História A Marca de um Alfa - O Anjo

O branco cobria a maior parte da aldeia alguns anos antes, a escultura do lobo recém esculpida foi muito elogiada pelo líder do clã Kim. De fato, era um lindo trabalho feito na pedra antes bruta.

O escultor e criador da grande estátua era ninguém menos que o pai de Kim Seokjin.

Quando criança, o ômega vivia fuçando as ferramentas do pai. Os itens ganharam uma nova função nas mãos de Jin. Ele não levava desaforo para casa, passava grande parte do tempo sozinho antes de conhecer o alfa branquelo, Min Yoongi, que vivia emburrado e o outro, Jung Hoseok. 

Mas Seokjin se tornou popular na adolescência, apesar do temperamento intempestivo que fez ou outra o faziam acertar a cara de quem o provocasse. 

Foi assim que certo dia, quando todos esperavam para dar início ao treino, os amigos do ômega conversavam distraídos. Um grupo de alfas os abordou, Seokjin que saiu mais tarde da aula, viu os jovens implicando com os mais novos. 

Hoseok e Yoongi eram mesmo esquisitos, mas não mereciam ser tratados mal por toda a aldeia. O pai de Seokjin o ensinou a respeitar todos independente da origem.

Ele andou determinado a enfrentar os rapazes encrenqueiros, o mais alto deles levou uma boa bancada na cabeça e foi de encontro ao chão, tonto. 

O resto dos malandros se assustou, mesmo sendo ômega, Seokjin tinha fama de ser doido e isso afastava os lobos. Ele não se importava, queria proteger seus únicos amigos até então.

Namjoon se ergueu com um galo na cabeça e prestes a rosnar, o grandalhão nunca tinha encarado o ômega de perto. Seokjin continuou apontando o martelo na direção do alfa que nada disse, apenas o observou confuso.

Os amigos o tiraram de perto, não queria chamar atenção, mesmo sendo tarde. Namjoon não tirou os olhos do ômega, ainda que fosse ameaçado com a ferramenta.

Os dias passaram, Seokjin passou a notar os olhares do alfa. Esperava uma vingança, era típico dos lobos. Mas, o loiro nunca se aproximava quando o ômega surgia acompanhado de seus dois e melhores amigos.

Estava acostumado com ameaças, não esperava nada diferente do grandão. Mas, não tinha medo, apesar do tamanho, aquele alfa sempre aparecia com cara de bobo perto dele. 

Namjoon o observou por dias, incomodou-se por ver o rapaz na companhia dos alfas. Queria saber mais sobre Seokjin, e não teve outra saída a não ser sondar os amigos do ômega.           

— Se veio perguntar algo sobre o ômega, deveria falar diretamente com ele, não sou garoto de recados — foi a primeira coisa que ouviu da boca de Yoongi antes mesmo de se aproximar.

— Como você sabe que vou perguntar sobre ele? 

Hoseok o encarou, confuso.

— Ei, você não é o cara do outro dia — disse desconfiado.

— Sim, desculpa por aquilo — sorriu sem graça. — Meu nome é Namjoon, Kim Namjoon, prazer.

— Não vamos te ajudar — Yoongi foi ríspido.

— Eu sei que pode parecer estranho, mas eu preciso saber mais sobre o ômega que anda com vocês. 

— Algum motivo especial para querer saber sobre o garoto que te martelou na cabeça? — Hoseok disse cismado.

Namjoon ficou com vergonha, pois não sabia explicar o interesse repentino pelo ômega.

— Escute! — Yoongi a chamou. — Vamos fazer uma troca, eu te ajudo com o ômega, e você ajuda o meu amigo.

O Min passou o braço pelos ombros do Jung, esse que o olhou confuso.

— Como eu posso ajudar? — Namjoon soou mais empolgado do que gostaria.

— Vocês são uma família bem grande, certo? — o alfa assentiu. — Você conhece o Taehyung, do clã Kim. Se conseguir chamá-lo para sair conosco, eu te ajudo a tirar aquele ômega chato do nosso pé.

Hoseok e Namjoon se entreolharam desconfiados.

— Por que vocês querem sair com o Tae? 

— Precisamos aumentar nosso círculo de amizades — Yoongi sorriu ardiloso. — Vai ajudar ou prefere que eu peça a mão do garoto do martelo na próxima caçada? Você escolhe, grandão.

