História A Filha - Maria Júlia

Acordei aquele dia mais cansada do que nunca. Havia dormido tarde preparando as malas para a tão esperada viagem. O congresso anual de medicina da Universidade de Thompson era o evento mais aguardado de todos os alunos daquela região.
Quando olhei no relógio já passava de 11:30, mas tudo bem, era domingo e só iríamos pegar a estrada por volta das 17:00, já que Bruna teria que fazer hora extra pra poder tirar a semana de folga.
Levantei meio sonolenta, me arrastei até o banheiro e deixei que a água fria do chuveiro se encarregasse de me despertar. Não funcionou. A segunda opção era uma caneca de café forte, meu melhor e mais fiel amigo de todas as manhãs.
Coloquei um moletom de Pedro que ele havia esquecido aqui em casa, um short jeans surrado e amarrei o cabelo em um coque.
Ao descer pro café, peguei meu celular que estava embaixo do travesseiro e vi que havia cerca de 200 mensagens no grupo. Bruna não parava de reclamar que tinha o pior emprego do mundo, dizia que trabalhar para os pais era pior do que ser escrava  e que assim que voltasse de Thompson pediria as contas da firma dos pais. Lari, por contrapartida, fazia planos para melhorar seus conhecimentos e, quem sabe, encontrar seu príncipe encantado durante a viagem.
**Maju diz: Bommm dia!!!! ** (11:51)
**Brubs diz: Nossa, Maju, achei que você tivesse morrido, meu. ** (11:52)
** Lari diz: GENTE, O CARA MISTERIOSO DA CARLA ESTÁ AQUI DE NOVO!!!!!! ** (11:52)
** Maju diz: vc precisa descobrir quem é ele logo, não me aguento de curiosidade!! ** (11:54)
** Brubs diz: aposto que ele é horroroso, ou casado, ou os dois kkkkk ;D ** (11:54)
** Maju diz: NOSSA, BRUNA. QUERO MORRER SUA AMIGA KKKK ** (11:55)
** Lari diz: pera aí, gente. Acho q eles vão sair do quarto agora. Ja volto ** (11:56)
** Brubs diz:  vou voltar a trampar, mas mantenha a gente informadas ** (11:55)
** Maju diz: POR FAVOR, LARISSA, SEJA DISCRETA ** (11:56)
Tomei uma xícara de café forte e me joguei no sofá, fiquei lembrando do último encontro que tive com Pedro, quando ele deixou seu casaco aqui em casa, depois de quase termos chegado ao finalmente. Não sou virgem por puritanismo, mas decidi que a minha primeira vez seria com a pessoa que eu me sentisse pronta, que eu amasse de verdade. Pedro tem sido super fofo e compreensivo comigo, às vezes quando as coisas esquentam, ele mesmo toma a iniciativa e diz que quer esperar o meu tempo e quer que seja um momento especial para mim.
Fechei os olhos por um segundo, aconcheguei seu casaco em mim e respirei fundo, suspirando ao sentir seu perfume no casaco, acabei cochilando por uma hora e acordei com o barulho de alguém batendo na porta.
Levantei meio sonolenta, esfreguei os olhos e abri a porta.
- Já te falei o quanto tu fica gostosa com meu casaco e esse teu shortinho? - era Pedro, com um sorriso lindo, os cabelos molhados e uma caixa enorme de pizza pro nosso almoço.
- Você tem um péssimo gosto, mas adorei a supresa!! - o puxei pra dentro, envolvendo minhas mãos em sua cintura e dando-o um beijo demorado. - vou sentir tanto a sua falta, não acredito que você não poderá ir.
- Ah, minha linda, como eu gostaria de ir com vc, mas tenho que cobrir um plantão hoje, meu supervisor foi viajar e deixou toda a responsabilidade em cima de mim, você sabe.
- Ninguém manda você ser o pupilo do chefe, ele aproveita isso pra te sobrecarregar. Mas eu entendo, só queria ter mais tempo com você.
- Eu também, Maju. Você sabe que sinto sua falta o tempo todo. Mas estou aqui agora, e vou ficar aqui até a hora de você viajar.
Pedro era a pessoa mais improvável do mundo pra eu me apaixonar. Ele era o cara mais lindo e popular de toda Dalton, o tipo de cara que toda menina sempre se apaixonava, menos eu. Eu achava que os garotos bonitos superficiais demais. Na minha mente, eles passavam tempo demais malhando o corpo, e tempo de menos exercitando o cérebro, mas ele era diferente.
Nos conhecemos na única vez que Bruna me convenceu a ir numa balada sertaneja. Eu o vi assim que chegamos, mas não dei importância, ele era apenas mais um carinha boa pinta com a mente atrofiada. Sinceramente não sei o que ele viu em mim, já que sou a pessoa oposta à ele, adoro ficar em casa, debaixo das cobertas, assistindo maratona de filmes e me acabando em um balde de pipoca. Talvez seja verdade que os opostos se atraem, pelo menos conosco foi.
Passamos restante do dia jogados no sofá, assistindo uma série de filmes de super herói, comendo pizza e brigadeiro de panela, enrolados em um edredom que era propositalmente pequeno, só para podermos ficar ainda mais juntinhos.
Quando era por volta de 16:00, Bruna me ligou dizendo ter conseguido se livrar dos pais, e que às 17:30 em ponto estaria me esperando em sua casa. Enquanto Pedro assistia mais um episódio de Demolidor, fui tomar um banho rápido, coloquei um casaco, uma calça jeans, um all star, dei uma ajeitada básica no cabelo e passei uma maquiagem leve para disfarçar as olheiras de uma boa estudante de medicina.
Na verdade, medicina não era minha primeira opção. Mas por forças do destino, fui contemplada uma bolsa parcial de 90% e aceitei com o propósito de me especializar em pediatria. Desde então, minha vida tem sido anatomia, citologia, patologia, e tudo mais que termina em ia. A pior parte é viver longe dos meus pais, já que sempre fomos muito agarrados. Mas tudo bem, na volta de Thompson as meninas e eu iríamos passar o final de semana com meus pais, e eu estava tão ansiosa por isso quanto para o congresso regional de medicina.
Me despedi de Pedro com meia hora de antecedência e fui em direção a casa de Bruna. Ela ainda mora com os pais mas prefere não comentar com ninguém. Lari divide o apê com Carla, uma garota estranha que estuda e faz estágio com Pedro. Larissa diz ter ouvido boatos de que ela sentia um amor reprimido por ele desde o primeiro período de fisioterapia, mas por ironia do destino acabamos nos apaixonando, então ela decidiu me odiar.
Enfim, malas no carro, som ligado, estamos à caminho de Thompson para a maior aventura de nossas vidas.