História A Escolhida - O Regresso

              Pisquei meus olhos e percebi que estava saindo de uma casa no meio de uma floresta, andei pela trilha aberta, sentindo meu sapato deslizar sobre a grama molhada, tirei-os dos pés e continuei andando antes que tomasse um tombo daqueles, por mais bobo que fosse não estava a fim de torcer o tornozelo ou algo pior... Andei rumo às árvores sentindo as mudanças na vegetação, as árvores mais próximas, estava nublado embora não conseguisse enxergar o céu, havia luz entrando pelas copas das árvores.

              Durante aquela caminhada, comecei a relaxar e fui abandonando minhas coisas pelo caminho, quando percebi estava completamente nua, por alguns instantes, congelei diante da possibilidade de ser flagrada dessa forma e me cobri com as mãos, olhando pelas árvores, sentindo um calafrio de medo e curiosidade acariciar minha pele, era a brisa que a tocava sutilmente me fazendo arrepiar, meus cabelos eram emaranhados por ela como um sopro sensual e eu corei diante da minha visível excitação, me fechei, andei e esqueci aquela sensação, logo a frente encontrei um vestido branco, ele era perfeito, como se fosse feito exatamente para mim, não atrapalhava meus passos, mas cobria meu corpo exatamente como eu gostaria que fosse...

              Ouvi o canto de pássaros sem saber de onde viria, um ranger de folhas? Obviamente minha audição captara alguma coisa, independente do que fosse continuei andando até ouvir um burburinho, água... Tomei sua direção e meus pés sentiram mais uma vez, a transformação, dessa vez a terra deu lugar aos pedregulhos e logo depois a areia surgiu, um delicioso riacho, que surgia e eu continuava caminhando, dessa vez, adentrei e era incrível, aquela sensação única de harmonia, andava pelo riacho sentindo a brisa, o cheiro das árvores, a água gelada que tocava minhas pernas, as pedras que eram tocadas pelos meus pés, que conexão única e perfeita, abri meus braços, fechei meus olhos e deixei que minha audição e o tato me guiassem... A temperatura da água mudara de fria para mais morna, agradável, o nível da água também mudara, subira consideravelmente, dei algumas braçadas sentindo o cheiro mudar, o cheiro se tornava mais doce e feminino, a viscosidade da água se tornara mais oleaginosa e então abri os olhos e constatei que estava em uma espécie de termas, haviam diversas piscinas e eu nadava em meio a flores, galhos de plantas... Alcancei a borda e saí daquela piscina sentindo minha pele sedosa e úmida.

              Subi as escadas alcançando uma porta e entrei em uma espécie de corredor, tudo se tornara escuro, estava tão escuro que mal via um palmo a frente do nariz e comecei a tocar a parede para conseguir atravessá-lo, era estranho, apesar de ser árido era fasto, tocar aquela parede trazia uma sensação prazerosa de orgulho, suntuosidade, nesse instante, comecei ouvir ao longe, sussurros, eram como segredos, chegavam aos ouvidos como pequenos chiados e, foram se tornando mais nítidos à medida que avançava... Fatos sobre minha vida, minha infância, coisas sussurradas pelos adultos à minha volta, a morte de minha avó, a embriaguez do meu pai, o sumiço, minha mãe...

              Gravidez, adultério, quem era ele? Quem era ele? Mal entendia sobre o que diziam enquanto sentia algo muito peculiar, aquele desespero, aquela vontade de fugir, desencostei da parede tampando os ouvidos, vergonha... Vergonha de quem eu era? Os murmúrios aumentavam e corri, corri até alcançar uma porta e meus dedos seguraram o puxador antigo e eu a puxei enquanto ela se abria e eu respirava aliviada, havia luz, paredes normais, um piso amadeirado, andei olhando para aquelas paredes desconhecidas que me pareciam velhas conhecidas, passei meus dedos pelo piso e me senti como se estivesse em casa... Meus pés e meu vestido que já havia secado enquanto andava observando a casa com a cabeça abaixada mal percebi o par de pés que surgiram na minha frente.

—Como foi seu passeio? – a voz rouca e os olhos penetrantes me faziam corar diante dele.

—Passeio? – murmurei olhando para ele um pouco confusa com o sentimento que expressara.

—Libertador? – ele me encarou com uma sobrancelha questionadora e eu gelei encarando toda aquela pele exposta, ele usava apenas uma calça branca de linho enrolada até as canelas.

—Por quê você está vestido dessa maneira? Onde estamos? – murmurei percebendo que a casa parecia uma casa de praia.

—Esse é seu templo, você o criou, você nos invocou – ele deu de ombros e sorriu.

—Meu templo? – murmurei piscando os olhos enquanto ele franzia as sobrancelhas.

—Sua linhagem, ou melhor, seus antepassados... Você nasceu com esse dom – ele murmurou me encarando com aqueles lábios e olhos que me confundiam completamente.

—Você está dizendo que isso é uma alucinação? – murmurei frustrada.

—Você sabe que não... – ele disse segurando uma risada —Você leu, pesquisou... Tem algum tempo não foi? Aqueles dias que você se sentia perdida, chorava, acendia velas, procurava por conforto... Meditava... Imaginava exatamente esse lugar... Não se lembra daqueles dias? – ele perguntou usando um tom um pouco irritado.

—Você está dizendo... Que eu criei esse lugar? – murmurei passando a mão na parede e sentindo uma vertigem.

—Seu templo, sua casa, venha... – ele me puxou pela mão me levando pelos corredores até uma sala ampla, fiquei olhando para aqueles móveis, aquele lugar era exatamente onde eu estivera nas derradeiras férias...

—Surpresa? – ele me perguntou enquanto eu esperava pela próxima revelação.

—Eu estou esperando... – murmurei observando aqueles lábios, aqueles olhos —Que diabos... – murmurei enquanto ele balançava os cabelos e sorria.

—Venha, estamos todos aqui, queria apresenta-la – ele murmurou sorrindo enquanto sentia meu estômago gelar...