- Então eu o chamo! – Angel retrucou. – Você é louco!
Passei a mão pelo cabelo, já frustrado com tamanha infantilidade da parte de Angel.
- Angel, você sabe que ela é diferente! – eu disse, segurando de leve em seus ombros para fazê-la olhar para mim. – Ou você está comigo ou está contra mim.
- Você sabe que estou sempre com você...
- Então vamos atrás dela. – murmurei, levantando do sofá abruptamente e recolhendo as chaves de casa e da moto.
**
Estacionei na calçada em frente a casa de Amélia e ajudei Angel a descer da moto. A casa estava estranhamente escura e quieta. Bati na porta três vezes e nada. Até que escutei passos ecoando de dentro da casa e escondi Angel atrás de meu corpo a fim de protege-la. Bárbara abriu a porta cambaleante, com os olhos borrados de rímel. Aparentava ter chorado litros de lágrimas.
- Jesse?
- Bárbara, onde ela está?
Bárbara abriu a porta, dando passagem para mim e Angel, entramos na casa e notei que ela segurava uma garrafa de uma bebida qualquer extremamente barata.
- Bárbara, largue isso. – eu disse, caminhando em sua direção para retirar-lhe a garrafa.
- Não! – ela gritou, abraçando a garrafa. – Ela sumiu.
- Quem sumiu, Bárbara? – perguntei, aproximando-me cautelosamente.
- A Amélia, seu idiota!
Senti como se meu passo havia sido em falso e eu estava caindo em um precipício infinito. Meus pulmões esvaziaram-se e tive de me apoiar no batente para não cair no chão.
- Não pode ser... Ela... – gaguejei. – Depois de tudo aquilo...
Bárbara começou a chorar e caiu de joelhos no chão. Era estranho ver tal criatura tão indefesa. Bárbara se mostrou desde o momento em que eu a vi, uma mulher forte e independente, que não se afeta ou cai por nada nesse mundo, mas percebia-se o quanto sua amizade para com Amélia era uma coisa valiosa para ela, tão forte que despedaçava a mais dura das pedras.
Agachei-me ao seu lado e afaguei seu ombro, tentando confortá-la.
- Bárbara... – ela levantou o rosto assim que ouviu-me chamá-la. – Você sabe onde ela está?
- Se eu soubesse... – ela disse, enxugando as lágrimas. – Não acha que eu iria atrás dela?
- E Daniel? Ele não sabe onde ela está?
- Eu não sei.
- Você não falou com ele?
- É claro que não! – Bárbara gritou. – Não falo diretamente com ele desde que tínhamos 16 anos!
- Mas você falou com ele no hospital, quando Amélia estava em coma.
- Por causa dela, idiota!
Respirei fundo, puxei a garrafa da mão de Bárbara rapidamente, impedindo a mesma de reagir. Percebi pelo canto do olho que Angel corria em minha direção.
- Não, Jesse! – Angel gritou.
Joguei a garrafa na parede e ela espatifou-se.
- Onde Daniel está? – gritei para Bárbara.
- No hospital onde Amélia estava. – sua voz pareceu sair em um tom de vergonha. – Ele se feriu.
- Você vai tomar um banho de água fria. – eu disse, no tom mais frio que consegui. – E vai cuidar de Angel para mim. Eu vou buscar a Amélia.
Antes que Bárbara pudesse rejeitar meu mandato, joguei meu celular para Angel.
- Ligue-me se alguma coisa acontecer. Tranque a porta.
Ela assentiu e bati a porta atrás de mim.
**
Parei a moto em frente ao hospital e divaguei. A última vez que estivera ali, Amélia não passava de um mero vegetal ligada a diversas máquinas ao mesmo tempo e meu coração parecia pesar uma tonelada pois meu peito doía e queimava. Prendi o pedal da moto no chão e respirei fundo, tentando capturar o máximo de ar fresco que eu poderia. Empurrei as portas duplas de metal da entrada do hospital e apertei o passo diretamente a recepção. A recepcionista lançou-me um olhar dos pés à cabeça e mordeu o lábio inferior.
- Posso ajudar? – perguntou, com uma voz arrastada enquanto debruçava-se sobre o balcão.
