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História A Força do Amor - Esqueça-me


Escrita por: Indis_Imladris

Notas do Autor


Com foram de festas, queridos leitores? Espero que todos tenham aproveitado bastante e estejam confiantes para um ano melhor, repleto de realizações, com a benção de Deus.

Preparados para mais emoção?... O capítulo anterior foi muito triste. Não sei se esse será mais leve. Vamos ver... Boa leitura!

Capítulo 17 - Esqueça-me


O pranto parecia não ter fim. Demétrio estava inconsolável. Como Aragorn havia refletido: nenhum pai deveria passar pela dor de perder um filho. Arwen se lamentava como se fosse ela a perder o filho. Uma dor profunda lhe pesava a alma.

Quando nada mais poderia ser feito, o choro estridente da criança dentro da casa, inesperadamente, pôde ser ouvido. Foi como se um bálsamo caísse sobre uma ferida e levasse embora todo o sofrimento e toda a dor.

Kyara abraçou aquele corpinho frágil e indefeso, apertando-a contra o peito. Enrolou-a num pano e entregou-a as parteiras para que terminassem de limpá-la e a levassem até a família. Ela permaneceu no quarto para continuar a operação.

Terminado os procedimentos para a retirada da placenta, abriu uma pequena caixa de madeira com diversos fios, prende-os em uma agulha torta e começou a costurar a carne.

Enquanto todos faziam festa do lado de fora, Kyara se concentrava na sua tarefa lenta no quarto com Melissa, num completo silêncio, transpassando os fios na carne, pacientemente, amarrando-os em pequenos pontos até fechar o corte totalmente. Limpou o ferimento com muito cuidado e passou, logo em seguida, o mesmo emplastro que usou nos ferimentos de Legolas.

Ela chamou as parteiras para que ajudassem a enfaixar e vestir a Melissa. Ajeitou tudo no quarto, lavou seus instrumentos, limpou-se e saiu ao encontro dos demais, retirando o avental ensanguentado. Quando Demétrio a viu chegando à varanda correu ao seu encontro e a abraçou forte.

Ele chorava feito criança de tanta felicidade. Quem poderia condená-lo? Kyara mesmo fazia um esforço enorme para não desabar em prantos.

- Você salvou a vida da minha filhinha e da minha esposa... Nunca poderei agradecer o suficiente.

- Não precisa agradecer Demétrio.

Ela olhou para os demais com os olhos marejados e Michelle mostrou a criança para que a pegasse no colo. Kyara caminhou lentamente na sua direção e segurou a criança, com muito cuidado, encostando o rosto na cabecinha dela, embalando-a. Não suportando mais chorou, emocionada, levando lágrimas aos olhos de todos que assistiam a cena.

Jamais imaginariam que seu choro não era somente de felicidade pela vida da criança que tinha nos braços. Suas lágrimas eram principalmente pelo significado que aquela vida representava para ela naquele momento. E esse despertar lhe exigiria uma decisão muito difícil.

- Você é um bebezinho muito forte e valente. Crescerá cheia de vida e trará muitas alegrias para sua família. Ouviu?

Ela falou com voz embargada, olhando o rostinho miúdo, que começava a se inquietar.

- Conseguiu a ama de leite?... Perguntou Kyara a irmã da Melissa.

- Sim... Esta é minha amiga, Freeda. Ela tem um bebê de quatro meses e poderá amamentar a criança até Melissa se recuperar.

A moça pegou a criança, que começava a reclamar de fome e dirigiu-se a casa acompanhada de Michelle, para amamentá-la.

- Posso ver minha esposa?... Perguntou Demétrio.

- Todos podem vê-la, mas ela está dormindo. Só vai acordar amanhã, provavelmente.

Demétrio e as crianças entraram na casa, também. Arwen abraçou Kyara e as duas permaneceram assim em silêncio por um instante.

- Você é mesmo impressionante... Disse Arwen ainda abraçada a Kyara... – Estava certa de que a criança estava morta. Não sei como teve tanto sangue frio em permanecer ali e não desistir. Eu mesma já estava com o coração aos pedaços.

- Se eu te disser que também estava completamente desesperada você acreditaria?

Kyara afastou-se para observar a rainha e as duas começaram a rir.

- Aliás, parabéns majestade! Demonstrou muita coragem. Não é todo mundo que tem estômago para suportar uma operação.

- Confesso que foi minha primeira vez.

