A porta da casa de Daniel foi arrombada e três paramédicos subiram até o primeiro andar, onde eu gritava freneticamente: “Aqui! Aqui! Socorro!” Um deles carregava uma maca e colocou a mesma no chão ao seu lado.
- Senhorita. – disse o paramédico. – Você precisa soltá-lo agora.
Neguei com a cabeça.
- Não posso. – sussurrei.
- Não poderemos ajudá-lo aqui. – o paramédico disse, colocando a mão em volta do meu pulso. – Solte-o.
Soltei a mão de Daniel que pairava sobre o ferimento, lentamente levantei-me e andei de encontro a parede. O paramédico com a maca o prendeu sobre a mesma. Os outros dois paramédicos estancaram o sangue o máximo que podiam e começaram uma transfusão bem ali, no quarto de Daniel, com uma pequena caixa de agulhas e pacotes de sangue.
- Estamos prontos para ir. – um deles murmurou.
- Certo. – o da maca assentiu. – Nós devemos ir agora, senhorita.
Sequei as lágrimas de meu rosto com a palma da mão e segurei a porta para os paramédicos passarem com a maca de Daniel. Descemos as escadas e chegamos à ambulância que estava estacionada em cima da calçada. Um dos paramédicos abriu a traseira e mostrou-me onde eu devia sentar-me e logo encaixaram a maca de Daniel em cima de um suporte dentro da ambulância.
**
Enquanto descíamos da ambulância para entrar no hospital, uma das máquinas de Daniel começou a apitar e os paramédicos congelaram.
- O que houve? – perguntei.
- Estamos perdendo-o. – disse um dos paramédicos, que jogou-se sobre Daniel e começou uma massagem cardíaca no mesmo.
- Não! – gritei.
- Afaste-se, senhorita. – disse outro paramédico, aprisionando-me em seus braços e empurrando-me em direção ao hospital.
- Não, não, não, não!
A porta do hospital abriu-se em um estrondo e vários médicos correram em direção a Daniel e levaram sua maca com o paramédico em cima realizando a massagem cardíaca para dentro do hospital.
- DANIEL! – gritei.
- Senhorita, controle-se. – disse o paramédico.
- Me controlar? – disparei. – Eu cheguei do colégio hoje e me deparei com meu irmão esfaqueado jogado em seu quarto. E depois disso, você ainda tem a cara de pau de me dizer isso?!
- Desculpe-me. – ele disse, envergonhado.
Comecei a debater-me para libertar-me de seu aperto, mas seu corpo era esguio e seus braços grandes e fortes.
- Me solta, seu idiota! – gritei. – Me solta!
Ele puxou-me até a ala das famílias que esperavam pelos pacientes e fez-me sentar em uma das cadeiras.
- Logo voltarei com informações, senhorita.
Bufei e comecei a esfregar a têmpora.
Nada disso era verdade, nada, nada, nada, nada. Era tudo uma ilusão, uma mentira. Daniel estava vivo. Daniel estava vivo. – eu repetia em minha cabeça. Dizem que quanto mais você repete algo em sua mente, pode tornar-se verdade. Essa era minha única opção: sujeitar-me a ter fé que algum milagre recairia sobre minha cabeça.
Coloquei meus cotovelos sobre meus joelhos e mergulhei meu rosto entre as mãos. Respirei fundo e comecei a contar mentalmente para acalmar-me. Um... dois... três...
- Olá! – disse, uma garotinha.
Levantei meu rosto e deparei-me com uma garotinha sorrindo inocentemente para mim. Sua pele era branca, com um leve tom rosado nas bochechas e seus olhos eram cinzas e penetrantes. Eu a reconheceria em qualquer lugar, mesmo sem os seus lindos e sedosos cabelos castanhos. Violet.
- Violet! – exclamei, puxando a mesma para um forte abraço.
