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História A Perfeita Imperfeição de Existir - Quadragésimo Ato


Escrita por: redrosess

Notas do Autor


UFA! Esse demorou mas chegou. E olha, foi difícil. O bloqueio tá forte e eu demorei semanas até conseguir produzir todo o capítulo. Exatamente por isso pode ser que haja um pouco de falta de coesão aqui ou ali, mas acho que não será nada muito grave.

Falando em falta de coesão, já vou pedindo desculpas se algum detalhe de um capítulo destoa do anterior. Eu dificilmente releio um capítulo depois que o reviso. Além da falta de tempo, não faço isso porque fico com receio de não gostar e querer reescrever tudo :-D

"Nunca releio o que escrevo. Prefiro viver em função do futuro"
Borges 😉

Capítulo 40 - Quadragésimo Ato


Fanfic / Fanfiction A Perfeita Imperfeição de Existir - Quadragésimo Ato

Mesmo quando jovem, Sasori não era tolo. Ele sabia que seus pais nunca mais voltariam para casa. Não tinha como sua avó esconder isso dele.

Por mais que Chiyo insistisse no contrário, o pequeno Sasori já discernia cada uma das inverdades que ela usava para tentar enterrar da vista dele o mundo real. Para ele os fatos estavam sempre se contorcendo para serem soltos e ouvidos. Ninguém conseguia o enganar.

Sua avó lhe dizia "eles vão voltar logo", mas quando a madrugada chegava, e o silêncio absoluto desfrutava seu momento, Sasori escutava as lágrimas dela se chocando​ contra o chão.

Lágrimas… Qual era o sentido delas afinal? Do que valeria chorar quando nada poderia ser desfeito? Sasori, após ter certeza do destino que seus pais tinham tido, prometera a si mesmo que nunca mais derramaria uma lágrima, nem pelos mortos nem pelos vivos. O sofrimento havia passado a não lhe significar nada desde que ele se fizera engolir o fato de que nunca mais veria o rosto de seus pais.

Não mais sofria, mas sentia raiva… Raiva de sua avó, por ter tentado fazer ele de tolo por tanto tempo; e de seus pais, por serem fracos demais e não voltarem sãos para casa. Essa raiva crescente em seu coração logo se transformou em indiferença, e aí, de uma vez por todas, o sofrimento deixou de existir em seu mundo.

A indiferença que Sasori sentia era tão grande que ele seguiu fingindo que acreditava na mentira de sua avó. Ele sabia que ela sofria por tentar fazer ele acreditar que seus pais ainda estavam vivos, por aí, amando-o de longe. No entanto, a angústia de sua avó, quem era a fonte mais intensa de afeto que lhe restava, era insignificante para ele.

Chiyo então lhe ensinou como anexar linhas do que ela chamava de "chakra" na ponta dos dedos e controlar os membros de madeira de marionetes. Sasori não demorou para dominar a técnica e começou a fazer seus próprios bonecos. Aos cinco anos de idade, como uma última tentativa para se livrar da solidão, ele criara bonecos que pareciam com seus pais. Mas eram apenas bonecos, incapazes de lhe dar o amor parental que ele desejava. Entretanto, ele não perdeu interesse pela arte, pelo contrário. A fragilidade e a falsidade inerentes aos humanos eram a causa de tudo de errado que havia acontecido com ele. E os bonecos não tinham vontade própria, ou sentimentos. Não eram afetados quando feridos mental e fisicamente. E no momento em que Sasori percebera isso, ele também concluiu o que deveria fazer. Ele tinha que morrer para então viver eternamente, alcançando a perfeição, tornando-se verdadeiramente uma obra de arte.

E ele não se importaria em deixar para trás sua avó Chiyo, porque ela não era mais sua família, não quando não passava de uma mentirosa...

Tal como Sakura…

Se havia algo que Sasori odiava tanto como ter que esperar, era ser enganado. E feria muito seu orgulho saber que aquela garota, tão menos experiente que ele, tinha conseguido, ao menos por um instante, enganá-lo.

