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História A Força do Amor - Charadas na Escuridão


Escrita por: Indis_Imladris

Notas do Autor


Como vão, caros leitores? Espero que todos estejam muito bem.
Feliz como novos amigos, muita gente favoritando. Espero que comentem.
Boa leitura!

Capítulo 12 - Charadas na Escuridão


Kyara abriu os olhos e viu a caverna às escuras. A fogueira estava apagada e ninguém estava mais ali. Chamou por Legolas e os outros, mas não responderam.

Estava sozinha.

Saiu da caverna e tudo estava cercado por um nevoeiro muito forte, que somente dava para ver as árvores quando se aproximava. Começou a caminhar pela floresta e não achou ninguém, nem seu cavalo. Ficou assustada pensando no que poderia ter acontecido... – Onde estaria Legolas?

Vagou pelas brumas por algum tempo e começou a ver homens mortos, caídos ao seu redor e ouvir o som de espadas se chocando, gritos por todos os lados. Um por um, eles se voltavam ensanguentados e mutilados para ela, tentando agarrá-la e ela os empurrava e golpeava, forçando passagem. Já estava toda suja e descabelada e o tormento parecia não ter fim. Suas roupas se rasgavam cada vez que ela tentava se desvencilhar e cada vez mais se via cercada.

Os rostos desfigurados de morte, sangue jorrando e vísceras espalhadas por todos os lados a desesperavam sem ter o auxílio da sua espada para socorrê-la... – Legolas! Legolas! Ajude-me!... Onde você está?... Eles estão me alcançando.

Em meio às brumas, Kyara avistou ao longe a ilha de Tiria, correu para lá, porém quando chegou ao salão de Gahya, não encontrou ninguém. Chamou por todos que se lembrava e nem um som pôde ser ouvido. Transitou pelo salão e parou diante do Poço dos Ancestrais vendo o movimento azulado da água a envolver.

— Vazio!... É como o vagar das estrelas – um completo silêncio. Uma beleza quase irreal e impossível de alcançar... Kyara voltou sua atenção para o imponente trono de pedra azul no topo das escadas e estremeceu... – Se eu for até lá estarei no topo do mundo. Terei o poder nas mãos, mas ninguém para me acompanhar.

Mesmo com medo, algo a atraía e Kyara subiu as escadas, lentamente, sentando-se no trono. As paredes da casa desapareceram e ela vislumbrou a vastidão do mundo. Numa velocidade louca, percorreu todas as terras de Tanusia, até mesmo os vales mais distantes e todos os povos. Embrenhou-se pela floresta encantada, conhecendo seus segredos e subiu ao mais alto topo do mundo e logo depois mergulhou nas profundezas da terra. O tempo passou de forma que dia e noite se fundiam. Viajou pelas estrelas até encontrar-se num completo silêncio novamente no salão da Casa de Gahya. Sentia-se envelhecida e cansada. Baixou a cabeça, apoiando-a entre as mãos sentindo uma solidão profunda e o peso do mundo em suas costas. Gritou de desespero e ninguém a ouviu. Ninguém respondeu... e Kyara chorou sua solidão.

De repente, percebeu a presença de alguém lhe estendendo a mão. Ela levantou a cabeça e viu Legolas sorrindo a sua frente. Ele a ergueu e a abraçou forte... – Não chore mais. Eu estou aqui para lhe fazer feliz. Nunca a deixarei. Nunca!

Depois de tanto lutar pela vida e fugir, sempre só, finalmente estava protegida. A voz de Legolas ecoava pelo salão. Ela não sentia mais medo. Quando se separaram tudo havia desaparecido e estavam no meio de um prado florido. Nunca havia se sentido tão feliz e em paz como naquele momento.

Caminharam entre as flores e avistaram uma criança correndo na direção deles. Legolas abaixou e a abraçou rodando-a no ar. Kyara sentia no peito algo tão forte e tão pleno vendo aquela cena, que ela abraçou a criança também.

