História A Herdeira do País das Maravilhas - A Pequena Anne

Anthony Kingsleigh vivia uma relação perturbada quando sua filha veio ao mundo. Chamou-a de Anne bem antes de decidir cuidar dela sozinho num ambiente mais saudável e, consequentemente, longe da mãe. 

Tão loira quanto o pai, a garota crescia feliz num vilarejo, próximo a uma floresta, como acontece nesses antigos contos de fadas. Acompanhava o pai ao trabalho todos os dias na cafeteria local, próxima à praça central e o Palácio reluzente da Rainha, que dependendo da hora do dia parecia ser feito de pura luz.
-É hora do chá, Anne! -Dizia o chefe de seu pai, seguindo o horário rigoroso
A menina saltitante escolhia alguns doces do balcão e levava até a mesa. Tinha uns cinco anos na época e aquela infinidade de sabores e possibilidades tornava seu mundo incrivelmente colorido. 
Xícaras servidas e brindes feitos por todos os convidados. Apesar de cumprir o protocolo, Anne não gostava de chá, estava ali pelas histórias do antigo reino e uma menina que o visitara chamada Alice. 
Se ambas tinham algo em comum era, com certeza, sua curiosidade. mesmo pequena queria saber o máximo possível sobre tudo o que compunha o mundo ao seu redor. Seus olhos azuis constantemente brilhantes de ar maravilhado enquanto via em sua cabeça as cenas narradas com tanto entusiasmo.

Foi durante um desses chás que o movimento no centro da cidade pareceu estranho. Pessoas corriam desesperadas pelas ruas a procura de abrigo. Anthony levantou alarmado e foi o primeiro a ver as labaredas devorando tudo que cruzava seu caminho. Por instinto, tomou a pequena nos braços e partiu em direção ao palácio, esperando que a Rainha pudesse abriga-los.
Colocou-a no chão no meio da corrida, quando pareciam já distantes da ameaça, mas não cogitava soltar-lhe o pulso. A menina começou a chorar, assustada. Não entendia o que estava acontecendo.
-Pequena -O pai se abaixou da altura dela, segurando as duas mãozinhas -Eu preciso que você continue 
Eles se olhavam como se o mundo fosse apenas eles. Ela aquiesceu em silêncio, tentando respirar fundo.
-Seja forte como a Alice
Deu certo. Um sorrisinho surgiu no rosto da menina voltou a correr pela própria vida.

Uma aglomeração no portão principal, os guardas não pareciam dispostos a deixar ninguém passar.
-Um incêndio está consumindo a vila! -disse um homem irado
-Não temos para onde ir -Implorava uma senhora
-A cavalaria já foi chamada, assim que soubermos o que está acontecendo, a Rainha vai ajuda-los -respondeu o soldado, de cima de seu cavalo, do outro lado do portão gradeado.
Anthony não reclamou. Tinha sua filha sã e salva ao seu lado e isso era tudo o que precisava. 

Assim foi feito. A Rainha em pessoa recebeu seu povo. Sua figura quase divina  recepcionando a todos com um sorriso que aplacava dores e aquecia corações. A verdade é que talvez a mulher fosse nova demais para o trono, mas lidava com essa responsabilidade melhor do que qualquer um. Um banquete foi servido e o salão de baile se tornou um dormitório, afinal, era um grande espaço sem móveis que atrapalhassem a distribuição das famílias.
Anne e Anthony dormiram um ao lado do outro. Ele ainda segurava a sua mãozinha, como se o perigo de perdê-la não tivesse passado.
 

E não tinha.

Anne acordou sozinha durante a madrugada. Não conseguia ver nada em meio ao escuro, mas haviam adultos levando-a para algum lugar amarrada em uma maca. Seus protestos foram ignorados, o medo apossando-se mais uma vez de seu pequeno coração. 

O cheiro de cinzas ainda estava no ar quando pararam em frente ao que a primeira vista parecia um toco de uma árvore cortada, mas logo ela viu que não era.
Havia algo lá dentro que refletia a pouco luz da noite. Água. Era um poço.

-Não -ela pediu -Não! Por favor não! 
E assim, sem o menor direito à defesa, a garota foi jogada no poço