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História A neve e os dragões - O aluno novo


Escrita por: Cronist

Capítulo 1 - O aluno novo


Prólogo

O ratinho do campo se movia por cima da neve recém-caída. Ele tinha a pelagem castanho-escura, um pontinho quase negro no meio da neve. A floresta à sua volta estava coberta de neve como todo o resto da clareira, e o ratinho parecia perdido. Ele se movia freneticamente de um lado para o outro, talvez procurando alimento por baixo da espessa camada de neve. Talvez aquele fosse seu primeiro inverno, e ele quisesse descobrir o que era aquela coisa branca e gelada.

Fora do alcance do ratinho, nos galhos dos possantes carvalhos em volta da clareira, uma coruja o observava.

Era uma coruja das neves completamente branca, puríssima, suas belas penas se misturando com perfeição na neve por entre as folhas dos carvalhos. Ela não se movia, seus grandes olhos azuis nunca se desviando do ratinho na neve. Ele era sua presa. Ele era seu alvo.

O ratinho não podia ver a coruja. Ela alçou voo, suas asas silenciosas como a morte que carregava nas garras afiadas das patas. O ratinho cavava a neve, não sabia o que se aproximava. A coruja abriu as garras, pegou o ratinho. Ela pousa na neve. O ratinho se contorce em suas garras. Seus grandes olhos azuis o observam, famintos. O ratinho só tem tempo de dar seu ultimo suspiro. A coruja abre seu bico...

... E mordisca delicadamente eu pescoço, um sorriso brincalhão em seus lábios. Ele não sabe bem o que aconteceu ainda, sua cabeça ainda gira. Mas seu predador sabe muito bem.

Ao não matar o ratinho, a coruja fez uma escolha sem volta.

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Capítulo 1 – o aluno novo

Era dia sete de outubro, início da segunda etapa do calendário escolar e do outono também. O dia estava frio e nublado, o vento castigava as pobres arvores que lutavam para não se encurvar e quebrar. Segunda-feira, a cidade inteira tava se recuperando da ressaca de domingo, tava todo mundo meio devagar, inclusive eu, que estava com dor de cabeça por ter passado a noite inteira fazendo o curso online de programação na qual eu convenci meu pai a me por. Eu me sentei onde eu me sentava sempre, na ultima cadeira da primeira fileira direção porta-parede, e estava refazendo alguns exercícios de matemática que eu não tinha certeza se estavam certos ou errados.

Aquele parecia um dia normal no colégio, e todos queriam fazer de conta que realmente era. Mas não era. Aquela segunda feira era diferente.

No domingo, uma menina fora morta.

Em uma cidadezinha pequena onde todo mundo conhecia todo mundo, aquilo era uma coisa terrível. Mesmo rodeados de três outras grandes cidades, Fallen Hills ainda era uma cidadezinha pequena rodeada por uma floresta relativamente grande, então quase ninguém vinha para cá a não ser que estivesse fazendo trilha na floresta, e foi justamente assim que descobriram o corpo da menina. Um casal de viajantes estava fazendo trilha na parte alta da floresta, onde as árvores estendem suas raízes para cima das montanhas. Eles caminhavam normalmente, até que a mulher tropeçou em algo no meio do caminho e eles descobriram que se tratava de um braço congelado, branco, misturado nas folhas caídas como a raiz de uma árvore. Depois, foi uma questão de caça ao tesouro achar o corpo completo da menina.

Ela havia sido brutalmente mutilada, seus membros separados de seu corpo por garras e dentes afiados como navalhas. O pior havia sido a cabeça: foi achada dentro de uma lixeira em um dos condomínios mais respeitados da cidade, pra ser mais exato na casa do xerife. Ela foi achada pelo filho único dele, que havia saído para tirar o lixo pela manhã e a encontrou embrulhada em papel filme a boca aberta cheia de ratos do campo, comuns naquela área, como uma provocação.

Vocês já até sabem quem foi o menino que a achou, certo?

Eu me lembraria daquele dia pelo resto da minha vida. Pra ser mais exato, eu poderia me lembrar daquele dia como o momento exato em que a minha vida começou a escorregar ladeira abaixo.

Eu passei o dia inteiro na delegacia da cidade vizinha, onde haviam psicólogos e cientistas forenses o suficiente para a averiguação da cabeça. Me enrolaram em um cobertor, me deram chocolate quente e deram tapinhas nas minhas costas até dizer chega, e apesar de eu estar, sim em choque, eu não estava catatônico.