- Eu procuro pelo quarto de Daniel Jones.
Ela ergueu as sobrancelhas e bufou. Parecia desapontada. Começou a teclar furiosamente no teclado do computador.
- Registro não encontrado.
Meu maxilar trincou e sem ao menos notar, minhas mãos fecharam-se em punho ao lado do meu corpo.
- Impossível. – retruquei.
Daniel era a linha tênue imaginária que me ligava à Amélia. Sem ele, seria impossível chegar até ela.
- Não é impossível! – a recepcionista respondeu, virando a tela do computador em minha direção. – Não existe nenhum Daniel Jones registrado neste hospital.
Passei a mão pelo cabelo, já atordoado e fechei a mão em punho em cima do balcão, fazendo todos em volta pararem.
- Eu preciso achar Daniel Jones! – disse, entre dentes.
- Você nunca vai achar Daniel Jones. – disse uma terceira voz, atrás de mim. – Porque meu nome é Hayes. Daniel Hayes.
Girei meus calcanhares e lá estava Daniel, usando um avental médico e segurando um pacote de soro.
- O que você quer com Amélia? – ele perguntou.
- Eu não quero nada dela. Eu a quero. – eu disse, aproximando-me e cruzando os braços em meu peito. – Eu sei que ela sumiu. Diga-me onde ela está.
Ele riu ironicamente e pousou a mão na testa.
- Você está brincando, certo? – ele perguntou, com um sorriso cínico no rosto. – Você nunca vai tê-la. – ele provocou, avançou alguns passos e levantou o dedo em minha direção. – Você não é bom o suficiente para ela.
Segundos depois, segurei sua mão que apontava em minha direção e o empurrei até a parede mais próxima. Coloquei meu antebraço em seu pescoço, fazendo -o engasgar. E cuspi as palavras:
- Onde ela está?
- Você acha mesmo que eu vou te contar?
Ele empurrou o tronco contra meu braço, tentando libertar-se e eu aumentei a força contra sua garganta, ele grunhiu.
- Tá bom! – ele gritou. – Eu acho que sei onde ela está.
Afrouxei meu braço em sua garganta e lhe dei espaço para recuperar-se.
- Tenho quase certeza de que Christopher está com ela.
- Christopher?
- O pai dela.
- Todo esse mistério e ela estava com o pai? – gritei.
- O pai dela não é igual aos pais normais.
- O que você quer dizer?
Ele fechou os olhos e tocou a ponte do nariz.
- Jesse... – ele começou, calmamente. – Christopher abusou de Amélia fisicamente e mentalmente desde que ela era pequena.
A raiva que tomou meu corpo era tanta que eu poderia tateá-la se quisesse.
- O quê?!
- Ele batia na Amélia e em Leanne, sua mãe. Foi assim que ela começou a se cortar e se machucar.
- E você permitiu que isso acontecesse? – perguntei, enojado.
- Eu não tinha conhecimento do que ele fazia com elas.
Senti a bile chegar ao topo de minha garganta e respirei fundo para me acalmar. Mas era quase impossível. Cogitar a ideia de um sujeito monstruoso machucando minha doce e amável Amélia, fazia-me sentir enjoado.
- Você é um covarde! – gritei.
Deferi um soco bem em seu olho e preparei meu outro punho para um em seu queixo, quando senti alguém puxando-me para longe de Daniel enquanto internos jogavam-se sobre ele com bandagens e remédios.
- Você tá louco, cara? – um dos internos gritou para mim.
- Ele é um filha da mãe! – gritei, em resposta. – Ele não fez nada por ela!
Daniel levantou-se e apoiou-se na parede.
- Não venha me dizer que não fiz nada por ela! – ele retrucou. – Eu era a única coisa que ela tinha! Eu estive com ela esse tempo todo! Fazendo seus curativos! Dando amor! Onde você estava, Jesse?
Sua resposta atingiu-me mais forte do que um tapa na cara seria. Se não fosse pelo segurança que segurava meus braços atrás do meu corpo, eu já teria deixado Daniel morto no chão.
- Eu vou achá-la. – eu disse. – E vou cuidar dela como você nunca cuidou.
Libertei-me das mãos do segurança com um puxão e andei até a porta de entrada do hospital.
