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História A pedra de Lazrok - Inesperadamente inesperado


Escrita por: LumaRubanov

Capítulo 7 - Inesperadamente inesperado


 

“As pesquisas macabras do Doutor Sammuel estavam todas ali. Não eram apenas lendas bobas, assim como Elizabeth previu. Elas eram reais. E aconteciam ali mesmo naquela caverna secreta. Guardando os arquivos, Fieldenberg e Elizabeth seguem em frente. Não havia tempo para se abismar com a verdade. Eles tinham uma missão muito importante para se realizar ali. Atravessaram uma cortina plástica e alcançaram o tão famoso Laboratório de Sammuel Brückner. Um sonho que muitos adoradores gostariam de realizar. Tão horripilante quanto às antigas lendas o descreviam. Talvez ainda mais. Havia muito para se vê em pouco tempo. Então Fieldenberg começou por algo que simplesmente não era possível de se ignorar. À esquerda havia...”

 

Viro a página.

 

“... gigantes tubos de vidro preenchidos com algum tipo de líquido misterioso esverdeado. Neles viam-se Lúperus deformados flutuando em estado de hibernação. Em um painel na parte debaixo de cada tubo havia as informações de cada Lúperu e sua frequência cardíaca. Elizabeth olhou para todas aquelas aberrações e sentiu-se possuída de horror. Mas foi uma em especial que a fez sentir um grito fluir de seu âmago e dominar seu corpo e mente. Era seu irmão Mathias...”

 

­— Não!

 

“... Estava vivo, mas com a aparência de um monstro. Elizabeth sabia que nunca mais poderia trazê-lo de volta. Que poderia ter perdido a pessoa que mais amava em sua vida. Que aquela missão na qual estava, foi para absolutamente nada. Fieldenberg tapou a boca de Elizabeth e a abraçou com força. Ela tremia e se afogava em seu próprio desespero. Ambos se ajoelharam ao chão, abraçados. Fieldenberg permaneceu quieto. Sabia que o que quer que ele dissesse naquele momento seria inútil. Que a dor a qual Elizabeth estava passando era algo fora de sua compreensão. Mas após presenciar todo o amor que ela sentia pelo irmão, uma lágrima foi escorrida. Uma lágrima quente de compaixão e ódio. Essa foi a primeira lágrima derramada por causa de alguém. Sentindo-se imprestável, apenas continuou a abafar o choro daquela que perdeu seu motivo de viver, enquanto segurava suas próprias lágrimas.”

 

Limpo as lágrimas dos meus olhos, preparando-me para o próximo capítulo. Isso foi algo inesperado. Vamos continuar...

— Está fazendo o que?

— AH!

Assusto-me com Ayah eclodindo em minha frente, fechando o livro. De onde surgiu essa menina? Merda! Não marquei a página!

— Ei! Invadiu meu quarto e ainda pegou minha xuxinha favorita? Espera. Você estava chorando?

— Claro que não! Por que diabos eu estaria chorando? Eu não estava chorando! – Tento disfarçar, mas até eu sei que fui péssimo.

Ela ri e espia o livro em minhas mãos.

— Você está lendo O Mundo de Fieldenberg? – Diz em um tom de desgosto. – Só pode estar brincando! E chorou ainda.

— Eu não estava chorando! E o que tem eu estar lendo esse livro? Ele é ótimo!

— Detesto esse livro! Essa Elizabeth é uma chata.

— Verdade! Devo concordar.

— E tem muito texto. Páginas e páginas de texto.

— Realmente.

— E esse Fieldenberg nem vou falar! Já começa ridículo só pelo nome.

— QUE AUDÁCIA! Fieldenberg é foda! – Ela solta um riso debochado.

— Claro.

— Olha, é melhor pararmos o papo por aqui, antes que vá aí estrangular você!

Ela começa a rir.

— Calma, estava brincando. Fieldenberg é um personagem interessante mesmo. Mas ainda detesto esse livro. Não consegui nem chegar ao capítulo quatro. Achei a história muito fraca.

— Você tem problemas... Onde está seu parceiro do crime? – Pergunto ao notar que Hadrian não está junto dela.

— Ele ficou em casa. Tio Heinz estava precisando da ajuda dele. Eu trouxe comida para você.

