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História A Queda - Por água a baixo


Escrita por: NoobsGodoy

Capítulo 10 - Por água a baixo


As portas fecharam pesadamente atrás de nós, deixando os três grupos de mais ou menos sete pessoas cada do lado de fora da relativa segurança do estádio. Os militares, líderes de cada grupo, estão parados, à espera de movimentação dos infectados. Todos ficamos em tenso silêncio, esperando pela chegada das malditas criaturas, sendo assim por poucos e angustiantes minutos, até que Marcos, o líder da ‘expedição’ e do nosso grupo, pediu que os soldados se reuníssem perto da entrada da lanchonete.

– Certo. – Ele começou, extendendo um mapa da cidade sobre o capô do Fiesta de William, convenientemente estacionado na porta da lanchonete do estádio. – Nosso objetivo principal é o supermercado Hara, na Avenida José Gomes. É o supermercado mais próximo daqui, de acordo com o mapa e é bem grande também.

– No meio do caminho temos algumas lanchonetes e pizzarias. Se possível, vasculharemos alguns destes locais também. – Disse o líder do grupo de Angelo e William.

– Certo. Gomes, leve seu grupo pela rua Viscondessa, dando a volta no estádio. Silva, você vai pela rua Madre Paulina. Parem em todo e qualquer estabelecimento que acharem viável e peguem o que for preciso. Nós vamos pela rua do meio, a Albino Dantas. O primeiro ponto de encontro é na Praça Olegário Leme, 600 metros ao norte. Em dez minutos quero os três grupos lá e então partimos de novo. Entendido?

– Sim, senhor. – Responderam os dois em uníssono.

– Ótimo. Civis, não façam barulho. Se virem algum infectado, informem discretamente. Se dispararmos as armas, vamos chamar muita atenção, então é melhor fazer na surdina. Vamos lá.

Os grupos se agitaram, preparando-se. Cada grupo contém o soldado líder e mais dois de apoio, além dos quatro civis que carregarão os suprimentos de volta. Vendo a situação daqui de fora, essa operação toda fica ainda mais maluca.

– Gomes, denominação de grupo 2. Silva, vocês são o 3.

– Certo.

– Ciente. Dois, em fila!  Vamos andando.

– 3, comigo! Em silêncio. Nos vemos na praça, tenente.

– Hooah. Vamos indo. – Marcos disse, puxando a fila.

Os grupos se separaram. Matheus e eu andamos lado a lado, seguindo o pequeno amontoado de pessoas. Marcos nos guia com sua M4 em mãos, sempre alerta. Outro soldado fica no meio do grupo, prestando atenção aos arredores. O último fica na retaguarda, à procura de movimentos.

As ruas estão estranhamente silenciosas e vazias. Poucos carros são vistos aqui e ali, a maioria abandonados, alguns batidos. Vários metros à frente, saímos num cruzamento, que leva às apertadas ruas do centro da cidade. À esquerda, há um ônibus parado no ponto com as lanternas ligadas. O para-brisa do lado do motorista está estilhaçado, e o do lado direito sujo de sangue e trincado. As laterais do veículo estão manchadas por centenas de marcas de mãos humanas (ou nem tanto), também desenhadas com sangue. Ao lado do ônibus, sujando o chão do asfalto, há uma longa trilha de restos ainda frescos. O que quer que tenha acontecido aqui não foi nada bonito.

– Em frente. – Disse Marcos, ignorando a imagem do veículo macabro.

Poucos metros rua abaixo há uma vitrine fechada de uma loja e atrás dela dois infectados se alimentam de um cadáver de uma senhora de uns 70 anos. A ânsia de vômito subiu ao ver a cena. Ao menos a porta fechada impede que o cheiro chegue até nós.

– Tenente? – Um dos soldados insinuou em tom interrogativo, erguendo sua carabina contra a vitrine.

– Não! – Marcos exclamou num grito sufocado. – Não nos viram. Só continuem caminhando. Olhos abertos.

– Praça logo à frente. – Disse o outro militar.

A pequena praça também está deserta, o que é bem estranho. Isto é, andamos vários metros e não vimos nada além dos dois infectados desde que saímos do estádio. Qual seria a razão disso? Para onde diabos foram as pessoas? Não é possível que todo mundo esteja morto. E se estivessem, aind assim estariam atrás de nós.

No meio da praça, capotado, está um Fiat Pálio vermelho, bastante arranhado e amassado. A dianteira está bem danificada, indicando uma colisão quase frontal com alguma coisa. A porta do passageiro está aberta e a do motorista no chão, caída ao lado do carro.