- Ela nunca vai ser sua! – ouvi Daniel gritar atrás. – Ela não gosta de bêbados!
Saquei o celular do bolso e disquei para Jenny, uma colega da aula de biologia. Ela atendeu no segundo toque.
- Jesse?
- Jenny! Preciso de um favor seu.
- Qualquer coisa. – ela disse.
- Preciso que seu pai investigue Christopher Jones. Preciso de sua localização.
A linha ficou muda por alguns segundos.
- Esse não é o pai da Amélia?
- Jenny, isso é importante mas sigiloso. Prefiro que não faça perguntas.
- Tudo bem. Vou falar com meu pai e vejo o que consigo.
- Ok. Obrigado.
Desliguei o celular e o coloquei dentro da jaqueta.
Eu iria encontrá-la mesmo que tivesse que ir até o inferno e voltar.
POINT OF VIEW: AMÉLIA JONES.
- Olá, doçura. Nos encontramos de novo.
O universo só podia estar brincando comigo! De que outra forma eu explicaria o fato de Christopher ter me seguido até um beco sem saída e vida?
Engoli em seco e hesitei. Olhei sutilmente para os lados, pensando em uma forma de escapulir.
- Você disse que eu tinha três dias. – eu disse.
Ele abriu um sorriso lascivo e começou a andar em minha direção.
- Eu mudei de ideia. Agora é um dia.
- Você não pode! – retruquei. – Você não pode mudar de ideia.
Ele ficou tão perto de mim que eu pude sentir sua barba por fazer roçar em meu nariz. Fechei os olhos e me concentrei em minha respiração. Qualquer deslize e eu nunca mais sairia dali.
- Quem dita as regras sou eu, doçura.
Uma coragem sobre humana tomou conta do meu corpo e coloquei minhas mãos espalmadas em seu peito e o empurrei para trás. Christopher cambaleou e enquanto recobrava os sentidos eu me pus a correr. Pude ouvir seus passos ecoando atrás de mim pelo beco e meu coração disparou. Não havia saída. Eu estava destinada a ficar nesse labirinto para sempre.
- Por favor! – gritei para os céus. – Deixe-me ir!
Meu braço foi puxado com força para trás e cai de costas no chão. Rolei para o lado, coloquei-me de quatro no chão e comecei a engatinhar. Minha perna direita foi puxada pela escuridão e meu rosto bateu diretamente no concreto frio. Minha cabeça começou a latejar e minha visão ficou turva. Eu podia ouvir os meus batimentos cardíacos saltando em meu ouvido. Minha cabeça foi puxada para trás, dificultando a visão e aumentando a dor.
- Por favor, pare. – sussurrei. – Está me machucando.
Christopher aproximou-se do meu ouvido e sussurrou:
- Relaxe, doçura.
Pelos cabelos, ele puxou-me para cima, fazendo-me levantar. Empurrou-me na direção contrária, a uma avenida. Contornamos a esquina e andamos em direção a um Jeep Renegade preto. Ele abriu a porta do passageiro e empurrou-me para dentro do carro.
- Desde quando você tem dinheiro para comprar um carro? – resmunguei.
Ele deu um tapa em meu rosto, abriu o porta-luvas e tirou do mesmo um par de algemas.
- Christopher! – gritei.
Ele abriu as algemas, fechou um dos lados em meu pulso esquerdo e o outro na porta do Jeep. Bateu a porta do passageiro, deu a volta e sentou-se no banco do motorista.
Comecei a chutar a porta do passageiro e bater no vidro.
- Socorro! – gritei.
Christopher girou a chave do Jeep na ignição e começou a rir.
- Ninguém vai escutar você, doçura. Estamos no meio do nada.
O pulso que estava preso à algema agora sangrava por conta dos meus esforços.
- Aonde está me levando? – perguntei, com a voz ligeiramente trêmula.
- Você vai gostar. – ele disse, e avançou com o carro pela avenida.