Ela deixou o escritório indo para cozinha. Procuro a página que eu parei, gravo o nome do capítulo seguinte para continuar depois. Deixo o livro em cima da mesa do escritório e sigo para a cozinha. Ayah me espera do outro lado do balcão. Vejo-a destampar duas vasilhas. Aproximo-me do balcão e sento-me.

— Macarrão com molho de Garnica. Sabe? Aquele que você não gostou. – Ela olha-me maliciosamente.

— Quanta gentileza sua trazer isso para mim. Muito obrigado.

— Brincadeira. Isso aqui eu trouxe para mim. Para você eu trouxe Aklorie.

Vejo na vasilha um pedaço quadrado de um prato de comida bem diversificado. Apenas olhando eu posso identificar quase cinco ingredientes. Posso dizer que se assemelha a um pedaço de lasanha com diversos ingredientes. O cheiro é confuso, mas eu diria que é um tanto adocicado. Acredito que a comida esteja fria.

— Acho que nem adianta eu perguntar o que tem aí, não é?

— Acho que dos que você conhece, que eu saiba, só tem o salar. – Responde-me enquanto pega um prato no armário perto da geladeira.

Ela coloca o prato a minha frente junto com um garfo. Ela pega a vasilha e vira no prato, depois tira. Não sei por que, mas eu me senti um cachorro agora. Sabe? Quando você tira aquela gororoba da lata. Ayah me encara curiosa e sorridente. Olho para a coisa em meu prato e me sinto hesitante. Pego o garfo e corto um pedaço. A sensação foi a mesma de estar cortando manteiga. Chego o pedaço perto do rosto e cheiro. Realmente é um cheiro bem confuso. Noto que há várias cores diferentes. Consigo ver o azul do salar no meio. Estou começando a achar que vou passar mal se comer isso. Abro minha boca e depois fecho.

— Não tem semente de Raák aqui, né?

— Sim.

— Apenas confirmando.

Abro minha boca mais uma vez e como.

Muito doce.

Muito frio.

Todos os ingredientes nesse negócio são doces e gelados como um sorvete. É estranhamente muito gostoso. Uma mistura estranha de muitos doces diferentes. Parando para pensar, todas as comidas alienígenas que eu comi até agora foram doces.

— É bem gostoso. Vocês só têm doces no seu mundo?

— Não, por quê?

— É que eu só comi doces desde que vim para cá.

— O mais comum do meu mundo são comidas doces. Mas também temos outros tipos de comidas. Salgado, amargo.

— No meu mundo é mais comum comermos coisas salgadas. Doces são mais sobremesas. Algo para se comer controladamente entre as refeições. Já percebi que vou voltar diabético para casa.

— Diabético?

— Diabetes. É uma doença causada pelo excesso de açúcar no sangue.

— Ah. Por isso vocês tem que comer doces controladamente.

— Ainda bem que eu sou bom para doces. Tem pessoas no meu mundo que se comerem muito passam mal.

— Vou tentar arranjar comidas salgadas para você então. A última coisa que eu quero é que você passe mal ou fique com Dibetis.

— Diabetes.

— Foi o que eu disse. – Rio.

— Ótimo então. – Como outro pedaço. Mais uma vez muito doce, mas estranhamente gostoso.

— Tem certeza de que vai comer isso? Você está fazendo uma cara estranha.

— Só está um pouco forte. Mas eu vou comer até quando der. – Provavelmente mais três garfadas. – Desculpa causar problemas para você. – Ela abre a boca para falar e interrompo. – Mentira. Tem que se ferrar mesmo. Culpa sua eu estar preso nesse mundo. – Ela ri.

— Você é um ser horrível.

— Obrigado... O que faremos até o seu segurança pessoal voltar? Ele vai voltar, não vai?

— Não tenho certeza. Mas até lá podemos fazer o que você quiser. – Sorri para mim.

Tento conter meu sorriso pervertido. A minha mente não me dá descanso. Tenho certeza de que ela faz de propósito. Olho direito para ela. Debruçada no balcão apoiada em seu cotovelo, segura seu queixo com a mão. Posso ver levemente seu decote. E mais uma vez sinto aquela curiosidade me afetar. Seriam seus mamilos brancos ou azuis? Lembro-me da calcinha. Você é um pedófilo, Nicolas.

— O que foi? Por que você está com esse sorriso estranho no rosto?

— Vocês assistem filmes aqui, não assistem? Podemos assistir algum. Gosto de todos os gêneros.

— Fugindo mais uma vez. Por que você sempre desvia o assunto?