Ele abriu os olhos, piscou algumas vezes para os ajustar à luz e fixou o olhar no teto. Os dias estavam sendo mais entediantes que o normal. Nada havia acontecido nos últimos três dias. Nem tinham ido o buscar para sua tão aguardada execução nem para o seu rotineiro treinamento com a brigada. Nos últimos três dias ele tinha ficado confinado, apenas recebendo as visitas de guardas trazendo suas refeições.

Estar sozinho agora lhe tinha outro significado com relação aos seus anos como uma marionete viva. Estar sozinho agora estava lhe trazendo as sensações que teve em sua meninez. De uma forma que não acontecia desde o dia que havia desertado sua aldeia, Sasori fechou os olhos deliberadamente e pensou, com mágoa e nostalgia, em sua trajetória como um todo, partindo de suas mais distantes memórias e passando pelos eventos dos últimos anos.

Como ele tinha acabado assim afinal? Como a sua um dia enorme ambição terminou em um ritmo de vida tão medíocre, em uma habitação comum, preso a tudo aquilo que ele tanto quis deixar para trás, especialmente as malditas emoções!

Maldição! Tanto tempo de sua vida ele havia dedicado para encontrar um forma de esquecer a agonia do afeto humano. Foram anos de árduo trabalho até ele finalmente conseguir por um fim a toda a dor acumulada em seu peito. No entanto, naquele maldito dia, naquela maldita caverna, quatro anos atrás, Sasori percebera que nada seria capaz de lhe arrancar a imperfeição de sua humanidade. E então ele acabou concluindo, naquele mesmo instante, que seria perda de tempo continuar caçando um objetivo inalcançável. Nunca é demais lembrar, Sasori odiava perder tempo.

Mas agora ele pateticamente estava perdendo tempo, sem se mover por qualquer objetivo de grande valia. Nem mesmo sua morte parecia querer chegar e ele nem tinha convicção suficiente para a encomendar por si mesmo. Não havia honra quando um ninja tirava sua própria vida sem um motivo que não fosse a covardia.

Sasori tinha desistido da vida uma vez, mas ele não havia feito isso somente por se ver sem objetivo. Na verdade, ele tivera uma outra causa para tomar aquela atitude.

E havia sido ela… Sakura…

Quando Sasori pela primeira vez pôs seus olhos nessa garota, ali já viu mais que uma mera ninja adolescente. Ele, em sua busca cega pela beleza absoluta, viu em Sakura um poder muito radiante para terminar antes de alcançar sua plenitude. Todo o seu trabalho de anos havia sido estilhaçado e ele já pressentia que aqueles segundos eram os seus últimos quanto ao seu modelo de existência ideal. Poderia ter se esquivado da última e desesperada investida de Chiyo, mas ele não o fez. Pois isso resultaria na morte da garota rosada de determinação ilimitada, de olhar destemido… Naquela altura, Sasori havia percebido a beleza daquele olhar e apagá-lo já não lhe seria mais satisfatório. A determinação de Sakura era a coisa mais duradoura que Sasori havia visto nesse mundo sem eternidade. Ele não precisaria a conhecer mais para ter certeza de que ela manteria aquela força extraordinária para o resto de sua existência. Só por isso, Sasori, naquele justo momento à beira de matar ou morrer e percebendo que suas convicções haviam trepidado, sentiu como se sua existência fosse inferior à dela.

Desconsiderando o momento em que voltou a se deparar com as marionetistas com aparência de seus pais, aquela havia sido a primeira vez que ele tinha ficado afetado por uma visão desde uma escultura que um aldeão de Suna tinha feito de pedra e areia. A escultura não mostrava uma cena de guerra ou algo do tipo, tampouco um símbolo mitológico. Na verdade, essa arte retratava uma cena mundana: uma garota varrendo a areia de seus cabelos. Mas era uma representação especial na sua normalidade, isso pensava o jovem Sasori.