Aragorn abraçou a cintura da esposa, sorrindo.

- Vocês duas estão de parabéns, então. Kyara nem preciso lhe dizer como foi maravilhosa salvando a vida dessa moça e da criança. Conheço Demétrio desde minha coroação. Ele tem um coração de ouro. Saber que agora está tudo bem é um grande alívio.

- Minha senhora!... Pronunciou-se Gimli para Kyara... – És realmente uma dama de valor incalculável... E fez uma reverência... – Saiba que tem minha admiração, meu respeito e minha amizade.

Kyara sentiu os olhos marejarem mais uma vez, comovida com as palavras do anão.

- Mestre Gimli! Agradeço suas palavras e também quero que saiba que são recíprocos os sentimentos e o quanto é importante para mim sua amizade.

Dito isso ela o abraçou e o beijou no rosto, deixando-o rubro de vergonha.

- Kyara não o bajule muito, porque depois ninguém o suportará.

Falou Legolas provocando Gimli e todos riram.

- Será que posso cumprimentá-la, também?... Perguntou Legolas.

Aragorn tratou logo de deixá-los a sós.

- Acho que agora poderemos nos retirar, não é mesmo? Tenho providências a tomar.

Todos se retiraram, deixando os dois a sós no pomar. Legolas segurou a mão dela e a beijou enquanto Kyara mantinha os olhos fixos no chão.

- Você tem mãos mágicas... Dizendo isso a abraçou... – Depois de tudo o que aconteceu ainda assim não se sente feliz?

- Não pareço estar?... Kyara fitou o rosto de Legolas pela primeira vez.

- Conheço seu olhar, o seu jeito... Será o mesmo assunto de ontem que a angustia tanto?

Kyara acariciou o rosto dele, desenhando o contorno dos olhos, as sobrancelhas, o nariz e a boca. Queria deixar impresso na memória cada detalhe para que o tempo não apagasse sua imagem. Legolas suspirou percebendo que ela ainda permanecia irredutível quanto a sua ideia de partir.

- Não me deixe. Minha vida agora só tem sentido se tenho você comigo... Cada vez mais quero voltar com você para a floresta. Quero voltar ao momento em que acordei naquela caverna e a vi diante de mim vestida de branco. Eu quero você nos meus braços novamente, quero sua ira, sua canção, seu sorriso, seus cuidados... Eu quero qualquer coisa que puder me conceder. Deixe-me viver para você.

As lágrimas dela molhavam seu vestido e cada palavra dita por ele feria seu coração, como uma punhalada. Legolas segurou o rosto dela com as duas mãos e a beijou, experimentando o gosto salgado das lágrimas, que escorriam pela face e lábios.

Ela correspondeu ao beijo, recebendo dos lábios dele o bálsamo para a dor que trazia no peito e deixou-se ficar entregue sabendo que, no momento em que se separassem, seria para sempre.

Depois do beijo, Legolas a fitou mais uma vez vendo nos olhos dela a dor da despedida e permitiu que ela deixasse os seus braços, pressentindo esse momento.

- Passei pela pior noite da minha vida pensando em tudo o que aconteceu... Imaginei que assumindo o lugar de Gahya, eu teria poderes para voltar aqui... Encontraria um meio de ficarmos juntos mesmo sendo raros os nossos encontros, se você ainda assim me quisesse e aceitasse essa condição.

Ela parou de falar, empertigando-se e olhou para ele séria.

- Só que eu não posso.

Sua voz saiu profunda e decidida.

- Kyara, eu aceitaria qualquer coisa, qualquer coisa... Disse Legolas ansioso... – Esperaria pela eternidade só para ter mais um momento com você.

- Você sabe que assumindo o lugar dela eu seria agraciada com a imortalidade, também. Ao menos, enquanto eu fosse a Senhora da Magia... Com o tempo, seria inevitável uma gravidez, mesmo nossos encontros sendo breves. Mas... Ela abaixou a cabeça deixando as lágrimas caírem mais uma vez... – Eu não poderia criar meu filho. Acabaria obrigada a entregá-lo a você. Eu mal o amamentaria nos primeiros meses de vida... Eu não posso Legolas. Essa criança que acaba de nascer me mostrou que eu não conseguiria me separar do meu filho.