— Posso te fazer uma pergunta pessoal então?

— Pode. Não tenho nada a esconder do meu alienígena de estimação.

— Eu não sou... – Desisto antes mesmo de completar a frase. – Seus mamilos são azuis ou brancos? – Ela ri mais do pensei que iria e olha-me maliciosamente.

— Antes de responder a sua pergunta, posso te fazer uma pergunta pessoal?

Ela está curiosa sobre meu Nick Jr? Não esperava por essa. Ou esperava? Ela é mais ousada do que eu imaginava.

— Como sua tia se matou?

— Ah, era só isso.

— Só isso? O que você...

— Aproveitando que Hadrian não está por perto, não é? Espertinha. Achei que você tinha entendido quando ele disse que estava me fazendo reviver o passado. Mas era puro fingimento. Você é horrível.

— Obrigada.

Sinto-me um pouco mal e baixo o garfo. Continuar comendo essa coisa não é uma boa ideia. Ela me encara a espera de minha resposta. Apoio meus antebraços no balcão e a encaro de volta sério. Sempre falei abertamente sobre o assunto como se não fosse nada, porque foi o jeito que aprendi a lidar com isso. Mas a imagem da minha tia me perseguiu por muito tempo. Nunca fui para terapia ou nada do tipo. Apenas lidei com tudo sozinho, como sempre lido com qualquer problema que aparece em minha vida.

— Eu perguntei primeiro.

— E minha condição foi dada.

Encaramo-nos como se estivéssemos fazendo negociações mafiosas.

— Com um belo corte na garganta. De orelha a orelha. – Ela fica em silêncio. – E a minha resposta?

— É segredo.

— O que? Eu não sacrifiquei o segredo do meu trauma de infância para uma resposta dessas! – Ela ri.

— Bem. Vou deixar você descobrir a resposta sozinho...

Se eu estivesse comendo, com certeza daria aquela bela engasgada de filme. Ela definitivamente faz de propósito. Ela sorri brincalhona para mim. De todos os alienígenas desse mundo, eu tinha que me encontrar logo com uma brincalhona menor de idade. Não podia ser uma religiosa que presa à castidade?

— Você é muito nova para estar dizendo esse tipo de coisa a um alienígena adulto.

Ela apenas sorri para mim em silêncio. Acredito que ela seja a segunda mulher ousada a interagir comigo e ainda não sei lidar muito bem.

E eu querendo dar uma de cupido entre os dois.

— Posso te contar uma coisa? Mas você tem que guardar segredo. – Diz ela.

— Acha que pode confiar em mim? – Ela assente. – E pode mesmo.

— Eu estou me sentindo estranha perto do Hadrian em certas situações. – Não pode ser. Ela já gosta dele? – Eu nunca me senti estranha perto dele. Sempre foi muito confortável estar junto dele. Eu sempre contei tudo para ele. Hadrian é a pessoa que eu mais sou próxima. Mas como o problema era com ele, eu não sabia com quem falar, já que minha mãe não está aqui.

— Então sou um substituto da sua mãe e do Hadrian? Acho que subestimei meu nível de importância por aqui. Estava começando a acreditar que era um animal de estimação.

— Mas você é. Eu já te adotei. Vou deixar você continuar com o seu nome mesmo.

— Engraçadinha... Bem, eu não sou muito bom com conselhos. – Mentira. – Mas eu posso te ajudar a buscar respostas. – Apesar de eu já saber quais são. Devo deixar as coisas fluírem em seu próprio tempo.

— Não precisa. Gosto de desvendar as coisas sozinha. Queria apenas contar isso para alguém.

— Estou aqui até sexta-feira para lhe ouvir.

— Já terminou? – Olha para o meu prato.

— Com certeza. Se continuar comendo não vai dar certo.

 — Então vem.

Ela coloca meu prato na geladeira e segue para a sala de estar. Eu vou atrás. Vejo-a indo em direção a parede vazia onde era para se estar uma televisão e desenhar um símbolo no ar com os dois primeiros dedos. Sento-me no sofá e vejo aparecer um painel na parede assim como no balcão. Uuuuuh. À esquerda há uma lista: Notícias; filmes; séries; entretenimento; documentários e vários outros do mesmo tipo. Ela seleciona filmes como se estivesse usando um kinect e a lista muda para gêneros. Vejo-a escolher terror e já me sinto hesitante. Nunca fui muito bom para filmes de terror. Melhor, nunca fui muito bom para filmes com assombrações. Vejo-a sorrir maldosamente para mim e tento parecer só indiferente. Ela começa a analisar a lista de filmes e eu só consigo ver que vou passar vergonha. As capas dos filmes não são muito diferentes dos filmes do meu mundo. Escuridão, desespero, monstros não identificados, líquido preto que acredito ser sangue. Medo de filme de terror não combina nem um pouco com minha personalidade. Patético, Nicolas, patético.

