— Haruno-sensei, Sasori-san vai se juntar à nossa classe novamente?
Sakura ergueu os olhos do microscópio e encontrou Dan olhando-lhe com um brilho ansioso (ou talvez fosse o brilho da iluminação fluorescente refletindo seus gigantescos óculos).
— Não tenho certeza, pois o Kazekage devolveu metade de seu chakra, então eu não posso imaginar que vai ser permitido que ele fique perto de venenos.
— Oh, eu vejo.
Ele parecia um pouco chateado por suas palavras, mas Sakura não pensou que houvesse algo que pudesse fazer para tranquilizá-lo. A verdade era que ela duvidava muito de que Gaara e os dois especialistas em selamento recentemente atribuídos à guarda pessoal de Sasori estivessem entusiasmados em deixá-lo perto de produtos químicos tóxicos. Algo lhe dizia que essa era uma batalha que ela não ganharia se trouxesse seu caso diante de Gaara (ela e Kankuro já haviam esgotado a cota de concessões).
Estava um pouco desapontada que Sasori não estivesse ali para ajudá-la a dar a aula de venenos, já que ele era claramente mais conhecedor sobre o assunto do que ela nunca chegaria a ser. Admitia a si mesma que era estranhamente emocionante ouvi-lo falar tão sem esforço sobre o assunto. Ele era um toxicologista de erudição notável, e ela se viu completamente absorvida em suas explicações a última vez que ele falou sobre o mundo dos tóxicos. E pelo que percebia, os outros compartilhavam os sentimentos dela.
— Seria ótimo se ele pudesse voltar e nos ensinar a criar novos venenos a partir do zero — disse Mihara.
— Oh! S-sim, isso seria muito interessante — disse Kawabata. — Claro, se o Kazekage-sama permitisse isso.
Talvez Sakura pudesse pelo menos falar com Sasori sobre qualquer ideia que ele pudesse ter para ajudá-la a ministrar suas aulas? Seria melhor do que nada.
— Eu vou falar com Sasori, talvez ele tenha algumas ideias que possamos explorar juntos na nossa próxima aula.
Eles balançaram a cabeça e agradeceram, mas Sakura sabia que não era suficiente para apaziguá-los completamente. Como ela, eles desejavam uma compreensão mais profunda do tema. Na verdade, por não ser nenhuma toxicóloga de elite, Sakura quase sentia como se estivesse impedindo-os de avançar em seus estudos.
Fazia três dias desde que vira Sasori pela última vez. Depois que o espetáculo improvisado deles terminara abruptamente, ela foi ao hospital para seu turno regular. Por sorte, as equipes de Jounin e Chuunin estavam voltando para Suna, depois de várias missões, muitas delas com lesões críticas. Sempre era assim no hospital: um dia poderia ser lento, e Sakura teria sorte de ver uma costela quebrada ou algo do tipo, noutro ela mergulharia em cirurgias de emergência.
Com todas as ocupações que surgiram subitamente, ela teve que reprogramar esta avançada aula de venenos duas vezes por causa do afluxo dramático de pacientes e da escassez de cirurgiões qualificados.
A vida no hospital era como correr uma maratona que nunca terminava, mas Sakura amava seu trabalho para reclamar.
Aliás, sua ocupada agenda tinha lhe dado oportunidades mínimas para pensar sobre o incidente mais recente envolvendo um certo paciente ruivo. Agora que ela tinha algum tempo para respirar, enquanto seus alunos faziam anotações, ela encontrou-se revivendo sua última interação com Sasori mais, e mais e mais em sua mente.
Tudo estava indo muito bem até que ele decidira sussurrar em seu ouvido. Já era bastante ruim que ela tivesse perdido para ele (de novo), mas ele tinha que esfregar isso de forma presunçosa na cara dela. Ele era um idiota às vezes.
— Acabou.
Maldito seja ele. Aquela pequena palavra tinha bagunçado a cabeça de Sakura, fazendo-a parecer uma estúpida. Tudo o que ela pôde pensar quando sua própria vida estava sob extremo risco era o quão agradável a voz de Sasori soava. Devia haver algo errado com ela. Quando a voz dele lhe pareceu soar agradável? Talvez ela estivesse gastando muito tempo com ele.
Como pôde sentir algo agradável naquela situação tão perigosa?! Nesse caminho, não faltaria muito para que ela e Sasori estivessem compartilhando jantares à luz de velas nos quais o principal assunto seria a explanação sobre o processo indubitavelmente horrível e sangrento de transformar as pessoas em marionetes.
— Oh meu Deus, pare! — gritou para si mesma.
— Haruno-sensei, você disse alguma coisa?
— Oh, não, não se preocupe, Dan.