- Dr. Jones! – ela retribuiu o abraço, sorrindo largamente. – Por que você foi embora? – ela perguntou, aprumando seu avental e sentando-se ao meu lado.
- Preciso te contar uma coisa... – disse, aproximando-me de seu ouvido. – Não sou médica de verdade. – sussurrei.
Ela riu. Uma risada tão doce e envolvente que acabei sorrindo sem ao menos notar.
- Eu desconfiei! – ela disse. – Você está sem o seu uniforme, e o Dr. Williams nunca tira o uniforme dele.
- Por falar em Dr. Williams... Como você está, Violet?
Ela deu de ombros e olhou para o chão. Estava claro que ela não estava pronta para tocar em um assunto tão delicado, ainda mais um assunto de tal gravidade.
- Bom, estou sem meus cabelos. – disse ela, bufando e apontando para a cabeça que estava totalmente lisa.
- Você está linda, Violet. – murmurei.
- Estou mesmo, não é? – disse ela, levantando o rosto e abrindo os lábios em um perfeito sorriso.
- Está.
Ela passou a observar-me e notou que a camisa jeans de Daniel que eu usava estava rasgada.
- O que houve com a sua camisa? – perguntou ela, intrigada.
- Eu tive que rasgá-la para... – engoli em seco. – estancar o ferimento do meu irmão.
Violet arregalou os olhos e em sua boca formou-se um “O” gigante.
- Oh. Meu. Deus.
- Pois é.
- Ele... morreu? – ela sussurrou.
Meus olhos começaram a arder e respirei fundo para segurar as lágrimas. Tal esforço não duraria muito.
- Eu não sei.
- Espero que ele fique bem. – ela disse, pegando minha mão e apertando-a.
- Obrigada. – fechei os olhos, eliminando algumas lágrimas que queriam sair de meus olhos. – Eu queria vê-lo, mas os paramédicos não me deixaram chegar perto dele.
- Você disse que é da família?
- Eles nem me deram oportunidade.
- Mas ele é seu irmão! Você tem direito de vê-lo.
- Não sei se essa regra aplica-se a nós. – murmurei. – Somos irmãos postiços. Fomos apenas criados juntos.
Ela começou a tamborilar os dedos no queixo e sua feição passou a ser pensativa.
- Já sei! – gritou. – Diga que você é esposa dele!
Fiz uma careta. Eu? Esposa de Daniel? Eu só pensava em rir do rumo que a situação estava tomando.
- Não temos alianças. – levantei minha mão esquerda, mostrando meu dedo anelar totalmente nu.
- E se você for noiva dele?
- Violet...
- Espere! – ela remexeu um bolsinho que havia na parte da frente de seu avental e retirou um anel dourado com várias pedras no centro formando uma flor.
- Violet! Onde você conseguiu isso?
- Era da minha avó. – ela deu de ombros. – Quando ela morreu foi para minha mãe. E agora que... – ela hesitou e eu a encarei. Sabia ao que ela estava se referindo e sabia o quanto devia doer. – E agora que eu estou doente, ela quis ter certeza que eu o usasse.
Ela colocou o anel delicadamente na palma de minha mão e meus olhos fixaram-se naquela maravilhosa joia que não parecia real.
- Obrigada.
- Fico feliz em ajudar. – ela levantou-se e abraçou-me. – Agora preciso ir. Até mais, Ames!
- Até mais, Vi!
Ela virou-se e saiu saltitando corredor a dentro.
Coloquei a aliança que Violet me emprestara em meu dedo anelar da mão direita. Talvez agora o meu “relacionamento” com Daniel irá começar a ter sentido para algumas pessoas.
**
Uma das enfermeiras de Daniel – seu nome era Anne – encaminhou-me até a ala do Trauma e informou-me que o médico que ficara encarregado do caso de Daniel gostaria de falar em particular comigo.
- Qual o nome dele? – perguntei, enquanto andávamos entre um corredor cheio de internos correndo de um lado para o outro.
