Quando Jesse finalmente chegou trazendo a moto consigo, meu coração parecia ter parado de bater. Era como estar na produção de um comercial de TV de motos, onde o garanhão empurra sua Harley Davison enquanto as meninas gritam pedindo por carona e tocam seu peitoral de tanquinho.
- Ei! – chama Jesse, subindo na moto – Você não vem?
Meus pensamentos intrusivos me fizeram hesitar e pensar nas milhões de maneiras que poderíamos morrer se eu subisse na moto.
- Não sei se consigo! – disse, cerrando minhas mãos para controlar os tremores.
Jesse desligou o motor e veio até mim, encarando minhas mãos cerradas.
- Porque não?
- Porque não posso. – disse, levando minhas mãos atrás das costas.
- Amélia.. – ele disse, se aproximando – Você não confia em mim?
- Na verdade, eu não deveria – não me contenho e solto uma gargalhada – Mal o conheço.
- Tudo bem. – ele disse, balançando a cabeça – Optei pelo incentivo errado, vamos tentar de novo.
- Ok. – assenti.
- Amélia, como você vai andar oito quarteirões até a escola?
- Agora sim. Você optou por um ótimo ponto. – pauso – Mas, nada vai me fazer subir aí. – aponto para a moto.
- Então, você vai ter que faltar hoje. – ele diz, cruzando os braços contra o peito.
- NÃO POSSO FALTAR! – grito.
Tateio os compartimentos da mochila em busca de algum medicamento. Por sorte, acho um pote rosa com as cápsulas de calmante, pego a caixinha verde e tomo os dois comprimidos juntos.
- O que é isso? – Jesse pergunta.
- Vitaminas – minto, sorrindo. – Vamos.
- Tem certeza?
- Toda – digo, caminhando em direção a moto.
**
Quando já estamos a caminho, faltando apenas dois quarteirões, eu finalmente me sinto livre. Sinto-me como se nunca fora aprisionada por remédios, como se nunca tivesse dores marcadas pelo corpo. Me sinto leve e livre, e Jesse é o principal motivo.
- Chegamos. – ele diz, descendo da moto.
- Obrigada, Jesse. – desço da moto para encará-lo – Pela carona.
Ele coloca as mãos no bolso e sorri torto.
- Não foi nada. – ele faz uma pausa – Foi um prazer, até.
Sinto meu rosto corar e olho para os meus pés. Aproximo-me de seu rosto e beijo-lhe na bochecha, e corro em direção aos corredores da escola, sem olhar para trás.
**
A última aula do dia é a pior, eu realmente odeio física quântica. Começo a ficar com sono e apoio o rosto entre as duas mesas no balcão. Até que, uma voz aguda direciona-se até mim:
- Senhorita, Amélia! – grita o professor Medina.
- Sim, professor. – sussurro, recostando-me na cadeira.
- Você pode me dizer o significado do físico dos operadores, seus autovetores e autovalores?
A resposta pairava sobre minha cabeça, mas meus lábios não a pronunciavam.
Minhas mãos começaram a tremer e eu pude sentir o suor gélido descendo do topo de minha cabeça.
- Eu... – comecei a gaguejar e pude sentir os olhos de toda a classe sobre mim.
- Sim? – perguntou o professor.
-... preciso sair daqui – concluí, pegando minha mochila e jogando-a no ombro.
**
Cheguei ao fim do corredor das salas, suando frio e sem fôlego.
- Amélia?
Levantei o olhar e lá estava Jesse com preocupação nos olhos.
- Estou bem.
Apoiei-me na parede e puxei o corpo para cima, tentando levantar e fracassando. Meus joelhos tremeram e Jesse agarrou minha cintura antes mesmo de eu cair.
- Obrigada. – sussurrei contra seu peito.
- O que há com você, Amélia? – ele perguntou, afastando uma mecha do meu cabelo que caiu em meus olhos.
- Mochila. Bolso de fora. Azul.
Jesse recostou meu rosto em seu colo e abriu minha mochila a procura de “algo” azul. Pegou um frasco azul e o dirigiu até minhas mãos.
Abri o frasco, peguei um comprimido e o tomei.
Adormeci.
**
Acordei em um quarto escurecido, com a chuva batendo na janela e escorrendo pela parede. Esforcei-me para levantar e logo uma imensa dor de cabeça tomou conta de mim.
- Jesse! – gritei.
Em poucos minutos, Jesse entrou no quarto e ajoelhou-se no chão, seu rosto a centímetros do meu.
- O que houve?
- Minha cabeça. – digo, esfregando meu coro cabeludo.
- Ei, não faça isso. – ele puxa minha mão e beija minha testa – Pronto, está curada.
Nós rimos.
- Obrigada.
- Está com fome? – ele pergunta, pegando minha mão e ajudando-me a levantar.
- Um pouco.
Descemos as escadas e logo chegamos a cozinha.
- O que você gosta de comer?
- O que você sabe fazer?
Subo em cima do balcão da cozinha, ficando de sua altura.
- Miojo. – ele ri.
- Miojo? Nem pensar!
Deslizo do balcão e vou até a geladeira. Pego alguns condimentos, carne moída e massa pré-pronta de lasanha.
- Posso ajudar? – ele pergunta, se aproximando.
- Se você souber cortar cebola. – dou de ombros.
Ele pega uma tábua embaixo da pia e coloca no balcão, tira a cebola das minhas mãos e começa a descascá-la.
- Você sabe mesmo fazer isso? – pergunto.
- Pode deixar comigo, madame. – ele pisca pra mim.
Ele ergue a faca e desliza sobre a cebola, mas acaba arranhando seu dedão.
- Ai! – ele grunhe.
Retiro a faca de sua mão e a seguro. Coloco seu dedão em minha boca e dou um selinho, chupando o sangue do mesmo.
- Como você sabe fazer isso? – ele pergunta, desconfiado.
Retiro o meu casaco lentamente, deixando a mostra todas as minhas cicatrizes dos braços, a maioria ainda em carne viva.
- Amélia... – ele sussurra. – Por que?
- Não se preocupe. – coloco o casaco novamente apressadamente. – Não dói. Não mais.
Ele me puxa pela cintura e desce lentamente meu casaco dos ombros até cair no chão. Toca meu pulso e beija cada extremidade do meu braço até o fim. Seus lábios perfuram minha pele e sua temperatura quente chega a minha corrente sanguínea. Sinto-me como se tivesse acabado de levar um choque, um maravilhoso choque. Me arrepio dos pés a cabeça e Jesse sorri malicioso.
- Nunca mais faça isso. – ele diz.
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