Kyara deu um sobressalto e abriu os olhos assustada, com o rosto lavado de lágrimas. Era madrugada, a fogueira estava com o fogo baixo e todos dormiam.

Legolas despertou com o pulo que ela deu.

— Kyara! O que houve?... Ele se sentou e viu que ela chorava... – Foi um pesadelo?

— Não pergunte nada apenas me abrace forte, por favor!... Pediu ela sussurrando e ele a atendeu.

Por um instante sentiu-se segura novamente naquele abraço. O sonho havia sido tão real que precisou de alguns segundos para entender onde estava e se o que via era a realidade.

Ele acariciava seus cabelos sussurrando em seu ouvido que já estava acordada e que estava tudo bem. Ela o abraçou ainda mais forte, com os olhos fechados. Naquele momento seu abraço era como a luz, que clareava a escuridão levando o medo embora.

Quando se afastou, Kyara já havia se acalmado e olhou para ele confusa e mais uma vez seus pensamentos a traiam... – Passei minha vida inteira em situações de extrema pressão, mas esse momento está sendo doloroso demais. Seria esse sonho um aviso sobre a escolha que estou fazendo?

Ela já era adulta o suficiente para arcar com as consequências das suas escolhas e jamais recuou diante de um desafio. Orgulhava-se da sua coragem, contudo, precisava admitir que estava com muito medo do que poderia acontecer. Nunca estivera tão perdida, e, de repente, olhou em volta não reconhecendo ninguém.

— Preciso sair daqui e encontrar um rosto familiar. Preciso ver Gahya, meu pai, meu irmão, alguém que possa me dizer que tudo passará e minha decisão será a mais acertada, que não preciso mais sentir medo.

Olhou Legolas como um completo estranho e se levantou. Ele viu desespero nos olhos dela e tentou acalmá-la.

— Kyara, vamos lá para fora. Vamos respirar um pouco de ar puro.

Ele se levantou pegou uma tocha e a puxou pela mão para fora da caverna. Ao saírem, Legolas deixou-a livre, sem dizer nada. Apenas a observava. Ela respirava fundo com os olhos fechados e começou a chorar.

Ele fez menção de acudi-la, mas ela não permitiu que se aproximasse.

— Preciso ficar só... Deixe-me aqui, por favor!

Ele fincou a tocha no chão e se retirou, mas ficou na entrada da caverna observando-a de longe. Legolas via que ela estava sofrendo e sua intuição lhe dizia que o sonho dela estava relacionado a eles dois.

Kyara andava de um lado para outro olhando o céu nublado. Nem mesmo as estrelas ou a lua estavam ali para lhe dar acalento. Encostou-se numa árvore e escorregou até o chão chorando, inconsolável. Não fazia esforço nenhum para se acalmar porque precisava se livrar da angústia que sentia e seus pensamentos não lhe davam trégua.

— Afinal, o que sinto por esse elfo? Abrirei mão de tudo que conquistei para ficar com uma criatura que mal conheço e deixar todos que amo para trás? Por outro lado, retornarei para minha terra e minha gente para quê? Serei feliz sabendo que nunca terei alguém para amar?... E Legolas? O que sente por mim?... Provavelmente estou sofrendo por algo que nem existe.

Por um instante sua vontade foi sumir no mundo e não seguir nenhum dos caminhos que lhe fora destinado. Não retornaria para Tiria. Também se afastaria, definitivamente, de Legolas. Queria se livrar de tudo que a sufocava e exigia sua decisão.

Todas as suas indagações e dúvidas não a levaram a lugar nenhum. Foi até o riacho e lavou o rosto. Mais calma, sentou-se numa pedra e começou a refletir de forma prática.

