1. Spirit Fanfics >
  2. A Outra Hawkins >
  3. O Amigo Solitário na Rua Maple

História A Outra Hawkins - O Amigo Solitário na Rua Maple


Escrita por: StrangerTales

Notas do Autor


Olá novamente, pessoal! Primeiramente gostaria de agradecer a todos que leram o capítulo inicial e àqueles que porventura estiverem acompanhando minha historinha. O feedback de vocês é importantíssimo, então obrigada mesmo!
Segue aqui a parte dois da jornada do menino Will Byers... Boa leitura!

Capítulo 2 - O Amigo Solitário na Rua Maple


Fanfic / Fanfiction A Outra Hawkins - O Amigo Solitário na Rua Maple

A criatura emitiu seu som agourento fazendo com que Will, que agora tremia convulsivamente, deixasse o telefone escapulir de suas mãos, ficando o mesmo pendurado inerte pelo fio. O garoto não conseguia pensar em nada que pudesse fazer para salvar-se naquele momento já que seu cérebro simplesmente parecia ter entrado em curto-circuito devido ao pânico. Sua morte parecia certa dessa vez.

Em questão de segundos, a criatura avançou num pulo em cima dele e Will, de súbito, esquivou-se rapidamente do ataque enquanto o monstro esbarrou-se na parede, batendo as enormes mãos com toda força no telefone que, por pouco, não caiu destruído no chão. Ele viu-se agora agindo puramente por instinto. Não pensava em nada e muito menos sentia que estava em posse do seu corpo. Mais uma vez era como se ossos e músculos tivessem ganhado vida própria para tentar tirá-lo dali com vida antes que fosse tarde demais.

A criatura virou-se para ele e foi andando lentamente em sua direção, abrindo a enorme boca que mais parecia uma planta carnívora de forma ameaçadora. Will viu-se recuando pela sala e por pouco não tropeçou na mesa de centro e caiu. Mais alguns passos e ele viu um abajur ao alcance de sua mão direita e então teve somente o tempo de pegá-lo antes da criatura partir para cima em uma nova investida.

O ser enorme pulou em sua direção de forma aterradora, abrindo a enorme boca, mas Will novamente foi mais rápido, esquivando-se em direção à porta da frente. Sem nem pensar duas vezes, ele jogou o abajur com toda a força que pode no monstro, o que o fez, por um breve momento, perder o equilíbrio e cair de encontro à parede. O garoto então aproveitou o brevíssimo instante de fragilidade da besta e saiu porta a fora, correndo desabalado para a escuridão da floresta.

Seu coração batia agora com tanta força que até doía dentro do peito, sua respiração ofegava e os músculos tensos pareciam queimar sob sua pele pálida, mas ele simplesmente não se importava.

Depois de alguns minutos de corrida ele viu-se novamente na estrada da Floresta das Trevas. Parou então por alguns segundos, olhando nervosamente ao redor, para recuperar um pouco do fôlego. Não demorou muito para ouvir as passadas rápidas e o som agourento, cada vez mais próximos, fazendo com que ele atravessasse a estrada e disparasse para dentro da parte mais densa da floresta sem nem pensar duas vezes.

Ele correu pelo que lhe pareceu ser uma eternidade, mas não ousava parar até encontrar um lugar seguro. Sentia que se parasse agora para descansar, poderia cair duro ali mesmo onde estava. Então ele prosseguiu na sua fuga ensandecida até que começou a ter um levíssimo reconhecimento do ambiente.

Lembrou-se da fenda ao pé da árvore, pois sabia que ela ficava ali em algum lugar nas redondezas. Se o monstro não o encontrou lá da última vez, provavelmente não o encontraria agora, ele pensou. Will então desacelerou um pouco o ritmo da corrida e tentou cobrir um pouco das áreas ao redor ao invés de apenas correr desenfreadamente em linha reta.

Após alguns minutos de uma procura angustiante, ele avistou a abençoada árvore com sua fenda, exatamente como ele havia deixado antes. O monstro definitivamente não parecia ter conhecimento daquele seu esconderijo. Ele então correu e acomodou-se novamente lá dentro, cobrindo-se com aquele manto asqueroso de folhas mortas e a velha gosma. Tudo que lhe restava agora era esperar.