- Nome de quem, senhora? – ela perguntou, erguendo os olhos dos óculos fundos e redondos.
- Do médico de Daniel.
- Ah. O médico encarregado do caso do seu noivo é o Dr. Reynalds.
A palavra noivo ainda me dava um certo frio na barriga, apesar de eu ter praticado falar “Daniel é meu noivo” umas mil vezes só na última hora.
- Mas... O Dr. Reynalds não é neurologista?
- Sim, senhora.
- E porque ele é o médico de Daniel?
- Senhora! – a enfermeira gritou, impaciente. – Creio que o Dr. Reynalds irá explicar tudo que tem o direito de saber.
Viramos o corredor à direita e entramos no consultório de número 5. Dr. Reynalds estava sentado atrás de uma mesa de vidro, usando óculos e totalmente mergulhado em papeladas. A enfermeira pigarreou e ele levantou o olhar. Ele inclinou a cabeça e observou-me curiosamente. Não era difícil suspeitar o que ele devia estar pensando.
- Amélia?
- Dr. Reynalds. – cumprimentei-o.
A enfermeira retirou-se e ele aconselhou-me a sentar-me.
- Você é... noiva de Daniel?
Mordi meu lábio inferior para não rir. Eu devia contar a verdade ou mentir?
- Dr. Reynalds... – ele levantou a mão, interrompendo-me.
- Deixa pra lá.
Ele recolheu os papéis de sua mesa e os organizou em uma pilha no chão.
- Amélia, temos muito o que conversar.
Comecei a remexer as mãos que estavam apoiadas em minha cocha.
- Diga.
- Bom, Daniel chegou gravemente ferido. E sofreu duas paradas cardíacas até chegar na sala de cirurgia. – ele começou. – Sim, tivemos que operá-lo. Ele sofreu graves lesões internas, incluindo a coluna. Infelizmente, foi uma cirurgia demorada acompanhada da cirurgia nos órgãos. – ele continuou. – Ambas cirurgias foram bem sucedidas, mas está tudo nas mãos de sua recuperação. Ele tem três dias para acordar.
- E se ele não acordar em três dias?
- Se ele não acordar em três dias... – ele engoliu em seco. – Devemos deixá-lo ir.
- Obrigada, Dr. Reynalds. – disse, empurrando a cadeira para trás e levantando-me.
- Amélia. Amélia!
Saí do consultório as pressas, já com lágrimas nos olhos. Cada veia em meu corpo pulsava e queimava. Finalmente, todas as barreiras que eu havia construído nesses anos haviam sido derrubadas. Não existia mais sanidade em meu corpo e minha mente. Corri em direção ao banheiro feminino, – único lugar onde eu sentia-me segura – entrei em disparada e tranquei a porta. Avaliei meu rosto por alguns momentos no espelho, coisa que eu não fazia desde minha última estadia como paciente neste mesmo hospital. Meu cabelo preto estava bagunçado e eriçado por conta das lágrimas que o umedeceram. Meus olhos verdes estavam totalmente vermelhos, com exceção da íris. Sombras roxas desenhavam a base de meus olhos e eu estava terrivelmente pálida. Levantei minha mão em punho e soquei o espelho, ele desfez-se em milhares de pedaços que caíram no chão, enquanto poucos ficaram presos em meus dedos, fazendo-os sangrar. A imagem de meus dedos sangrentos juntamente com cacos de vidro espalhados pelo chão lembrava-me da primeira vez que Christopher comprovara ser um alcoólatra agressivo.
Daniel pegou-me no colo e levou-me até o seu quarto, onde deitou-me delicadamente sobre sua cama bagunçada.
- Danny. – sussurrei, em meio aos soluços. – Estou com medo.
- Amélia Jones. – ele repreendeu-me, subindo na cama e colocando meu rosto molhado de lágrimas entre suas mãos. – Enquanto eu estiver vivo, estarei ao seu lado. Enquanto eu estiver ao seu lado, você não tem nada a temer.
