ficando cada vez mais frio, fazendo-me imaginar se Kalon estaria aquecido.

            Meu pai ordenara que eu ficasse dentro da carruagem, que apenas saísse quando fosse para dormir, na barraca dedicada a mim e à Milla, que era montada com o pôr-do-sol e desmontada com o nascer do sol. Eu sentia que era a forma que meu pai encontrara de me punir por ter tentado desistir do casamento, mas aquilo já estava ridículo demais!

            Pérola, minha égua branca, estava ali, amarrada à minha carruagem, pronta para ser cavalgada, e eu de “castigo”! Talvez esse fosse um ponto positivo em meu casamento com Victarion: eu estaria livre dos mandos e desmandos de meu pai! Eu só esperava que Victarion não fosse tão controlador como o rei Franklin.

            Mais uma vez o acampamento foi montado e Milla me levou até minha barraca, de seda azul com vermelho. O solo estava lamacento, já que pegamos uma leve garoa pela tarde. O clima estava frio e úmido, me fazendo ter ciência de que eu estava cada vez mais próxima do meu destino.

            - Estou cansada, Milla. Não quero comer junto com minha família. – Me espreguicei. Passar horas e horas por dias dentro de uma carruagem fazia os ossos de qualquer um doer. Meu corpo doía em todo e qualquer ponto.

            - Tem certeza de que isso não lhe trará problemas, Elaisa? – Milla perguntou, desconfiada.

            - Tenho certeza de que meu pai não deseja também minha companhia. Sei que ele vai entender meu cansaço, afinal de contas, ele nunca me permitiu viajar antes. Não estou acostumada.

            - É verdade. Irei buscar sua refeição então. – Milla logo aceitou meu pedido, já que estava ansiosa para me ver sorrir novamente. Nos últimos dias, eu chorava sem parar.

            - E me traga uma boa dose de hidromel. Desejo relaxar.

            - Nem virou rainha e já está mandona. – Milla sorriu, tentando animar o clima. Dei um breve sorriso de volta.

            Milla se retirou de nossa tenda e eu fui até a cama improvisada, sentando-me. Decidi desfazer meu penteado, o que demorou um pouco já que eu não tinha um espelho para me auxiliar. Fui até meu baú e escolhi um vestido leve que vestiria para dormir. Sentei-me de volta a cama e estava desamarrando minha bota quando escutei uma voz masculina me chamar.

            - Elaisa? Elaisa, você está aí? – A voz dele estava baixa, parecendo que ele estava inseguro de estar ali.

            Revirei os olhos e amarrei novamente a minha bota. Eu tinha o cabelo solto, o que não era muito apresentável, mas não me importei. Suspirei longamente antes de sair de minha tenda.

            - Boa noite, alteza. – Fiz uma revência elegante, tentando parecer descontraída. Olhei em volta e percebi que Victarion havia dispensado os guardas que ficavam vigiando minha tenda. Que conveniente!

            Victarion abriu um sorriso cansado, encarando-me com aquelas belas orbes azuis. Seus cabelos estavam soltos pelo rosto, quase escondendo a pele que estava levemente avermelhada por causa longa exposição ao sol. Claramente o príncipe não gostava de carruagens. E eu entendia perfeitamente o porquê.

            - Boa noite, Elaisa. Eu estive preocupado com você. – Ele passou a mão pelos cabelos pretos, desconcertado. Talvez meus cabelos soltos fossem desleixo demais para o nobre príncipe suportar. – Fazia tempo que eu não a via. Milla me disse que você estava passando mal.

            - Foi só uma indisposição, alteza. Desculpe-me se eu o preocupei. É que eu nunca havia viajado antes.

            Victarion olhou para o pequeno corte em minha boca, que agora era uma casquinha fina. Levantou a mão para alcançar meus lábios. Eu fiquei observando sua ação receosa, observando os olhos azuis de Victarion vidrados em minha boca, sentindo meu coração acelerar. No entanto, meu noivo desistiu, fechando a mão em punho.

