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História A menina e o Mundo - A Menina e o Mundo


Escrita por: Luciuslestrange

Capítulo 1 - A Menina e o Mundo


Fanfic / Fanfiction A menina e o Mundo - A Menina e o Mundo

Ela o viu pela última vez num almoço que ele tinha oferecido na casa dele.

Ele estava magro e falava em um tom de voz muito melancólico, delicado, uma voz chorosa mesmo.
Era muito estranho ver Leonardo ali, desmazelado e jogado em sua velha poltrona de couro falso. Ele que era dez anos mais velho que ela, que viajava e ia grandes boates e gafieiras, que era o primeiro amigo a assumir, de fato, a homossexualidade, ou melhor, que levantava a condição de homessexual como um facho, um estandarte. Ele era sensacional. Em seus áureos tempos ele era mordaz, sempre muito debochado, sempre muito alegre, gesticulava muito e tinha mil sotaques. Sempre preparado para defender os que ele considerava e beber com eles ouvindo Maria Bethânia depois. Mas agora estava isolado  em sua própria poltrona, com o olhar distante  que não era dele, cantarolando  melancolicamente, uma melodia muito bonita. Era Bethânia, ela sabia disso, ele adorava Maria Bethânia e estava tocando o ''Pássaro Proibido'', de 1976. Ela só não sabia se aquela coisa bonita era ''Mãe Maria'' ou ''Olhos nos Olhos."
Lá pelas tantas, em um momento qualquer em que estavam todos em roda num pano colorido psicodélico (ele tinha comprado em um brechó em Londres),que ele achava que era um tapete. Tocava a ''A Balada do Lado sem Luz.''
Ela fechou os olhos para captar aquele momento: Ele estava calado, enquanto todos praticamente gritavam, ele estava oco e em um gesto desesperado, soltou uma:

-Todo ser humano que acorda pra realidade da existência se depara cedo ou mais tarde com essa angústia, e daí para uma tentativa de ''fugir'' dela é um passo.

 

Dois dias depois, Leonardo Soares tinha cortado ''todos os pulsos do mundo'' na banheira de mármore. O motivo? HIV. Já fazem três anos

Ela não teve coragem de ir ao enterro, mas foi - continua sendo - difícil para ela lembrar da morte dele, mas acima de tudo o que aquilo tudo representou pra ela.

Ele morreu e viveu muito mais do que ela.

O quê era ela ? Uma mulher de vinte e um anos, (o que para ela não significava nada), já que para ela era como se tivesse dormido aos quinze e acordado aos vinte e um, sem pircing ou tatuagem. Ainda era virgem e nunca tinha sequer pintado os cabelos. de fato, não tinha muita coisa de interessante na vida de Bruna. Morava na mesma casa confortável desde os oito anos quando os pais se separaram, dormia na mesma cama box de solteiro - que estava curta para ela - e se arrastava como um hipopótamo num manguezal pela faculdade de artes. Além de tudo, de umas duas semanas para cá, teve a ventura de adquirir uma terrível insônia, que a assombrava toda a noite. Tentou cura-la com Netflix, mas a exposição dos olhos a luz do computador doía-lhe. Depois tentou remédios, mas acabou tento uma dor terrível no estômago. Acabou por conviver com ela e rolar de um lado para o outro na cama.

Os olhos claros de Bruna estavam pregados no teto, a boca estava amarga com o gosto do cigarro barato que fumara  na saída da faculdade, antes de ir para casa e - como se já não bastasse -  os pensamentos fluíam, medida que as horas - sempre mortas - se passavam. Eram pensamentos sem sentido aparente, que iam do filme da Elis Regina que estrearia no mês que vem ao término do ''romance'' com Bárbara. Quando tinha uns quinze para dezesseis anos, conheceu por meio de um livro biográfico - emprestado por Leonardo - a trajetória de Elis, foi apaixonante ouvir aquelas músicas enquanto ela lia. Ai ela queria cortar os cabelos  cor de ouro,rente à cabeça, como os da diva. A mãe a chamou de louca e a deixou três semanas de castigo, só pelo fato de pensar em cortar os cabelos.
Mas logo depois, os pensamentos começaram a sair daquele fatídico incidente e foram para Bárbara. Os olhos cor de avelã, os cabelos cor de fogo, a boca rabiscada de azul, os peitos,a bunda... O rosto e o resto. Que culpa tinha ela, se sua mente estava cada vez mais confusa, que seus pensamentos estavam morrendo a medida que o sono passava... Tinha jurado a si mesma que não iria mais pensar nela e em todas as coisas lindas que com ela viveu. Que colocar quaisquer expectativa em cima de Bárbara era plantar uma palmeira na areia de Copacabana. Era tortura ? talvez, mas não sabia como ela conseguiria parar de pensar nela, naquela maldita menina com os malditos cabelos e os olhos que de tão expressivos pareciam trasbordar da face cavada de acne. O pessoal da faculdade sempre ria das duas, eram o casal mais improvável do mundo.