Seu coração mal tinha desacelerado um pouco quando ele começou a ouvir novamente as passadas pesadas cada vez mais próximas, fazendo o músculo dentro do seu peito bater descontroladamente mais uma vez. Os passos agora eram lentos e assustadoramente próximos.

A criatura certamente estava vistoriando a área ao seu redor e Will teve que segurar um grito de pavor com uma das mãos quando viu o vulto enorme passar lentamente a sua frente, bloqueando a fraca luz que vinha do lado de fora. Pouco depois, contudo, os passos voltaram a ficar rápidos e cada vez mais distantes. Aparentemente o monstro estava indo embora.

Ele permaneceu imóvel como uma pedra por uns bons minutos, com olhos vidrados observando pelas frestas do manto asqueroso que lhe cobria se a criatura não tinha resolvido voltar para fazer-lhe uma pequena surpresa. Aos poucos, no entanto, ele foi sentindo seus músculos relaxarem levemente à medida que o ar entrava e saia dos seus pulmões regularmente com mais facilidade. Parecia estar a salvo por enquanto e pelo visto esta seria mais uma noite daquelas na pequena fenda, a qual lhe deixaria destruído em dores no corpo nas horas seguintes.

Ao contrário do que aconteceu na primeira vez, agora ele simplesmente não conseguia adormecer. Sentia seu corpo completamente desperto e sua cabeça a mil. Mais uma vez estava só, na companhia apenas dos seus próprios pensamentos ao pé daquela árvore. A saudade da sua família agora doía mais do que nunca.

Ficou um bom tempo pensando na sua mãe, em como sentia falta do cheiro dela, do abraço, das incontáveis idas ao cinema, e em como ele adorava passar horas desenhando na cozinha enquanto ela transitava ao seu redor preparando o jantar. Cada pequeno detalhe agora parecia algo extremamente valioso e igualmente doloroso nas suas memórias. Pouco depois estava rememorando as lembranças com o irmão Jonathan. Ele era o cara que Will mais admirava nessa vida, sempre cuidando dele e trazendo-lhe presentes incríveis.

Lembrou-se das famosas fitas que ele preparava especialmente com as músicas que achava que seu irmãozinho iria gostar e então as melodias vieram à sua mente: Joy Division, The Smiths, David Bowie e, claro, a sua favorita The Clash. Should I Stay Or Should I Go era uma espécie de hino para celebrar a sua relação com Jonathan. Ele então começou a cantarolar baixinho:

Darling, you've got to let me know

Should I stay or should I go?

If you say that you are mine

I'll be here 'til the end of time

So you got to let me know

Should I stay or should I go?

As lágrimas então vieram e ele simplesmente as deixou rolar…

It's always tease, tease, tease

You're happy when I'm on my knees

One day is fine, next is black

So if you want me off your back

Well, come on and let me know

Should I stay or should I go?

Seu coração doía absurdamente ao cantar, mas ao mesmo tempo sentia uma espécie de alívio crescente, como se toda a angústia e medo fossem, aos poucos, esvaindo-se junto com as palavras que saiam fracamente da sua boca...

Should I stay or should I go now?

Should I stay or should I go now?

If I go there will be trouble

An' if I stay it will be double

So come on and let me know…

Um pouco mais calmo agora, ele pode pensar nos seus amigos. Só então se deu conta do quanto sentia falta deles também. Mike, Lucas e Dustin eram os melhores amigos que ele poderia pedir, sempre juntos nas atividades escolares, aventuras e campanhas de D&D. Certamente estariam loucos procurando-o a essa altura.

Por um momento tudo o que ele mais quis foi estar de volta ao porão da casa do Mike com todos eles reunidos numa partida de D&D, mas pelo visto seus companheiros estavam a salvo enquanto ele tinha ficado preso no Vale das Sombras com o Demogorgon no seu encalço. “O Demogorgon me pegou dessa vez...” pensou, esboçando um breve sorriso infeliz.