— Preciso focar minhas ações no propósito que me trouxe para a Terra Média. Qualquer outro assunto o tempo me dirá o que realmente quero e o que será melhor. Nem sei o que o elfo sente por mim e eu mesma não sei o que sinto por ele... Desejo? Posso sentir por qualquer homem. Sou uma mulher adulta, mas isso não é suficiente para me fazer abrir mão de tudo.

Kyara suspirou mais controlada e retornou para a caverna. Encontrou Legolas aguardando-a na entrada. Quando ele a avistou levantou-se de imediato e, antes que ele fizesse qualquer comentário ou lhe perguntasse qualquer coisa, ela se pronunciou.

— Não me pergunte nada, por favor!... Obrigada por me socorrer, porque naquele momento acordei muito assustada, mas estou calma e já recobrei minha lucidez. Agora vou tentar dormir.

Quando ela passou, ele segurou sua mão... – Não perguntarei nada e nem quero incomodá-la. Só quero que saiba que não está sozinha. Eu estarei sempre por perto se precisar. Não a deixarei sozinha, nunca.

Ouvindo essas palavras ela estremeceu. Kyara encarou Legolas com o coração acelerado e sua vontade foi atirar-se em seus braços, mas controlou seu desejo. Apenas abaixou a cabeça e entrou sem dizer nada. Ele se preocupou com o que poderia lhe afligir tanto, mas o que poderia fazer?

Pela manhã não tocaram no assunto.        

Para o café assaram milho na fogueira e comeram frutas. Kyara fez um chá para todos. Legolas e Demétrio prepararam uma armação com troncos para assar o javali fora da caverna. A pretensão era estar pronto para o almoço. Kyara pretendia servi-lo com batatas coradas usando um pouco da banha que trouxeram.

Logo que o Javali foi posto no fogo partiram para a vila com o intuito de colocar em prática a ideia de trazer a tal carroça e reconstruí-la.

Kyara convidou Melissa para um passeio e um banho no riacho com as crianças. Naquela manhã nenhuma das duas estavam muito animadas. Chegando ao riacho, Melissa sentou-se em uma pedra, enquanto as crianças pulavam na água.

Seus cabelos muito louros no sol ficavam brancos, tornando sua pele muito clara ainda mais branca. Sentia-se fraca e desanimada. Um pouco de sol e ar puro lhe faria muito bem.

Kyara sentou-se ao seu lado com ares de pouca conversa e somente observava as crianças.

Melissa resolveu puxar assunto.

— Você dormiu bem? Está um pouco pálida esta manhã e muito calada.

— Tive um sono agitado esta noite, mas estou bem. E você?

Melissa deu um suspiro... – Tem dia que fico bem, outro fico mal. Há algumas semanas que venho me sentindo cada vez mais debilitada.

— Quando chegarmos a Minas Tirith você se sentirá bem melhor. Está um dia bonito, aproveite para relaxar, tomar um bom banho e brincar com as crianças.

As duas ficaram observando a brincadeira delas por um tempo até Kyara tocar num assunto que a deixava muito curiosa.

— Você tem uma família linda... Posso fazer uma pergunta?

— Claro! Pode perguntar.

— Você é feliz com a vida que tem? Digo, está estampado na cara de vocês que são felizes, mas não se sente oprimida com as obrigações que tem como esposa e mãe? A obediência ao seu marido, talvez?

— Obediência?... Melissa olhou para Kyara tentando entender sua pergunta... – Não devo obediência a Demétrio. Acho que cada um tem seu papel a cumprir no casamento... Eu não sou exemplo porque sei que nem todos os casamentos são como o meu. Dei muita sorte me apaixonando por um homem bom e gentil, que ama a família que tem. Nem todas as mulheres têm essa sorte. Conheço algumas que sofrem com a brutalidade dos seus maridos, sendo obrigadas a se sujeitarem a humilhações, a maus tratos e sei lá mais o quê.

— Como uma pessoa pode suportar isso?... A verdadeira fraqueza está em não lutar pelos seus sonhos.

