I - Paixão de nasce
1 — Lindo como um deus
— Que cheiro bom Rosana! Que perfume você está usando?
— Deixe de besteira, Isabel. É o mesmo que o seu.
Rosana estava linda, como sempre. Linda como de propósito para humilhar Isabel.
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Era mesmo uma beleza a casa da tia Adelaine. O que não parecia uma beleza era a própria tia Adelaine. Recebia os convidados como se ela própria estivesse fazendo dezesseis anos. E o pior é que estava vestida como se fizesse dezesseis anos.
— Isabel! Há quanto tempo! Como você esta crescida. . . Está uma mocinha perfeita!
"E a senhora não está uma mocinha perfeita!", pensou Isabel, enquanto aceitava os beijinhos da tia.
— E essa lindeza, quem é?
— É a Rosana, minha amiga. Pensei que a senhora não se importaria se. . .
— Oh, mas é claro que eu não me importo! Você fez muito bem em trazê-la. Cristiano vai adorar mais uma menina bonita na festa. Mas entrem, entrem!
De fora, Isabel já podia ouvir o som ligado naquele volume chega-de-papo. Monotonamente, o surdo da bateria reboava como se dissesse:
— Não entre. . . não entre. . .
Isabel apertou a mão de Rosana e arrastou a amiga atrás da dona da casa.
As dimensões do salão perdiam-se nos cantos escurecidos pela iluminação precária, cheia de clarões piscantes, destinados a exitar os espíritos.
No meio do salão, corpos sacudiam-se ao ritmo de um som frenético, meio misturados numa massa multicor que formava um bloco único, anônimo, como a representação de um inferno alegre, alucinante. . .
Tia Adelaine falava sem parar, apontava para todos os lados e ria muito, mas nenhum som humano poderia sobrepor-se àquela loucura.
— A senhora é mais ridícula do que eu esperava!
Disse Isabel, rindo também pela oportunidade de acorbertar a franqueza debaixo daquele som infernal.
— Hein?
— Eu disse que a senhora é ridícula!
— Desculpe, querida, mas eu não ouço nada com essa música. . .
Da massa confusa de dançarinos, uma figura destacou-se.
Foi como se os mais ousados sonhos de Isabel tivessem tomado corpo e forma.
Corpo e forma de sonho.
O sonho dos sonhos de Isabel.
Ele se aproximou, com aquela luz maluca fazendo brilhar seus dentes e o branco de seus olhos.
E que dentes!
E que olhos!
Tia Adelaine ria mais ainda e apontava o rapaz, papagueando sempre. Pouco ou nada dava para entender, por mais que a tia berrasse. Mas Isabel praticamente adivinhou, praticamente leu nos lábios a palavra chave daquele discurso:
— . . . Cristiano . . .
Criatiano! Aquele era Cristiano!
Na memória de Isabel, só havia o registro distante de um primo entre outros, talvez um daqueles moleques briguentos, que só pensavam em futebol. Mas o moleque tinha se transformado.
— Como é mesmo o nome daquele deus grego? —
raciocinou Isabel em voz alta, acorbertada pelo som da festa. — Dionísio? Apolo? Não importa. Vou chama-lo de "sonho"!
— Hein?
Tia Adelaine berrava para o filho e apontava as duas amigas. Cristiano disse alguma coisa, bem humorado, e abraçou Rosana, apertadamente. Tia Adelaine sacudiu a cabeça várias vezes e indicou Isabel. O rapaz falou novamente, rindo sempre, e voltou-se para a garota certa.
Isabel sentiu-se anlaçada por aqueles braços, e o rosto do rapaz colou-se ao dela.
— Oi, prima. Como você ficou linda. . . — bem próximo ao ouvido de Isabel, a voz quente de Cristiano envolveu-la, claramente, distintamente, fazendo-a surda a qualquer outro som.
— Linda?! — sussurrou a menina, surpresa e enlevada. — Eu? Sou linda? Você disse que eu sou linda?
Mesmo colado a ela, Cristiano não entendeu o sussurro. E, como se fosse um confeiteiro colocando uma cereja como um toque final de gênio sobre a torta apetitosa, o rapaz beijou o rosto de Isabel com força, fazendo estalar os lábios.
As luzes, as cores e o sangue de Isabel misturaram-se numa vertigem gostosa, e o ímpeto da menina foi fechar os olhos e colocar-se na pontinha dos pés, oferecendo os lábios a Criatiano.
Mas, em vez disso, o que fez foi rir alto, dizendo qualquer coisa, como se fosse a piada mais engraçada do mundo.
— Cristiano, era você que eu estava esperando a vida toda. . .
Como se aquilo fosse um jogo, o rapaz falava também, rindo, sem entender nada do que ouvia.