            - É... Imagino que deva estar cansada. – Ele deixou a mão cair. Ele não estava nenhum pouco convencido com a minha desculpa, afinal, eu havia me escondido três dias antes da viagem.

            - Sim, terrivelmente. – Eu falei teatralmente, desejando que Victarion parasse de me fitar com tanta atenção e fosse embora logo.

            - Bom, deixarei que descanse então. – Victarion deu um sorriso sem graça. – Entretanto, por favor, aceite cavalgar comigo amanhã. Você está perdendo toda a viagem ficando dentro da carruagem.

            - Foram ordens do meu pai. – Eu falei, pela primeira vez alegre com a ação carrasca de meu pai, já que ela me pouparia de ficar sofrendo de amores ao lado do príncipe que não correspondia meus sentimentos. – Por isso devo viajar em minha carruagem. Desculpe-me, Victarion! Boa noite!

            Eu já estava virando para entrar novamente em minha tenda, mas Victarion segurou meu pulso, gentilmente.

            - Deixe que eu falo com ele. – Eu mergulhei naqueles olhos azuis, cheios de sentimento. Por que Victarion tinha de ser tão belo? – Tenho certeza que seu pai irá mudar de ideia. Por favor, aceite meu convite.

            - Tudo bem, então. – Como eu poderia negar algo àquele homem? Meu coração dava pulos alegres, enquanto minha mente implorava para que eu me mantivesse afastada dele. – Eu aceito, alteza.

            Ele sorriu, aliviado.

            - Obrigado! Boa noite, Elaisa. – Victarion beijou minha mão antes de se virar e partir.

            Corri para dentro de minha tenda, apertando meu colar de lua contra o peito. Eu tremia e minhas mãos estavam frias.

            - Homem vil e traiçoeiro! Por que faz isso comigo? – Suspirei, falando sozinha. – Dá-me tantas esperanças quando na verdade ama outra!

            Deitei-me em minha cama, sentindo novas lágrimas se formarem em meus olhos. Amar, definitivamente, era a pior coisa a se fazer no mundo. Se eu soubesse o quanto isso doeria, jamais teria me permitido interessar naquele menininho belo e aventureiro.

            Milla entrou em meu quarto quando eu já estava calma. Ela tinha um sorriso no rosto e meu jantar nas mãos.

            - Vamos mocinha, coma tudo e eu te darei a surpresa!

            - Surpresa? – Senti um calafrio no estômago. Pelo sorriso dela, só podia ser uma coisa. – Kalon?

            - Sim! Eu o vi! – Milla sorria, sabendo o quanto a presença de Kalon poderia me animar. – Nós combinamos um lugar para vocês se encontrarem. Acho que conseguiremos escapar sem ser vistas.

            - Viu ele? Como foi isso? – Perguntei, preocupada. Os melhores guerreiros do reino estavam ali naquele acampamento e Kalon estava se arriscando demais.

            - Fique tranquila. Kalon é bem discreto quando quer. Ele me abordou quando eu estava sozinha e estava envolto em uma capa. Ninguém o viu. – Ela deu um sorriso tranquilizador.

            - Isso é maravilhoso, Milla! Obrigada!

            Eu praticamente engoli minha comida sem mastigar. Havia tanta coisa a ser dita para Kalon, principalmente meu pedido de desculpas. Ele estava tão inseguro quanto eu com essa mudança para o norte e tudo o que eu fiz foi piorar as coisas. Kalon sempre estivera comigo e, por mais que eu quisesse protegê-lo, pedir para ele ficar fora um erro.

            Esperamos mais um pouco, quando a decrescente lua já estava alta no céu. Milla colocou uma capa negra sobre os meus ombros e usou o capuz para esconder o meu rosto. Ela usou uma capa semelhante nela, mas um pouco mais surrada. Saímos em silêncio, pela parte de trás da tenda, já que havia guardas vigiando a entrada, e cruzamos o acampamento com cuidado para não sermos vistas. A parte mais perigosa foi cruzar um campo de arbustos baixos, pois ali não haveria como nos escondermos. Corremos o mais rápido que podíamos até chegar à floresta, cheia de pinheiros altos e antigos. Milla estava respirando com dificuldade, enquanto tudo que eu podia sentir era o alívio por ninguém notado nossa breve fuga.