Sasori era atraente... Bem, ela podia admitir isso, afinal não era difícil de ver isso, era? Não era culpa dele que fosse bonito, tampouco era culpa dele que sua voz pudesse soar como chocolate escuro derretido quando ele assim queria.
"Maldito seja!"
Mais importante do que tudo isso: Sasori era perigoso, e aquela sessão de sparring a tinha lembrado desse fato como uma colisão a mil e duzentas milhas por hora. Sakura nunca mais esqueceria isso. Inconscientemente, ergueu a mão para o lugar em sua garganta através do qual Sasori a tivera totalmente aprisionada... Seu aperto tinha sido constante, mas não particularmente doloroso, contudo poderia ter sido, e ela engoliu a secura ao pensar nisso.
"Estou desconfortável porque ele me assustou. Ele poderia ter me matado tão facilmente, e eu o subestimei."
Mas as palavras não ditas deixaram um sabor amargo em sua boca. Sasori era forte e capaz, mas ele nunca tinha sido hostil ou violento com ela desde que fora transferido de sua cela. Sakura não queria acreditar que ele realmente faria um atentado contra sua vida nesta fase do jogo, quando já haviam percorrido um longo caminho juntos, se é que isso poderia ser colado assim. Sasori estava em uma posição difícil como prisioneiro de uma aldeia que havia abandonado há uma vida.
Sakura pensou em sua conversa com Ebizo, o ancião que não tinha sido muito próximo de Sasori, mas que claramente transmitia preocupação para com seu neto e sua fiel companheira chamada solidão.
Sakura queria pensar que Sasori era o tipo que preferia estar sozinho, mas quanto mais ela refletia sobre todo o tempo que já tinham convivido um com o outro, menos peso essa sua teoria parecia manter. Quando Sakura foi visitá-lo depois da conversa dela com Ebizo, além de ter sido em um momento tão agudo da noite, ela não portava uma razão particular para tal iniciativa; ainda assim, Sasori não tinha questionado seus motivos, nem lhe pediu para sair, mas simplesmente deixou que ela entrasse para com ele conversar; e ali ela ficou sem fazer mais nada além de se queixar da recuperação dele. Em nenhum momento Sasori deixou transparecer irritação a ponto de querer que ela fosse embora.
Sasori era um intelectual e um artista. Uma vez que ele quisesse falar, quase tudo o que ele dissesse seria cuidadosamente processado, pensado, mesmo que muitas vezes suas falas fossem rudes. Então, se ele era tão calculista dentro de seu universo tão misterioso, era natural que não aceitasse o que Sakura ou qualquer outra pessoa dissesse, especialmente no que concerne à afetividade. Mesmo assim, ela nunca tinha deixado de defender suas crenças, e mesmo que Sasori as achasse maléficas para si, ele nunca fez Sakura sentir-se como uma pessoa menor por ter tal opinião.
Decerto, ele parecia resignado com pessoas que não entendiam ou discordavam dele. Por mais que ele alegasse odiar ser humano e a natureza transitória de sua existência atual, parecia capaz de se adaptar bastante bem sempre que Sakura estava por perto. Ficava melhor a cada dia. No início, ele tinha sido intolerante e inacessível, mas agora parecia mais contente, não conformado, mas realmente, ou relativamente, contente. Quando Ebizo lhe contou como Sasori sempre estivera sozinho, Sakura imediatamente compreendeu o problema. Naruto estivera sozinho por tanto tempo também, e ela tinha visto o que isso fez para ele. As pessoas necessitavam umas das outras como o ar, admitindo ou não; assim, Sasori precisava dela e de Kankuro, e da brigada de, e de Ebizo... Eram todas as pessoas que ele tinha deixado para conectá-lo a este mundo e a esta vida.
A cada novo dia que o via, Sasori parecia um pouco mais humano. Todo dia ela o via e se importava um pouco mais. Queria ajudá-lo a mudar porque sabia que podia, embora desprezasse o conceito em um nível fundamentalmente filosófico. Ele havia confirmado as habilidades dela e a fez se sentir útil, mesmo quando travavam guerra um contra os outro. Ele tinha sido o único a incentivá-la a melhorar a si mesma; e não importava se ele tinha feito isso propositadamente, o que realmente importava era que o reconhecimento dele, então e agora, deu a Sakura forças pelas quais ela ficaria eternamente em dívida com ele. Ela realmente precisava dele, admitiu a si mesma. Sem Sasori, ela não seria quem se tornou. Ela não estaria treinando toda a força médica de Suna; não o teria trazido de volta à vida duas vezes, não teria chegado tão longe, afinal, não estaria correndo mais e mais perto de Naruto, Sasuke, Kakashi e todos os outros que sempre estiveram tão à frente dela se não tivesse conhecido Sasori Akasuna.
