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História A história de nós dois - Só um beijo


Escrita por: CaliVillas

Capítulo 4 - Só um beijo


Três anos depois...

— Claro, mãe, que eu posso cuidar do João, afinal não é tão complicado assim! Além do mais não tenho nada marcado para hoje – Nina tranquilizava Marta, que estava pronta para sair, quando recebeu um telefonema.

— Eu não pediria isso a você, Nina, se não fosse uma emergência. A babá não poderá vir essa noite, porque ficou doente, nem daria tempo para levar João para a casa da vovó. E você sabe que eu e Rui compramos esses ingressos para o teatro, há muito tempo atrás, estamos loucos para ver essa peça.

— Mãe, eu já disse que não tem problema! – Nina respondeu, impaciente com a insistência, revirando os olhos. — Eu posso muito bem cuidar do João. Ou você não confia em mim?

— É lógico, que confio muito em você, Nina. Sei que é muito responsável, só não queria estragar sua noite de sábado, cuidando do seu irmãozinho.

— Já disse que não tem problema, eu e João nos damos muito bem e ia ficar em casa, hoje mesmo – Nina deu de ombros, Marta respirou fundo e deu um beijo na testa na filha e na cabeça do filho caçula, que assistia televisão, concentrado.

— João, obedeça a sua irmã. Nina, não deixe João dormir muito tarde e qualquer coisa pode nos ligar, que voltaremos depressa. – Marta fez as suas últimas recomendações.

— Boa noite — Rui deu um beijo na testa de Nina e um beijo no alto da cabeça de João e saíram, um tanto relutante.

 Quando a porta fechou atrás dos pais, Nina perguntou ao irmão:

— O que você está vendo?

— Desenho – informou João, sem desviar os olhos, Nina deu uma rápida olhada para a tela da televisão, porém não se interessou por aqueles coloridos bonequinhos falantes e bobos. Começou a trocar mensagens com as amigas pelo telefone. Algum tempo depois, ouviu a chave girar na fechadura, Gabriel entrou, distraído, parou ao ver Nina ali.

Aos quinze anos, assim como Nina, Gabriel havia mudado muito, nos últimos meses. Estava mais alto, ainda um tanto desajeitado, parecendo não muito confortável com o seu novo corpo, suas feições ainda eram indefinidas e desproporcionais, mas já mostrava belos traços, as espinhas haviam diminuídos bastante e um tênue bigode despontava sobre os lábios.

— Pensei que você ia jogar na casa do Pedro, hoje – Nina falou, quando ele se sentava ao lado dela no sofá.

— Eu ia, mas resolvi voltar para casa – Gabriel informou, sem dar detalhes. Ele já havia reparado com ela mudara nesses últimos tempos, estava mais alta e curvilínea, suas feições mais bem definidas, perderam aquele jeito de menina, estava mais bonita ainda. – E você o que está fazendo?

— Tomando conta do João. Minha mãe e Rui saíram e a babá não pode vir porque está doente.

— Se quiser posso fazer companhia a você?

— Se quiser – Nina deu de ombros, fingindo indiferença, mas gostando da ideia. Os dois ficaram em silêncio, sem saber o que falar, encarando a tela da TV, sem prestar atenção. — João, esse é o último desenho! – ela comunicou ao irmão.

— Não! — o pequeno reclamou.

— Sim, mamãe disse que você não pode dormir muito tarde. Depois, vamos escovar os dentes e ir dormir.

— Não! – repetiu o menino, autoritário.

 Nina suspirou, resignada em começar uma batalha para colocar o irmãozinho na cama.

— A gente vai com você – decidiu Gabriel, conciliador, e João gostou da ideia.

— Os dois? – Negociou, Nina e Gabriel se entreolharam.

— Sim, os dois — falaram em comum acordo.

 Depois de cumprir os rituais de antes de dormir, já deitado em sua cama, João pediu a Nina que leia uma história do livro escolhido de sempre. Sentados no chão, junto a cama do caçula, Nina leu a história sobre os bichos da fazenda escutada atentamente pelo irmão, enquanto Gabriel, ao lado dela, prestava atenção nos movimentos da sua boca, na entonação da sua voz, nos seus dedos virando delicadamente as páginas do livro. Para ele, havia uma certa nostalgia naquela cena, uma dor antiga adormecida E, subitamente, como se alguém tivesse desligado um interruptor, as pálpebras de João pesaram e seus olhos se fecharam e ele caiu em um sono profundo.