Will ficou mergulhando nas suas lembranças por algumas horas. Vez por outra entrando num breve estado de semiconsciência, nunca adormecendo totalmente. Assim permaneceu até que um som vindo de fora chamou sua atenção, fazendo seu corpo ficar alerta de imediato. Ele se concentrou e pode ouvir passos cada vez mais próximos e o medo já começava a avolumar-se como um balão sendo inflado dentro dele quando notou algo diferente: Dessa vez não eram as típicas passadas pesadas da besta, mas sim passos leves.

Ele pôs-se então a observar através das frestas de luz, curioso e ao mesmo tempo receoso de que alguma outra criatura desconhecida pudesse estar a caminho, mas seu receio logo se desfez quando ele avistou pés humanos caminhando não muito distante dele. Na mesma hora ele afastou um pouco do manto de folhas e gosma e pode contemplar a figura à sua frente.

Andando lentamente, fitando o ambiente com olhos curiosos e ao mesmo tempo apavorados, encontrava-se ali na frente dele o que parecia ser um garoto trajando um moletom azul marinho, calças acinzentadas e meias brancas com detalhes escuros na região do calcanhar e dos dedos. Observando melhor, Will pode perceber um rosto de traços delicados sendo iluminado pela luz do ambiente, traços que poderiam até mesmo ser femininos.

“Será que é uma garota de cabeça raspada?!” Ele pensou por um breve momento antes de decidir sair do seu esconderijo para tentar um contato. Era a primeira vez que via outra pessoa em um dia inteiro naquele lugar e, independentemente de quem fosse, fez uma ponta de alegria e esperança acender-se dentro dele.

Will então retirou o manto que lhe cobria e saiu imediatamente da fenda, andando em direção à figura ali presente.

– Hey, você aí! – E nessa hora a pessoa parou e olhou para ele com olhos claramente surpresos – Estou sozinho nesse lugar, me ajuda, por favor... Eu tenho que encontrar minha família.

Will alcançou-a e tocou no seu braço. O que aconteceu então o fez ficar boquiaberto: Assim que encostou na pessoa, ela simplesmente desmaterializou-se na forma de uma névoa acinzentada bem na sua frente, névoa esta que logo dispersou-se, como poeira sendo varrida pelo vento.

Ele parou por um momento em choque. Não conseguia compreender o que tinha acabado de acontecer. “Vai ver esse lugar, além de ser habitado por monstros, abriga também alguns fantasmas, ou então eu estou começando a alucinar mesmo...” ele pensou.

No fim das contas nada mais lhe restava a não ser voltar para o seu esconderijo, e assim ele o fez. Ficou ainda por uns bons minutos pensando no que diabos foi aquilo até que, sem perceber, acabou mergulhando num sono profundo e pesado.

Acordou, como de costume, na mesma escuridão de sempre. Olhou para o relógio e viu que o mostrador dizia que já eram 9:25 da manhã. Sentia-se terrivelmente dolorido dessa vez. Para completar, sua cabeça também doía e sua garganta estava seca, seus lábios estavam trincando, além de uma sede absurda dominar suas entranhas. Foi então que ele lembrou que já estava há mais de um dia sem beber uma gota de água.

Seu organismo estava começando a sofrer os efeitos da desidratação. Ele pensou que precisava tomar uma providência o quanto antes e foi então que se lembrou do pequeno lago da pedreira que havia nas redondezas. Mais uma vez teria que arriscar o seu pescoço na jornada, mas era o que precisava ser feito antes que ele não tivesse mais força alguma para prosseguir.

Saiu da fenda, deu aquela costumeira conferida nos arredores e partiu. O lago ficava a poucos minutos da sua casa, era só chegar lá pela estrada e seguir o caminho pelo lado direito da residência dos Byers.

A caminhada já durava alguns longos minutos quando ele avistou ao pé de uma árvore o que parecia ser a sua mochila perdida. Chegou mais perto para conferir e pode constatar que era realmente a dita cuja! Abriu o zíper e pode ver que os seus pertences ainda se encontravam lá dentro: Dois quadrinhos da Liga da Justiça, um livro de matemática, um estojo escolar, uma pequena lanterna e uma garrafa vazia. Esses dois últimos itens, ele pensou, seriam de grande serventia.