— Você não tem medo de filmes de terror, não é? – Rio debochado para melhorar a minha falsa indiferença.

— Pode ter certeza que já vi muito mais filmes de terror que você. – Dois. Eu assisti dois filmes de terror em toda minha vida e um deles foi Frozen. Let it go me perseguiu por muito tempo.

— Ótimo, então. Vai amar esse. – Eu sou um idiota.

Ayah escolhe o filme e senta-se ao meu lado, sorridente. Deve ser seu filme favorito, porque sua empolgação está muito alta. Pergunto-me se Hadrian também tem medo de filme de terror. A empolgação anormal de Ayah faz parecer que essa é a primeira vez que ela mostra seu filme favorito para alguém. Como ela compartilha tudo com Hadrian, acredito que ele tenha recusado, o que me faz pensar que ele também tem medo de terror.

— Hadrian tem medo de filme de terror?

— Tem. Ele nunca assiste comigo.

Na mosca! Eu sou muito bom nisso.

Ayah olha para o teto, aponta os dois dedos para ele e desenha um símbolo diferente do que ela usou para ativar a “televisão”. Vejo trevas saírem de dentro da luminária no teto e começarem a dominar o cômodo. Todo o ambiente agradável e iluminado está sendo dominado pela escuridão. O filme de terror nem começou ainda e eu já estou cagado de medo. Olho para trás e vejo apenas o mais puro preto. Na tela, começa o filme mostrando uma paisagem de vista aérea. E ilumina parcialmente o cômodo.

— Bem legal, né? – Ela se refere à escuridão maligna? Ayah parcialmente iluminada fica um pouco assustadora. Estou nervoso.

— Ôh! –Solto uma interjeição de concordância irônica.

— Foi uma invenção do meu pai. Ele fez especialmente para mim. – Sorrio.

— Você é bem filhinha do papai.

— Cala a boca! – Ela soca meu ombro de leve.

Comecei o filme já preparando o coração para os sustos, mas chegando à metade eu reparei que esse não seria um filme que me daria medo. Ele retrata a vida de uma família que tem a sorte de um Nicolas e acabam com uma psicopata em suas vidas. O filme é realmente muito bom, mas não ter coisas sobrenaturais e as pessoas serem coloridas faz com que ele se torne nada assustador para mim. É evidente que o padrão de filmes de terror do mundo dela, para o meu são extremamente semelhantes. Um fato curioso é que nenhum dos atores e figurantes têm as tatuagens da cabeça a mostra.

Ao fim do filme fico aliviado. Não passei vergonha.

— Eu sempre vou gostar desse filme.

— Ele é realmente muito bem feito.

— Quer ver outro? A gente pode ver outros gêneros também.

— Claro. Não temos nada para fazer mesmo.

 

 

Assistimos filmes até de noite. Um de ficção, outro de ação e mais um de romance. O de romance foi o mais divertido. Ayah desativou a escuridão maligna e ficamos sentados no sofá conversando sobre os filmes. Um pouco depois escutamos a campainha tocar.

Ayah segue para a entrada da casa. Na parede ao lado, ela encosta com o indicador e uma pequena tela aparece. Vejo um olho de cor verde ocupar toda a tela.

Ayaaaaah! Ayaaaah!

— Sier-George – Sier? Assim como o Sier-Valentin? No livro também vi vários “Sier”. Seria uma forma de respeito como senhor?

O olho se afasta rapidamente e vejo o que acredito ser o cheirador de terra.

Oi, voz da Ayah! Eu posso entrar? – Ele chega a boca bem perto da câmera de forma estranha e vejo seus dentes tortos de uma forma bem nítida. Algo que infelizmente não conseguirei apagar de minha memória. Então ele sussurra, tornando tudo pior. – Eu tenho que te contar uma coisa. – A imagem fica embaçada.

O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO NA PORTA DA MINHA AYAH? SAI JÁ DAÍ! – Escuto um grito longínquo.