Pé ante pé, seus irmãos saíram do quarto da criança, pararam no corredor, não querendo se afastar um do outro, sob a fraca lâmpada acesa quebrando a escuridão, no silêncio pesado cheio de palavras não ditas que voavam a sua volta como incômodas moscas.

— Que assistir um filme? – Finalmente, Nina propôs.

— Sim – Gabriel concordou, feliz com a opção.

— Então, você escolhe o filme, enquanto eu faço a pipoca.

Alguns minutos depois, os dois sentados no sofá, lado a lado, olhando sem ver as imagens que desfilavam na tela da televisão, o balde de pipoca entre eles. As cabeças entrando em um redemoinho de pensamentos desconexos, tentando escolher o que falar naquele momento, com medo que alguma palavra errada levasse o outro embora.

 — O que você está pensando? – Por fim, Nina o desafiou, ele a encarou, contemplativo, medindo suas palavras.

— Eu estava pensando que tinha a idade do João quando minha mãe morreu – revelou.

— Deve ter sido muito ruim para você.

— Foi, mas eu não me lembro de muita coisa daquele tempo, só uma tremenda confusão a minha volta, todo mundo chorando, meu pai me contando que nunca mais iria ver minha mãe, a minha tristeza imensa, era uma dor insuportável, quase física, que eu não conseguia entender. E, agora, eu não sinto nada, é muito estranho, mal me lembro do rosto dela.

— Meu pai não morreu, mas, quando ele foi embora, eu sofri muito, depois, também passou. Pelo menos, sei que ele está vivo em algum lugar, que posso pegar o telefone ou ligar o computador e falar com ele.

— Eu não queria me sentir assim, esse vazio por ter esquecido dela, não me lembrar de nada, só algumas rápidas cenas, mas sem nenhuma emoção.

— Não se lembra mesmo de nada?

— Quase nada. A única coisa que me lembro bem é de ela me colocando para dormir, lendo uma história e me chamando de meu anjo, mas não me recordo direito do seu rosto e da sua voz. Não é uma lembrança que me faz sofrer.

— Você queria sofrer? – Nina questionou, abismada.

— Não sofrer, mas senti algo diferente, ter alguma lembrança com algum significado, me importar. Às vezes, penso de como seria minha vida, se ela não tivesse saído naquele dia, se aquele motorista não tivesse perdido a direção e subido na calçada. Ela morreu na hora.

— Você era muito novo quando ela morreu, isso acontece. É difícil mesmo se lembrar.

— É estranho, porque ela era minha mãe, mesmo assim fico pensando que sofreria muito mais se perdesse algumas outras pessoas agora.

— Eu sei, como João ou o seu pai.

— Ou você – Gabriel confessou, em voz baixa.

— Eu também sofreria muito se perdesse você.

Por um segundo, o mundo parou de girar, o tempo deixou de existir, o ar ficou preso dentro do peito, Nina se viu refletida nos olhos castanhos dele e ele nos delas, um leve inclinar, os lábios salgados se tocaram suavemente, quase um roçar delicado, depois, com mais intensidade, uma fagulha de eletricidade se criou espalhando, velozmente, pelos seus corpos, incendiando os sentimentos sufocados, dando-lhes energia, os trazendo a luz. Porém, o barulho da chave girando na fechadura, os alertaram e se separaram depressa, com os corações aos pulos e um nó na garganta, postaram-se rígidos, olhando fixamente para frente, na direção da TV, quando os pais entravam.

— Os dois ainda estão acordados! – Rui exclamou, surpreso, ao ver a inocente cena corriqueira.

— Estamos assistindo um filme – respondeu, prontamente, Gabriel.

— Sobre o que é? – Rui questionou, despretensioso.

— Um filme chato! Vou dormir. Boa noite – Gabriel se levantou indo para o seu quarto.

— João deu muito trabalho? – Marta indagou a Nina.

— Não, ele dormiu rapidinho – Nina respondeu. – Também, eu vou dormir agora. Boa noite! — E foi para o seu quarto.

 



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