Melissa percebeu certo tom de revolta da Kyara e estranhou... – No meu casamento sempre teve diálogo, sempre conversamos sobre o que queremos, como nos sentimos, planejamos juntos como gastaremos o que ganhamos com o trabalho dele, o futuro das crianças... Não existe obediência e sim diálogo, cumplicidade, respeito. Partilhamos tudo, até nossas tarefas. Ele se ocupa com as dele e eu me ocupo com as minhas. É simples. Tudo que precisamos é do nosso amor. Esse é o nosso ingrediente secreto.

Houve um momento de silêncio e em pensamento Kyara tentava assimilar tudo que ouviu... – Nunca poderia imaginar que houvesse o outro lado dessa história. Sempre generalizei a condição submissa da mulher em relação ao homem, e agora descubro que pode existir uma convivência justa entre os dois, com respeito mútuo. Para isso é necessário existir amor verdadeiro... Amor! Essa palavra parece um feitiço secreto, muito poderoso e quem tenta desvendá-lo é aprisionado para sempre.

— Você me perguntou se eu era feliz. Como não poderia ser? Meu marido é o melhor homem do mundo. Com ele construímos uma família, que é a nossa razão de viver. Quando o conheci tinha quatorze anos. Um dia estava passando em frente ao trabalho dele, indo para o palácio. Minha irmã já trabalhava lá desde a época do regente Denetor. Demétrio era jovem, também. Tinha vinte e dois anos na época e já era o ferreiro da cavalaria de Gondor.

Disse Melissa com orgulho.

— Naquele dia havia chovido muito. Eu estava carregando umas cobertas para entregar a minha irmã no palácio e não vi um caixote no caminho. Tropecei nele e me esborrachei no chão, derrubando as cobertas na lama. Alguns cavaleiros estavam reunidos no pátio e foi uma gargalhada geral. A minha vontade foi cavar um buraco e me enterrar nele de tanta vergonha... Demétrio parou o seu trabalho e caminhou até onde eu estava. Olhou para os homens e perguntou se era essa a maneira de tratar uma dama. Estendeu a mão para mim ajudando-me a levantar e recolheu as cobertas do chão. Eu tinha aberto um corte enorme na perna por causa dos pregos e ele me colocou sentada em um banco feito de tronco, lavou as mãos e tratou do ferimento. Tenho a cicatriz até hoje.

E mostrou a marca na lateral da sua canela direita.

— Depois me pegou no colo e me levou para casa. Eu protestei dizendo que poderia caminhar, mas ele não permitiu... Era tão forte e tão bonito. Ainda é, e eu me senti uma rainha naquele dia. A partir dali, sempre levava algo para ele comer. Até que um dia, quando ofereci um pedaço de bolo, ele segurou a minha mão. Senti como se meu coração fosse sair pela boca. Ele me puxou e me beijou. Naquele beijo soube que o amaria para sempre e ele me pediu em casamento. Eu pulei no seu pescoço e disse que sim.

Por um instante Melissa interrompeu seu relato relembrando aquele dia e ficou estática com um sorriso terno no rosto. Kyara estava encantada com a história, tentando imaginar cada cena narrada.

— Minha irmã quase morreu porque sou mais nova que ela e como somos só nós duas, ela se colocou no lugar da nossa mãe. Por conta das suas preocupações, ela fez a gente esperar até eu completar dezesseis anos pelo menos, mas nunca tive dúvida do amor que sentíamos um pelo outro. Nos casamos e um ano depois Gael veio ao mundo e nossa vida só melhorou quando o rei Aragorn assumiu o trono. Ele nos ofereceu uma oportunidade de construirmos algo para nossos filhos.

Uma lágrima correu em seus olhos.

— Até tudo se perder.

— Tudo vai se resolver. Tenho certeza de que o rei Aragorn não deixará vocês desamparados.