Sakura esfregou seu pescoço, tocando onde Sasori tinha segurado sua vida na palma de suas meras mãos.
Ele a assustava.
Mas ele também a deixava admirada.
Ele a fazia se sentir mais viva do que jamais sentira antes.
Sakura se importava com ele; ela queria conversar mais com ele, passar mais tempo com ele e fazê-lo entender. Queria provar que ele não era tão egoísta como tanto tentou ser, e que ele não tinha que ser assim desde que, simplesmente, a deixasse entrar. Ela estaria provavelmente quebrando vinte diferentes leis shinobi ao simplesmente considerar tais pensamentos sobre um genocida, mas, a verdade, essa sua nova situação era parecida com a que Sasuke lhe proporcionava.
Sasuke...
Sakura costumava amar a maneira como Sasuke falava. O timbre profundo de sua voz sempre fora agradável de ouvir, mesmo que suas palavras tivessem tendência a doer. Mas a última vez que o viu, quando tentou matá-la, ela achou que a voz dele não soava tão agradável. O jeito que ele a olhou diretamente nos olhos quando estavam apenas a centímetros de distância, quando deixou soar o nome dela, fez seu interior virar gelo, pois não havia nada de rico ou apelativo no tom de voz de Sasuke; na verdade, era duro, frio e desinteressado (não ajudou que ele tivesse uma katana na garganta dela).
E, no entanto, quando estivera em uma situação similar com Sasori, sentira a reação oposta.
— Renda-se.
Sakura deixou cair a lâmina com sangue que estava examinando antes e olhou para a mesa de aço inoxidável, sem ver.
— Haruno-sensei, você deixou cair a amostra. Espere, vou pegar o esfregão — a voz de Kawabata se aproximou dela.
"Oh, Deus."
Ela sentiu como se tivesse acabado de entrar em uma sauna. Perdeu um pouco a coordenação e teve que se apoiar na beirada da mesa de laboratório.
A atração era tão óbvia que ela poderia ter se chutado por não perceber isso antes. Não, também não era tão óbvio assim. Era difícil para ela admitir seus sentimentos quando estava tentando ser objetiva, tanto em sua missão como em seus princípios éticos e morais; mas já não adiantava se recusar a vê-los por suas próprias maquinações. Não havia mais volta: um pequeno gatilho abriu as comportas e varreu a verdade para a frente dos olhos de Sakura, forçando-a a reconhecê-la ou afogar-se nela.
Ela não tinha percebido isso outrora, mas o fazia nitidamente agora. A forma como Sasori a deixava nervosa, a maneira como ele às vezes se aproximava o suficiente para que ela visse as sardas fracas em seu nariz, do jeito que seus olhos a viam como se ela fosse a única coisa no mundo que valesse a pena olhar... Ela queria ter medo, ela queria se preocupar com a periculosidade que isso poderia significar para todos. Um movimento errado e o efeito terrível ondularia para toda e qualquer direção, até que sua vergonha e traição alcançassem os níveis mais altos em Suna e Konoha. Era egoísta e inconcebível; era errado, errado e errado!
Mas ela não podia negá-lo por mais tempo. Sakura sempre fora uma má mentirosa, especialmente quando estava tentando enganar a si mesma.
— Haruno-sensei? Você está bem? Parece-me um pouco pálida — Mihara disse e colocou uma mão no ombro de Sakura.
"Eu tenho que lidar com isso. De alguma forma, eu tenho que consertar isso."
— Sim, estou bem. — Sakura piscou e olhou ao redor: Kawabata estava limpando os estilhaços da lâmina quebrada, e Dan estava olhando para ela, Sakura, com um semblante de preocupação mal escondida. — Sinto muito, acho que estou me sentindo um pouco cansada da correria nos últimos dias.
— Você deveria ir para casa e descansar um pouco — Dan disse.
— Oh, mas ainda temos mais uma hora de aula, e pensei que hoje examinaríamos as propriedades da cicuta.
— Haruno-sensei, você precisa descansar. Vá para casa e coma alguma coisa, depois tire uma soneca. Não se preocupe, pois podemos continuar com a lição em outra hora — disse Kawabata, com um sorriso reconfortante.
Mihara e Dan concordaram com a cabeça.
— Pelo menos me deixem ajudá-los a limpar. Eu comecei a bagunça — disse Sakura.
— Está perfeitamente bem, vamos nos certificar de que tudo seja guardado e trancado. Agora vá para casa — disse Mihara, severamente.
Derrotada, Sakura assentiu e agradeceu aos pesquisadores, pedindo desculpas pela última vez pelo inconveniente.
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