Kyara não suportou o esforço de se manter firme e chorou. Ele fez menção de tocá-la, mas ela não permitiu afastando-se. Engolindo seco, suspirou mais uma vez para criar coragem e continuou a falar tentando secar o rosto lavado de lágrimas com as mangas do vestido.

- Para não passar por esse sofrimento prefiro ir embora... para sempre. Vou sofrer sim e muito... Mas, tormento maior seria saber que meu filho viveria longe de mim... Não espero que você entenda a minha decisão. Eu não exigiria isso de você.

Legolas estava atônito... – Então eu vou com você. Viverei no seu mundo.

- Não faria diferença alguma já que meu filho não viveria comigo em Tiria.

Os dois se calaram com a dor estampada no semblante de cada um. Kyara deu as costas a Legolas tentando manter-se firme na sua decisão. Ele, por outro lado, não sabia que argumentos usar para convencê-la do contrário.

- Você pode encontrar outro amor que lhe dará tudo o que eu não posso. Você ainda pode ser feliz, Legolas. A única forma é você seguir a sua vida e me esquecer.

- Está me mandando embora da sua vida? Quer que eu a esqueça?... Ele riu nervoso... – Como se isso fosse possível. Eu não posso arrancá-la do meu coração... Eu não posso.

Legolas a segurou fazendo-a olhar nos olhos dele.

- Você é tudo pra mim. Eu te imploro, não vá embora. Vamos fugir, vamos desaparecer no mundo... E respirou fundo, tentando se acalmar... – Você não precisa seguir adiante com esse compromisso. Não percebe que ela a mandou para um desafio?... Kyara! Admita que nossas vidas serão destruídas se você se for, porque acredito que nosso amor é eterno. Quem pode garantir se o que aquele bruxo disse foi verdade? Isso tudo pode ser um artifício para fazê-la se prender a essa magia maldita... Que tipo de vida você imagina ter quando voltar?

- Quem está falando de vida, Legolas?... Como posso pensar em vida se os meus dias serão de tristeza e solidão. Seja como for, eu não posso ser egoísta, não posso arriscar... Mas, você não precisa viver esse sofrimento. Por isso quero que me deixe e vá embora enquanto há tempo.

Ela começou a se afastar dele devagar.

- Vá embora!... Você me disse que os elfos só amam uma vez na vida, mas... eu sei que pode haver outra pessoa para amá-lo. Nós não estamos unidos de fato. Tudo que tivemos foram... Beijos e juras de amor, nada mais. Por isso digo para ir embora... Esqueça-me. Odeie-me se for mais fácil para você. Não me importo desde que você siga em frente.

Ele avançou na direção dela e a segurou pelo braço mais uma vez.

- Se realmente me ama, então entende meu desespero. Não pode ser tão fria me pedindo, simplesmente, para deixá-la.

Ela puxou o braço com força... – Posso sim. Vá embora. Esqueça essa guerra, esqueça tudo. Encontre outra pessoa que o ajude a esquecer.

E Kyara correu para dentro da casa.

 

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Kyara ficou boa parte do dia com a família de Demétrio. Arwen dispensou o trabalho da Michelle para que pudesse cuidar da irmã e Kyara deixou com ela todas as instruções sobre o tratamento que seria necessário para Melissa, recomendando que mandassem chamá-la quando a paciente acordasse, não importando a hora. Com tudo acertado, Kyara retornou para o palácio no final da tarde.

Circulou pelas dependências e somente encontrou os criados. Kyara respirou aliviada. Sentia-se infeliz demais para papear com alguém. Dirigiu-se ao jardim e sentou-se ao lado da fonte.

Seu corpo parecia anestesiado de tanta angústia. Quanto mais pensava em tudo que havia ocorrido, se convencia de que era o mais certo a fazer. Só precisava convencer seu coração teimoso e dolorido demais com a decisão tomada.

- Seus olhos transmitem tanta tristeza e ainda assim são tão belos... Só a sua presença alegra este jardim, que parece fazer parte de você.

Kyara voltou-se assustada com aquela voz masculina falando às suas costas e deparou-se com Éomer. Ele caminhou na sua direção e no caminho colheu uma rosa vermelha. Ao parar diante dela colocou a flor em seu cabelo, prendendo-a atrás da orelha. Kyara ficou muda, sem ação.

- Vejo que chorou. As notícias que recebi foram felizes demais para sua tristeza.

Dizendo isso Éomer passou o polegar sobre a marca deixada por uma lágrima.