— Fico triste pelo que aconteceu, mas não me preocupo com nosso futuro. Se ficarmos juntos conseguiremos vencer qualquer dificuldade, porque nosso amor nos dá a força que precisamos. Quando descobrimos o amor às coisas parecem fazer mais sentido... Não sei explicar. Ganham vida, não é?

— Sim, com certeza.

— Vou entrar na água um pouco. Preciso de um banho.

Melissa entrou na água com as crianças, se banhou e lavou os cabelos. Kyara estava mais confusa do que nunca.

— Hoje tenho uma pessoa com quem posso compartilhar minhas alegrias e angústias. Quando surge um problema tenho com quem dividir e se estou feliz, então a felicidade é dobrada... A melhor coisa do mundo é deitar a cabeça no peito de um homem que te ama e se preocupa com seu bem estar, sua felicidade... Disse Melissa com ares de felicidade estampado no rosto.

— Melissa, vou um instante para a caverna dar uma olhada na carne e retorno logo.

— Não, espere. Vamos todos retornar com você.

Ela saiu da água e reuniu as crianças. Trocaram de roupa e voltaram para a caverna. Chegando lá encontraram Demétrio banhando a carne com um caldo temperado que Kyara havia preparado, enquanto Legolas serrava algumas madeiras.

As crianças correram para o pai e ele se abaixou para abraçá-las. A semelhança dos meninos com Demétrio era impressionante, principalmente Gael. Já Marisla era a cara da Melissa.

— Pensei que fossem demorar mais tempo... Falou Melissa.

— Eu pensei que não fossem voltar mais. Como se sente? Estava tão pálida hoje cedo.

Ele falou abraçando-a pela cintura, passando a mão em seu rosto. Parecia um gigante perto da esposa, mas um gigante muito carinhoso, como Melissa havia dito.

Kyara olhou a carne, que já dava sinais de cozida em algumas partes e entrou na caverna para ver as batatas. Legolas entrou logo em seguida.

— E você, Kyara, como está?

— Estou bem!... Devo tê-lo assustado ontem, não foi?

Ela falou abaixada catando algumas batatas num saco encostado no canto da caverna e quando se levantou ele a segurou delicadamente pelo braço, forçando-a a olhar para ele.

— Sim, me assustou, mas prometi que não lhe faria perguntas e nem a importunaria. Só que hoje de manhã estava abatida e calada. Então, resolvi ver com meus próprios olhos se está bem.

Kyara o fitou por um instante em silêncio e pensou que ele seria como Demétrio: carinhoso e dedicado a sua esposa e filhos. Ela não pôde ignorar a preocupação sincera refletida nos olhos azuis dele.

Um clima de ternura os envolveu.

— Sei que não tem nenhuma obrigação comigo e por isso mesmo lhe sou grata por estar ao meu lado, por ser tão atencioso, mas as minhas aflições são questões que preciso resolver sozinha.

Ele, por impulso, acariciou os cabelos dela. Quando fez menção de dizer alguma coisa, Melissa entrou com Galen e Marisla. A pequena correu e se agarrou nas pernas dos dois, despertando-os do momento de carinho.

— Marisla! Venha para cá. Perdoem-nos por atrapalhar.

Melissa estava sem graça vendo que haviam interrompido um momento de intimidade dos dois. Kyara se abaixou e pegou Marisla no colo.

— Não se preocupe. Está tudo bem... E então, pequenina, é uma festa ficar acampada aqui, não é?

Ela fez uma cosquinha em Marisla, que se encolheu rindo e escondeu o rosto nos cabelos da Kyara. Legolas observou a cena com ares de admiração e se retirou, deixando Kyara curiosa sobre o que ele pretendia lhe dizer.

— Galen! Pega pra mamãe essas batatas. Vou descascá-las.

— Deixe que eu faça isso... disse Kyara, colocando Marisla no chão.

