Fazia um pouco mais de quinze anos que os monstros haviam sido libertos do subterrâneo e por um longo tempo, a vida na superfície continuara quase a mesma: os humanos aparentemente haviam se adaptado à ideia das criaturas vivendo entre eles e todos pareciam perfeitamente de acordo com a construção da Nova Cidade na Superfície, que ficava após o “túnel amaldiçoado”.
Mas no fim, essa paz mostrara-se apenas uma farsa quando há menos de cinco anos, grupos juvenis começaram a atacar estabelecimentos monstros. Segundo eles, estavam protestando contra a ocupação de locais que originalmente pertenciam aos humanos e para piorar a situação, surgiram greves e protestos contra a presença dos seres mágicos na superfície.
Nos últimos três anos, as criaturas tão bondosas viram-se forçados a escaparem para umas ilhas desocupadas próximas ao continente a fim de apaziguar a situação e mostrar aos humanos que eles apenas queriam paz.
Infelizmente, a tenção entre as duas espécies não havia acabado e só ficou pior quando Asriel, o filho do rei, simplesmente desapareceu. Os monstros imediatamente culparam os humanos que declararam estado de guerra contra os seres mágicos.
A embaixadora dos monstros tentara apaziguar os ânimos com todas as suas forças, mas até mesmo a bondosa rainha estava mostrando-se difícil de lidar: haviam despertado a fera há muito adormecida quando mexeram com seu precioso filhote.
Sob esse clima de guerra, Frisk simplesmente fora forçada a abandonar seu cargo de embaixadora dos monstros e recolher-se em uma vila costeira, longe de seus amigos (humanos e monstros), na tentativa de salvar sua própria vida.
A despedida fora difícil e mesmo depois de dois anos vivendo longe de todos os seus preciosos amigos, ela ainda estava gravada na memória da mulher que fora trabalhar para uma de suas tias, na sua loja de chapéus. Todos os dias, a jovem sentava-se diante de sua mesa e ficava a costurar enfeites nos diversos modelos que eram postos sobre sua mesa.
Frisk tinha comida, bebida, um lar e segurança. Ela era extremamente grata à tia que fizera de tudo para acolhê-la bem, mesmo tendo chance de se envolver com o perigo iminente, mas... Havia um grande buraco no seu coração: a moça sentia falta do carinho de seus amigos e das noites frias ao lado do esqueleto dragão.
Mesmo estando reclusa, Frisk ainda recebia cartas de conhecidos e fora um choque terrível saber que os irmãos esqueletos partiram em busca do jovem Asriel e não deram notícias nunca mais. A moça ficara extremamente preocupada, mas as mesmas cartas diziam que ela deveria esperar notícias quieta.
“Você apenas preocupará os dois se sair por aí para caçá-los.” Toriel lhe dissera em sua carta “Lembre-se, eles são esqueletos crescidos, sabem se virar sozinhos. Tenho certeza de que onde quer que eles estejam, os dois estarão bem”.
A mulher estava costurando alguns enfeites em um chapéu rosa, quando vieram bater na porta do quarto que ela trabalhava: era a gerente.
— Frisk? Eu já fechei a loja... — A mulher informou — Porque não vem com a gente dessa vez?
— Obrigada, mas eu quero terminar isso aqui. Vão e divirtam-se por mim.
— Está bem, então... — A mulher decidiu não insistir — Garotas, vamos indo.
As outras funcionárias fizeram um alvoroço para correr atrás da gerente o que apenas fez a jovem rir. Repentinamente, todas elas voltaram para a janela comentando: — Olha lá, é o tal castelo do G!
— G?
— Eu nunca vi um castelo como esse antes!
— Que horror... — A gerente murmurou.
— Será que o G! está na cidade?
Quando virou-se para a janela, tudo que Frisk viu foi um pequeno risco em movimento, desaparecendo entre as nuvens que cobriam o Monte Ebbot – ela descobrira, quando se mudara para lá, que a conhecida estrada de sua amável cidade havia sido batizada em homenagem àquele monte.