- És maravilhosa! Perfeita!... Um presente muito delicado dos deuses para merecer qualquer sofrimento.

Engolindo seco, Kyara se manifestou encabulada.

- Não sou perfeita... Apenas uma mortal que sofre como qualquer um.

- E isso é um pecado. Precisa ter alguém ao seu lado que a faça feliz... Que a faça sorrir.

Kyara encolheu-se preocupada com as palavras do rei e fez menção de se retirar, mas Éomer segurou sua mão.

- A felicidade pode estar ao seu lado, princesa.

Kyara viu o desejo impresso nos olhos do rei e temeu que ele tomasse alguma atitude indesejada. Éomer se aproximou ainda mais e levou as mãos dela aos lábios. Kyara o encarava temerosa, tentando encontrar uma forma diplomática para sair daquela situação. Ele a devorava com os olhos. Estava claro qual seria seu próximo movimento. Ao tentar protestar sobre qualquer investida, Kyara sentiu-se presa pelos braços daquele homem que colava seus lábios nos dela com certa brutalidade. De olhos arregalados ela travava a boca não permitindo que ele a invadisse com a língua.

Uma situação no mínimo constrangedora.

Um vulto na sacada de uma das varandas no segundo andar do castelo chamou a atenção dela e logo olhou para o alto. Seu coração gelou ao avistar Legolas observando a cena impassível, com o semblante endurecido.

Ela tentou se afastar de Éomer, pensando em ir ao encontro dele. O rei foi mais esperto se aproveitando da distração dela para abraçá-la mais forte aprofundando o beijo. Com os braços do rei, que mais pareciam duas toras a envolvendo, ela pouco pode fazer para se safar. Sentiu a língua dele invadir sua boca, possessivo, lascivo. Éomer se deliciava com a oportunidade e tratava de aproveitar a intimidade que conseguira com a mulher que despertara seus desejos mais secretos. 

Aos olhos de quem assistia a cena, os esforços dela em tentar se desvencilhar mais parecia alguém que se entregava ao momento romântico. Para Éomer aquela era a oportunidade de aguçar a curiosidade da mulher sobre sua virilidade. Para Kyara a situação era desesperadora. Logo que ela conseguiu se livrar olhou imediatamente para Legolas que lhe deu às costas e se retirou. Foi o que bastou.

Atordoada e ofegante ela deu um passo atrás tentando se afastar. Segurando a barra do vestido fez menção de correr em direção às escadarias do salão.

- Kyara! Espere!

Éomer tentou segurar o braço dela para impedi-la de correr, mas desta vez ela foi mais rápida.

Procurou por Legolas onde foi possível e não o encontrou, nem soube notícias. Por fim, achou melhor deixar as coisas como estavam. Por ciúmes, Legolas talvez a rejeitasse e seguisse seu conselho.

Esgotada e infeliz foi direto para seu quarto.

Arwen a chamou para o jantar, mas ela recusou o convite, alegando cansaço. A rainha estranhou seu semblante muito abatido, mas respeitou entendendo que havia sido um dia agitado e se retirou. Embora estivesse realmente sem fome precisava, acima de tudo, evitar se encontrar com Legolas.

Sempre atenciosa, Arwen mandou que levassem uma bandeja com sopa, frutas, carne assada, legumes cozidos, pão e queijo, mas Kyara não tocou a comida.

Retirou os sapatos e deitou-se na cama do jeito que estava, chorando no escuro. Havia feito sua escolha e não poderia mais voltar atrás. Só restava agora suportar a dor que dilacerava seu peito e lhe apertava a garganta querendo lhe estrangular.

Não queria estar ali, não queria fazer parte daquela realidade que tanto a torturava. De tanto que chorou acabou adormecendo, mas seu sono foi inquieto, aflito, com imagens e palavras povoando sua cabeça. O medo e a angústia tomavam conta da sua alma até que acordou assustada com a sensação de que caía num poço escuro e sem fim.

Os primeiros raios de sol atravessavam as cortinas e outro dia surgia.

Ela se levantou tonta, com muita dor de cabeça, sentindo os olhos inchados.

A sensação de sufocamento somente fez piorar e desejou, desesperadamente, sair daquele quarto, daquele castelo. Desceu descalça as escadas e correu para a entrada do palácio indo em direção ao pátio de pedra, debruçando-se sobre o parapeito.

