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História A pedra de Lazrok - Explorando


Escrita por: LumaRubanov

Capítulo 5 - Explorando


Ela vai à frente guiando o caminho. Passamos por uma escada que fica em frente à entrada da casa e entramos em um corredor que fica ao lado dela. A escada é bem normal, para uma escada de casa de gente rica. Ela é branca e possui um corrimão de metal bem simples. Na parede, do outro lado, tem-se outro corrimão e alguns quadros pequenos que provavelmente foram pintados pela mãe dela.

No corredor, há algumas fotos e duas portas. Nas fotos, vejo Ayah e Hadrian pequenos brincando. Algumas são apenas de seu pai recebendo prêmios quando mais jovem e agora mais velho. E vejo uma mulher azul com branco, o contrário da Ayah. Ela é ainda mais bonita. Parece uma mulher de negócios sensual. Ela tem um olhar afiado. Seu cabelo azul é bem curto colocado para trás em um topete. Um penteado que seria considerado masculino no meu mundo, mas ela não fica nem um pouco masculina. Noto que ela também tem tatuagens na lateral de sua cabeça.

— Sua mãe é uma deusa! Caramba! – Digo encarando a foto.

— Não é? – Diz Hadrian concordando comigo. – Ela é perfeita! Você tem que ver pessoalmente. A voz dela. Nossa!

— Aparentemente, eu nunca vou poder conhecer... Agora fiquei para baixo.

— Parem de tarar a minha mãe, credo!

— Por que vocês têm tatuagens na cabeça? – Pergunto.

— Porque temos um cientista na família. A minha representa filha de um cientista e a da minha mãe, filha e esposa. Minha avó por parte de mãe era cientista.

Vejo o que seria a maior foto ali. E nunca vi tanta gente colorida num lugar só. Acredito que sejam as famílias dos dois, juntas para uma foto. Dá para se distinguir muito bem de qual família cada membro pertence. A família de Hadrian tem cores mais escuras. Vários tons de vermelho, roxo, laranja e marrom. A família da Ayah tem cores mais claras. Tons claros de azul, rosa, violeta e tem o branco. A quantidade de pessoas na família de Hadrian é absurdamente maior que a de Ayah.

— É impressão minha ou tem muito mais pessoas da família do Hadrian nessa foto?

— A família do Hadrian é enorme! – Comenta Ayah. – Esses são os pais dele. O tio Heinz – A marca de Ketchup? – e a tia Evelyn.

O pai do Hadrian é alto e tem aparência de machão velho do interior, com seus braços cruzados. Se ele fosse do meu mundo, teria um bigode de fazendeiro, com certeza. Ou barba de lenhador. Ele é vermelho com laranja. Ao lado há uma mulher pequena um tanto velha. Seu cabelo preso para trás. Ela é branca, com um tom de vermelho cor de sangue.

— Minha família é uma bagunça. Eu tenho doze tios e todos têm algo de diferente.

— Minha nossa! E eu que pensava que meus cinco tios eram muita coisa.

— Eu tenho um avô por parte de pai e uma vó por parte de mãe, que se casaram ano passado, fazendo meus pais e tios se tornarem todos irmãos... Essa é minha tia Lucia. – Ele aponta para uma mulher simples, de cor alaranjada com mão vermelhas, e não tão charmosa na foto. Ela segura um bebê em seu colo e ao lado está seu marido roxo com azul.

— E ela casou com esse cara aqui. E eles vão ter mais um filho.

— Ela está grávida de quantos meses? Nessa foto nem parece.

— Minha tia não pode engravidar. Ela era homem antes. Quem está gravido é ele, porque ele já foi mulher antes.

— Entendi. – Mais perdido que Dory sem Marlin.

— E essa é minha tia doida, Marla, que o marido não aguentou e largou ela com os dois filhos.

Ele mostra uma mulher baixinha e gorducha que você ficaria convencido de que é apenas uma simples tia simpática. Ela é roxa com rosa. Mas ao lado dela há um cara de sanidade duvidável, todo sujo de terra com um sorriso estranho.

— Esse é meu tio George. Ele é viciado em cheirar terra. – Ayah e Hadrian dão risada como se lembrassem de momentos divertidos. Mais uma vez, mais perdido que Dory sem Marlin. Ele é Marrom com verde, as cores da natureza. Que coincidência. – Atrás da minha tia Marla estão os filhos dela. O mais velho tem vinte e três e o mais novo tem oito.  Enfim. Deu para perceber que eu tenho uma família bem bagunçada.