Pegou seus pertences e retomou o seu rumo. Algum tempo depois ele avistou a estrada da Floresta das Trevas. Seguiu por ela até sua casa, cruzou o terreno à frente e seguiu para o lago. Alguns minutos depois ele já podia avistar as águas negras cercadas por uma vasta região árida na qual se conseguia avistar aqui e ali algumas pilhas de pedras iluminadas pela fraca luz azulada. Os tentáculos de gosma seguiam até o lago e adentravam as águas até Deus sabe lá onde.

Assim que chegou a uma distância segura, Will correu com as forças que lhe sobraram para a beirada e, sem nem pensar duas vezes, mergulhou suas mãos em forma de concha, trazendo um pouco d’água direto para sua boca. Por um breve momento quase se arrependeu do que tinha feito, já que a água possuía um gosto levemente nojento de lama e o que, na sua cabeça, poderiam ser folhas em decomposição ou gosma umedecida, mas sua sede era tamanha que no fim das contas não se importou com o gosto ou com as possíveis consequências de ingerir aquilo. Logo ele bebeu até sentir-se satisfeito e enjoado devido ao gosto do líquido e aproveitou para encher a sua garrafa para ocasiões futuras.

Concluída sua missão, apesar do medo constante a até maior agora que sua mente voltava a trabalhar normalmente ao passo que o corpo recuperava-se dos breves efeitos da desidratação, Will permitiu-se deitar por um momento na beirada das águas para esticar seus membros, a fim de ajudar a aliviar as dores que vinha sentindo. Agora com mais clareza, pode perceber que o lugar ali era anormalmente frio, provavelmente por causa do lago e da falta de árvores nos arredores, tanto que os pelos do seu braço chegavam a se arrepiar como que percorridos por uma breve corrente elétrica.

Aproveitou para pegar do bolso um dos pacotinhos de biscoito, que agora encontravam-se quase totalmente esmigalhados, para fazer sua primeira refeição desde que havia acordado. Comeu o que sobrou do segundo pacotinho e uma pequena parte do último e foi nessa hora que ele se deu conta de que precisava providenciar algo a mais pra comer ou começaria a passar fome em breve.

Decidiu então estender sua jornada em busca de provisões até a casa de um dos seus amigos. Uma ínfima pontinha de esperança de encontrar um deles por lá inflamou-se no seu peito, mas sua mente racional sabia muito bem que ele era o único humano vivo ali. Ademais só o fantasma da floresta e o Demogorgon.

Ao pensar nele, sentiu imediatamente um calafrio percorrer a sua espinha. Ele poderia estar em qualquer lugar a sua espreita, apesar de a essa altura Will começar a desconfiar que talvez a criatura apresentasse hábitos que, em condições normais, seriam considerados noturnos. Torcia para que assim o fosse e ele pudesse seguir seu caminho em paz. De qualquer forma, era a hora de partir.

Dali do lago havia um caminho, uma espécie de atalho, que dava direto na Rua Maple onde ficava a casa dos Wheeler. Will então colocou sua mochila nas costas e retomou sua caminhada. Poderia ter ido a alguma outra casa mais próxima, mas a residência dos Wheeler já era um ambiente familiar, o que, pensou ele, lhe daria alguma vantagem e pouparia tempo durante a procura por alimentos além de, justamente por ele já conhecer todos os cômodos do lugar, ser mais fácil de esconder-se caso a criatura resolvesse dar as caras.

Devia ter caminhado por aproximadamente meia hora ou um pouco mais quando alcançou a Rua Maple. Olhou no relógio e viu que, teoricamente, era quase meio dia. Mais alguns passos e ele já podia avistar a residência perto do fim da estrada, sombriamente coberta pelos tentáculos e aparentemente no mesmo estado abandonado de todo o resto.

Ele então se aproximou e contemplou a construção por um momento. Os enormes tentáculos haviam rastejado através das paredes de tijolos do primeiro andar, passando por cima da tinta branca e descascada do segundo e se fixado nas janelas de vidro da parte mais alta. Das três janelas, a do meio estava quebrada, fazendo com que a gosma seca adentrasse a casa por ali. Aquela visão fantasmagórica fez um arrepio percorrer a espinha de Will por uma fração de segundos.

