O dia amanheceu calmo, como era comum acontecer na cidadezinha. As lojas seguiam normalmente, como se não houvesse uma guerra acontecendo ao seu redor e a situação não era diferente na chapelaria. No momento, as funcionárias estavam conversando tranquilamente, pois era um horário de pouco movimento.
Foi então que entrou na loja uma mulher loira e exuberante, com um chapéu extremamente enfeitado, tal como ela.
— Olha quem está aqui! — Ela gritou, o que fez todas as funcionárias erguerem-se e irem paparicá-la.
A exuberante mulher era a dona da chapelaria e a tia de Frisk.
Girando no mesmo lugar, a mulher exibiu o chapéu, recebendo os elogios das funcionárias.
— É lindo, Madame!
— Eu sei, nossos clientes vão adorar! — A mulher sorriu e então, chamou, indo para a sala pessoal de sua sobrinha — Frisk! Frisk...? Onde ela está?
— Madame, sua sobrinha não saiu do quarto hoje — A gerente tratou de informar.
— Que estranho... O que será que aconteceu? — A loira caminhou até os fundos da loja e então, seguiu para o segundo andar, onde ficava o quarto de sua sobrinha. Assim que estava de frente para a porta, bateu na madeira preocupada — Frisk! Frisk?
Sentada na cama e coberta até os cabelos com o edredom, a idosa anunciou: — Não entre no quarto! Estou com uma gripe muito forte... Não quero que vocês peguem!
A loira assustou-se com a voz rouca de sua sobrinha e anunciou: — Sua voz está horrível! Parece a voz de uma velha de noventa anos...
— Vou ficar no quarto dormindo o dia inteiro!
— Se você insiste... — A loira decidiu não discutir.
Frisk esperou um pouco para sair da cama. Caminhou a passos lentos até o pequeno espelho de seu quarto e fitou seu rosto envelhecido. Mais acostumada com a ideia de que estava enfeitiçada, ela até conseguiu brincar: — Estará tudo bem vovozinha, apesar de tudo, ainda é você!
Os ruídos da chapelaria chegaram até o quarto e a senhora suspirou, pensando alto: — Mas você não pode ficar aqui nesse estado...
Uma vantagem de ser idosa era que ninguém iria reconhecê-la como a ex-embaixadora dos monstros.
Aquela provavelmente era a única vantagem da atual situação da humana.
Frisk colocou seu chapéu, vestiu um xale e pegou de dentro da gaveta, um pequeno casaco azul, que seu querido amigo lhe dera quando ela ainda era criança. Saindo do quarto, a senhora espiou o movimento na casa e seguiu pelos corredores em direção à cozinha, tomando cuidado para não chamar a atenção de ninguém.
No aposento lustroso, ela juntou um pouco de comida às vestes que estavam enroladas no casaco e saiu para as ruas, escondendo-se da movimentação e dos soldados.
Frisk não sabia muito bem a direção que queria seguir, mas tinha plena consciência que deveria ir para muito longe e ela infelizmente não tinha toda a força da juventude à sua disposição. Por sorte, encontrou um carroceiro que estava de saída da cidade e perguntou-lhe se ele podia dar-lhe uma carona.
— Claro! Tenho espaço atrás, mas para onde está indo? — O homem inquiriu.
—Um pouco além de para onde você vai. — Foi a resposta que deixou o senhor confuso, mas não o suficiente para negar-lhe ajuda.
Talvez existisse uma outra vantagem de se ser idosa: despertar o lado bom no coração das pessoas.
E assim, Frisk seguiu na parte de trás da carroça, sacolejando de um lado ao outro e deixando que lembranças e pensamentos sobre seu passado tomassem conta de sua cabeça.
Quando estava de tarde, o carroceiro finalmente chegou ao seu destino. Ele ofereceu descanso e comida à idosa, mas ela recusou educadamente e seguiu a estrada para fora da fazenda do homem enquanto ouvia-o anunciar às suas costas: — É loucura ir para lá agora! Não tem nada naquela direção além de monstros refugiados da guerra!
— Obrigada, vou me lembrar disso! — Frisk gritou sem se virar.
Ela ainda conseguiu ouvir a esposa do fazendeiro inquirindo: — Ela está indo para o Monte Ebbot a essa hora?
—Ela disse que está procurando a irmã dela. — Foi a última coisa que a idosa ouviu do homem.
Logo a caminhada deixou de ser plana e tornou-se íngreme, o que dificultou muito o caminho de Frisk: por mais que ela se esforçasse para avançar, parecia que nunca saía do lugar.