— Sim. A minha é afastada. Ninguém fala muito bem com ninguém.

— A minha é pequena e sem nada de interessante para se contar. – Diz Ayah – Minha família toda está nessa foto aí. Eu não tenho avós. Tenho três tios e dois primos. O irmão do meu pai é bem divertido. Ele é um historiador e está sempre viajando pelo mundo estudando culturas. – Ela aponta para um cara de roupas estranhas na foto. Está mostrando um largo sorriso. Ele é violeta com roxo. – Ele nos visita às vezes e a minha mãe detesta, porque ele é muito folgado e bagunceiro. Meus outros dois tios são irmãos da minha mãe e ambos são casados com filhos.

Ela aponta para os dois homens atrás da deusa. O da esquerda é azul com violeta e está acompanhado de sua esposa branca com rosa claro. E o da direita é azul claro com branco. Ele aparenta ser bem animado. Em seu ombro, ele carrega uma criança sentada, branca com amarelo. Que sorri simpaticamente. E ao lado está sua esposa, amarelo com branco. Que parece ser bem animada também, o que acaba fazendo com que a criança fique deslocada. Em frente à deusa, há uma garotinha azul com rosa claro. Que me faz acreditar que é a filha do cara da esquerda. Ao lado da deusa está o pai de Ayah segurando a sua Licença, todo orgulhoso. Vejo, no meio da foto, Hadrian com o braço no ombro da Ayah ambos sorrindo de orelha a orelha.

— Essa é minha pequena família.

Ela entra no quarto à esquerda, com Hadrian atrás dela. Quando entro no quarto me deparo com a coisa mais estranha que eu já vi na minha vida. No lugar onde era apara se existir uma cama, há uma grande chapa de metal – Queen Size – no chão. Não sei nem à quais conclusões eu deva chegar disso, então vou direto ao ponto:

— Que diabos é isso?

— A cama daqui. Eu sei que é um tamanho anormal, mas isso foi coisa do meu pai.

— Essa não é bem a parte que está chamando minha atenção. No meu mundo, cama é uma coisa confortável e fofa onde você se deita com um travesseiro.

— É verdade. No seu mundo não tem magia.

Vejo-a sorrir maliciosamente, sem me dar uma explicação melhor do que “seu mundo não tem magia” e não sei o que esperar. Então ela, repentinamente, corre e pula de costas em direção à placa de metal. Já estava fazendo uma careta “nossa, isso vai doer muito!”, quando ela para no meio do ar e flutua... Ela. Flutua.

— Bem legal, né?

— Isso é... – Não sei que tipo de palavra eu uso para descrever o quão demais é isso.

— Por que não experimenta também?

Não precisa nem perguntar. Faço o mesmo que ela. Pulo e viro de costas. Por um momento sinto medo de parar de funcionar e eu bater de costas no chão – com a minha sorte do jeito que é – mas logo paro no ar. A sensação é muito semelhando de se estar no oceano. Mas não se compara a ter a sensação da água gelada te envolvendo. Algo interessante desta “cama” é que você nem afunda e nem sobe – digamos assim – Você apenas flutua no mesmo lugar. Vejo Ayah se sentar de pernas cruzadas no meio do ar e não consigo deixar de imaginá-la como um monge meditando. Ela me encara a espera de um comentário.

— Bem semelhante a se estar mergulhando no oceano. Então isso não é uma sensação muito nova para mim. Mas não deixa de ser muito legal.

Silêncio... Achei que ela falaria alguma coisa. Olhando melhor para o quarto agora, noto que ele é acinzentado. Possui alguns armários, mas nenhum guarda roupa.

— Como faço para sair daqui? – Pergunto, antes de tentar qualquer coisa.

Ela descruza as pernas e se põe em pé. Então de repente ela para de flutuar e atinge o chão. Tento fazer o mesmo e me empurro para frente para ficar de pé e consigo com sucesso, sem muito esforço. É bem mais fácil do que se mover de baixo d’água. Então o que quer que seja que nos mantém flutuando perde o efeito e alcanço o chão. Perco o equilíbrio brevemente. Acredito que me falta prática.