O tio olha para trás e vejo uma pessoa chegar empurrando ele violentamente. É a tia simpática! Marla se me lembro bem. O tio volta e a empurra. Então eles começam a brigar e eu já não estou mais entendendo o que está acontecendo.

Me solta, sua mulher maluca! Eu preciso falar com a Ayah!

— Sier-Marla. – Diz Ayah com uma voz mais doce que Aklorie. – Está tudo bem. Eu vou ficar bem. – A louca se afasta do louco. – Você me ensinou a me defender não se lembra?

Sim. Eu me lembro. – Responde como uma pessoa comum.

— Então. Eu vou abrir o portão para o Sier-George entrar e você volta para casa, tudo bem? – Ela fica em silêncio por um tempo.

Tudo bem. Eu vou voltar. Qualquer coisa você grita, que eu venho correndo.

Ela deixa o local e o tio sorri positivamente para Ayah. Ela desliza o indicador ao lado da tela e se vira para mim.

— Vai se esconder. Eu vou ficar com ele na sala.

A porta é tocada e ela começa a me dar tapas-empurrões. Corro para quarto de hóspedes. Será que devo fechar a porta? Mas resolvo não fazer mais nada. Se eu acidentalmente fazer algum barulho ele provavelmente me descobrirá. E aqui nem tem embaixo da cama para me esconder.

Ouço eles se cumprimentarem animados. Ambos os tios loucos de Hadrian gostam muito da Ayah. Será que o resto da família também? Eles vão para a sala de estar. Mal consigo ouvir o que dizem. Ele parecia realmente preocupado quando estava discutindo com a velha. O que será que ele quer com a Ayah? Nicolas, você não deve. Depois a Ayah te conta o que eles estavam conversando. Mas e se ela não contar? Você não pode! Ok, estou indo.

Parando para pensar, minhas dramatizações mentais fazem de mim tão doido quanto o cheirador de terra.

Saio do quarto e me aproximo sorrateiramente, arrastando-me pelas paredes. Paro há um braço de distância do fim do corredor.

— ... se comunicou comigo. – Droga. Peguei pela metade.

— Meu pai se comunicou com você? – Obrigado. – Por telepatia? – Sinto um tom de dúvida em sua voz. Talvez esteja questionando a sanidade dele. Mas para mim não é difícil imaginar que Sier-Valentin consiga usar telepatia.

— Sim. Ele disse para você ficar na casa de Heinz com a gente.

— Por quê?

— Ele não disse. Disse que era importante. E que era para você levar aquilo com você. – Aquilo? Seria eu? Eu sou “aquilo”?

— Aquilo? Mas como ele pretenda que eu faça isso?

— Ele também não disse. Traga a Ayah, urgente. Ela deve trazer aquilo. Foi o que ele disse.

— Argh! Aquele velho e seus enigmas. Não deve ser nada. – Estou com um sentimento de que algo está errado. Mas não posso interferir. – Vou ficar por aqui mesmo. – Algo está errado. Nada bom acontece quando essas frases são ditas.

— Você não deve.

— Está tudo bem. Eu vou ficar aqui. Eu falarei para ele que você tentou.

— Ayah...

— Vamos, está na hora de você voltar.

— Mas, Ayah...

— Se continuar resistindo, eu vou chamar Sier-Marla. – As vozes parecem mais perto.

— Ayah, venha comigo, por favor.

Consigo ver Ayah empurrando-o para porta. Tento voltar para o quarto a tempo, mas acabo trocando olhares com ele.

Opa...

— O que é essa coisa? – Ele foge das mãos de Ayah e vem seguindo devagar em minha direção. Parece com medo, mas tem um olhar agressivo. Vejo Ayah por trás me estrangulando com o olhar. – É você o perigo que eu tenho que salvar a Ayah? Para você pegá-la tem que passar por cima de mim! – Rio.

— Pois saiba você que eu solto lazer pelos olhos! – Faço posição de ataque.

— E-eu não tenho me-medo dos seus olhos de lazer!

— Há!

Ele agacha protegendo a cabeça. E só consigo rir.

— NICOLAS!

Agacho e protejo minha cabeça. Depois olho para ela.

— Achei que ia soltar lazers em mim.

— Era para você ficar escondido!

— Eu estava... Mas fiquei curioso.

— ARGH!

— Assustadora. – Tento conter meu sorriso.

