História A Garota Dos Olhos Não Azuis - Você não gosta de seus vizinhos.

 2016, 3 de abril – Cleveland, Ohio.

 - Como se sente? – dizia senhor West.

 - Bem... Eu acho...

 - Você acha? – diz erguendo uma das sobrancelhas.

 - É... Eu acho – digo olhando em seus olhos.

 - Já pensou em escrever?

 - Não.

 Ele dá um suspiro e começa a mexer nas gavetas de sua mesa. Joga uma agenda de capa dura, na cor preta. Fico me perguntando o porquê daquilo.

 - O jornal da escola precisa de um novo escritor do terceiro ano.

 - E daí?

 - E daí que seria perfeita para isso – aponta para mim. – Veja bem... Você ajuda o jornal com um texto para o final do colegial e isso ajuda você.

 - Ajuda como?

 - Escrever pode ser um modo de te acalmar e assim, talvez consiga se abrir comigo. Isso vai acabar ajudando todo mundo.

 - Não.

 - Sim – ele me contraria.

 - Não – digo indignada.

 - Sim e não se fala mais nisso. Apareça amanhã de manhã aqui na escola

 Ah, mas se ele pensa que vai ficar assim... Eu não vou até lá. Ainda mais num sábado.

...

 2016, 4 de abril – Cleveland, Ohio.

 Olhava o portão da escola como uma trouxa. Porque eu estava aqui mesmo? E   u devia parar de escutar e obedecer como um cachorro que foi adestrado. Entro na escola seguindo em direção a sala do jornal. Bato na porta onde está escrito em letras brancas o nome “ARIS”.

 A porta é aberta e alguém me puxa com tudo para dentro.

 - Tá fazendo o que aqui? – pergunto assim que vejo quem é a pessoa que havia me puxado.

 - Eu quem pergunto. O que te traz até aqui?

 - Steven não avisou vocês?

 - Quem? Ah, o senhor West? Avisou sim – diz concordando com a cabeça. – Achei que você não levaria a sério o que ele disse.

 - Só me diga o que tenho que fazer para acabar com isso de uma vez – disse revirando os olhos.

 - Tá. Não precisa ficar desse jeito – diz pondo as mãos para cima em forma de rendição. – Escute bem, nos precisamos de alguém para fazer a redação para o último dia de aula.

 - Sério isso?

 - Saia conversando com os alunos por aí. Pergunte o que acham do fim do colegial.

 - E se acaso eu levar um soco?

 - Continue perguntando – diz dando um sorriso.

...

 2016, 6 de abril – Cleveland, Ohio.

 - Eu não me registrei no Skype para ouvir isso – digo enquanto uma carranca se formava em minha testa.

 - Foi mal – ouço meu irmão se desculpar pela piada de humor negro do amigo dele.

 - Desculpa gatinha – diz o amigo dele aparecendo na tela do celular.

 - Sai da frente Johnson – Tyler o empurra para traz. – E como estão às coisas por aí?

 - Mais ou menos. Eu perdi meu emprego e a mãe arranjou um.

 - Que equilíbrio – diz fazendo uma cara engraçada.

 - Quando vai vir nos visitar?

 - Ainda não sei. As provas do meio do ano estão chegando, então vai ser mais difícil ainda.

 - Tyler?... – o chamo.

 - O que? – diz voltando sua atenção para mim

 Pergunto-me se devia mesmo o questionar. Então percebo que se fazer aquilo as coisas só vão piorar.

 - Nada... Esquece...

 Então ele olha para mim como se estivesse dizendo: “Esquisitona”.

...

 2016, 15 de junho – Cleveland, Ohio.

 O recesso finalmente tinha chegado. E nesse momento eu estava em meu quarto num empolgante e tortuoso dia. Thomas foi viajar com a família então eu finalmente teria sossego por duas semanas.

 Ouço um miado, como se ele estivesse pronto para brigar. Respiro fundo esperando que aquele gato vira-lata não entre aqui de novo.

 - E NÃO VOLTE MAIS AQUI SEU IMUNDO – a voz do senhor Omar é ouvida da rua.

 Aquela bola de pelos pula minha janela e entra no quarto logo deitando na cama. Folgado. Deixo para lá e fico olhando aquele gato estúpido. Se ele ia ficar lá eu precisaria lhe dar um nome.

 - Freya...

 Bem na hora que minha mãe entra no quarto, jogo um dos meus casacos em cima do bichano e me jogo sobre ele.

 - Que foi? – pergunto a ela.

 - Tá fazendo o que? – diz arqueando uma das sobrancelhas.

 - Eu? Nada.

 - Tá com cara de quem estava aprontando.

 - Eu não... Porque faria isso?

 - Esquece. Venha jantar.

 - Tô indo.

 Ela sai do quarto e no mesmo segundo tiro o casaco de cima do bicho e ele me olha com os olhos completamente assustados.

- Saiba que ela te odeia – digo a ele.

 Anotação 8: Não deixar janelas abertas.

...

 2016, 29 de junho – Cleveland, Ohio.

 - Pensei que não tivessem gatos.

 - Pensei que só voltaria depois do recesso.

 - Freya, hoje é dia 29. Em que mundo você está? – olho para seu rosto branco onde se encontrava um sorriso.

 - Chamam de Terra, conhece?

 Ele dá uma gargalhada e joga a cabeça para trás. Tá rindo do que palhaço? Não era para ter graça, não.

 - Você é demais.

 - Eu sei.

 Levanto da cama e começo a andar até a sala, mas antes paro no meio do caminho e impeço a passagem do garoto.

 - Nenhuma palavra sobre o gato – digo apontando para o Thomas.

 - Tá chefia.

 Chuto sua canela e volto a andar como se nada tivesse acontecido.

 - Você recebe as pessoas muito bem.

...

 Jogo o lixo na lata que tinha na frente de casa. Logo em seguida observo o gato passar por mim. E eu não vou atrás dele. Recuso-me.

 - Porque seu vizinho vive ligando e apagando a luz? Ele vai acabar a queimando.

 - Não acha que isso não seja da sua conta? E se ele queimar o problema é dele.

 - Talvez ele tenha TOC.

 - Pare de cuidar da vida dos outros.

 - Eu sei que não é da min...

 - Olá, senhor Omar – digo assim que vejo o idoso sair de casa.

 - Olá – diz rabugento como sempre.

 - Falava dele? – pergunto a Thomas.

 - Não... Estava falando do homem que você achava estranho.

 - Eu ainda acho. Sua mãe não fica preocupada com você saindo muito desse jeito, não?

 Ele para por um instante como se estivesse pensando em algo muito importante e então sai correndo todo atrapalhado.

...

“De 0 a 10, dê uma nota de como se sente hoje”.

“5”.

...

“Sei que não sou sempre simpática, mas eu me importo com as pessoas”.

– Jogos Vorazes.