Vejo que Ayah está na porta do banheiro me esperando. Vou até ela e entro logo depois. Atrás de mim vem Hadrian. Eu me enganei. Não era a porta do banheiro e sim de um closet. Os guarda- roupas estão vazios. Ao fundo, há outra porta. Aquela, com certeza, é a porta do banheiro. Ayah abre a porta e deixa-me entrar na frente. É um banheiro simples, porém muito bem organizado. Em uma das paredes, há uma pintura abstrata com as cores azul e branca, em uma harmonia tão bonita, que me faz acreditar que isso é obra da mãe dela. A parede é reluzente e me faz querer tocá-la. Então descubro que ela é revestida com vidro – Eu acho – As outras paredes alternam entre azul e branco. O banheiro é comprido. À esquerda, há um balcão com armário, que segue ao longo do banheiro e para a uns dois metros do final. No balcão, por incrível que pareça, só existe uma pia. E como é um quarto de hóspedes, está vazio. Um pouco distante da porta, ao lado direito, há o vazo sanitário – branco, que surpresa – e no fundo há o chuveiro. Chegando mais perto, noto que ele é até bem grande. Para entrar na parte em que se toma banho, você tem que descer um pequeno degrau e não há nenhum tipo de box – que eu tenha percebido – que impeça a água de espalhar pelo banheiro. Noto uma fina linha metálica na borda do degrau.

— O que é essa linha? – Pergunto.

— É para impedir a água de sair daqui de dentro. – Diz Ayah. – Vou te mostrar.

Ela entra e o chão faz um bip suave. No meio da linha metálica, vejo uma luz verde bem pequena. Ela, usando três dedos, aperta um botão que se afunda na parede e volta quando ela o solta. Água começa a cair do chuveiro e não sei dizer se é fria ou quente. Ayah junta suas mãos, as enche de água e olha para mim com um sorriso. Ela joga a água bem na minha cara e me assusto. Mas quando presto atenção, a água atingiu uma parede invisível e caiu no chão. Nenhuma gota ficou para trás, como ficaria em uma porta de vidro. Levo minha mão até a parede invisível para tocá-la, mas ela a atravessa. Ayah rir, enquanto desliga o chuveiro.

— Ela só bloqueia esse lado. – Ela toca a barreira invisível e sua mão fica na aparência de uma mão tocando vidro. – Para sair você, é só apoiar sua mão aqui.

Ela apoia sua mão na parede ao lado, próximo ao limite da barreira.  A linha metálica faz outro bip suave e a pequena luz verde se apaga. Ela sai e se aproxima de mim.

— Você é destro?

— Sou.

Ela arrasta a mão molhada pelo meu antebraço esquerdo. Com certeza será um banho de água gelada.

— Está sentindo alguma coisa?

— Além de molhado e gelado? Não.

— Então sabemos que você não tem problema com a água daqui. Ainda bem que o seu braço não caiu.

Por isso perguntou se eu era destro? Quanta consideração. Ela pega um recipiente e coloca uma gota do conteúdo em seu dedo. Ele é cinzento e lembra-me muito mercúrio. Ela vem com o dedinho em direção ao meu braço e já chego para trás.

— Ou! Calma aí! O que é isso?

— Sabão. É de passar no corpo para limpar.

— Eu sei o que é sabão. É que isso se pareceu muito com um metal tóxico do meu mundo.

— Mercúrio?

— Então vocês também tem mercúrio nesse mundo?

— Sim. Relaxa. Não tem mercúrio nisso aqui. Ele tem essa cor, porque o meu pai inventou de fazer modificações para aumentar a eficácia do sabão. Mas eu não senti muita diferença.

Ela passa o dedo no meu braço e fico com medo por um momento. Cheiro e não consigo sentir nada. Então sinto o lugar do sabão começar a esquentar um pouco.

— É normal ficar mais quente?

— Sim. Então provavelmente você não terá problemas com aquele ali que é para o cabelo.

— Seu pai os intensificou também?

— Não. São novos. Ele ainda não teve tempo para mexer nesses. Pode tomar seu banho agora. Aqui tem uma toalha. – Ela tira do armário da pia e me entrega. – Hadrian vai buscar algumas roupas para você. Ele mora aqui do lado. Eu vou esperar lá fora.