— De forma alguma. Isso eu posso fazer. Vamos para fora ver nossos maridos trabalharem... Quando ficava em casa sem ter o que fazer, arrumava uma cesta com bolo, milho cozido, frutas, geleia, pão e ia com as crianças observar Demétrio trabalhar. Às vezes ele ficava no campo preparando a terra para começar a plantar milho ou outra coisa e eu e as crianças nos arrumávamos debaixo de um carvalho, que tem próximo ao campo, para fazer um piquenique. Aqui para nós duas, adoro vê-lo fazendo esses trabalhos, que exigem muito esforço, sem camisa. Enquanto as crianças brincavam, eu ficava admirando o corpo dele... Kyara achou graça do comentário da Melissa... – Ora, vai me dizer que você já não fez o mesmo, com um marido bonito como o seu?

E Kyara pensou nas tantas vezes que se pegou admirando Legolas.

O dia passou com tranquilidade e ao fim da tarde todos estavam satisfeitos com o resultado do esforço. A carroça havia ficado pronta e trataram de arrumar a bagagem e suprimentos para a família. Ao amanhecer partiriam para o porto do rio Anduim e estimavam chegar próximo ao horário do almoço.

Conseguindo embarcar, a família passaria o restante do dia e a noite navegando, devendo chegar à cidade de Osgiliath no decorrer do dia seguinte, enquanto Legolas e Kyara terminariam o percurso a cavalo.

Naquela noite, tanto Legolas quanto Kyara passaram acordados, presos aos seus pensamentos.

A história da Melissa mostrou outra realidade a Kyara, que começou a ponderar sobre o sonho que havia tido e a possibilidade de ter uma vida feliz com o casamento. Entretanto, existia agora outra questão que deveria ser levada em conta: esse tal de amor verdadeiro.

— Como saber se o que sinto por Legolas é amor?... Um beijo revelou a Melissa o amor que ela sentia por Demétrio. Será que um beijo teria o poder de despertar esse sentimento em nós dois também? Será que Legolas me amaria o suficiente ao ponto de abrir mão da sua imortalidade, como havia dito?

Depois da conversa com Melissa, Kyara percebia, com mais clareza, uma energia diferente entre eles – Confiança, cumplicidade, amizade e preocupação.

— Há momentos em que um olhar é suficiente para nos comunicarmos... Ela sorriu com seu pensamento... – Sem sombra de dúvida que Legolas será um excelente pai e um excelente marido pelo seu jeito ponderado, carinhoso e dedicado.

De repente, Kyara sentiu Legolas se levantando e fechou os olhos fingindo dormir. Ele a olhou, pensando que ela estava dormindo e saiu sem fazer qualquer barulho.

Naquela noite era ele quem precisava de ar puro. Subiu as pedras, acima da entrada da caverna e ficou no alto escutando os sons da floresta. Era a segunda noite que não tinha estrelas e nem luar. A noite parecia refletir como o coração dele se sentia: na mais completa escuridão.

Embora ainda não soubesse o que provocou um pesadelo tão terrível, ao ponto de deixar Kyara completamente desesperada, sentiu que ela estava muito mais próxima a ele. Pela manhã pôde ver nitidamente que se ela resistia em sentir algo mais do que amizade, agora essa resistência começava a cair por terra.

Por pouco ele revelara seu amor, e, graças a Melissa, foi impedido. Na hora pareceu a oportunidade perfeita, mas, agora achava que deveria esperar um pouco mais. Revelar-se para ela poderia fazê-la recuar e, no momento, o mais acertado seria deixá-la descobrir sozinha o que sentia.

 

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O porto ficava localizado nas terras do delta, perto da foz do Anduim, entre as regiões cultiváveis mais ricas da Terra Média. No passado, o comércio pesqueiro nesse porto com terras estrangeiras foi responsável por grande parte da lendária riqueza de Gondor.