Olhou a imensidão da planície, as montanhas de Mordor, o céu azul. Girou o corpo em volta sentindo o ar frio da manhã sem saber para onde ir ou o que fazer.

Nada a fazia se sentir melhor.

Caminhou cambaleante para a Árvore Branca e a abraçou forte pedindo forças. De repente ouviu a voz de Aragorn.

- O que houve Kyara? A guarda do palácio me informou que você estava aqui fora e quando chego vejo você correr pelo pátio e se agarrar a árvore, como se corresse perigo... Sente-se bem?

Ela olhou para ele com vontade de morrer. Sentou-se no chão muda, sem lágrimas e sem forças, num estado catatônico. Ele se abaixou ao lado dela e levantou seu rosto, então soube que ela havia chorado, provavelmente, a noite inteira. Ele a levantou e a abraçou e os dois caminharam de volta para o castelo. Arwen veio rápido ao encontro dos dois, assustada por vê-la desnorteada e os acompanhou até o quarto da Kyara. Chamou uma das criadas pedindo que preparasse um banho quente para ela e a deitaram na cama. Aragorn se retirou e as duas ficaram sozinhas.

- O que aconteceu com você, Kyara?... Arwen falava enquanto retirava suas roupas. A camareira entrou com água quente e preparou o banho, retirando-se em seguida. Ela conduziu Kyara até a banheira e a ajudou a entrar... – Se você dissesse o que a aflige tanto, talvez pudesse fazê-la se sentir melhor... Arwen sentou-se ao lado da banheira jogando água nos cabelos da Kyara e ela chorou novamente... – Isso minha amiga. Chore tudo o que você puder. Não tenha vergonha... Se não quer ou não pode falar, então chore.

Por alguns minutos ela seguiu o conselho da rainha, mas nada disse. Por fim, Arwen se retirou deixando Kyara sozinha na sala de banho com seus pensamentos.

- Preciso reagir e superar isso. Não posso me dar ao luxo de ficar parada no tempo amargando essa dor. Tenho obrigações e as pessoas contam comigo.

Ela terminou seu banho e encontrou a rainha sentada em uma das cadeiras em frente à lareira. Em cima da cama havia uma roupa que ela havia escolhido para Kyara vestir: a calça de malha vermelha e a blusa branca que havia usado quando ela e Legolas acamparam na floresta de Parth Galen. Kyara tocou a roupa, lembrando-se daqueles olhos azuis admirando-a. Olhou o dedo, cuja unha já crescia, e os acontecimentos daqueles dias lhe vieram à mente: seus corpos nus e aquecidos, o momento que acordou na lapa, o carinho dele. Ali o amor já os envolvia em um véu de ternura.

Ela suspirou entristecida. De agora em diante sua vida seria apenas lembranças.

Vestiu-se, calçou as botas, prendeu o corpete e trançou os cabelos. Abriu outro baú e apanhou sua espada. Segurou-a com força fazendo alguns movimentos com ela. Depois passou a mão nas inscrições da espada e a guardou novamente.

- Vejo que está com outra expressão no olhar. Sabia que se sentiria melhor se não usasse vestido hoje.

- Por quê? O que tem os vestidos?

- Sei que precisava de algo que a fizesse se sentir forte.

Kyara deu um sorriso... – Está ótimo. Dá próxima vez que enfraquecer vestirei calça... Ela abraçou Arwen... – Obrigada! Precisava disso.

- De calça?... As duas riram... – Se quiser conversar sobre o que houve estarei bem aqui pronta para ouvi-la... Mas se não quiser falar estarei aqui mesmo assim... Disse Arwen sorrindo... – Vamos descer e tomar o desjejum. Aragorn deve estar nos esperando.

Desceram as escadas e foram para o salão de refeições. Lá encontraram Aragorn na porta da varanda, que sorriu quando as duas entraram.

- Pensei que morreria de fome... Ele se dirigiu para Kyara segurando sua mão... – Como se sente?

- Respirando.

- Isso é muito bom. Sinal de que está viva e se há vida, há esperança.

- Seremos somente nós três para o café da manhã?... Ela perguntou querendo saber de Legolas.

Aragorn respondeu... – Sim. Éomer retornou a Rohan com Gimli. Vão se preparar para a guerra. Elladan e Elrohir estão levando uma mensagem minha a alguns povos da região... Ele não mencionou Legolas de propósito para ver a reação dela... – Glorfindel está com os guerreiros de Valfenda. Todos se organizam, porque logo marcharemos.