Hadrian e Ayah deixam o banheiro fechando a porta e eu estou pronto para experimentar um banho alienígena. Tiro minhas roupas, deixando-as no chão e entro no “Box”. Ouço o bip e analiso a barreira. Não há nenhum indício de que há algo ali. Levo minha mão até ela devagar e sinto alcançar algo. Meus olhos dizem: não há nada aí. Mas minha mão está dizendo o contrário. Viro-me para o botão e o analiso. Deve ter quase três centímetros de diâmetro, todo metálico. Aperto-o, esquecendo-me de sair de baixo e me assusto quando sou atacado pela água gelada. Posso não ter problema com água gelada, mas queria tanto um banho quente nesse momento. Não tomarei um banho quente tão cedo.

Sozinho aqui eu posso finalmente entrar em colapso.

EU ESTOU TOMANDO BANHO NUM MUNDO ALIENÍGENA!

MUNDO ALIENÍGENA, CARA!

COM CAMAS FLUTUANTES E MAGIA E COMIDA ESTRANHA E PESSOAS COLORIDAS!

EU VI UMA ALIENÍGENA INVOCAR CHAMAS BRANCAS!

Eu sempre soube que existiam alienígenas em algum lugar do universo. Mas nunca cheguei a pensar que eu REALMENTE conheceria um. Muito menos que SERIA um.

E EU VI UMA CONVERSA HOLOGRÁFICA! Aquelas dos filmes. Queria tanto poder fazer inveja em alguém. Mas ninguém acreditaria em mim. Como acreditar? Eu ainda estou duvidando de minha própria lucidez.

É real. Eu sei que é... Tem que ser.

Acho que já estou pronto para acreditar em fadas.

Hora de tentar o sabonete. Desligo o chuveiro e seguro o recipiente. Estranhamente não há nenhum rótulo com o nome da marca. É apenas liso sem nada de especial. Imagino se o pai dela também fez esse recipiente. Derramo um pouco de “mercúrio” em minha mão e esfrego no meu braço. Sempre fui um inútil quando se trata de sabonete líquido. Nunca consegui me dar bem com essa coisa. Nunca soube quando usar. Como usar. Esse daqui estranhamente não está espumando. Nem parece sabonete. Prestando mais atenção, noto que ele está se mexendo suavemente, como álcool na água. Começo a temer pela vida do meu braço. Vou passando produto no meu corpo e no fim, pareço um artista sem talento que tentou ficar prateado e não conseguiu. Sinto meu corpo ir esquentando anormalmente. Eu sei que ela disse que era normal, mas não deixo de achar que esse é o meu fim. Um fim estranhamente confortável. Ligo o chuveiro. Quando a água atinge a minha pele não sinto tão fria como ela estava antes – Tinha certeza de que eu sentiria um choque térmico. Diferente do sabão, esse produto é muito mais fácil de sair do corpo.

E pensar que o pai dela tinha um objetivo tão nobre ao construir aquele portal. Mas não importa o quanto eu pense sobre isso, sempre imaginarei resultados desastrosos, onde a ambição reina. Deve ser influência dos filmes. Só pelo fato deles terem duas cores e orelhas pontudas, já vai ser uma catástrofe mundial. Humanos nem conseguem lidar com as diferentes etnias entre eles. Imagina lidar com alienígenas! Para uma pessoa extremamente inteligente como o pai da Ayah aparenta ser, ele é muito ingênuo. É comum ser ingênuo nesse mundo?

Hora de tentar o shampoo. Pego o recipiente. Esse tem rótulo. Acredito que a marca seria o grande e escandaloso nome escrito em diagonal no meio do rótulo. “Vlamour”. Solto um pequeno riso. Não sei explicar o porquê, mas achei esse nome muito engraçado.

A nova linha de produtos Vlamour.

Começo a imaginar a propaganda, mas logo volto para a realidade. No rótulo diz que ajuda o cabelo a PARAR de crescer com dez vezes mais eficácia. Aparentemente ter cabelo comprido nesse mundo é algo estranho. Mas agora que paro para pensar, naquela foto de família, eu não vi nenhuma sequer pessoa de cabelo comprido. Todos são acima dos ombros. Viro o recipiente e acho o modo de usar.

Coloque o produto na mão e espalhe sobre o cabelo blá blá blá deixe agir por alguns minutos blá blá blá tá chega.