- Você promete? – perguntei, fechando os olhos para conter minha dor de cabeça.
- É claro que eu prometo, Ames.
Ele abriu minhas pálpebras, fazendo minha cabeça girar freneticamente.
- Ames! – ele gritou, fazendo-me grunhir de dor. – Você deve me prometer algo, também. – ele disse, puxando meu tronco para cima, fazendo-me sentar. – Não feche os olhos.
- Mas estou tão cansada. – murmurei. – E tão... dolorida.
- Me prometa. – ele disse, sério.
Endireitei-me na cama e coloquei meus pés para fora, deixando-os balançando livremente. Respirei fundo e abri os olhos.
- Certo.
- Continue assim. – ele instruiu-me, levantando o dedo indicador para enfatizar a ordem.
Daniel correu até o banheiro de seu quarto e voltou com uma caixa de primeiros socorros. Abriu a caixa e dela retirou gases, ataduras, antissépticos, esparadrapos e alguns comprimidos para dor e relaxantes musculares. Ele levantou a barra de minha camiseta, deixando o enorme hematoma de minha barriga à mostra.
- Vai doer um pouco. – ele disse, seus lábios formavam uma linha tênue rígida.
- Eu posso ajudar. – disse uma voz feminina.
Virei meu rosto para a porta do quarto de Daniel e, com os ombros encostados no batente lá estava a namorada de Daniel – que parecia mais uma super modelo - , Bárbara.
- Bárbara. – Daniel disse, levantando-se para bloquear a visão de Bárbara. – Sua ajuda não é necessária.
- Deixa de ser idiota, Daniel. – Bárbara disse, empurrando os ombros de Daniel para trás e o ultrapassando até chegar à mim. – Ela precisa de ajuda feminina. – ela disse, virando-se para Daniel e colocando as mãos na cintura. – Ou você que pretende despir sua irmã?
Daniel contorceu o rosto em uma careta e jogou as mãos para o ar.
- Tudo bem. – murmurou. – O kit de primeiros socorros está no pé da cama. – disse, apontando para a caixa branca no chão e saiu do quarto logo em seguida.
Bárbara pegou um borrifador com algum remédio dentro que eu não reconhecia e o aplicou em minha barriga. Inicialmente eu não senti nada, mas após alguns segundos minha barriga começou a formigar e arder.
- Isso dói! – gritei.
- Vai passar. – ela disse, esticando os lábios em um sorriso triste.
Ela tirou minha camiseta e contornou a cama até ficar por trás de mim. Ela examinou as minhas costas e passou o mesmo remédio que havia passado em minha barriga na mesma.
- Ai! – grunhi.
- Desculpe. – disse ela, retirando o excesso com uma bola de algodão. – Acho melhor você não usar uma blusa muito apertada nos próximos dias.
- Está tão mal assim?
- Tá bem feio, Amélia. – ela sussurrou. – O que houve com você?
- Eu... – engoli em seco.
- Acho que já está bom, Bárbara! – Daniel murmurou da porta.
- Daniel! – Bárbara o repreendeu. – Olha o estado dela! – ela jogou o algodão no chão e bateu os pés em direção a Daniel. – Mas que porra aconteceu aqui?
Daniel aproximou-se e entregou-me uma de suas camisetas de flanela na cor verde esmeralda. Coloquei a blusa e a abotoei até o fim.
- Obrigada. – sussurrei.
- Daniel! – Bárbara gritou. – Você não vai me responder?
- Porra, Bárbara! – Daniel gritou tão alto que saltei da cama. – Não é da sua conta. – ele disse, puxando-a pelo cotovelo até o corredor. – Vai embora, por favor.
- Caralho, Daniel! – Bárbara disse, puxando seu cotovelo das mãos de Daniel e libertando-se. – Amélia está com as costas de quem foi... açoitada. – ela sussurrou.