Kyara ficou quieta sem saber se deveria perguntar por Legolas.

Que importância tem? Ele não pode mais fazer parte da minha vida e tenho que me conformar com isso.

O café foi servido e os três comeram em silêncio até que ela não aguentou mais... – Você não mencionou Legolas.

- Não?... Bom, ele deveria estar aqui, mas no final da tarde de ontem pegou seu cavalo e partiu. Estava transtornado. Acho que precisava se afastar um pouco para se acalmar, pensar, talvez... Você sabe por que ele estava assim tão transtornado?

Kyara olhou para Aragorn com tristeza nos olhos... – Acho melhor você perguntar a ele quando voltar.

- Esta é a questão... Temo que ele não volte.

Aragorn proferiu as palavras com um semblante inexpressivo e Kyara sentiu um arrepio na espinha, como se aquelas palavras fossem um mau presságio. Neste momento entrou Michelle no salão informando que Melissa havia acordado.

- Peço licença para me retirar. Preciso ver minha paciente.

 

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Legolas cavalgou por algumas horas às cegas até chegar a uma das fontes de Henneth Annûn, a mais bela de todas as cachoeiras de Ithílien. A região era guardada por arqueiros de Faramir, que se mantiveram ocultos, observando a chegada solitária, trôpega e encurvada de Legolas, arrastando as correias de Arod.

Diante das águas geladas de uma das fontes, ele caiu de joelhos, abatido, com o coração dilacerado e torturado pela lembrança da visão daquela que seria o amor da sua vida abandonando-o a própria sorte ao dar-lhe às costas. Para completar sua tortura caiu num precipício sem fim quando viu, da sacada da varando do seu quarto, Éomer e Kyara juntos no jardim.

- Como poderia estar tão enganado sobre o amor que refletia nos olhos dela na noite em que nos beijamos?... Os edain viviam o amor de forma diferente dos elfos. Eles poderiam amar mais de uma pessoa ao longo da vida, mas não é possível que eu estivesse tão cego para a verdade?... Fui preterido para vê-la nos braços de outro.

Tudo o que ouvira a vida inteira sobre a impossibilidade de um amor entre uma edain e um eldar, provara ser verdade. Jamais amariam da mesma forma. Agora ele fora condenado por não seguir os preceitos do seu povo, ainda mais sendo ela uma mortal que se quer pertencia ao seu mundo.

As imagens dos dois no jantar envolvidos numa conversa muito animada, as palavras de Éomer, tão seguras, deixando claro que a conquistaria a todo custo, a forma como ela descartou o sentimento que poderia nutrir por ele, com tanto desprendimento... Os dois aos beijos no jardim.

Éomer é da raça dela. Talvez seja difícil para ela aceitar um homem de outra raça, principalmente um elfo... Quem sabe sua resignação ao trono de Tiria seja apenas uma desculpa para dispensar-me. Com a minha partida ficaria fácil resolver essa pendência já que eu não estaria por perto para contestar nada... Contestar! Quem pensa que é elfo tolo, se achando no direito de contestar alguma coisa?

Permitiu que o amor deturpasse sua capacidade de percepção. Agora a única coisa que permanecia ecoando em sua mente eram seus pensamentos relembrando a voz dela o mandando embora, o apunhalando da forma mais cruel para se agarrar a outro.

Sufocado pela dor e pelo desespero, Legolas chorou.

O tempo passou e ele permaneceu imóvel alheio a tudo ao redor sofrendo uma tortura lenta queimando-lhe o peito. A lua já ia alta quando dormiu exausto um sono semelhante à queda num precipício de sombras. Pesadelos tortuosos e desesperados atormentavam sua mente e, ao acordar, estava frio como pedra, com o coração arisco e abandonado.

Viu as sentinelas do reino de pé diante de si e nada falou.

]- Majestade! Passaste a noite ao relento, entretanto, não ousamos nos aproximar, porque percebemos sua angústia e certamente queria ficar só. Agora já se fez dia e estamos aqui para levá-lo ao palácio. O príncipe Faramir o aguarda.

Legolas se deixou conduzir para o castelo e encontrou-se com Faramir e sua esposa. Ele os acompanhou no desjejum, embora não quisesse comer nada. Preocuparam-se com o quanto Legolas estava calado com o olhar perdido, sem entenderem o motivo.