Derramo o produto em minha mão, na quantidade que sempre uso. Ele é transparente e tem um cheiro suave bem agradável. Espalho sobre o cabelo e esfrego. Olho para as minhas mãos e esse está espumando. Acredito que a alteração que o pai da Ayah fez no sabonete, fez com que ele não espumasse. Ou é apenas o shampoo que espuma. Nunca saberemos, porque eu não pretendo perguntar. Diferente do sabonete, o shampoo não esquenta. É apenas um shampoo normal que afetará o crescimento do meu cabelo.

Ficarei preso por mais quatro dias aqui. Ainda bem que eu não tenho nenhum animal de estimação. E provável que eu não vá fazer muita falta. Espero que não. Se sentirem, já terei que ir pensando nas desculpas que terei que dar... Roxanne ficou no meio do mar com todos os meus equipamentos. Espero que nada de ruim aconteça. Tudo aquilo é meu sustento de vida...

Enxaguo meu cabelo e acabo me lembrando de coisas que eu não quero me lembrar. Suspiro.

Esse será o término mais difícil de esquecer. Por que eu entrei naquele quarto? Por que eu tinha que ver aquela cena?

 Chega! Vamos pensar em coisas alienígenas, Nicolas. Coisas alienígenas.

Não vejo nenhum outro recipiente que pudesse ser o condicionador, então dou por terminado o meu banho. Desligo o chuveiro. Toco a barreira mais uma vez. Acredito que isso vai demorar a se tornar desinteressante. Posiciono minha mão na parede e escuto o bip. Fico mais empolgado do que o normal. Isso é tão filme futurista. Pego a toalha, me enxugo, amarro-a na cintura. Olho no espelho e continuo o mesmo bonitão de sempre. Encosto em minha pele e sinto algo diferente. Acho que ela nunca esteve tão macia em toda minha vida. Começo a me acariciar. Preciso de uns sabonetes desse para levar para casa e fazer estoque. Faria sucesso com as mulheres. Pego minhas roupas para sair do banheiro. Enquanto atravesso o closet escuto risadinhas vindas do quarto e hesito em prosseguir.

— Para, Hadrian. – Diz Ayah em meio aos risinhos.

Esses jovens...

Eles ficam em silêncio. Será que é minha hora de aparecer?

— Estou me sentindo melhor.

— Que bom.

Espio e vejo os dois flutuando juntos. Ayah está deitada virada para cima e Hadrian de costas para mim olhando para ela. Faço minha pose apoiando-me na parece com meu antebraço e cruzando as pernas.

— Aproveitando que o alienígena foi tomar banho para flertar. – Hadrian se assusta olhando para mim. – Espertinhos.

— Não estamos flertando. – Diz Ayah sem nenhum constrangimento. Acho que ela nem cogita a possibilidade. Pobre Hadrian, obviamente constrangido. Vejo roupas dobradas na cabeceira perto de mim.

— São essas as roupas para mim? – Ela acena. – Ótimo. Já estou cansado de mostrar meu lindo abdômen sarado para vocês.

Volto para o closet para me vestir. Uma camiseta verde escuro com uma estampa de pintura abstrata. Muito bonita. Uma bermuda simples sem nenhum atrativo especial. Uma cueca box preta. É interessante o fato de que a moda de nossos mundos é de certa forma muito semelhante. Visto-me e sinto a bermuda ficar um pouco folgada. Volto para o quarto.

— Como estou? Bonito, né? Só acho que seria bom um cinto. A bermuda está um pouco folgada. – Levanto a camiseta e boa parte da cueca esta visível. Ayah se surpreende.

— Oh. Aquela cueca. – Ela comenta.

— Foi a primeira que eu achei... Talvez. – Ayah rir e por um momento fico com medo de saber a história por trás dessa cueca.

— Devo perguntar sobre? – Pergunto.

— Não. – Responde ela.

— Por que tinham que ser minhas roupas? – Hadrian me olha com nojo.

— Quanta antipatia. Estou começando a achar que somos melhores amigos.

— Isso nem faz sentido. – Diz ele. – Ayah, você ainda vai comer lá em casa?

— Claro. Como se a existência do alienígena me impedisse de sair de casa.

— Ei. E o que eu vou comer? – Pergunto.