— Sonho. O meu sonho. Você é o meu sonho feito homem. . .
Ainda segurando os ombros de Isabel, Cristiano ria muito.
— Eu nasci para amar você, meu sonho. . .
Naquele instante, a fita chegou ao fim, e a palavra "sonho" ressoou claramente pelo salão.
— Hein? Sonho? O que você disse?
— Nada, primo. . .
Os acordes de uma música lenta, romântica, iniciaram uma nova seleção, preparada para secar o suor dos dançarinos. Isabel esperou novamente o calor do abraço de Cristiano, pronta a deslizar pelo salão ao seu comando, não importa aonde ele a guiasse. Ao infinito, talvez. . .
— E esta beleza aqui, quem é?
— Hã? Ah! É Rosana, minha amiga. . .
— Então vamos nos apresentar, Rosana.
E foi Rosana que aqueles braços envolveram e carregaram para misturar-se a nova massa que se formava, agora numa forma lenta, arfante.
Tia Adelaine já desaparecera. A música desta vez não encobria a voz, e foi num murmúrio que Isabel falou:
— Rosana, devolva o meu sonho. . .
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Maquinalmente, tinha apanhado um copo de uma bandeja que alguém lhe estendera. O líquido estava amargo demais para um refrigerante e aquele já devia ser o terceiro copo que Isabel aceitava. Ou talvez fosse o quarto.
Tinha escapado silenciosamente pela porta-janela que dava para o jardim e agora estava na penumbra, sozinha, com seu copo, vendo de fora o grupo de dançarinos consumir, uma após a outra, as músicas da seleção romântica. Com aquela iluminação, não era possível distinguir ninguém, mas Isabel via, em todos os casais, um só par de namorados.
A moldura da porta-janela era como uma tela.de cinema. Sozinha, no escuro da platéia, Isabel assistia àquele filme, imaginando a história, criando cada fala, cada cena.
Interrompendo o filme, na tela iluminada surgiu uma silhueta que não fazia parte do enredo. A silhueta caminhou até ela.
— Oi. É uma festa particular? Por que não me convida?
A luz do salão iluminou o rosto do rapaz ã sua frente, que a olhava nos olhos, sorrindo.
Isabel desviou o olhar e, por um momento, odiou aquele rapaz que vinha distraí-la em sua sentinela.
— Eu sou o Fernando. E você?
— Eu? Sou a ilusão. . .
— É um nome estranho para quem está sozinha. A ilusão nunca está sozinha. . .
— Pode me chamar de cretina, então. É o meu apelido.
— Cretino é aquele que crê em tudo o que ouve. Você acredita em tudo?
— Eu? Não. Só naquilo que me ilude.
— Acreditaria se eu dissesse que é a garota mais linda da festa ?
— Não. Eu diria que você está me gozando. E o esbofetearia.
— Seria uma nova experiência ser esbofeteado por uma ilusão.
— Ou por uma cretina. . .
— Você tem resposta pra tudo, não é?
— Não. Só pra gente que tem pergunta pra tudo.
Isabel entornou rapidamente o resto do copo e o líquido escorreu quente, queimando tudo por onde passava.
— Quer outro refrigerante? Vou buscar.
Fernando afastou-se e Isabel aproveitou para internar-se ainda mais no jardim, escondendo-se na sombra.
Pela porta-janela saía o vulto de um casal abraçado. Impossível reconhcê-los sob a pouca luz do jardim, mas Isabel adivinhou. Eram eles. Viu quando a moça ergueu o rosto e viu o rapaz envolvê-la num beijo longo, definitivo.
Dentro da cabeça de Isabel, os vapores da bebida explodiram, lançando fogo através de todas as veias e artérias. O mundo oscilou de repente, e a menina sentiu a terra úmida contra o rosto.
Não perdeu os sentidos, mas não conseguia mover-se. Tudo sentia, porém. Parece até que sentia mais do que nunca. Sentia a grama a picar-lhe o rosto e sentia os braços fortes que começavam a levantá-la.
— Cristiano. . . você veio. . .
Abraçou-se fortemente contra o peito que a amparava. O calor daquele corpo forte deu-lhe febre e seus lábios espremeram-se loucamente contra aquela pele quente, com cheiro de colônia. Uma correntinha roçou-lhe o rosto e ela ergueu a cabeça, oferecendo os lábios úmidos, ávidos, desesperados.
Uma boca maravilhosa colou-se à dela, enquanto a força daqueles braços a apertava com loucura. Sentiu-se morrer de felicidade e o mundo apagou-se com o nome adorado estourando em sua cabeça como um coro de anjos.
— Cristiano. . . meu amor. . .
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