Desse modo, Legolas começou seu pagamento de dor que o levaria a ruína, condenado pelo destino.

Ele nada disse e seus anfitriões não souberam como poderiam ajudá-lo. Éowyn o levou para o jardim do palácio e ali permitiu que ficasse com seus pensamentos.

Pouco tempo depois foi chamado à presença de Faramir em seu gabinete e encontrou-se com Elladan e Elrohir, que se preocuparam com sua aparência ao perceberem seus olhos sem vida, caminhando encurvado com uma sombra de amargura no semblante pálido.

- Estamos convocando os governantes para a reunião do conselho em Minas Tirith. Iremos à guerra e ao encontro do nosso destino... Declarou Elrohir.

- Então eu os acompanharei... Respondeu Legolas.

Agradecendo a acolhida de Faramir, partiu Legolas em companhia dos filhos de Elrond e seguiram para Dol Amroth. Durante a viagem, Legolas permaneceu calado. Por mais que tentassem saber, mesmo acautelando-se com a abordagem, Legolas manteve-se taciturno.

Reuniram-se com o príncipe Imrahil e relataram todo o ocorrido. Em alguns dias o conselho se reuniria para traçar seus planos de guerra.

No retorno a Minas Tirith, Legolas tomou uma decisão.

- Vou partir.

- Como assim, vai partir... Para onde?... Perguntou Elladan.

- Seguirei meu destino.

- E qual é seu destino, meu amigo?... Insistiu Elladan.

- Qual é o destino de um elfo sem alma?... Eu já estou morto, seco por dentro. Tudo que preciso agora é encontrar um enterro digno para minha carcaça... Não tentem entender... Não conseguiriam. A pior das torturas ainda é um alívio, porque traria morte mais rápida a que estou condenado. No entanto, se terei que vagar como uma sombra pelo mundo, então darei fim a esse sofrimento logo.

 

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Os dias passaram e Kyara se dividia em cuidar de Melissa, plantar algumas ervas numa parte do jardim, a pedido da Arwen e perambular pelo castelo pensando em Legolas. Às vezes cavalgava um pouco pelas planícies de Pelennor, para que Athos se exercitasse e não voltou mais ao pátio de treinos.

A saudade que sentia era insuportável e tornava-se ainda pior porque era uma dor sem remédio, vinda de uma situação que não tinha solução. Kyara começava a perceber que não aguentaria essa tortura quando retornasse para Tiria.  

Tudo que a cercava não tinha mais colorido, o que comia não tinha sabor. Seu cavalo Athos sentia sua tristeza. Ele se aproximava, acariciando o rosto dela e seus cabelos com o focinho, querendo confortá-la.

Os jardins do palácio pareciam absorver a tristeza dela e, aos poucos, morriam secos não importando o quanto fossem regados. Era exatamente assim como ela se sentia: sem vida. A música calou, seu sorriso se apagou, as noites tornaram-se trevas e seus amigos assistiam sua tristeza sem poderem fazer nada.

Dez dias haviam se passado e os comandantes chegavam aos poucos para a última reunião do conselho. Kyara estava sentada na fonte relembrando o beijo com Legolas quando Aragorn se aproximou.

- Como vai?

- Respirando, acho.

- Toda à tarde você vem para cá e fica horas aqui com o olhar perdido... Busca na memória algo que perdeu?... Ela nada respondeu... – Sei que está sofrendo e gostaria de ajudá-la.

- Eu estou bem. Gosto de ficar aqui conversando com as plantas.

- Ah! Então é por isso que o jardim está morrendo. Ele se compadece da sua tristeza.

- Morrendo?

- Você não é uma encantadora de florestas? Então, entende disso melhor do que eu.

Pela primeira vez ela olhou em volta, desta vez prestando a atenção no jardim e se assustou com a aparência do lugar.

- Não sei ao certo o que aconteceu entre você e Legolas no dia que a filha de Demétrio nasceu, mas o meu amigo partiu daqui naquela tarde completamente desesperado. Pegou Arod no estábulo e saiu em disparada pelas planícies de Gondor. Eu tentei falar com ele, mas não me ouviu. Estou esperando que tenha se encontrado com Elladan e Elrohir e retorne amanhã no decorrer do dia.

Ela permaneceu de cabeça baixa ouvindo o que ele dizia e a notícia da possibilidade de poder rever Legolas fez o coração dela bater acelerado e sua expressão de contida euforia alegrou Aragorn.