— O que é isso? Invenção do seu pai?

— Mais ou menos. – Vejo a expressão da Ayah de “como vou explicar o alienígena que estava escondido na minha casa?” e só consigo achar isso extremamente divertido.

— Eu sou um viajante de outro mundo. – Digo para ele de forma enigmática. E ele parece fascinado, mas Ayah continua com sua cara feia. – Eu fui puxado por portal mágico e acabei parando nesse mundo sem querer. Essa caridosa pessoa aqui – Fico atrás de Ayah e seguro-a pelos ombros. – Me acolheu e disse que seu pai pode me ajudar em meu problema. Agora estamos esperando ele retornar.

— Entendo. Sempre que precisar de ajuda, posso te ajudar também. – Só consigo rir por dentro. Ele simpatizou comigo.

— Obrigado, meu amigo.

Ayah se solta de minhas mãos e soca meu estômago.

— Argh. Para que tanto ódio?

— Sier-George, isso é algo extremamente secreto. Você pode manter isso em segredo? Absolutamente ninguém pode saber disso.

— Claro! Tudo pela minha pequena Ayah.

— Viu? Tudo certo. Não precisava de todo aquele drama. – Viro-me para ele. – Então, vocês estavam falando sobre conversas telepáticas.

— Sim. É preciso que Ayah vá para a casa de Heinz urgente.

— Bem, por que não fomos ainda?

— Nós não vamos! – Afirma Ayah.

— Como é teimosa essa Ayah! Seu pai não falou telepaticamente para nós irmos, você devia ouvi-lo.

— Não vamos. Você ainda não percebeu que você não pode ser exposto?

— Obrigado pela preocupação, mas eu vou ficar bem. Temos mais um aliado. Com a ajuda dele e de Hadrian – Dominaremos o mundo. Não vou dizer. – eu consigo ficar lá sem ninguém me descobrir.

— Porque já foi um sucesso aqui, né? Vamos ficar aqui e pronto. Meu pai está apenas fazendo drama.

— Não acho que é uma boa ideia.

— Não. Vamos.

Apoio minha mão no ombro dele.

— Eu tentei. Se acontecer algo, eu a protegerei.

— Use os lasers.

— Não vai acontecer nada! Tchau! – Ela empurra-o para a saída.

Ele vai embora e ela volta já me olhando com raiva. Eu não esperava que eu fosse descoberto, mas eu sinceramente nem ligo.

Estou com fome, mas se eu comer doce mais uma vez entro em colapso. Terei que esperar até amanhã quando Ayah comprar comidas salgadas para mim. Chamo-a para vermos filmes até dormir. Sentamos no sofá e ela me ensinou a invocar a escuridão maligna. Senti-me como um feiticeiro. Foi muito mais legal do que eu imaginava que seria. Tudo nesse mundo está sendo surpreendente. Começamos os filmes. Assistimos um, dois...

 

Acordo meio confuso. Vejo na tela o painel, mostrando a capa do terceiro filme que assistimos e a lista para escolher outro ao lado.  Quando foi que eu dormi? Esfrego meus olhos. Olho para o lado e vejo Ayah deitada em meu colo. A tela a ilumina levemente. Consigo ver sua expressão tranquila ao dormir. Arrumo seu cabelo atrás da orelha pontuda e o acaricio. Tão macio e suave. Sinto vontade de acaricia-la para sempre. Ela se mexe virando para o outro lado e imediatamente afasto minha mão. Espero um pouco para ver se ela vai levantar, mas ela continua dormindo.

Que susto! Acredito que não temos intimidade suficiente ainda para eu ter essa liberdade de acaricia-la. Isso seria então assedio, não seria?

Ela vira se para cima. Seus cabelos espalhados em seu rosto. Sorrio e arrumo-os para cima. Posso dizer que prefiro ela dormindo. Sem todos aqueles dramas e aquelas ordens. Aperto sua bochecha de leve. Tão macia. Então imagino como deve ser apertar...

Decido me levantar. Seguro a cabeça dela e a levanto lentamente. Saio de baixo colocando uma almofada. Ela nem chega a se movimentar. Mais uma vez arrumo seus cabelos e resisto ao desejo estranho de observá-la dormindo. Procuro um relógio e vejo na tela que são cinco e quarenta e dois da manhã. Nossa! Dormi que nem pedra! Acordei em meu horário normal. Costumo acordar de manhã cedo. Não é algo que eu consiga controlar, infelizmente. Não sei se o sol já nasceu, então decido não desativar a escuridão. Sigo para a parede de trevas que existe no fundo e tento atravessá-la. Tinha quase certeza de que não iria conseguir, mas atravessei como se não existisse nada. O sol já nasceu, mas o dia ainda está fraco, assim como em minha cidade. Olho para trás e me assusto.