Sem demora, ele deu a volta e alcançou a pequena varanda. Tentou abrir a porta branca, mas esta, diferentemente da porta de sua casa, parecia estar trancada. Ele então deu uma olhada ao redor, saiu na calçada e finalmente achou, dentre os arbustos nas laterais da casa, uma pedra de tamanho considerável. Voltou à varanda e jogou-a com força contra o vidro da porta, que se estilhaçou no velho carpete. Em seguida ele enfiou a mão por dentro da abertura que tinha feito e destrancou a fechadura.

Ao adentrar o lugar percebeu que tudo estava muito escuro. Por sorte, ele agora portava sua pequena lanterna na bolsa recém encontrada. De pronto, pegou a mesma e iluminou o ambiente, percebendo que tudo era tristemente similar à sua residência.

Ele olhou para direita e viu a pequena sala de estar, na qual os enormes tentáculos cobriam o sofá, subiam pela estante logo atrás passando por cima dos objetos de decoração, seguiam pelo teto e enroscavam-se de forma bisonha no lustre. Seguiu caminho, passando pelas escadas que levavam ao segundo andar e logo estava na cozinha. Era hora de revistar o lugar atrás de algum alimento que pudesse levar consigo.

Ele olhou atrás do balcão, na geladeira, revistou um por um os armários do chão e suas gavetas e em seguida subiu em cima desses para revistar os armários da parede. Mais uma vez, quase tudo estava terrivelmente estragado e, no fim das contas, ele conseguiu mais cinco pacotes de biscoitos e dois pacotinhos de nozes.

Arrumou suas provisões na bolsa e já ia partindo dali quando se lembrou do porão e sentiu um desejo urgente de dar uma olhada no lugar. Sabia que não havia ninguém lá, mas no seu coração simplesmente sentia a necessidade de, por um momento, poder ver e tocar os objetos que faziam parte de uma realidade outrora tão feliz e agora estranhamente tão distante. Ele então cruzou a sala de TV, sem se preocupar muito com o ambiente ali e desceu as escadas em direção ao último andar. Ali ele precisou da lanterna mais do que nunca, já que tudo era um absoluto breu.

Numa rápida olhada, ele percebeu que tudo permanecia como de costume exceto, é claro, pelos velhos e nada amistosos tentáculos gosmentos. A estante de livros e brinquedos atrás da escada, a mesa de estudos entre as duas colunas centrais com a luminária que agora parecia não funcionar mais em cima de alguns papéis velhos, o sofá do outro lado do cômodo com desenhos e pôsteres na parede logo acima, a mesa das partidas de D&D logo do outro lado de uma das colunas... Estava tudo ali.

Ver os tabuleiros e os livros do jogo espalhados de qualquer jeito em cima da mesa cobertos pela gosma seca fez a garganta de Will, de súbito, contrair-se num nó dolorido, que só não doía mais que o seu peito. Uma lágrima solitária escorreu pela sua bochecha esquerda enquanto ele pegava o pequeno boneco do mago, função que exercia durante as partidas, e guardava dentro da mochila.

Ele então respirou fundo e prosseguiu com sua vistoria. Agora, iluminando a parede da direita ele percebeu algo estranho, algo que antes não estava ali: Uma espécie de tenda montada precariamente com lençóis e cadeiras que abrigava uma espécie de cama improvisada dentro.

Will ficou curioso por alguns instantes. “Será que alguém andou se escondendo aqui antes que eu chegasse?” ele pensou, mas logo deixou para lá. Fosse quem fosse, aparentemente havia sumido com todo o resto também, mas ainda assim, ele resolveu dar uma olhada na pequena tenda por dentro.

Ele então entrou, sentou-se no colchão e iluminou os lençóis acima com a lanterna. Nesse momento uma sensação esquisita, como uma espécie de corrente elétrica percorreu todo o seu corpo, arrepiando os pelos da sua nuca e subitamente ele se lembrou do fantasma da floresta. Se realmente existia aquela coisa de sentir a presença de alguém num lugar, devia ser como aquilo, imaginou Will e, assustado, resolveu levantar e dar o fora dali.