Sasori visitava todos os dias a praça onde ficava a escultura, até que o vento corroeu a areia. Mas, apesar de a estátua ter terminado com a aparência de uma batata de tamanho humano, Sasori não deixou de poder convocar os seus detalhes em sua mente. Os detalhes dos cílios, as sardas que desapareceram e as suas finas linhas de cabelo.

Por um tempo ele se perguntara o significado da escultura. Uma garota limpando o cabelo da areia... poderia significar qualquer coisa.

Quando Sasori desencadeou seu primeiro ataque contra a companheira de cabelo rosa de Chiyo, ela aterrissou na areia e rolou. Ela então se reergueu e passou uma mão sobre os cabelos, limpando-os…, uma cena que fez Sasori a comparar com a estátua de areia. Mas ao contrário da estátua, Sakura se movia fluentemente. Ela corria, estava viva, determinada. Era um tipo de vida que as linhas de chakra eram incapazes de proporcionar, como Sasori uma vez havia experimentado quando tentara dar vida aos bonecos que representavam seus pais.

Ver uma pessoa lutar tão arduamente por seus amados fizera com que Sasori experimentasse a mágoa depois de muito tempo. Por um instante, Sasori sentiu inveja daquele extraordinário tipo de poder, um pedacinho de eternidade que ele nunca havia sido capaz de sentir. Talvez, e apenas talvez, se ele tivesse tido esse tipo de poder em si, as coisas acabariam de outra forma.

E eis que o Sasori do presente concluiu sem qualquer resquício de dúvida: mesmo a beleza sendo um conceito difícil de definir, Sakura definitivamente era linda.

                           [ … ]

Duas semanas se passaram e pouco tinha mudado. A execução não chegava e, estranhamente, os guardas de Suna seguiam se comportando de forma monótona. É claro que Sasori não fazia qualquer pergunta sobre o que estava se passando depois da última conversa entre ele e Sakura, mas aquela situação era no mínimo estranha. Nem sequer haviam tentado interrogar ele de novo. As coisas estavam calmas demais, pensou Sasori, e era bastante factível que a Akastsuki tivesse se recolhido depois de seu último grande ataque e as Grandes Nações estivessem agora em um estágio de debate sobre estratégias, cada uma em seu canto, embora Suna e Konoha, mais próximas que nunca, tivessem potencial para formar uma aliança de guerra.

Sasori refletia enquanto realizava mais um dia de lições com a brigada. Ao seu lado, Kankuro observava com uma expressão sombria enquanto Yasude usava suas linhas de chakra para manobrar um cadáver sob o tórrido sol do deserto. Assim como tudo nos últimos dias na percepção de Sasori, Kankuro estava agindo de forma estranha. Era um garoto extrovertido e não era difícil lê-lo. Não estava sendo ele mesmo.

Sasori chegou à conclusão de que esse comportamento só poderia significar que realmente estavam em uma fase de sondagem da situação. Como a Akastsuki presumivelmente não devia ter se movido desde a morte de Jiraiya, a situação estava praticamente na mesma de duas semanas atrás, embora a tensão, muito provavelmente, estivesse insuportável nesse momento.

— Você está muito lento — disse Sasori, soando quase entediado, não deixando passar a dificuldade que Yasude ainda tinha para manobrar o cadáver. — Um Genin poderia ter evitado esse deslize.

Concentrado, Yasude apertou os olhos e tentou tornar os movimentos do cadáver mais graciosos. Contra ele a marionete tradicional de Cho continuava uma implacável investida de ataques, sem armas ou truques, todavia. Sasori estava certo, o "boneco" de Yasude não estava se movendo com rapidez suficiente.

Estavam há algumas horas assim. Ari e Hachi já tinham tido seus turnos com o cadáver, mas Sasori não estava muito satisfeito com a performance de ninguém. Na verdade, desde a partida de Sakura, ele havia ficado mais impaciente que o seu normal. Irritava-se facilmente e seus comentários refletiam isso. Havia quase nenhum elogio e seus alunos, percebendo isso, hesitavam em atravessar seu caminho durante esses dias.