— Ele se foi... — Uma das moças comentou assim que o castelo sumiu.
— Que nada, ele se escondeu na névoa, tem um monte de soldados aqui — Outra anunciou, quando Frisk retomou o seu trabalho.
— Ouviram falar sobre uma tal de Marta lá da Cidade do Sul? Dizem que o G! tirou o coração dela!
— Que medo!
— Não se preocupe, G! só gosta de garotas bonitas!
Mais uma vez, as meninas fizeram um alvoroço, seguindo a gerente para fora da loja. Frisk simplesmente continuou com seu trabalho até que o chapéu estivesse pronto e ela pudesse descansá-lo sobre o manequim.
Dando um suspiro, a moça bateu a poeira do seu vestido azul com listras roxas e pegou um chapéu, saindo da loja sem sequer se importar com as naves que passavam zunindo acima de sua cabeça.
Frisk passou pelas ruas movimentadas e pegou um ônibus para o centro da cidade. Infelizmente, seu adorado carro vermelho tivera de ser deixado para trás: a placa ou até mesmo o modelo poderiam chamar atenção de gente indesejada.
Havia um grande rebuliço nas ruas para os soldados que se preparavam para a guerra. Ao ver os homens bem vestidos e armados, prontos para o combate, o coração de Frisk apertava e ela temia por seus amigos: os monstros haviam perdido para os humanos antes, quem não garantia que dessa vez eles não seriam completamente dizimados?
Ver tanta gente feliz às vésperas de uma guerra tão sem sentido e injusta deixava a moça com nojo. Se não fosse pela promessa que fizera aos seus amigos, ela já teria começado a fazer movimentos contra aquele absurdo: haviam muitos humanos que achavam a batalha desleal, tudo que Frisk precisava fazer, era uni-los contra o governo.
Mas ela estava com as mãos atadas: não podia se mover às claras e movimentos organizados nas sombras não davam resultado nenhum. Tudo tinha que ser feito diante dos olhos de todos para os interesses não ficarem subtendidos, gerando murmurações ou boatos.
E no momento, tudo que Frisk podia fazer era continuar escondendo-se entre a gente daquela cidade pequena no fim do mundo.
A mulher desceu no ponto final e seguiu pelas ruelas do centro, tentando manter-se o mais longe o possível de qualquer guarda ou confusão enquanto seguia o endereço no papel que havia trazido consigo. Infelizmente, ela parecia um imã para atrair coisas indesejadas e quando menos esperava, havia dado de cara com um jovem e belo soldado.
— Oi, parece que temos uma ratinha perdida aqui. — Ele anunciou, todo sorrisos.
— Ah... Não, não estou perdida! — Frisk queria sair dali o mais rápido possível, mas o soldado parecia do tipo chiclete: não desgruda nem quando está na cara que ninguém o quer.
— Nesse caso, que tal tomarmos um chá? Importa-se de vir conosco?
— Não, obrigada. — Frisk tentou manter-se firme, mesmo quando um soldado mais velho aproximou-se para examiná-la melhor — Estou ocupada...
— Ela é realmente bonitinha... — O mais velho anunciou.
— Me diga, quantos anos você tem? Mora por aqui? — O primeiro inquiriu.
— Me deixem passar! — Frisk tentou encher-se de Determinação.
— Ah, viu só? — O mais novo brincou — É essa sua cara bigoduda que assusta.
— E daí, ela fica mais bonitinha quando está brava! — O mais velho anunciou risonho.
— Aí está você, Pirralha. — Uma voz desconhecida soou às costas de Frisk no mesmo momento que ela sentiu que alguém pousando o braço levemente sobre seu ombro — Te procurei por toda parte.
— Aaaah, quem- — O soldado mais novo já ia inquirindo quando sua expressão mudou completamente.
Imediatamente os soldados sacaram suas armas, o que fez o coração de Frisk gelar: quem chegara falando com ela era obviamente um monstro. Um esqueleto, mais especificamente pela mão que aparecia em seu campo de visão.