O Kim rosnou por impulso ao imaginar o outro se insinuando para o seu ômega, e saiu pisando firme dizendo que chamaria Taehyung imediatamente para conversar com os alfas, sem sequer se dar conta que acabara de pensar no garoto do martelo como seu sem sequer saber o nome do mesmo.

— Ficou louco, Taehyung vai nos achar dois estranhos — Hoseok resmungou. — Por que você fez isso?

— Hoseok, sabe onde o moleque irmão do June se meteu? — Yoongi questionou sem se importar com as reclamações do outro.

— O Jungkook? Ele deve estar com a turma do primeiro ano, por quê? — ele se levantou nervoso quando viu Namjoon puxando o ômega ruivo. — Que inferno Yoongi! O Taehyung está vindo para cá, que história foi aquela de pedir a mão do Jin, você não gosta dele…

— Cala a boca, vai logo chamar o moleque.

— Pra que você quer que eu chame o Jungkook, seu idiota?

— Por que o seu Taehyung não anda sozinho, ele vive para cima e para baixo com aquele ômega baixinho — apontou para um garoto que seguia o Kim aos tropeços.

— O Jimin? O que o Jungkook tem a ver com isso?

— Eu já te expliquei, precisamos de mais amigos, ou você quer se aproximar do ruivinho com o Park do lado? Chame o Jungkook e deixemos as crianças se distraírem no cantinho, enquanto os adultos brincam.

— Não somos adultos ainda, seu idiota — rosnou irritado. — Que tipo de plano sórdido você está tramando agora?

— Meus planos sórdidos ainda vão te fazer virar o Líder dessa aldeia — rebateu com ironia.

— Do que me adianta ser o líder se eu não tiver o Taehyung? — suspirou inconformado.

— Se confiar em mim e escutar o que eu digo, você pode ter os dois. Agora, o grande líder Hoseok pode chamar o menino Jeon aqui? — provocou.

O Jung se virou bufando e chutando as pedras pelo caminho na busca do mais novo, mesmo que não entendesse o que o Min planejava com tudo aquilo. No fundo Yoongi sentia que alguma coisa grande aconteceria, e o início de tudo seria reunindo aqueles seis lobos.

...

Era madrugada quando Namjoon abriu os olhos. A sala bege e o som de passos no corredor o fizeram lembrar do dia em que esteve ali para visitar Jimin.

A janela do quarto dava uma visão da escultura posta na praça enfrente, o grande lobo era obra do sogro, um homem talentoso, porém nada superaria sua obra mais bela, por quem o alfa suspirava todos os dias desde a primeira vez que o viu.

Ele escutou alguém chorando baixinho, o ômega de olhos inchados e rosto vermelho não notou que o alfa acordara. 

— Eu sou um péssimo alfa por te fazer chorar — Seokjin se surpreendeu com a voz fraca e rouca.

— Você… — enxugou o rosto com a palma da mão —, você é um idiota, sabia?

O alfa começou a chorar de alegria, estava tão feliz em ouvir a voz do mais velho, que sequer ligava para a dor no abdômen.

O ômega pegou um dos lenços para secar o rosto empalidecido do outro.

— Desculpe… — Namjoon segurou o pulso dele. — Eu fiquei com tanto medo.

O alfa aproximou os lábios, deixando um selar na mão do ômega.

— Eu também fiquei — confessou. — Achei que tivesse perdido você.

— Achei que nunca mais veria você outra vez, e o nosso filhote… eu sinto muito — disse com voz embargada.

— Nunca mais faça isso, eu me senti tão mal, achei que fosse morrer. Se eu te perdesse assim, perderia o nosso bebê...

— Prometo que nunca vou te deixar — Namjoon respirou fundo para não gaguejar. — Não deixarei que isso aconteça novamente.

Seokjin se desvencilhou, e estapeou o braço do alfa.

— Idiota, idiota maluco — dizia enquanto o outro sorria dolorido. — Eu deveria rachar sua cabeça.

O maior se esforçou para sentar-se de frente para o ômega emburrado. O curativo do ferimento o incomodou, e Namjoon o retirou impaciente, deixando somente os fios que o interligavam a uma bolsa de soro.

— Eu… realmente pensei que iria morrer sem nunca te contar isso… eu não me perdoaria.

— O quê? — Seokjin perguntou confuso, olhando a marca de garras na lateral do tronco despido do alfa.