— Esse foi um movimento ridículo — disse Sasori quando a marionete cadáver de Yasude tropeçou sobre si mesma na tentativa de evitar o ataque de Cho. — Você está falhando demais.

Yasude soltou um grunhido de frustração e falou:

— Desculpe, sensei. Estou tendo problemas para controlá-lo hoje por algum motivo.

— Parem — Sasori ordenou, suspirando.

Cho imediatamente interrompeu os movimentos de sua marionete, mas Yasude não parecia muito feliz.

— Espere, sensei, deixe-me tentar novamente. Eu vou fazer direito desta vez!

— Não, você não vai. Agora libere essa "marionete" — Sasori disse em um tom que não deixou espaço para nenhum argumento.

Todos ficaram em silêncio e Yasude gentilmente deixou o cadáver cair no chão, recolhendo suas linhas de chakra. Nesse instante Sasori olhou para Kankuro e presumiu que ele deveria estar pensando em o chamar para uma conversa em particular, afinal a irritação do ruivo era escancarada se em comparação com seu comportamento recente. Kankuro, porém, pareceu levemente surpreso quando Sasori estendeu suas próprias linhas de chakra e as atou ao cadáver, forçando-o a ficar de pé. Kankuro instintivamente engoliu em seco enquanto olhava para os olhos leitosos e mortíferos do defunto.

— Nenhum de vocês é capaz de controlá-lo adequadamente — disse Sasori. — Não é preciso continuar assim até atenuar o problema.

Os ninjas da brigada apresentavam graus variados quanto às habilidades. Eles estavam trabalhando duro para melhorar a capacidade de comando da técnica de marionetes usando todos os tipos de coisas. Sasori tinha que admitir que eles realmente estavam fazendo um progresso surpreendente controlando cadáveres. Eles não eram especialistas, mas haviam percorrido um longo caminho. Porém, precisavam de muito mais.

— Isso não é justo — reclamou Ari.— Nós praticamos muito.

— Sim — concordou Hachi. — Você pode ser um mestre, mas estamos muito bem e você sabe disso.

Se Sasori estava com raiva, sua irritação só aumentou. Ele então obrigou o cadáver a se agachar em uma posição de luta e disse severamente:

— Não presumam saber sobre o que vocês estão falando. Vocês não podem esperar dominar a técnica da marionete humana nesse estágio em que vocês se encontram. Vocês precisa entender as implicações disso primeiro.

— O que você quer dizer? — Cho perguntou.

Sasori olhou para o rosto de cada um dos seus alunos, incluindo Kankuro, talvez pensando em como melhor explicar.

— Diga-me o que você vê quando você olha para esta "marionete".

Murmúrios confusos brotaram do grupo. Kankuro se questionou sobre o que Sasori realmente estava pensando. O moreno então olhou para o defunto e viu o óbvio. A julgar pela palidez do rosto do cadáver, a maior parte de seu sangue deveria ter se reunido nas extremidades (as mãos e os pés) onde endureceu. Seus órgãos se tornariam castanhos, depois cinza e, eventualmente, pretos até que a decomposição pós morte finalmente os rompesse.

— Vejo só um cara morto — concluiu Yasude.

— Uma coisa morta — corrigiu Ari. — Isso não é mais um homem.

— Mas costumava ser — acrescentou Sasori. — Hachi, pegue uma kunai.

Hachi franziu a testa, mas fez o que lhe fora dito.

— Ataque o boneco agora — Sasori ordenou.

Os olhos de Cho se arregalaram pelo comando incomum do professor.

— Atacar diretamente? — Hachi perguntou, obviamente um pouco apreensivo. — Você não quer dizer ataque com uma marionete?

Sasori estreitou seus olhos de mel para o estudante mais teimoso e falou: "Não gosto de repetir. Agora se mova!"

Havia ensinamentos importantíssimos que esses ninjas precisam absorver e não havia muito tempo sobrando.