- Ela. Tá. Bem. – Daniel disse. – Pode deixar que agora eu cuido dela.
- E quanto à mim Daniel?
- Você vai embora e não irá voltar mais, Bárbara.
- Você vai se arrepender disso, Daniel. – Bárbara disse, batendo o pé no chão.
Ela encarou-me por alguns segundos e pude ver que seu olhar dizia-me sinto muito. Ela desceu as escadas a passos firmes e seu lindo cabelo loiro esvoaçante foi a última coisa que vi descer.
Levantei-me da cama, andei em direção a Daniel e entrelacei nossas mãos.
- Você está bem? – perguntei.
- Vou ficar. – ele disse, passando a mão no cabelo.
Acariciei sua mão na minha e percebi que as juntas dos seus dedos estavam sangrando.
- Danny! Você se machucou!
Ele soltou sua mão da minha e limpou o sangue na calça.
- Não é nada, estou bem.
- Você pode precisar de sutura! – murmurei.
- Estou bem. – ele disse, agachando-se no chão para ficar da mesma altura que eu. – Estou bem porque você está aqui.
Lavei meus dedos na água fria da torneira da pia, amarrei meu cabelo em um coque no alto da cabeça e lavei o rosto. Eu não estava pronta, mas tinha que vê-lo. Caminhei até a recepção e pedi o número do quarto de Daniel Hayes.
- E a senhora é? – perguntou à recepcionista. Sua aparência deixou-me desconfortada. Cabelos compridos castanhos, olhos pretos, lábios pintados em um tom de vermelho vibrante e o uniforme do hospital que mais lhe parecia um traje de banho.
- Sou a noiva dele.
- Ah, sim. – disse ela, assentindo. – A senhora é uma mulher de sorte.
Estreitei meus olhos para a figura absurdamente vulgar à minha frente, que abria um sorriso malicioso enquanto digitava em seu computador.
- O que você está insinuando?
- N-nada, senhora!
- Se não fosse nada eu não estaria perguntando.
Ela deu de ombros e abaixou a cabeça.
- Ora, senhora, seu noivo é um homem atraente.
Forcei uma risada sarcástica.
- Jura?! – murmurei. – Pena que ele já é comprometido, não é?
O tom de pele da recepcionista passou de pardo para vermelho vivo.
- Desculpe-me, senhora.
- O número do quarto! Por favor.
- Quarto 304, ala do Trauma.
- Muito obrigada!
Girei meus calcanhares e andei até o corredor que indicava com setas para qual lado localizavam-se as alas. A ala do Trauma era um lugar horripilante. Inúmeras portas ao longo do corredor indicavam: Fraturas, Queimaduras, Ferimentos à balas, Produtos perigosos, Cirurgias emergenciais, e muitas outras. Fiquei me perguntando à qual dessas salas Daniel teria passado e o quão grave estava sua situação. Ao chegar no quarto, minha mão congelou na maçaneta. Será que eu realmente queria vê-lo? Será que eu estava pronta para abrir a porta e enfrentar o meu irmão que virara um vegetal? Eu não tinha escolha, apesar dos milhares de pensamentos que percorriam minha mente, eu amava Daniel. Eu não poderia deixá-lo, eu não ousaria. Eu o amava e iria até o fim do mundo por ele. Girei a maçaneta e entrei no quarto. O quarto de Daniel era exatamente igual ao que eu ficara quando estava em coma. Sua aparência não estava das piores, seu rosto estava levemente corado – marca de saúde, eu suponho – e seus longos cílios alcançavam as pequenas olheiras que formava-se abaixo de seus olhos. Ele não estava ligado a nenhum tubo – o que parecia-me bom – mas infelizmente ele estava usando uma sonda vesical. Acariciei seu rosto e beijei sua testa. Apesar de tudo que havia lhe acontecido, ele ainda estava arrasadoramente lindo. Escutei passos vindos dos corredores e dei de ombros. Com certeza deviam ser alguns dos internos enlouquecidos que corriam para lá e para cá bajulando os atendentes para participar de uma grande cirurgia. Aninhei-me na poltrona ao lado de Daniel e fechei os olhos, eu estava tão cansada...