— Lembra do dia que você me acertou? — o ômega assentiu confirmando. — Eu não revidei...

— Você não seria louco de revidar — respondeu convencido, mas sabia que Namjoon era naturalmente mais forte e mais treinado do que ele.

— Eu não revidei porque não consegui — Seokjin estreitou os olhos ainda mais confuso, e o alfa sorriu sobrado, envergonhado com o que estava prestes a dizer.

— Como assim?

— Foi a primeira vez que eu te vi de perto. Apesar de estudar no mesmo lugar, você era da turma do Yoongi e eu não prestava atenção em quem estivesse com ele — sorriu sem jeito. — Quando eu senti a pancada, levantei pronto para matar quem quer que fosse, mas vi você… Achei que estivesse vendo um anjo esculpido.

O ômega corou forte, mesmo depois de todos esses anos, Namjoon ainda fazia seu coração vacilar facilmente.

— Você parecia tão perfeito que eu só conseguia pensar “Uau, eu nunca teria esse ômega para mim”. Você sempre foi mais lindo que qualquer anjo esculpido no mundo.

O loiro o puxou para que ficasse em pé diante de si, encostou a cabeça no peito do mais velho, ouvindo o coração do outro bater acelerado.

— Quero mais filhotes… — murmurou manhosamente. — No mínimo cinco.

— Acha que eu sou uma galinha pra ficar pondo filhotes aqui e ali? — Seokjin apertou ainda mais o alfa em seus braços, sentindo seu corpo inteiro tremer. — Depois que o Jongdae nasceu, vamos fazer outro. E o terceiro, por acidente.

Namjoon sorriu largo com o comentário do ômega, porém, algo lhe chamou atenção.

— Jongdae? — questionou.

— Sim, vai ser o nome do nosso filhote. Achei que acabaria virando um pai solteiro, então escolhi o nome sozinho.

O alfa resmungou, mas o ômega apenas o mandou ficar quieto. O ômega o apertou ainda mais contra si, como se certificasse que o loiro era mesmo real, e não um sonho da sua cabecinha confusa.

Os dois permaneceram abraçados por longos minutos quando o toque na porta chamou a atenção. Kim Jiwon entrou assim que ouviu a voz do ômega.

— Bobby, aconteceu alguma coisa?

O alfa se aproximou negando.

— Desculpem vir tão tarde. O líder pediu para verificar como o grandão estava.

— O líder? — Seokjin sorriu desacreditado. — Como se aquele velho se importasse, diga para ele ir se lascar.

— Jin… — foi repreendido.

— Na verdade, eu não estou falando do velho Jeon — Jiwon achou graça. — O novo líder pediu para conferir como você estava.

— Novo? O que quer dizer com novo? — Namjoon tentou levantar, mas foi impedido pelo ômega. — Jungkook, ele voltou?

— Sim e não. O Jungkook está bem, ele voltou a salvo. Embora não seja ele o novo líder.

Os dois mais velhos se entreolharam surpresos.

— Isso quer dizer que... — Seokjin murmurou. — Hoseok?

Jiwon sorriu assentindo.

— Está tudo bem agora, as coisas se acalmaram lá fora, estamos esperando vocês. Quando melhorar, é claro. Vamos esperar o inverno passar para realizar as cerimônias.

— Obrigado, Bobby — Namjoon disse. — Já estou me sentindo melhor.

— Hoseok vai ficar feliz em saber. Preciso ir, te vejo depois.

O alfa fechou a porta e os dois voltaram a se abraçar no quarto mal iluminado.

— Tem certeza que só quer três filhotes? — o loiro sussurrou quebrando o silêncio.

— Fica quietinho, eu ainda vou bater na sua cara — ameaçou.

Namjoon respirou fundo sentindo o cheiro amadeirado do ômega, misturado ao do pequeno que crescia ali dentro. O alfa se sentia tão feliz, que Seokjin podia jurar que ouvia seus lobos uivando juntos. 

Mesmo que a neve caísse sem parar durante todo o inverno, o castanho não reclamaria de permanecer trancado naquele quarto, mesmo que o frio fizesse todos os outros tremerem, não haveria lugar mais quente para o garoto do martelo do que nos braços do seu alfa.

— Quatro filhotes e não falamos mais nisso?

— Eu disse pra calar a boca. Idiota!