Hachi hesitou por um segundo, mas logo correu em direção ao cadáver, a kunai em sua mão. O objeto cortante rompeu o abdômen do cadáver, mas (para surpresa de todos) Sasori nem sequer se importou em mover um dedo. A kunai de Hachi cortou a pele do defunto como se este fosse feito de manteiga.

— Que nojo! — Hachi reclamou.

Um spray de um líquido vermelho escuro, quase preto, foi expulso do corte no cadáver e acertou o rosto de Hachi. Ele pulou para trás instintivamente e se enxugou com rapidez usando uma manga de sua camisa.

— Oh, cara, isso realmente foi nojento — disse Yasude.

Cho parecia um pouco verde ao redor das bochechas, e Ari olhou fixamente para trás ao ver Hachi coberto pelo líquido funesto.

— Merda! — voltou a reclamar Hachi.

— Cho, você é o próxima — disse Sasori. — Ataque.

Cho estava muito assustada, mas ninguém parecia estar à sua defesa. Kankuro apertou os punhos, sem saber ao certo o que Sasori estava tentando fazer, mas suspeitando. Contudo, ele confiava no seu mestre o suficiente para não o interromper.

— Um, eu... — Cho hesitou.

— Eu não gosto de ficar esperando! — Sasori insistiu, gritando.

Cho também gritou, mas de susto. Sem perder mais tempo, ela sacou sua kunai e atacou da mesma maneira que Hachi tinha feito. Fechando os olhos, ela cortou a coxa do cadáver. Mais do bizarro líquido escuro escapou do corpo, atingindo Cho no tronco e nas pernas. Para o seu crédito, ela não fez nenhum sinal de desgosto ou protesto, mas recuou rapidamente sem olhar para Sasori nem uma vez.

— Por que isso é necessário? — Ari disse, encontrando sua voz. Ele estava olhando entre Hachi e Cho, seu rosto marcado com um olhar de horror. — Isso não tem nada a ver com a técnica das marionetes, é simplesmente bruto.

Sasori se virou para ele e respondeu: "Ah sim, é grosseiro, como você diz."

— Sasori… — chamou Kankuro, o aviso em sua voz evidente.

— Digam-me — começou Sasori, ignorando completamente Kankuro —, qual de vocês já matou uma pessoa?

Ninguém falou, e Sasori prosseguiu:

— Eu matei mais pessoas do que consigo contar em minha memória. Eu os matei em suas casas e no campo de batalha. Não importa quando ou onde eles morrem, o fim é sempre o mesmo. Para mim, eles são apenas números.

— Sasori, eu não acho... — Kankuro insistiu, mas sem êxito.

— Contudo, nenhum de vocês já lutou em uma verdadeira batalha contra a morte, muito menos matou alguém — Sasori falou com absoluta frieza. — Então, como vocês podem entender o que significa ser um shinobi? O que significa ser um prenúncio da morte e destruição?

Os quatro ninjas da brigada mostravam rostos que pareciam uma mistura de medo e perturbação por esse súbito deslocamento de personalidade de Sasori. O ruivo nunca havia lhes lembrado sua verdadeira natureza ou os crimes de seu passado, e escutar isso agora os chocou profundamente.

— Quando vocês cortarem esse cadáver — disse Sasori, aproximando-se de sua "marionete" e estendendo a mão para tocar uma das feridas que ela sofreu por seus alunos. — O que sai é um líquido preto e frio. Está morto e "congelado". — Ele esfregou a substância escura entre os dedos quase amorosamente. — Mas quando se trata de uma pessoa que respira é completamente diferente. O sangue de uma pessoa viva é morno e vermelho, e está cheio de vida. Vocês podem ver a luz fugir de seus olhos quando elas lentamente morrem sob sua lâmina.

Sasori apertou seu punho sangrento. Os três ninjas marionetistas o observavam com atenção, incapazes de desviar o olhar. Kankuro podia ouvir um leve ruído de gotejamento​ que fazia o sangue velho deslizando pelos corpos de Cho e Hachi.