            Meu coração bateu alegre quando vi Kalon chegar com uma lanterna esverdeada, fazendo seus olhos parecerem ainda mais verdes e intensos do que eram. Corri para abraçá-lo, quase me queimando com a lanterna.

            - Cuidado, Elaisa! – Ele me repreendeu, mas eu também sabia como ele estava sofrendo com a nossa briga recente. Soltou-se do abraço e acenou para Milla. – Oi Milla! Obrigado por nos ajudar!

            - Oi Kalon. – Ela respondeu, sorrindo para ele. – Por favor, seja mais cauteloso quando for me chamar. Quase foi pego! – Esse detalhe ela havia omitido; pior, mentido! Meu coração doeu só de pensar no que fariam com Kalon se soubessem que ele estava ali. O que meu pai faria...

            - Desculpe, mas eu estava te vigiando já tinha tanto tempo! Aquele homem nunca saia de perto de você!

            - Que homem? – Eu perguntei, esquecendo-me da preocupação e sorrindo ao ver Milla ficar pálida. Ela estava com cara de culpada. – Já superou o Johnathan? Ou era o próprio?

            - Não era ninguém! – Ela me dedicou um olhar irritado por eu ter mencionando o nome do filho de Lucile, que também estava viajando conosco. - Vou esperar vocês aqui! Por favor, não demorem, pois eu morro de medo do escuro! – Eu abri a boca para contestar, mas Milla me interrompeu: - Vão logo!

            Kalon sorriu e entregou a lanterna para Milla.

            - A noite não está tão escura, mas fique com isso já que está com medo.

            - Obrigada, mas e vocês?

            - Eu não tenho olhos humanos, consigo enxergar melhor. Vou levar Elaisa até onde estou acampado, tenho outra lanterna lá.

            - Certo... Voltem logo! – Ela pediu apreensiva.

            Kalon concordou e tomou minha mão, me guiando para dentro da floresta. No começo, eu não enxergava direito e Kalon precisava ficar me alertando sobre uma pedra ali, uma raiz acolá, mas aos poucos meus olhos foram se acostumando com a pouca claridade da lua entre as folhas. Kalon me levou até uma pequena gruta, fria e úmida, e acendeu a fogueira que há pouco havia se apagado. Eu olhei para ele com preocupação e ele sorriu.

            - Não se preocupe, ninguém será capaz de ver a fumaça e um pouco calor nos será bem-vindo! Não sei por que você quer mudar para um lugar com o clima tão agradável! – Kalon usou seu sarcasmo com naturalidade, buscando me alfinetar. Ele esfregava as mãos próximas à fogueira, no objetivo de aquecê-las.

            - Desculpe-me por isso. – Abaixei o olhar, observando os galhos secos crepitarem na fogueira.

            - Hã? O que houve com você? – Agora Kalon me fitava, surpreso. – Achei que você iria dizer o quanto Victarion é lindo e como tudo que está relacionado a ele é incrível! Até mesmo esse maldito clima frio e molhado!

            - Talvez ele não seja tão incrível assim...

            Kalon ficou em alerta, fechando o semblante.

            - O que ele fez com você, Elaisa? Ele te machucou? Foi ele quem feriu seu lábio? – Kalon falava entre dentes, nervoso. Virava meu rosto para todos os lados, procurando mais marcas de violência.

            - Acalme-se, Kalon! – Segurei as mãos dele. - Foi meu pai quem me feriu a boca. Victarion não me machucou... Pelo menos não fisicamente. – Eu falei melancólica, sentindo mais lágrimas brotarem nos meus olhos. Eu já estava cansada de ser tão chorona, mas eu não conseguia fazer nada para mudar isso.