Quando a fome bateu, a senhora sentou-se na estrada mesmo, abriu a trouxa que havia feito com o casaco e pegou um pouco de pão e queijo.
—Nossa, não consegui avançar nenhum pouco — Frisk murmurou dando mais uma mordida no pão seco — Mas ainda bem que os meus dentes continuam fortes...
Então, quando ela olhou em volta, deu com a inesperada visão de um galho desnudo despontando de um arbusto próximo.
— Acho que servirá como uma boa bengala! — A idosa anunciou, erguendo-se e aproximando do galho — Vamos ver...
Frisk tentou mover o galho, mas de nada adiantou. Ela então usou toda a sua força para puxar a vara, movendo-a de um lado ao outro, tentando tirá-la do emaranhado de folhas enquanto soltava alguns murmúrios irritados
Foi então que a madeira ergueu-se, mostrando que, amarrado em sua outra extremidade, havia um estranho boneco usando uma velha túnica roxa.
— Oh meu Asgore, é um boneco de treino! — Frisk arfou enquanto desamarrava-o da madeira — Mas porque você está amarrado aqui sozinho, no meio do nada...?
O boneco de treino não parecia a fim de conversar, pois permaneceu em silêncio, com as mangas de sua túnica balançando ao vento.
Depois de um tempo, Frisk murmurou: — Eu nunca gostei muito de bonecos de treino, desde pequena... Pelo menos agora você não está de ponta cabeça... Adeus...
E assim, a idosa seguiu sua viagem penosa pelas terras íngremes do Monte Ebbot. Em momento algum, a senhora deparou-se com os monstros que falavam que habitavam aquelas terras inóspitas, algo que talvez fosse um motivo para agradecer. Frisk sempre adorara as criaturas, mas nem tudo era um mar de rosas: assim como existiam humanos rudes, mal educados e perigosos, também poderiam existir monstros com igual caráter.
Estava anoitecendo quando a senhora parou para respirar, enrolando-se em seu xale e tremendo por causa do frio. Virando-se para fitar a distância que tinha percorrido, Frisk bufou: —Está muito frio e eu ainda posso ver a cidade, eu quase não saí do lugar...
Foi então que seus olhos bateram na figura conhecida que vinha pulando pela estrada atrás dela: o boneco de treino.
— Saia daqui, pare de me seguir! Não precisa me agradecer, você não me deve nada! — Frisk gritou, abanando a mão na tentativa de espantar a criatura e então, murmurou consigo mesma — Ai, deve ser algum monstro perdido e eu já estou cheia deles causando reviravoltas na minha vida!
E então ela virou-se, continuando com seu caminho e esperando que o outro não insistisse em segui-la. Quando ela teve de parar para descansar, chegou aos seus ouvidos o conhecido “tec tec tec” do boneco de treinou pulando atrás dela, o que a fez suspirar irritada.
Inesperadamente, uma bengala caiu ao lado de Frisk e ficou equilibrada em pé, tal como o boneco de treino que a havia trazido. A idosa pegou o objeto e testou-o, virando-se para seu ajudante logo em seguida: — Obrigada, esta bengala é exatamente o que eu precisava. Agora, se quiser me dar mais uma ajudinha, poderia me levar a um lugar para eu poder passar a noite.
O boneco de treino ficou parado ao lado de Frisk até que ela se desse por vencida e continuasse caminhando, o que fez o outro segui-la com seu “tec tec tec” nada discreto.
Quando eles chegaram no meio do monte, deram com uma entrada. Frisk sabia que locais escuros podiam ser perigosos e esconderem coisas assustadoras, mas o fato é que ela não tinha onde se proteger do vento, portanto, acabou seguindo o boneco de treino para dentro da caverna.
— Boboneco, espere! — Frisk arfou, seguindo o monstro, mas perdendo-o de vista em pouco tempo. Nem os barulhos da criatura pulando por aí ela conseguia ouvir mais — Boboneco?
E foi então que a senhora chegou a uma caverna com apenas um montinho de terra meio iluminado. Rapidamente ela correu para lá e enrodilhou-se ali, aquecendo-se com seu xale e suspirando por ter perdido seu acompanhante.
Era fato que Frisk nunca gostara de bonecos de treino, mas ficar sozinha agradava-a menos ainda.
— Pois bem, vovozinha, é a segunda vez na sua vida que você fica no meio de uma caverna escura que não dá para ver nada ao redor. — A idosa deitou e se cobriu com seu manto — Espero que nenhum monstro venha me atacar...
Com esses pensamentos nada animadores em mente, Frisk fechou os olhos e adormeceu rapidamente.
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