— Vocês precisam estar preparados para isso — disse Sasori, ainda de forma fria. — Vocês devem se preparar para sobreviver em uma verdadeira batalha... porque se vocês não estiverem prontos, então será seu sangue que derramará. Vocês vão morrer e ninguém estará por perto para os ajudar.

Ninguém falou enquanto o aviso ameaçador de Sasori pendia no ar. O ruivo olhou para Kankuro, que parecia estar mais cansado de repente, como se tivesse corrido por milhas e milhas. Kankuro sabia muito bem o porquê disso, pensou Sasori, assim, concluindo que não havia mais o que dizer.

— Ari, é sua vez. Ataque — disse Sasori.

Ari parecia extremamente desconfortável, mas depois de apenas um segundo de hesitação, ele pegou uma kunai e fez o que lhe fora dito. Yasude foi atrás dele.

— Novamente.

Um após o outro, os quatro ninjas da brigada de marionetistas cortaram o cadáver. Eles rasgaram a pele pálida e a matéria muscular cinzenta, quebraram ossos e romperam os apêndices. Demorou meia hora para que o cadáver fosse reduzido a uma pilha desmembrada de carne putrefeita e sangue preto, já não reconhecível pelo que antes era. Os aprendizes estavam cobertos por uma mistura de sangue, tripas e excrementos, e seus cabelos, emaranhados. Mas ninguém questionou as ordens de Sasori.

— Já terminamos por hoje — disse Sasori. — Limpem-se.

Sasori observou seus alunos, suas expressões muito cansadas. Eles simplesmente assentiram com a cabeça e pediram licença. Talvez eles ainda estivessem em estado de choque silencioso, ele pensou morbidamente.

Sasori sondou a bagunça de restos humanos que sujava o campo de treinamento. O sangue preto manchava a areia, e de certa perspectiva, lhe trazia beleza quando combinado ao sol do fim da tarde, quase parecendo com um design de luxo intrincado de ébano-em-ouro.

— Você vai me dizer por que fez isso? — Kankuro perguntou enquanto se aproximava do mestre de marionetes.

Sasori estava olhando para o horizonte distante, uma expressão ilegível no seu rosto.

— Você sabe muito bem o porquê, não precisa fingir nada. Eles têm pouquíssimo tempo para entender a realidade de um ninja. Se falharem, eles vão morrer na primeira chance. Você sabe disso, assim como eu.

— Eu entendi — Kankuro murmurou e suspirou logo em seguida. — Mas talvez ainda tenhamos tempo para ir um pouco mais devagar.

O vento soprava a areia e os cabelos dos dois homens. Em uma demonstração de paciência, Sasori visivelmente tomou seu tempo juntando algo para dizer.

— Kankuro, você disse antes que eu estou imortalizado em virtude do legado que criei para a próxima geração de marionetistas — Sasori falou devagar, mas deliberadamente, ainda não olhando para Kankuro. —Pois só estou tentando fazer com que eles não sejam apagados desse mundo com tanta facilidade. Seria enganá-los de sua herança se eles não estivessem devidamente preparados para o pior. E seria um constrangimento para o passado e o futuro da nossa técnica.

Kankuro piscou, surpreendido pela fala honesta de Sasori. Ele sabia que o ruivo não gostava de falar sobre isso porque era assunto tão pessoal e que lembrava a ambos que seu tempo na Terra era limitado. Incomodava-o um pouco que Sasori estivesse concentrado na preparação da brigada para os verdadeiros horrores da guerra, pois isso lhe lembrava da eminente mudança de eventos. De todo modo, o moreno se sentia capaz de confiar em Sasori para seguir esse trabalho com os aprendizes.

Por sua vez, Sasori também estava surpreso, não apenas por suas então últimas palavras, mas pela forma como aqueles garotos pareciam clarear o senso de mestre e guia que ele não sabia que tinha. No fim das contas não adiantava mais tentar se enganar. Ele poderia dizer a si mesmo que não, mas a verdade é que se importava com aqueles jovens e o possível legado que poderia lhes deixar. Eis uma coisa que talvez tivesse lá sua valia afinal.