Ajeitou sua mochila nas costas, subiu as escadas e atravessou a sala. No caminho para a saída, fez uma parada no banheiro para esvaziar a bexiga. Assim que entrou em contato com o ar gélido da noite interminável lá fora, conferiu o relógio e viu que este marcava 1:24 da tarde. Era melhor voltar para casa e o mais rápido possível antes que o horário da noite chegasse. Definitivamente não estava afim de por a prova sua teoria de que o Demogorgon era um ser “noturno”.

Ele então respirou fundo e partiu. Dessa vez, resolveu fazer o trajeto pela estrada da Floresta das Trevas. Apesar de ser o caminho mais longo, não arriscaria locomover-se em meio à floresta densa agora que as horas se tornavam cada vez mais tardias se tinha uma segunda opção.

Lá pelas 3:00 da tarde já estava em sua casa novamente. Assim que chegou, o garoto entrou e trancou a porta. Nesse momento ele lembrou-se de que, anteriormente, o Demogorgon havia aparecido no final do corredor, o que significava que havia alguma abertura dando sopa por ali. Uma rápida vistoria e ele pode constatar que a janela do quarto da sua mãe estava aberta.

Will então correu e fechou-a imediatamente, encerrando-a com as velhas cortinas por cima. Aproveitou para conferir se todas as outras janelas da casa e a porta dos fundos estavam bem trancadas e só então se permitiu relaxar um pouco.

Foi até seu quarto, pegou o livro de história americana que havia na sua estante e rumou para o sofá da sala. Largou a mochila do seu lado no chão, pegou sua lanterninha e pôs-se a folhear as páginas, iluminando-as com a luz esbranquiçada do instrumento. Nisso então as horas correram. Vez por outra, ele fazia uma pausa para beber um pouco d’água, ir ao banheiro ou beliscar alguns biscoitos e nozes, as quais tinham um gosto levemente estranho, mas nada que dificultasse sua ingestão.

Quando conferiu o relógio novamente, Will percebeu, com certo desconforto, que já eram 7:00 da noite. Era mais ou menos nesse horário que as coisas tendiam a ficar apavorantes por ali, Will constatou, o que fez seus instintos subitamente ficarem mais aguçados, impossibilitando que se concentrasse na leitura mais uma vez.

Ele então se pôs a observar as janelas da sala e quais objetos pesados estavam ao redor ao alcance de suas pequenas mãos. De repente, seus olhos se voltaram para o telefone na parede. O mesmo ainda estava, como antes, pendurado pelo fio.

Nesse momento Will lembrou-se da voz da sua mãe chamando por ele do outro lado da linha frações de segundos antes dele avistar a criatura. Agora com portas e janelas devidamente fechadas, ele pensou se não devia considerar uma segunda tentativa de contato. Seu coração pulava no peito enquanto ele contemplava esta possibilidade e, no fim, a necessidade gritante de tentar falar com Joyce prevaleceu.

O garoto então levantou-se e caminhou lentamente até o telefone, tentando, instintivamente, fazer o mínimo de barulho possível. Já podia sentir todo o seu corpo e mente concentrando-se naquele telefone e desejando com toda força que o mesmo funcionasse mais uma vez, afinal, as garras enormes do Demogorgon na ocasião anterior por pouco não o destruíram.

Ele agachou, pegou o telefone, reergueu-se e o pôs no ouvido. Hesitou por um momento, mas respirou fundo e seguiu em frente. Já ia posicionando seu dedo para escolher os números, quando, de súbito, os chiados reiniciaram do outro lado da linha, o que Will achou até um pouco assustador, mas esperançoso já que a coisa parecia estar funcionando. Concentrou-se e, ansiosíssimo, esperou ouvir a voz da mãe.

– Olá. – Ele escutou do outro lado da linha – Olá...

E então Will escutou algo a mais: Passadas pesadas se aproximando da casa. “Não... De novo não” ele pensou, já sentindo o medo mortal crescendo dentro de si novamente.

– Quem é? – Joyce perguntou do outro lado enquanto Will começava a tremer e ofegar – Will? Will sou eu... Fale comigo, eu estou aqui! – Dizia ela numa voz chorosa – Apenas me diga... Me diga onde você está, querido. Eu posso te ouvir. Por favor...