- Olá, doçura.
Merda, merda, merda, merda.
Endireitei-me na cadeira e abri os olhos. Lá estava ele de novo. Um fantasma colado à sola do meu sapato, sempre pronto para destruir qualquer pitada de felicidade que fosse colocada em minha vida.
- Christopher.
- Sabe, doçura... – ele disse, colocando a mão no cinto e aproximando-se. Agarrei o braço da poltrona tão forte que as juntas de meus dedos ficaram brancas. – Fiquei com pena do garoto.
- Como você é gentil, Christopher.
- Sou mesmo. – disse, sorrindo e sentando-se no pé da cama de Daniel. – Doçura, temos assuntos pendentes à tratar.
- Primeiro! – disse, levantando-me. – Pare de me chamar de doçura, seu filha da mãe. Segundo, acho melhor você sair agora.
- Se não? – ele provocou.
- Se não, você não sair daqui com vida.
Ele gargalhou e levantou-se. Remexeu na traseira de sua calça e retirou da mesma um revólver calibre 22.
- Eu suspeito que... – ele disse, tamborilando a ponta da arma no queixo. – vou sair daqui novinho em folha.
- Christopher, diga logo o que você quer.
Ele aproximou-se e desamarrou meu cabelo. Ergueu o revólver e o enrolou entre os cachos.
- Ora, doçura. – ele cantarolou. – Eu quero você.
Estremeci. A bile subiu pela minha garganta e eu estava pronta para apagar naquele chão, ali mesmo.
- E se eu não for com você?
Ele estalou a língua no céu da boca e abaixou o revólver, respirei aliviada.
- Você nunca irá ver sua doce mãezinha.
Engoli em seco. Então, Christopher realmente havia raptado minha mãe? Onde ela estava? Estaria ela ainda com vida?
- Onde ela está?
- Você já está querendo demais, doçura. Uma coisa de cada vez.
Virei-me para encará-lo, ele parecia brincar com o meu medo enquanto sacudia a arma no ar. Seria aquela uma arma de verdade? Ou ele apenas estava querendo levar-me a loucura? E se é uma expressão muito subjetiva para deixar-me levar pelo instinto. Eu não arriscaria.
- E se eu for com você? O que acontece?
- Bom, doçura. – ele começou, sentando-se na poltrona e dobrando os joelhos. – Se você for comigo, pouparei a vidinha miserável de sua mãe e de seu irmão... E, ah, seu namoradinho e a irmãzinha dele também serão poupados.
- O quê?! – gritei.
Ele levantou abruptamente, ativou a arma – que fez um som de clique – e a colou em minha testa.
- Cala a boca, sua vadia!
Ele respirou fundo e abaixou a arma. Mais uma vez, eu via-me respirando aliviada.
- Eu não tenho namorado, Christopher.
- Eu sei quem ele é, doçura. – ele disse, em um tom ameaçador. – Você tem três dias.
- Três dias pra quê?
- Pra escolher. Ir ou ficar, salvar ou matar.
- Profundo. – sussurrei.
- O que foi que você disse, cadela? – ele perguntou, sacando o revólver mais uma vez.
- N-nada. – gaguejei.
- Ótimo. – ele colocou o revólver escondido na calça mais uma vez, tirou um cartão do bolso e o jogou na poltrona. – Você vai retirar toda a quantia em dinheiro que você e sua mãe possuem no banco e me entregar. – ele disse, aproximando-se de meu cabelo e cheirando o mesmo. – Juntamente com o seu corpo. – ele andou até a porta e antes de abri-la virou-se. – Você tem três dias, doçura.
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