— Depois eu penso em algo para te alimentar.

— Agora sou de estimação?

— Talvez. - Ela me responde com um sorriso brincalhão.

— Então vamos. Minha mãe já estava perguntando cadê você. Ela ainda acha um absurdo você sozinha aqui, invés de ir para minha casa.

— Bem, mas foi apenas porque meu pai queria que eu invadisse o laboratório dele.

Ayah mostra um sorriso sem graça e vejo Hadrian se preocupar. Acredito que depois das revelações do pai dela, "invadir o laboratório" se tornou um tabu aqui.

— Vamos. - Diz ela descendo da cama e já deixando o quarto.

— Ayah, espera. - Diz Hadrian indo atrás dela.

 

...

 

Parece que fui abandonado.

Escuto a porta da frente bater e sei que estou sozinho aqui.

Em uma casa de alienígenas ricos. Cheia de comidas estranhas e apetrechos interessantes desconhecidos por mim.

Deixo o quarto. Abro a porta que há do outro lado do corredor, embaixo da escada. É apenas um banheiro social simples. Saio do corredor. Olhando para sala, não vejo nada de especial que chame a minha atenção, além do fato de não haver uma televisão. O sofá de cor cinzenta está virado para a parede onde deveria estar a televisão. Se as camas são flutuantes, por que os sofás são normais? A mesa de centro é muito bonita. Bem semelhante à mesa da sala de jantar. Um comprido vidro em um formato oval e suporte de metal. Em cima dela há um vaso de algum tipo de planta que não consigo identificar. Ela possui uma cor azul muito bonita. No meio do vaso há um talo extremamente liso formando uma ponta em cima. Envolta desse talo há... Folhas? Quem sabe? Não tenho nem certeza se isso é realmente uma planta. As "folhas" a sua volta saem da terra em formato espiral. E no meio de tudo há finos fios metálicos com pequenas bolinhas em suas pontas. Sabe aquela vontade incontrolável de querer tocar em coisas diferentes e chamativas?

Não devo tocar na planta alienígena.

Resistindo bravamente, desvio o olhar. Não há nenhuma porta na sala de estar, então a deixo indo em direção à escada. Ela aparenta ser feita de mármore branco. Há um corrimão de metal do lado direito, com pequenos detalhes floridos gravados ao longo dele. A escada é um tanto espaçosa. É possível subir duas pessoas lado a lado.

No topo há um corredor com três portas. Duas à esquerda e uma a direita. O chão é coberto com um carpete azul bem escuro. Nas paredes, há mais quadros provavelmente pintados pela mãe. Ela não me decepciona em nenhum deles. Paro em frente à primeira porta. Julgando pela sua posição na casa, acredito que esse seja o quarto dos pais dela. Eu abro a porta, mas a porta não se abre para mim. Era de se imaginar que o pai dela trancaria seu quarto. Ele conhece a filha que tem. Sigo para a próxima porta. Já estava para abri-la quando reparei em algo na altura de meus olhos: O nome Ayah bem colorido e cheio de frescuras, de um jeito bem infantil. Começo a rir. Isso só faz eu me sentir mais pedófilo.

Entro no quarto e a coisa que mais me chama atenção é o fato dele ser rosa. Um tom de rosa escuro em todas as quatro paredes. Eu podia jurar que seria azul. Mas isso pouco importa quando eu vejo a placa de metal - king size - que ocupa quase todo o quarto. Acho que ela exagerou um pouco na hora de escolher a cama. À esquerda da cama, há uma porta que provavelmente é um closet, seguido por um banheiro; e à direita, há um guarda roupa branco com rosa claro.

Devo respeitar a privacidade das outras pessoas e não devo mexer em nada...

Abro o guarda roupa e vejo várias roupas penduradas nos cabides. Maior parte são vestidos e blábláblá pouco me importa. Abro a gaveta que tem embaixo e me deparo com as calcinhas. Pego a que está mais perto. Ela é branca com babadinhos e uma carinha de... um tigre? Fofinho estampada na bunda. Estou cada vez mais me sentindo um pedófilo. Guardo a calcinha e decido ir olhar o banheiro. Ao abrir a porta, noto que o quarto dela não tem um closet. Por que um quarto de hóspedes tem um closet e o quarto dela não? O banheiro dela é em uma cor de rosa pastel e branco. Em cima do balcão da pia há alguns enfeites floridos e prováveis produtos de beleza. Por mais que ela aparenta não gostar desse tipo de coisa, ela tem um lado feminino muito marcante. Noto que ela não tem nenhum produto para banho aqui. Pergunto-me se os que estão lá embaixo são os dela.