Consigo ver a sala como se estivesse sem escuridão nenhuma. Fico na ponta dos pés e não vejo a Ayah deitada. Concluo que isso é apenas uma imagem projetada da sala. Atravesso minha mão e ela desaparece. Puxo de volta e ela reaparece. Atravesso mais uma vez e ela desaparece, depois reaparece. Então ela desaparece e depois aparece. Chega! Vou para o quarto de hóspedes. Pretendo tomar meu banho matinal, apesar da água ser gelada. Sei que disse que água gelada não me incomoda, mas de manhã cedo... Atravesso o quarto, o closet, fecho a porta e começo a me despir.

Fazia tempo que eu não acariciava ninguém.

Lembro da minha ex-namorada ao atravessar a linha metálica, entrando no box. Se tem algo que eu não quero me lembrar, é dela. Mas eu simplesmente não consigo evitar. Ligo o chuveiro e arrepio ao sentir a água gelada. Pego o sabão.

Acho que devo apenas aceitar os meus pensamentos sobre ela e tentar não dar importância a eles. A imagem dela de quatro com ele sempre me dá ânsia de vômito. Não será nada fácil esquecer. Não desejaria isso nem para os meus inimigos... Queria mesmo era apertar aquelas bochechinhas fofas da Ayah.

Enxaguo-me e termino meu banho. Rápido, não? A água gelada me influenciou. Ninguém demora no banho gelado. Se você demora no banho gelado, você é um alienígena... Espera, eu sou um. Piadas ruins a parte, visto a mesma roupa – Hadrian bem que podia me trazer uma outra muda – e solto meu cabelo, bagunçando-o. Analiso mais uma vez a xuxinha. Como essa pode ser a favorita dela? Coloco-a no pulso e deixo o banheiro. Atravesso o closet, atravesso o quarto e assim que piso fora dele:

Opa! My spider sense is tingling!

Ouço sons e não parece ser Ayah. Ando devagar de modo silencioso. Quanto mais me aproximo, mais nítidos vão ficando os sons. São vozes de alienígenas desconhecidos conversando em uma língua estranha. Espio. Quatro deles, três na frente do escritório e um dentro. Todos usam capas e chapéus pretos. Suas peles são pintadas em cinza. Sinto que um vai virar a cabeça e volto a me esconder.

Sabia que algo ia dar errado. Esse era o motivo que o pai dela mandou a gente sair daqui? Eles parecem muito profissionais e perigosos. O que eu faço agora? Pensa Nicolas... Devo chamar a polícia? Que chamar a polícia o que! Vou agarrar a Ayah e fugir. E se ela tentar defender sua casa? Certeza que ela vai tentar... Lido com isso depois.

Espio. Todos estão distraídos. Pulo para dentro da sala de estar e consigo imaginar eles olharem em minha direção à procura de algo suspeito. Quem diria que minhas habilidades de fugir secretamente da casa da namorada na adolescência viriam a ser úteis. Ayah permanece dormindo. Vou até a janela mais próxima e espio pelas cortinas. Não há ninguém. Aproximo-me dela. Como farei isso? Agacho em frente a ela.

— Ayah. – Acabo sussurrando mesmo sabendo que o som aqui é isolado. – Ayah. – Cutuco sua bochecha.

Ela abre os olhos devagar com uma expressão meio desorientada.

— O que foi? Eu dormi?

— Nós dormimos. Já são seis horas.

— Da manhã? – Ela fala alto e meu coração gela. Mesmo sabendo que o som aqui é isolado. – O que foi? Você parece muito nervoso.

— Eu vou te dizer uma coisa, se você prometer que vai fazer o que eu disser.

— O que aconteceu? – Ela parece preocupada.

— Vai fazer o que eu disser?

— Não. – Não dá para lidar com ela. – Tudo bem. Desde que não seja nada abusivo.

— Tem pessoas suspeitas na sua casa.

— O que? – Ela fala alto mais uma vez.