- Sabia que essa notícia seria importante para você.

Vendo o jardim morrendo aos poucos ela teve a certeza de que não poderia partir não importando o quanto sua mentora esperasse por isso. Estava claro que sua infelicidade sugaria sua vida e levaria consigo a ilha de Tiria. Não sabia como resolveria essa questão, por sinal de extrema importância, mas de que adiantaria retornar? Nunca poderia imaginar que algo assim fosse possível. Assim como a natureza reagia prosperamente com seu encantamento, da mesma forma se consumia diante da sua dor.

- Aragorn, obrigada! Sei que não entende o que está acontecendo, mas você me fez ver que eu não posso partir...  Simplesmente não posso.

- Percebo que esses dias que estiveram afastados um do outro foram muito importantes... Somente o tempo é capaz de amenizar as inquietudes da vida e entender um grande amor.

- Arwen me disse que o destino age de forma estranha e inesperada em nossas vidas e essa é uma das maiores verdades que já ouvi.

Nesta hora, o som de um falcão cruzando o céu a caça de alguma presa chamou a atenção dos dois e Kyara o atraiu. Ele desceu, como uma flecha pousando suavemente na borda da fonte. Ela estendeu o braço, enrolando a manga do vestido para não se ferir com as garras da ave e o falcão subiu.

- É um falcão peregrino. É capaz de voar grandes distâncias a procura de calor e local seguro para reproduzir. A violência e precisão com que ataca suas presas são impressionantes o que se assemelha muito ao amor... Não tem fronteiras e do nada você é apanhado por ele sem nenhuma chance de escapatória. Quando se dá conta já é tarde.

Ela fez um carinho na barriga da ave e a mandou embora. O Falcão bateu as asas sumindo no horizonte.

- Agora estou certa de que preciso viver meu amor, livremente. E não existe outra forma de encontrar felicidade se não ficando... Ela suspirou profundamente... – Eu disse a Legolas que estava condenada a morrer de tristeza, mas não nos damos conta da força que tem as palavras, não é? Se eu voltar para Tanusia morrerei só e infeliz e a magia da minha terra morrerá comigo.

- Não sabe o quanto fico feliz por ouvir isso. Se você partisse eu teria a infelicidade de ver meu amigo definhar até morrer de tristeza. Os elfos não morrem de velhice e se mantêm sempre jovens, entretanto podem morrer de doença ou ferimento. E esse ferimento pode ser no corpo ou na alma. Se um elfo sofre de uma profunda tristeza ou um grande trauma, ele perde, aos poucos, sua energia vital e morre. O desgosto de te perder lhe tiraria a vida, porque você, Kyara, se tornou a vida dele.

 Ela arregalou os olhos. Tanto Legolas a havia alertado a respeito e somente agora entendia as consequências da sua partida nas palavras de Aragorn. Assustada, ela o abraçou.

- Obrigada por conversar comigo e me ajudar a ver as coisas com clareza. Agora sei o que fazer.

- Fico feliz... Desde que chegou aqui senti uma energia muito boa em você e logo percebi que era especial. Hoje sei que se fosse embora nós também ficaríamos tristes, porque a temos como nossa amiga.

- Também senti isso quando cheguei e nem sei mais como faria para voltar. A maneira como me acolheram... Os dois começaram a caminhar pelo jardim em silêncio... – Uma vez usei uma ave dessas em Tanusia para mandar uma mensagem ao meu irmão... Se um dia você vê uma ave pousada em sua varanda veja se ela não carrega consigo alguma mensagem.

- O falcão?... Claro! Eu ficarei atento.


Notas Finais


Que alívio, não? Saber que a criança sobrevivera foi muito bom, mas nosso casal ainda não conseguiu se entender de vez. Quando pensamos que tudo ficaria bem, tudo ficou mal.

Não vamos nos descabelar. Se há vida, há esperança. Sábio esse Aragorn.

Eu havia dito há alguns capítulos atrás que a gente entraria num ritmo frenético de acontecimentos. Como prometido, a cada capítulo uma novidade e emoção não tem faltado. Preparem seus corações! O próximo capítulo vai ser de ARRASAR O QUARTEIRÃO. Falo com vocês nos comentários. Vejo que novos leitores favoritaram. Sejam bem-vindos a FIC. Comentem!


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