Tá, eu gritei igual a uma menininha quando achei a cabeça, e sim, eu me escondi dentro do cobertor pra que ninguém visse a minha cara de pânico, mas depois de duas horas eu já estava de saco cheio de tudo aquilo e só queria voltar pra casa. Pra mim, aquele havia sido só um dia ruim. Até aquele momento, tudo estava correndo de maneira relativamente normal, mesmo com o pequeno trauma que eu havia sofrido por achar a porra de uma cabeça mutilada na minha lixeira, mas voltando à escola, a partir do momento em que Astrid, a menina mais bonita, inteligente, badass, popular e casca-grossa do colégio, entrou na sala e ao invés de me ignorar completamente como manda a regra, andou em direção à minha mesa e se apoiou no tampo por um momento até eu notar que ela estava ali e não pretendia passar direto.

Só isso já deveria ter me assegurado que meu dia seria ou o paraíso ou o inferno. Me conhecendo do jeito que eu conheço, provavelmente o inferno.

-ei, nerd. Bom dia. – ela diz, irritada, mas só sarcasticamente. – não me viu ainda?

Eu dou um pulo na cadeira, assustado, e derrubo meu fichário no chão, com todos os meus desenhos e anotações. E não, isso não tinha nada a ver com a cabeça, eram só os meus nervos me atacando de novo.

-opa, aparentemente não. – Astrid diz, me ajudando a pegar o fichário e os milhares de papéis que agora estavam espalhados pelo chão.

Após conseguir guardar a ultima folha eu olho para ela meio assustado, meus olhos verdes demonstrando meu pânico por trás dos óculos que eram grandes demais. Ela riu ao ver meu olhar desesperado, como uma gata loira que olha para um passarinho que acabou de derrubar. Seu sorriso podia ser definido exatamente assim: felino, perigoso.

Ela ajeitou a camisa de tecido fino por baixo do casaco de couro preto antes de se voltar para mim novamente.

-então... – ela diz, se sentando na mesa em frente à minha. – dizem as más línguas que você achou uma cabeça na sua lixeira ontem de manhã.

Obviamente todo o zum-zum-zum da sala aquietou-se e subitamente trinta pares de olhos se voltavam para nós dois. Eu comecei a suar mesmo com o frio de cinco graus que estava fazendo lá fora, e foi só depois de respirar bem fundo que eu consegui falar sem gaguejar.

-é. Achei. – digo, curto.

Ela volta a sorrir de maneira felina. Seus olhos afiados me examinam de cima a baixo.

-e quem era? Você a conhece? – ela indaga.

A essa altura toda a sala já estava sussurrando.

-não, mas... Eu tive a impressão de que já a havia visto em algum lugar.

Foi nesse momento que os autofalantes espalhados pela escola quase me mataram do coração, anunciando:

-atenção alunos. Chamada de emergência. Dirijam-se com calma até o ginásio. Não é necessário ter pânico. Os professores acompanharão cada turma até suas respectivas posições.

Bem na deixa, nossa professora chegou, um passarinho assustado, seus cabelos curtos meio bagunçados e seus belos olhos amendoados esbugalhados e cheios de olheiras.

-ahem. – ela diz, limpando a garganta. – por favor, me sigam.

Todos os alunos arrumaram seus materiais escolares e seguiram a professora até o ginásio em fila indiana. Era assustadora a quantidade de gente que se reunira. Aquela era uma das poucas escolas da pequena cidade, e mesmo com relativamente poucas pessoas por metro quadrado e uma densidade populacional mais leve do que a de outras cidades do mesmo tamanho, Fallen Hills ainda tinha bastante gente, um número que a cada ano aumentava mais com cada vez mais gente se mudando para cá em busca de alguma paz e tranquilidade.

Quando nós chegamos ao ginásio, a diretora estava uma bagunça: ela, que era normalmente tão elegante, estava com as roupas todas amassadas, o cabelo crespo cacheado todo despenteado, olheiras embaixo de seus olhos castanhos, e a expressão em seu rosto era a de quem havia visto um fantasma. Ela estava conversando com alguns inspetores, coordenadores e professores, e parecia muito preocupada.