— Essa aqui está comigo — O monstro anunciou, ignorando a expressão zangada dos outros dois — Porque vocês não vão dar uma voltinha?
Imediatamente, as almas dos humanos ficaram à frente de seus corpos em uma tonalidade de azul, enquanto uma aura da mesma cor os envolvia, fazendo-os virarem-se e saírem marchando desajeitadamente, enquanto murmuravam pragas para o monstro.
— Babacas... — A voz soou acima da cabeça de Frisk, fazendo-a virar-se assustada — No fundo, não são pessoas más, mas pensam muito com a cabeça errada.
O esqueleto era estranhamente familiar à Frisk: alto, com um sorriso brincalhão e duas rachaduras no rosto. Usava um casaco preto sobre os ombros e passava um ar confiante para a moça, que simplesmente não conseguiu ter medo dele.
— Para onde vai, Pirralha? — O esqueleto prosseguiu.
— Eu só estou indo até a Confeitaria das Aranhas... — Frisk simplesmente ignorou aquele tipo de apelido. Estava surpresa demais por não ter gaguejado por causa da velocidade com que seu coração batia, para se preocupar com coisas como aquilo.
O esqueleto inclinou-se para mais perto dela e sussurrou: — Vou testar sua coragem, Pirralha: eu estou sendo seguido. Aja normalmente.
Então, como um perfeito cavalheiro (coisa que claramente não era), ele deu-lhe deu o braço e seguiu em frente.
Frisk engoliu em seco e caminhou ao lado do monstro tentando agir como se nada tivesse acontecendo, mas seu coração acelerava-se em seu peito enquanto uma pergunta invadia sua mente: “Seria aquele o tão famoso G?”.
Ainda havia o ponto de que Frisk sentia em algum canto de sua alma que já o conhecia, coisa que não era impossível, uma vez que havia visto vários esqueletos depois que os monstros haviam mudado para a Superfície.
— Pirralha, parece que eu acabei envolvendo você...
Enquanto eles iam seguindo em frente, algumas sombras começaram a sair das paredes e rastejar pelo corredor atrás da dupla. A humana engoliu em seco, tentando fingir que não havia visto nada, mas quando as sombras apareceram à sua frente bloqueando o caminho e o esqueleto puxara-a para o lado repentinamente, não havia mais como não entrar em desespero, ainda mais quando o monstro começou a correr na direção de mais sombras que colocaram-se à frente do caminho.
Frisk estava prestes a gritar quando o monstro anunciou: — Segure-se!
No segundo seguinte, eles estavam flutuando para os céus. A mulher arregalou os olhos ao ver-se agarrada ao dorso de um dragão esqueleto que sobrevoava a cidade graciosamente sem ser notado por nenhum humano mais abaixo.
Frisk sentiu um calor conhecido em suas mãos e fechou os olhos, sentindo as lágrimas escorrerem pelo seu rosto: afinal, aquilo a havia deixado com muitas, mas muitas saudades de Sans.
Logo, estavam de frente para a Confeitaria das Aranhas, onde o dragão voltou a aparência de esqueleto e colocou Frisk delicadamente na sacada, sem soltar-lhe a mão.
— Vou desviar a atenção deles — O mostro informou — É melhor você esperar antes de sair.
—Tá... — Frisk concordou, embasbacada.
— Boa menina... — O esqueleto sorriu divertido e então, jogou-se no ar, virando um dragão novamente e flutuando graciosamente para longe. Frisk inclinou-se sobre a sacada e admirou a figura que desaparecia no céu.
Era muito bom poder ver e tocar um monstro novamente, mesmo que ele não saiba quem ela é e nem ela saiba a identidade dele. Frisk sentia que o buraco em seu coração estava um pouquinho menos vazio por causa daquela pequena aventura que lhe lembrara dos velhos tempos.
Respirando fundo para acalmar seu coração que ainda teimava em permanecer acelerado, Frisk secou as últimas lágrimas que haviam escorrido de seus olhos sem que ela percebesse e por fim, virou-se, entrando na loja contente.
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