Ele então procurou reunir alguma coragem e principalmente concentração. Havia ficado paralisado da primeira vez e agora sentia que não podia desperdiçar essa segunda oportunidade. Respirou fundo então e disse:

– Mãe?

– Oh, Will! – Disse Joyce histericamente emocionada na linha – Sim, sou eu! Sou eu! Onde está você? Onde está você? Apenas fale comigo...

Nesse momento Will já escutava as passadas mortalmente próximas lá fora e, tomado do pânico, ele subitamente bateu o telefone com tudo no gancho, encerrando a ligação de forma brusca.

Ele então foi recuando lentamente e, quando deu por si, estava de costas para a parede do corredor. Começou então a caminhar lentamente por este, sem tirar os olhos arregalados da janela mais próxima.

De repente, ele ouviu um eco... Parecia alguém gritando em tristeza e lamento. Era a voz da sua mãe, Will logo constatou confuso e assustado, o que fez o coração dele ficar ainda mais apertado dentro do peito, como se agora o próprio Demogorgon esmagasse seu músculo cardíaco no interior do seu tórax.

Ele recuava cada vez mais e mais no corredor. Já quase no fim deste, esbarrou-se no criado-mudo atrás de si e, por pouco, não derrubou o abajur que havia ali. O susto foi o suficiente para fazê-lo entrar em disparada pela porta do seu quarto, que agora encontrava-se do seu lado, aninhando-se entre a cômoda acima da qual ficava seu rádio e o criado mudo perto da janela. Sem pensar muito, ele começou a cantarolar baixinho:

Should I stay or should I go now?

Should I stay or should I go now?

If I go there will be trouble

An' if I stay it will be double

So come on and let me know…

Seu corpo agora tremia convulsivamente, mas a música ainda assim parecia trazer algum alívio à sua mente, que já ameaçava a surtar novamente. Foi então que ele viu um vulto aproximar-se da janela e, na mesma hora, sua garganta travou e ele se esgueirou para debaixo da sua cama com o coração a mil.

As passadas pesadas, agora tão próximas que pareciam estar do outro lado da parede, repentinamente cessaram e por alguns segundos o silêncio dominou o ambiente. Isto, porém, subitamente acabou com o som agourento que a criatura emitiu enquanto, por baixo do papel de parede rasgado em alguns pontos do lado esquerdo da janela, Will via o cimento transformar-se em algo que parecia tecido vivo e, de alguma forma medonha, o corpo do Demogorgon parecia sumir dentro daquilo. Atravessá-lo.

A criatura tinha sumido quase que completamente dentro daquilo quando, de súbito, resolveu voltar e permanecer ali. Então aos poucos o tecido vivo foi sumindo e dando lugar a parede cimentada novamente. As passadas pesadas então reiniciaram e tornaram-se cada vez mais distantes. Estava indo embora.

Will então, como já parecia ser de costume, esperou o ambiente ficar seguro e seu corpo acalmar-se para só então sair de debaixo da cama. Assim que o fez, rastejou-se para o canto entre a cômoda e o criado mundo novamente e, nesse momento, não pode conter as lágrimas, que saíram misturadas a canção:

Should I stay or should I go now?

Should I stay or should I go now?

If I go there will be trouble

An' if I stay it will be double

So come on and let me know…

Ele então permaneceu sentado naquele lugar por longos e intermináveis minutos. Sentia-se completamente anestesiado e vazio. Incapaz de mover um músculo sequer. A música funcionava para acalmar os ânimos, mas aquilo ainda estava muito longe de um “sentir-se bem” e ele se perguntava por quanto tempo aguentaria aquilo tudo. Teria caído novamente em um de seus momentos reflexivos se a solidão do ambiente não tivesse sido subitamente rasgada por um grito agudo e apavorado vindo de algum lugar ao longe. O Demogorgon tinha feito mais uma vítima, ele pensou.


Notas Finais


Por enquanto é só. Espero que tenham gostado da leitura e caso estejam interessados em saber o que acontece em seguida, fiquem ligados que em breve teremos o capítulo três!
Até a próxima!


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...