Depois de alguns minutos, a diretora finalmente pegou o microfone e começou a falar. Nessa hora, um cara enorme, ruivo e com uma barba gigantesca se levantou de uma cadeira no canto do palco onde ela estava, e foi aí que eu finalmente vi o meu pai. Ele parecia cansado, e antes de a diretora começar a afalar eu já sabia do que o assunto se tratava.

-um-hm. Caros alunos. – sua voz baixa e cansada foi ouvida nos auto-falantes. – bem vindos. Perdoem a interrupção das aulas, mas temos um assunto muito importante a tratar. Como já devem saber, uma menina foi assassinada ontem.

Ouviram-se muitos murmúrios, e eu só queria enfiar a minha cara na minha mochila e sumir dali.

-o nome dela era Isabella Folks. Ela tinha dezesseis anos, cabelo castanho, pele clara, sardas no rosto. Ela era nossa aluna.

Ouviu-se um leve barulho. E quando todos olharam havia algumas meninas da sala do segundo ano que estavam em prantos. Alguns meninos tentavam se segurar, mas não estavam tendo muito sucesso. A diretora respirou fundo por um segundo, como se ela própria estivesse controlando suas lágrimas.

-como já devem saber, sua... Seu corpo foi encontrado por um de nossos alunos também. – ela evitou falar da cabeça mutilada. –por esses motivos essas duas classes serão suspensas por dois meses. Suas notas serão arredondadas para a mesma do bimestre anterior, e vocês serão automaticamente aprovados nesse bimestre. Vocês ainda terão aulas, porém se precisarem voltar para casa não há nada a impedi-los. Os professores ainda estão autorizados a dar matéria nova, no entanto. Eu gostaria de chamar o aluno Hector Haddock, que achou o corpo, para a diretoria. O xerife gostaria de fazer mais algumas perguntas. O resto dos alunos terá o resto do ano letivo de maneira normal, e, portanto, podem voltar às salas de aula. Eu peço, porém, que tomem cuidado. Qualquer um que pode matar a sangue frio uma menina inocente daquela maneira, não vai hesitar em mata-los também. Não sejam estúpidos. Não vão caçar o assassino. A polícia fará seu trabalho e o pegará, e ele será punido da maneira que deve ser. Por favor, mantenham-se seguros.– ela fez uma pausa pra respirar. – não queremos mais um corpo para a contagem.

Depois disso, todos foram de volta para as salas de aula, menos a classe de Isabella e a minha. Esses foram pra casa enquanto eu me dirigia à diretoria. Astrid não voltou a me procurar, mas ela me lançou um olhar um tanto suspeito de longe, o que me assegurou que nossa conversa não estava terminada ainda. Andando até a diretoria de cabeça baixa, eu quase entrei sem notar que já havia mais alguém lá dentro, e que eu deveria esperar eles saírem para poder entrar. Eu, curioso, dei uma espiadela lá dentro, e o que vi me deixou um tanto confuso.

Havia uma família lá dentro. Um homem enorme, do tamanho do meu pai, mas muito mais velho, com longos cabelos brancos e uma barba que daria inveja no Papai Noel, olhos azuis muito brilhantes e modos de um ex-fuzileiro naval. Uma mulher minúscula, de feições apertadas como as de um beija-flor, um corte de cabelo curto e repicado cheio de mechas coloridas por cima das madeixas castanho-escuras que a faziam se parecer com uma fada, e uma pele marrom-acinzentada como a de uma princesa árabe. Um homem alto, muito alto, de pelo menos um e oitenta de altura, cabelos grisalhos e magro, mas ainda forte. Um homem mais baixinho, gordinho, ruivo dos olhos castanhos que parecia um anjo querubim que se vê nas pinturas barrocas. Mas o mais curioso era o menino.

Ele era quase uma cabeça inteira mais alto do que eu, tinha cabelo branco, tão branco que até parecia natural, imitando os do velho, olhos azuis muito profundos e uma pele tão pálida que fazia até a de Isabella parecer saudável. Ele usava um moletom azul-escuro com uma jaqueta cinza-escura por cima e jeans pretos, além de botas nos pés. Ele parecia entediado, e não se encaixava muito bem no grupo, apesar de ser muito parecido com o velho. Talvez fosse seu neto.

Eu simplesmente os ignorei depois um tempo, e quando eles saíram, não dirigiram uma palavra a mim.

Simplesmente entrei na diretoria sem dar um único pio.

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