-Não fale assim comigo!
-Nem sei porque falo com você! -Meu pai deu a palavra final e saiu de casa batendo a porta com força. Entrou no carro com rapidez e saiu cantando pneus. Nunca soube aonde ele ia após as discussões com minha mãe, mas, sendo sincera, não me importava. Dessa forma, ela podia chorar sozinha em seu quarto. Todos precisam de um tempo sozinhos. Por isso, assim que a casa fica novamente calma, vou para o quintal. Por dar de cara com a rua, não é muito seguro, mas é um lugar onde posso olhar para o céu, observar as estrelas e pensar. Nunca fui o tipo de menina sorridente, vaidosa e comportada. Prefiro me arriscar e inventar as minhas próprias regras, o termo usado para isso é "rebelde". Talvez rebeldia não me levasse a lugar algum como costumavam falar, mas talvez me leve para onde eu quero estar. Só que ainda não descobri onde é.
Ainda olhava para o céu quando ouvi um barulho forte. Olhei para a minha casa e vi a janela do meu quarto sendo quebrada. O vândalo rapidamente entrou. Decidi começar a gritar, mas, antes que pudesse fazer qualquer movimento, o invasor botou a cabeça para fora da janela e olhou na minha direção. Fiquei aterrorizada, mas meu medo se tornou surpresa quando ele fez sinal para que eu fosse até ele. Mesmo estranhando, entrei em casa e passei na cozinha para pegar alguma coisa afiada. Depois, fui em direção ao meu quarto. A porta estava aberta e, de forma cautelosa, entrei.
O invasor, que ainda estava olhando pela janela, se virou quando me ouviu entrar. Finalmente pude ver seu rosto e logo o reconheci.
-Preciso da sua ajuda. -Ele falou com um olhar preocupado.
-Eu mal te conheço. -Respondi.
-Já me emprestou sua caneta na escola uma vez.
-Foi a única vez que nos falamos. -Rebati. -Além disso, eu nem sei seu nome.
-Talvez seja melhor assim. -Arqueei as sobrancelhas surpresa com a resposta. -Não dá pra explicar muito agora, mas, por favor, preciso muito da sua ajuda.
-Frequentamos a mesma escola, mas não sabemos nada um do outro. Você pode ter invadido a minha casa com más intenções! -Respondi aumentando o tom de voz e levantando um pouco a faca que achei no balcão da cozinha.
-Calma! Não é bem assim! -Ele deu um passo para trás ligeiramente assustado com minha reação. Me acalmei e continuei:
-Está bem... Por que você precisa da minha ajuda?
Ele olhou para os lados tentando disfarçar.
-Fala! -Forcei. Ele bufou e começou:
-Posso passar a noite aqui? -Franzi a testa estranhando aquele pedido. -Preciso me esconder.
-Do que? -Após perguntar isso, me senti um pouco curiosa demais, porém era na minha casa que ele queria dormir, então eu teria que saber mais detalhes.
-Da polícia... -ele completou meio sem jeito. Ameacei levantar a faca novamente mas ele gritou: -Não é o que parece!
-Então explica! -Gritei também.
-Se você parasse de ficar levantando essa faca em minha direção, eu contaria. -Abaixei sentando na minha cama esperando que ele falasse. -Obrigado. A polícia está me procurando, mas eu não fiz nada errado.
-Então por que está fugindo?
-Dá pra parar de interromper? -Ele cruzou os braços.
-Não esqueça que você invadiu a minha casa e ainda quebrou a minha janela! -Ele revirou os olhos e continuou:
-Fugi de casa ontem, mas ainda não consegui sair da cidade. A polícia está procurando por mim, pois estou desaparecido.
Ontem não o vi na aula, mas não achei que estivesse desaparecido. Talvez por ter se passado só um dia a polícia ainda não divulgou nada, porém seus pais devem estar preocupados.
-Fugir de casa nem sempre é a solução. -Falei para ele aquilo que gostaria que tivessem dito para mim nas diversas vezes que pensei em fugir de casa. Talvez por eu mesma ter dito isso no espelho, fiquei. Mesmo não tendo ninguém ao meu lado. Sei que posso contar comigo mesma.
-Você não faz a mínima ideia de como minha vida é.
-Pior do que a minha não pode ser. -Revirei os olhos. Ele sentou na cama comigo e continuou:
-Tenho quatro irmãos e não tenho ideia de como meus pais notaram que eu não tinha voltado da escola.
-Sou filha única e meus pais vivem brigando.
-Todos tem problemas. -Ele comentou.
-Nem todos fogem de casa. -Rebati. Ele me encarou e passou a olhar fixamente para o chão. Um silêncio profundo se instalou no meu quarto. Nossa respiração era o único som que eu ouvia até que passos soaram em direção ao meu quarto. Levantamos e, enquanto eu fechava a cortina para tapar a janela quebrada, ele se escondia atrás da porta.
Minha mãe parou na porta do quarto com o rosto vermelho:
-Vou me deitar. Já está tarde. Você deveria fazer o mesmo. -Eu assenti e ela se virou voltando para a cama. Fechei a porta enquanto ele saía de trás dela. Eu suspirei:
-Por que você quer passar a noite aqui? A polícia está te procurando agora, mas vai estar procurando amanhã também. É melhor aproveitar que é noite e está escuro. Pode ser que não te vejam.
-Amanhã vou pegar um ônibus para fora da cidade e um amigo meu estará me esperando. Já tenho tudo planejado. -Ele sorriu orgulhoso.
-Já que é assim... Tem espaço para mais um fugitivo?
-Como assim? Você quer vir junto?
Abri o maior sorriso que podia e falei:
-Não aguento mais essa vida. Quero ser livre! Vou com você.
-Seja bem-vinda ao meu plano de fuga.
Eu ri e começamos a planejar cada detalhe de uma aventura que durará pelo resto de nossas vidas.
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