Kankuro colocou uma das mãos no ombro de Sasori, levando o ninja​ mais velho a olhar para ele.

— Bem, eles têm o melhor professor para se certificar de que estão prontos.

Sasori assentiu com a cabeça.

— Veremos.

                            [ … ]

Mais alguns dias se passaram e a ansiedade de Sasori começou a ficar difícil de controlar. Ele não queria estar assim, mas seu novo velho corpo não lhe dava escolha.

Kankuro tinha lhe dito que Sakura retornaria a Suna em um prazo de duas ou três semanas, pois ela havia deixado ainda alguns assuntos pendentes. Sendo assim, ela já deveria ter retornado, pensou Sasori. Eles obviamente não tinham se separado da melhor maneira possível, sendo que Sakura nem sequer havia aparecido para se despedir dele antes de retornar para Konoha. Mas Sasori já a conhecia suficientemente bem para saber que ela não aguentaria muito e eventualmente retornaria para falar com ele e tentar ao menos encerrar as coisas em melhores termos. Então definitivamente algo estava errado.

Qualquer pessoa normal poderia ter assumido que Sakura tinha sido mantida distraída por amigos ou estaria trabalhando em Konoha. Porém, Sasori sabia melhor. Ela definitivamente já teria voltado... isso se as coisas ainda estivessem normais. Esse pensamento apertou ainda mais o peito de Sasori, especialmente ao relembrar do assassinato de Jiraiya e de tudo o que sabia sobre os planos da Akatsuki.

Uma tempestade de areia estava impedindo que a brigada treinasse durante os últimos dias, então Sasori encontrou-se mais uma vez preso em sua casa sem muito o que fazer além de pensar.

Ele notou também uma agitação entre os guardas ANBU, que voltaram a enrijecer ao máximo sua vigilância quanto a Sasori. Aparentemente, haviam sido instruídos a não permitir que ele deixasse seu aposento sob nenhuma circunstância. Quando Sasori exigiu ver Kankuro, os guardas apenas disseram que ele estaria indisponível por dias. Para Sasori, isso significava que a crise política no mundo shinobi havia por fim ganhado corpo.

Vencer suas memórias, mágoas e o tédio era dez vezes mais difícil sob a inutilidade de suas ações, mas Sasori não teve escolha além de se contentar em ocupar-se com afazeres simples, como reorganizar pratos nos armários através de suas linhas de chakra. Quando isso fora feito e apenas nove minutos tinham se passado, ele suspirou e tocou um dos braceletes em seus pulsos. E foi exatamente nesse momento de inquietude pela incerteza da situação de alguém com quem (admitindo para si ou não) havia passado a se importar que ele finalmente se sentiu preso (ou melhor, percebeu em si um lampejo de motivação para libertar-se).

"Eu não gosto dessa sensação", ele pensou.

Não lhe restava dúvida de que algo grande estava acontecendo. E ele tinha uma suspeita de que Sakura tinha avançado e se envolvido em tudo o que fosse. Também havia pouca dúvida na mente de Sasori de que o que quer que isso fosse tinha algo a ver com a Akatsuki.

E se...

E se Madara tivesse feito o seu movimento extremo? E se a guerra tivesse começado? Não havia se passado tanto tempo desde seu último contato com Sakura, pois Sasori pensou que demoraria um pouco mais para os atores entrarem no palco. Pensou que fossem levar alguns meses de mais tensão, de infiltrações secretas e assassinatos discretos em ambos os lados, especialmente quando o mundo shinobi já tinha alguma consciência das intenções reais da Akatsuki. Saltar para qualquer tipo de guerra exposta parecia uma decisão imprudente para Sasori. Mas ele não podia ter certeza se uma guerra mundial realmente já estava acontecendo.