            - Elaisa... – Kalon me abraçou, trazendo seu calor reconfortante para mim. Eu me entreguei ao meu amigo, chorando compulsivamente, enquanto ele acariciava meus cabelos. – O que aconteceu?

            - Ele... Ele não me ama, Kalon! – Eu respondi, soluçando. – Eu o amei a vida toda, imaginando como seria nosso futuro juntos! Mas ele ama outra, Kalon! Ele ama a Rosalie!

            - É um tremendo idiota mesmo...

            - Kalon! – Eu o repreendi. - O que eu faço agora? Irei me casar com um homem que ama outra! – Eu desabafava, deixando as lágrimas correrem soltas. - E eu o amo, Kalon! Eu o amo! Eu amo alguém que ama outra!

            Kalon beijou o topo da minha cabeça, me abraçando forte.

            - Eu sei como é isso. – Ele falou baixinho.

            - Sabe? Já se apaixonou, Kalon? – Minha voz saiu um pouco manhosa.

            - Eu não! – Rapidamente negou. -  Um amigo me contou como é... Você não precisa chorar, Elaisa. Se não quiser se casar com ele, não se case!

            - Está vendo minha boca, Kalon? Acha que meu pai gostou da ideia de eu não me casar com Victarion?

            - Fuja, Elaisa. – Kalon levantou o meu rosto gentilmente, para que eu pudesse fitar seus olhos sinceros. – Fuja comigo. Venha viver comigo. – Ele abriu um sorriso sincero, mostrando suas presas brancas. – Esqueça o Victarion, esqueça seu sangue nobre. Esqueça todos os seus deveres de princesa. Venha ser feliz comigo. Venha ser a Elaisa, só a Elaisa.

            Olhei para Kalon, deliciando-me com sua expressão descontraída. Viver com Kalon seria uma aventura incrível. Sem responsabilidades, só tranquilidade ao lado do meu melhor amigo. Eu não teria os confortos da vida do castelo, mas também não dormiria no chão como uma mendiga. Kalon cuidaria de mim, eu sei que sim, assim como eu faria de tudo para cuidar dele. Poderíamos até ir para o leste, onde os humanos há muito tempo não vão. Seria eu, Kalon e a floresta. Sorri com a ideia, fazendo Kalon sorrir ainda mais.

            - Eu não posso, Kalon. – Ele desfez o sorriso imediatamente. – Eu não conseguiria abandonar Milla, nem minha mãe. Até mesmo meu pai... – Ele abaixou o rosto, mas eu gentilmente voltei a levantá-lo. – Se eu nasci princesa, deve ter alguma razão. Eu sinto que há algo que eu devo fazer por ter essa posição social.

            - Eu odeio o fato de você ser princesa.

            - Eu sei. – Eu beijei sua testa. – Eu sei. Eu também não aprecio.

            Voltei a deitar em seu colo, como eu amava fazer. Kalon demorou um pouco mais do que o habitual para mexer nos meus cabelos, mas acabou o fazendo. Eu estava mais tranquila agora que havia me desabafado com alguém, mas eu estava ainda melhor por saber que Kalon me acolheria caso eu sentisse que a situação com Victarion fosse insustentável. Ele estaria ali por mim. Fechei os olhos, em paz.

            - Desculpe-me por ter brigado com você, Kalon. Eu fiquei me odiando por isso.

            - Eu que devo te pedir desculpas, pequena princesa. Você só estava preocupada comigo.

            - Eu amo você, Kalon. Não quero que nada de ruim lhe aconteça.

            - Nada vai acontecer, Elaisa. – Ele se abaixou e deu um beijo em minha testa. – Eu sempre estarei com você.

            Eu sorri e, aliviada, acabei pegando no sono.


Notas Finais


Esse Kalon é um fofo mesmo! Muita gente ai ainda está revoltada com o Vic?
Obrigada aos novatos (alguns não tão novatos assim, já que me acompanham em outras fics) e aos veteranos. Vocês são demais! Os comentários e favoritos de vocês sempre me deixam a pessoa mais serelepe deste site!
Beijos e até a próxima! =**


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