Bruna era bonita, tinha uma pele absolutamente branca, uns olhos azuis e um cabelo louro-avermelhado. Sim, parecia ter saído de um filme. Mas como diz uma amiga muito querida, ''Beleza não se põe na mesa.''  Ela  se achava horrível, magra demais, sem sal demais... Bárbara era diferente daquilo tudo, era iluminada aquela menina com aquela luz, que era uma eterna contrapartida de toda a tristeza que a menina dos olhos de fantasma .
A madrugada estava fria e ela tinha uma imensa preguiça de ir até o guarda-roupas pegar uma coberta mais grossa. Era tão difícil para ela, que voltava tão cansada da faculdade e não conseguia dormir. De umas duas semanas para cá, depois da dolorosa briga com a mãe, não tinha paciência para dormir, e mesmo que tivesse, a insônia não deixaria porque ela era dessas. Mas as as coisas nunca foram das mais fáceis, ao menos para ela.

Ela levantou, estava com muito frio e teve de pegar uma coberta. Com muita raiva de estar em na primavera seca de novembro e estar com frio, abriu o guarda-roupas, ao puxar a coberta que demorava muito para sair, uma série de coisas caiu junto. Eram fotos, discos empoeirados de MPB e livros. Entre toda aquelas coisas que carinhosamente sua mãe chamava de ''tranqueira desnecessária'', estava um disco da Bethânia e um livro do Machado de Assis. Ambos tinham em comum o fato de serem muito antigos e serem presente do amigo Leonardo, que sua mãe apelidara carinhosamente de ''Veado aidético.''

Foi graças a ele que ela conheceu Bárbara, foi em uma das muitas bebedeiras que ele organizava no apartamento na Rua Augusta. Ela estava sozinha, o amigo tinha ido até o quarto, levando dois garotos - um de quinze e um de vinte e três - pela mão.
Foi naquele momento em que elas se aproximaram, Bárbara ofereceu um cigarro Black de cravo para ela, num compartimento de cigarros cor de prata, que Bruna achou lindo. As duas conversaram sobre música, descobriram uma paixão em comum por Engenheiros do Hawaii, Beatles e Elis. Quando se despediram, Bárbara a beijou. Foi estranho, mas ela não quis parar, o pircing no freio de Bárbara fazia cócegas. Quando desgrudaram os lábios, notaram que todos e todas ali presentes repararam, até Leonardo saiu de roupão de oncinha com uma taça que trasbordava de vinho barato.
Ele era alto e magro, tinha um  cabelo loiro platinado que combinava perfeitamente com as lentes de contato azul, também estava usando uns cílios postiços que estavam absolutamente tortos

- Tem um quarto sobrando Barbarela! - disse ele falando enquanto bebia o vinho, cuspindo a maior parte no chão - pede pra Bruninha te mostrar o sinal, o sinal de Paquetá!

Ele soltou uma gargalhada mordaz e saiu para o quarto, onde os outros dois o esperavam. Bárbara ficou vermelha como um pimentão, mas Bruna pegou-a pela mão e guiou-a pela mão até o quarto. Era simples, uma cama de casal com uns lençóis de seda, e umas paredes forradas de jornal. Quando deu por si o que tinha feito, corou violentamente. 

- Me deixa ver ? - disse Bárbara com os olhos brilhando de puro desejo.

Ela entendeu o recado e logo ergueu a barra do vestido bem acima da coxa, mas logo desceu.

Bárbara foi se aproximando e prensou a outra contra a parede. Por mais que quisesse, Bruna não conseguia negar que estaba gostando daquela situação. O perfume amadeirado de Bárbara inebriava as narinas de Bruna.

- Foi em uma queda de patins, eu tinha ido com meus pais para Paquetá.

- Ainda dói ? - disse a outra com uma voz rouca puxando violentamente o vestido para cima. Era um corte, provavelmente já tinha sido costurado.

A mais velha tomou os lábios da outra com volúpia, Bruna se fez de sonsa epenas aceitou de bom grado. Assim foi a primeira vez dela - ao menos com uma garota.

Mas com o passar dos meses, a mãe começou a faz pressão na menina, queria saber onde ela ia toda a noite e nos finais de semana. Ela não podia contar, imagine como seria para a católica Dona Cléa, ter uma filha lésbica. As cobranças por parte de Bárbara também estavam se fazendo presentes. Ela queria sair todo o dia, não entendia que Bruna era uma pessoa das mais introspectivas coisa e tal. Até que chegou um momento em que  ela resolveu matar dois coelhos com uma caixa d'água só (N.A:sim, eu mato meus coelhos com uma caixa d'água, eu afogo eles u-u). Acabou por decretar fim aquele romance. Que não morreu por revólver, ciumes ou remédio, mas morreu de tédio.

- A culpa não foi minha, eu não estava preparada pra um relacionamento, nem sei se estou ainda - murmurava ela de olhos fechados. 

Mas sabia que aquilo era coisa da insônia e dos pensamentos nas horas sempre mortas. Que ela na realidade precisava ser feliz com ela mesma, ser como Leonardo, ter a sua casa e a sua vida.

A lua ainda estava no céu, mas isso não a aborreceu, logo o dia amanheceria e - se deus quisesse - faria sol e ela vestiria seu mais lindo vestido branco de verão, com estampa de sorvetes e sairia com a maleta em uma mão e o livro do Machado de Assis na outra. 

Talvez não devesse se preocupar com o futuro, tinha apenas vinte e poucos anos.

Ela era aquilo, os livros, os discos, as memórias... 

A menina e o Mundo, o seu mundo

 

 



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