Em algum lugar no fundo de sua mente, Sasori estava começando a se arrepender de ter se separado negativamente de Sakura. E se ele nunca mais a visse? Perguntou-se como poderia estar se importando com Sakura depois do que tinha acontecido. Mas não teve coragem para se dar uma resposta. Temia muito pelo que poderia ser a explicação para seus atos nos últimos tempos.

De todo modo, Sakura não morreria tão facilmente, Sasori pensou. Tentar matar essa mulher era uma tarefa tão irritante como se livrar de ervas daninhas.

Na noite de dois dias mais tarde Sasori ainda não sabia de nada sobre Kankuro ou, especialmente, Sakura, e o tempo no deserto seguia tormentoso.

Mas eis que Kankuro finalmente veio até ele.

— Kankuro — disse Sasori, parado para deixá-lo passar.

— Eu não posso parar para conversar — disse Kankuro, sua voz rouca e vazia. — Eu tenho que voltar para o escritório do Kazekage. Eu realmente não deveria estar aqui, mas pensei que você gostaria de saber sobre o que está acontecendo.

Sasori estreitou os olhos, enquanto garras das sombras rasgavam seu peito. Ele ignorou o sentimento fúnebre e conduziu Kankuro para dentro da habitação, onde eles poderiam falar mais privadamente.

— O que aconteceu?

Kankuro colocou uma mão contra a parede para estabilizar-se antes de ir direto ao assunto:

— Houve um ataque em Konoha. Ainda não temos muitos detalhes, mas parece que a Akatsuki está envolvida.

Sasori sentiu seu sangue se transformar em gelo. Por um momento, depois de uma eternidade sem se sentir assim, ele ficou sem poder falar.

— A aldeia inteira foi destruída. Só conseguimos obter um falcão mensageiro de Konoha alegando que o atacante tinha seis corpos. Algum tipo de técnica especial, pensamos. Não houve outra palavra, e enviamos ninjas para investigar.

Sasori olhou para a parede em que Kankuro estava apoiado, absorvendo suas palavras, mas não reagindo.

Seis corpos significavam que o próprio Pein havia atacado Konoha, e se isso fosse verdade, as chances de alguém ter sobrevivido à ofensiva eram quase zero.

— Sasori…?

O ruivo piscou, percebendo que Kankuro devia estar lhe chamando.

— Sabem algo sobre ela?

O rosto de Kankuro caiu, tanto de surpresa como de tristeza, e, embora não tenha dito nada, Sasori entendeu o significado disso. Ele se afastou do shinobi mais novo e recuou.

— Nós realmente não temos muita informação de Konoha ainda — disse Kankuro suavemente.

Sasori não lhe deu nenhuma palavra mais enquanto olhava para os braceletes nos seus pulsos. Uma sensação estranha, ao contrário da fervura, tomou forma em algum lugar no fundo do peito dele. Queria quebrar algo.

— Eu ... deixarei você saber se alguma coisa surgir — disse Kankuro enquanto se dirigia à saída.

Um som de clique de maçaneta indicou que Sasori estava sozinho outra vez. O ruivo liberou um suspiro tenso que ele não sabia que estava segurando.

— Não importa o que eu faça, os resultados serão sempre os mesmos— ele murmurou para si mesmo, recordando que seu motivo para revelar a Sakura o próximo passo de seus antigos aliados ia além de sua ira e resignação.

Na verdade, das profundezas de sua mente e quase que de forma involuntária, uma voz de Sasori da qual ele há muito havia esquecido da existência emergiu e falou por ele, no intuito de dar à garota alguma de chance de não terminar morta. E isso provavelmente tinha sido em vão.

Sasori apertou os punhos e socou a parede com toda a sua força física humana, fazendo sangue começar a deslizar quase instantaneamente.

— A vida humana sempre será frágil e imperfeita… — sussurrou.

Pela primeira vez desde que ele percebera que seus pais nunca voltariam para casa, Sasori realmente desejou com todo seu coração que ele pudesse mudar essa trágica realidade.



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