Nada interessante.

Então noto uma xuxinha de cabelo bem frufru perto da pia. Ela é preta com detalhes azuis. Pego-a e prendo meu cabelo em coque. Olhando para o espelho vejo uma verdade absoluta que eu sempre soube: Eu fico gostoso com qualquer coisa. É inevitável.

Deixo o quarto satisfeito e vou para a próxima porta. Abro-a e acredito ser outro quarto de hóspedes, porque ele é muito semelhante ao que estávamos. A diferença estaria apenas no tamanho, sendo este menor. Atravesso o quarto, indo direção ao closet, para medir a diferença entre os dois quartos. Mas não há um. É apenas o banheiro. Bem mais simples que o outro, com uma cor única de branco, sem nenhum tipo de enfeite ou produtos para banho. Já que não há mais nada para mim aqui, desço as escadas e vou para o escritório do pai. Com certeza acharei algo interessante por lá.

Chegando à porta observo o chão, onde se encontrava a entrada do laboratório. Não está mais lá assim como o pai da Ayah disse. Entro e deito-me no chão para analisar melhor. É como se nunca tivesse existido. Noto apenas uma mancha de pó desconhecido, que tem cheiro doce. Sigo em direção à estante. Os desenhos talhados na madeira são muito bem feitos e bonitos. Nas primeiras duas primeiras prateleiras estão os troféus do pai da Ayah. Todos com designers interessantes. Alguns com formatos iguais, levando-me a acreditar que ele ganhou alguns dos prêmios mais de uma vez. Não há nenhum tipo de informação que faça com que eu saiba pelo que ele os ganhou. São apenas esculturas abstratas colocadas em uma prateleira... Os livros são muito bem organizados. Em suas lombadas, vejo palavras que não entendo. Devem ser da língua de Naatika, que a Ayah falou sobre. Mas alguns títulos são legíveis. O mundo de Fieldenberg. Que tipo de nome é Fieldenberg? Pego o Fieldenberg. Abro na última página. Página 503. Credo! É uma bíblia. Nunca fui um cara muito aberto para o mundo da leitura. Li apenas dois livros em toda minha vida. Obrigatórios para a aula de literatura. Odiava fazer aquelas análises. Abro o livro em um lugar aleatório. É uma página de final de capítulo.

 

“... Acertou Elizabeth no rosto com toda sua força, usando as costas de sua mão. Ela atingiu o chão, segurando o lugar agredido. Fieldenberg olhou profundamente para ela a procura de um pouco de sanidade. Foi a primeira vez em que havia acertado alguém. Ela restitui o olhar com desespero e medo. Seus cabelos jogados em seu rosto misturavam-se com as lágrimas. Ele a agarrou pelo braço e a colocou em pé. Elizabeth tremeleava de olhos fechados. Ela jamais esperava que um dia fosse agredida por Fieldenberg, aquele em quem mais confiava. Naquele lugar onde presenciou dois traumas de sua vida, Elizabeth estava tomada pelo medo. Fieldenberg apertou ainda mais forte sua mão, obrigando-a olhar para ele. Elizabeth se prendeu no olhar confiante de Fieldenberg e por um pequeno momento pôde esquecer o que estava a sua volta. Pôde esquecer o seu medo. Ele começou uma corrida intensa, puxando-a consigo. Naquele túnel úmido e gélido com uma fraca iluminação, eles fugiram juntos, deixando para trás os restos de algo que uma vez foi o Sier-Carter.”

 

Spoiler! E não é que isso parece interessante?

Sento-me na belíssima poltrona de poderoso chefão para – Por incrível que pareça – Ler esse livro. Aparentemente eu terei muito tempo livre por aqui. Acho que consigo terminá-lo a tempo de voltar para a minha vidinha cotidiana. Capítulo um.

 

“Nasceu Vincent Fieldenberg. Pode se dizer que ele não foi o bebê mais belo a nascer naquele hospital...”


Notas Finais


Eu gosto do Mundo de Fieldenberg.


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