As estradas são pouco acidentadas, com grandes plantações, pastagens e trechos de campos floridos. Apesar da viagem ser agradável, para Melissa foi demasiado desgastante, que sentiu muito desconforto e já dava sinais de grande cansaço. Kyara estava muito preocupada com o estado de saúde da amiga, porque o pequeno percurso que fizeram viajando de carroça seria suficiente para colocá-la em trabalho de parto.

Estando próximos da estrada que os levariam para o porto, Legolas ouviu o som de uma cavalaria à frente seguindo na direção deles.

— Uma cavalaria vem em nossa direção. Estão nos alcançando galopando em grande velocidade... Disse Legolas.

Imediatamente levaram a carroça para dentro do bosque e os dois aguardaram armados no meio da estrada. Quando a cavalaria despontou no final do caminho, pararam de súbito. Um dos cavaleiros desmontou e caminhou para frente num passo lento.

Legolas abaixou seu arco vendo que se tratava de gente amiga.

— São os Dúnedain, os Guardiões do Norte. É a gente de Aragorn.

Logo a cavalaria os alcançou e Legolas os saudou.

— De todas as alegrias esta era a menos esperada... Disse sorridente abraçando o homem... – Kyara, este é Berethor, líder dos Dúnedain. Berethor, esta é a princesa Kyara. Ela vem de terras distantes e está aqui em uma missão muito importante.

O homem fez uma reverência para Kyara, que a retribuiu em silêncio. Berethor lembrava os guardiões de Tanusia: robusto e de porte nobre. Tinha o rosto austero, marcado como pedra desgastada, como todos de sua companhia. Exceto um, e esse único diferente desmontou e foi diretamente a Legolas e o saudou animadamente, com a mão direita em seu ombro o sacudindo com um largo sorriso no rosto.

Legolas retribuiu o gesto, visivelmente feliz, e o saudou em sua língua.

Tratava-se de Elrohir, filho do Senhor Elrond e irmão da rainha Arwen. Ele era um elfo de cabelos negros de grande beleza e gestos galantes. Sua face não era nem jovem e nem velha, e, como deveria ser com todos dessa raça, seus olhos cinza eram penetrantes, também, de uma forma tal que parecia ler os pensamentos das pessoas.

Ele deteve-se na Kyara e a saudou, também, com uma reverência, que ela retribuiu da mesma forma.

Os dois homens não disfarçavam a curiosidade e a admiração e o elfo logo quis saber se ela era portadora de alguma notícia que pudesse esclarecer o que se passava.

Legolas informou que tudo seria esclarecido na presença de Aragorn e muito teriam a discutir. Então, souberam que Gondor e as regiões vizinhas haviam sofrido ataques e o vilarejo da Encruzilhada não fora o único destruído.

Apesar de todos os acontecimentos, não tinham qualquer informação sobre seu inimigo ou suas intenções e tudo o que esperavam era por novos tempos de trevas.

Kyara, que já estava tensa, inquietou-se ainda mais com as notícias que recebeu. Uma sombra pairou sobre seu coração. A culpa que carregava por conta das vítimas do vilarejo, agora se tornava maior e mais pesada, com todas as desgraças provocadas pelo bruxo.

— Saímos de Minas Tirith esta manhã a sua procura, Legolas, e tentar investigar sobre esses ataques... Informou Elrohir... – Pelo que fomos informados, você já deveria ter chegado há dias. Estamos todos preocupados.

— Tivemos muitos imprevistos. A começar pela minha captura. Esse inimigo que vocês buscam saber me sequestrou na saída da trilha dos elfos, em Eryn Lasgalen e me manteve confinado sob tortura por dias. Depois, me abandonou à beira da morte, próximo a Lothlórien. Se a princesa não tivesse me socorrido, há essa hora já seria mais um a esperar nos salões de Mandos.

Elrohir a encarou e percebeu sua angústia.