**
Depois de avançar inúmeros sinais vermelhos, ultrapassar carros e dirigir mais rápido do que a velocidade permitida, Christopher estacionou o Jeep em uma rua deserta, em frente a uma casa de praia abandonada, com diversas ervas daninhas submergindo a cerca de madeira. Abriu a porta do passageiro, libertou-me das algemas, segurou em meus cabelos e puxou-me em direção a casa. Chutou a porta com um pé e jogou-me no chão empoeirado. A casa fedia a bebida e cigarro e estava infestada de pó, teias de aranhas e insetos. O hall de entrada – ou o que restara dele – era iluminado por uma única lâmpada amarela no centro do teto. Quando estava prestes a levantar, Christopher puxou-me pelo cabelo novamente e levou-me em direção a parte dos fundos da casa. Depois do hall de entrada, ficava a cozinha, e a direita uma porta. Christopher abriu a porta com cuidado e sinalizou para eu entrar, tateou a parede em busca do interruptor e acendeu a luz, que iluminou o lugar. Era uma enorme suíte, com uma cama king size muito bem arrumada e limpa, uma cômoda de mármore, TV e banheiro acoplado.
Era estranho pensar que Christopher deixara tudo planejado para minha chegada. Tudo isso estava estranho demais...
- Bom... – disse Christopher, aproximando-se da cama e jogando-se em cima da mesma. – Esse é o nosso quarto, doçura. O que achou?
Nosso quarto?! Meu queixo caiu. Eu estava sem palavras. O que realmente Christopher planejava?
- Você deve estar se perguntando porque irá dividir um quarto comigo. – ele disse, colocando os braços dobrados atrás da cabeça. – Ora, doçura, fizemos uma troca. Você por sua família. E namoradinho.
Jesse. Só de pensar que ele poderia estar ao alcance de Christopher fazia-me enjoada.
- Sua primeira tarefa. – continuou ele. – É mudar o traje.
Ele levantou da cama em um salto, andou até a cômoda e vasculhou furiosamente na mesma. Retirou um pacote de papel pardo da cômoda e o entregou a mim.
- Sua roupa para o jantar, milady.
Peguei o pacote e o abri. Dentro do pacote havia uma roupa intima feminina tão indecente e barata que faria das melhores garotas, promíscuas.
- Vista. – Christopher disse, sério. – Aqui. Agora.
Não respondi, estava totalmente congelada olhando fixamente para aquela minúscula peça de roupa horrenda. Não poderia fazer isso.
- Agora! – ele gritou, fazendo minhas entranhas tremerem de medo.
- Não posso. – murmurei.
- Não pode? – ele repetiu. – Acho que você precisa de um pequeno incentivo, doçura.
Ele jogou o pacote da minha mão no chão, pegou meus cabelos e puxou-me para fora do quarto, andou em direção oposta à cozinha e empurrou-me em direção as escadas do porão.
- Para onde estamos indo? – perguntei.
No fim da escada para o porão havia uma porta, trancada a chave. Christopher retirou a chave do bolso, destrancou a porta e empurrou-me para dentro.
Meus olhos fecharam-se imediatamente. A luminosidade no porão era umas mil vezes maior do que a luz interna da casa. Assim que meus olhos acostumaram-se à luz, congelei. Meu pior pesadelo estava concretizado bem à minha frente e eu não sabia como reagir. Meus joelhos tremeram e fui de encontro ao chão. As lágrimas que começaram a se formar em meus olhos borraram a pior imagem que eu já vira em toda a minha vida: minha querida mãe amarrada à uma barra de metal, coberta de sangue.
- Ela ainda não está morta. – Christopher disse, encostado no batente da porta. – Se você cooperar, ela poderá sair daqui com vida.
Eu queria gritar, pular em cima de Christopher e fazê-lo sangrar. Eu queria pegar minha mãe em meu colo e cantar a música de ninar que ela cantava para mim e Daniel. Eu queria que Jesse estivesse aqui para salvar-nos. Eu queria que Daniel me perdoasse. Eu queria que Bárbara soubesse de toda a verdade. Mas, infelizmente, como mamãe dizia, querer não é poder.
Respirei fundo e deixei que as lágrimas saíssem do meu corpo uma última e dolorosamente vez. Enxuguei o rosto com as mãos e levantei-me.
- Farei o que você mandar. – murmurei.
- Ótimo. – Christopher disse. – Estamos apenas começando.
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