— Você não vai nem sequer pensar em tentar dar uma de heroína! Eles usam roupas pretas e falam em língua esquisita. Extremamente perigosos. Nós vamos sair daqui secretamente e sobreviver.

— Onde eles estão?

Eles estão no meu &$@#! A enrolação da Ayah só me torna ainda mais nervoso.

— Na cozinha. Mas não importa. Não temos tempo. Vamos sair daqui logo. Pela janela...

— Eles estão tentando roubar algo do meu pai? Eu não posso deixar! – Paciência...

Ela ia se levantar para pular o sofá e eu a agarro tapando sua boca com minha mão. Com meu rosto perto e com a voz mais séria que consigo, digo:

— Escuta aqui! Seu pai avisou sobre isso, não avisou? Ele mandou você sair daqui, não mandou? Se ele tivesse a necessidade de que algo fosse protegido, ele falaria. Então, agora, você vai me ouvir e nós vamos fugir daqui! Entendeu?

Ela assente de olhos arregalados. Difícil lidar com adolescentes rebeldes. Solto-a devagar.

— Fugiremos por aquela janela? – Ela aponta para a janela mais próxima. – Não tem pessoas lá fora?

— Pelo que eu vi, não.

— Tudo bem, então. Mas como vamos esconder você? Você não pode aparecer assim. – Olho a minha volta.

— A gente me enrola nessa cortina.

— O que? Nessa cortina? – Ela me olha espantada. – A minha mãe mata nós dois!

— Se você morrer não vai ter quem ela matar. Pega logo.

Ela tira a cortina e eu a visto deixando apenas meus olhos de fora.

— Parece mais suspeito do que sem.

— Vamos logo.

Ayah abre a janela, empurrando-a para cima. E eu me preparo para pular pisando na borda, segurando a cortina por dentro na altura do pescoço.

— Não empurra! – Falo para Ayah.

— Anda logo!

Quando ia dar o impulso para subir a escuridão se vai e vemos todos os quatro alienígenas suspeitos nos olhando. Os três de trás parecem assustados e o quarto no meio está com uma expressão séria indiferente.

Zugrak!

Rapidamente agarro Ayah e a envolvo com a cortina, caindo com ela atrás do sofá. Uma chuva de raios preenche o espaço onde estávamos. Perigoso. Como vamos fugir? Como vamos fugir? Sinto a respiração ofegante de Ayah embaixo de mim. Sei que está com medo. E como um flashback de novela mexicana, lembro-me do que o pai da Ayah disse durante a conferência.

— Então, Ayah... – Sussurro para ela. Nossos rostos estão próximos. – Você é tão mole e fraquinha que eu tenho que ficar te salvando?

— O que? – Vejo-a se irritar e um brilho surge em seus olhos. Isso deveria acontecer?

— E ainda queria proteger as coisas de seu pai. Você seria mais inútil que...

— ARGH!

Ela me joga para o lado, saindo debaixo da cortina. Bato as costas na mesa de centro. E caio deitado com a cortina me cobrindo. Espio-a por uma brecha, temendo que ela venha é me matar, invés de matar eles. Ela vira o rosto para mim e vejo que o azul de seus olhos está brilhando, oscilante.

— Vou te mostrar quem é fraca!

Ela se levanta e eu e a cortina nos arrastamos para longe. Sentado no canto da sala vejo-a gritar:

IGNAH!

Chamas brancas dançam em volta dela, dominando quase o cômodo inteiro. Enrolo-me ainda mais com a cortina formando um casulo, deixando apenas meus olhos de fora. Ela abre os braços e elas se juntam formando um par de asas de fogo branco magnífico. Uma das coisas mais lindas que eu já vi.

— Quem são vocês? – Grita e as chamas tremem com sua voz.

O mesmo cara que lançou a magia dos raios olha para mim em meu casulo e coloca um pé a frente. As chamas da Ayah se intensificam. Ele levanta os braços formando um x acima de sua cabeça, depois descruza os braços e os desce como se empurrasse algo para baixo, parando em frente ao seu peito. Por fim ele cruza os braços esticados para baixo e permanece na posição. A imagem deles começa a ficar translúcida.

— NÃO!

Ayah pula por cima do sofá lançando seu fogo furioso para cima deles, mas já é tarde. Ela rosna e o fogo se intensifica e dança violentamente em torno dela. Levanto-me para acalmá-la, com medo de ela sentir ressentimentos pelo o que eu disse. Passo pelo sofá e vejo a cair no chão.



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