— Então, mellon-nin¹, és um afortunado. Recebeu ajuda em um momento de maior necessidade e por mãos tão graciosas capazes de salvar e tirar vidas, pelo que vejo... Dirigindo-se a Kyara, Elrohir perguntou... – Ainda que não caminhe de mãos vazias sinto uma inquietação em seu coração. Se me permite a pergunta, princesa, o que a aflige?

Kyara o fitou nos olhos com o semblante entristecido.

— Tudo. Todo esse infortúnio. Nada disso deveria estar acontecendo... E se me permitem cavalheiros, temos um assunto urgente a tratar. Estamos perdendo tempo parados no meio do caminho. Temos conosco uma família sobrevivente ao ataque do vilarejo da Encruzilhada precisando de ajuda.

Kyara explicou a situação que se encontravam e logo seguiram viagem para o porto, escoltados pelos guardiões e o elfo. Lá conseguiram embarcar Demétrio e sua família. No decorrer do dia seguinte um transporte os levaria a cidade de Minas Tirith.

Legolas e Kyara preparavam os cavalos para seguir viagem com a cavalaria e previam chegar ao fim da tarde daquele mesmo dia. Enquanto aguardavam o ferreiro ajustar as ferraduras dos cavalos, conversaram reservadamente.

— Depois de tantos acontecimentos, finalmente estamos chegando. Está pronta?

— Sim, mais do que pronta... Kyara segurou a mão de Legolas... – Estou tensa! Confesso que temo pela forma como serei recebida. O sucesso da minha jornada depende disso.

Legolas segurou os ombros dela, olhando-a diretamente nos olhos.

— Aragorn a receberá de braços abertos e será grato por estar ao seu lado para combater esse bruxo, que pretende destruir tudo que conquistamos com tanto sacrifício. Confie!

— Você sabe mesmo como incentivar uma pessoa. Obrigada!... Já disse que posso enfrentar qualquer coisa sem medo se você estiver ao meu lado, não disse?... E ela abaixou a cabeça... – Mas, você ouviu o irmão da rainha: “... as mãos graciosas, que salvam e tiram vidas...”.

— Sim! É fato que todos se surpreenderão com você, mas isso não significa que a rejeitarão. Fique calma!... Ele ergueu o queixo dela para fitar seu rosto... – Tudo ficará bem e vou estar ao seu lado, sempre. Não importa o que você tenha que enfrentar.

Ela suspirou e sorriu sentindo seu coração mais calmo com a paz e a segurança que Legolas lhe transmitia. Ele deslizou o polegar sobre o queixo dela, que, desta vez, não temeu e nem recuou, desejando que ele fizesse o que ela não permitiu no acampamento de Parth Galen.

Os poucos segundos que ficaram envolvidos nesse encantamento foram suficientes para esquecerem tudo ao redor. Até serem interrompidos pela aproximação de Berethor e Elrohir, que de imediato viram uma aproximação suspeita e uma atmosfera diferente entre os dois, mas, numa rápida troca de olhares, os cavaleiros entenderam que nada comentariam e mantiveram a discrição.

— Legolas!... Os cavalos estão prontos... Pronunciou-se Berethor.

— Bem, agora podemos partir... Respondeu Legolas sorridente.

E partiram uma disparada louca sem paradas até a chegada a Minas Tirith.


Notas Finais


(1) Mellon-nin - Meu Amigo!

Agora sim, Kyara vê que a luz no final do túnel não é um trem. Isso significa que nem tudo está perdido. Bom para Legolas que já sacou as mudanças no comportamento da amada. Esse elfo é... o máximo! Mas, a Kyara tem outro dilema - Esse tal de amor verdadeiro, que parece um feitiço poderoso e quando se tenta desvendá-lo fica aprisionado para sempre. Hum! Não é que ela está certa.
Próximo capítulo MinasTirith e não vejo a hora de chegarmos a cidade com eles. Preparem seus corações! Fortes emoções estão a caminho...
Beijocas em todos. Espero vocês nos comentários.


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