– Verifique. – Comandou Marcos a um dos soldados.

O rapaz prontamente se distanciou do grupo, sempre apontando sua M4 em várias direções. Ele se abaixou ao lado do carro e imediatamente soltou sua arma, deixando-a balançar-se na bandoleira.

– Tem uma criança, tenente. – Ele informou, agarrando a porta traseira do veículo.

– Quem abandonaria uma criança no meio dessa loucura? – Uma garota do grupo perguntou baixinho.

– Você, ajude-o. – Marcos apontou a Matheus que caminhou sem reação até o carro.

– No três você me ajuda a puxar. – Disse o rapaz a meu amigo.

– Grupo 2 se aproximando. – O outro soldado informou, enquanto o segundo grupo se juntava a nós pela retaguarda.

– Um, dois, três! – Ele contou e os dois puxaram a porta traseira amassada do Pálio.

Ela cedeu sem muita resistência, saindo de seus batentes danificados. O soldado prontamente se enfiou nas ferragens, puxando alguma coisa lá de dentro. Após uns segundos, ele conseguiu tirar uma cadeira infantil com um garoto de uns 4 anos no máximo preso a ela. A criança está desacordada e bem pálida. Um feio ferimento atravessa sua cabeça, manchando o pequeno rosto de sangue.

– Não respira. – Disse o soldado em urgência.

Ele então tirou o garoto da cadeirinha, colocando-o gentilmente no chão. Sentou-se ao lado do menino, tentando a reanimação cardíaca, apertando o peito da criança de forma rítmica.

– Médico! – Pediu Marcos num sussurro elevado.

Um militar do outro grupo saiu correndo na direção da praça.

– Preparando desfibrilador. – Disse o médico, pegando alguns itens de sua mochila.

– Movimentação! – Advertiu outro soldado, apontando contra a cerca do outro lado da rua, paralela à praça.

Três criaturas demoníacas correm em nossa direção, vindas de um pátio de trás da cerca, sempre gritando. Elas voam contra a cerca, escalando-a rapidamente. Os militares não ocupados se posicionaram no meio da rua, preparando facas e facões. Os não-mortos mal tocaram o chão e foram aniquilados por precisos cortes.

– Tem mais! – Disse um homem do segundo grupo.

– Olhos ao Leste! – Gritou outro soldado.

Da pequena rua, algo entre cinco e sete infectados correm até nós, com os mais variados e horrendos ferimentos imagináveis. Nós nos afastamos, indo na outra direção da praça, enquanto os soldados correram até os monstros, prontos para uma cruzada macabra.

– Vamos! – Exclamou o soldado, ainda tentando reanimar o garoto.

– Afasta! – Pediu o médico, carregando o pequeno desfibrilador.

Ele deu o choque, e o corpo do menino levantou, energizado por um segundo, e depois caiu outra vez.

– Recarregue! – Mandou o soldado, ainda tentando reanimar a criança.

– Tem muitos! – Disse um homem apavorado ao ver os infectados correndo até nós.

Os soldados os abatem com absurda precisão com suas lâminas, mas os infectados estão em número sempre crescente, variando de homens, mulheres, até algumas crianças no meio.

– Cuidado! – Marcos gritou a um militar jovem que olhava triunfante ao infectado que acabara de derrubar.

Outro monstro voou nele, grudando em seu braço. O rapaz gritou, tentando desvencilhar-se enquanto o não-morto arrancou um pedaço de seu antebraço à dentadas. Desesperado, o rapaz sacou sua pistola e atirou na cabeça do infectado, derrubando-o. O som do disparo ecoou pelas ruas. Agora sim estamos fodidos.

– Ah! – Gritou o homem que tentava reanimar a criança quando ela se levantou.

O garoto cravou seus pequenos dentes mortos no rosto do soldado, que em desespero, jogou-o para longe. O monstro infante não afrouxou a mordida e ao ser afastado, levou consigo um belo pedaço de carne, fazendo o soldado sangrar bastante e gritar em agonia. A criança demoníaca levantou-se de um pulo, à procura de sua próxima presa. Matheus estava na frente, e o pequeno voou contra ele, derrubando-o no chão, pego de surpresa. O médico em velocidade e precisão absurdas, disparou contra a criança, pondo um fim à sua bizarra reanimação pós-morte.

Ele prontamente apontou a arma para o soldado mordido e sem nenhuma cerimônia, disparou na cabeça do rapaz que ainda se debatia de dor. Seu corpo caiu no chão pesadamente e em transe, vi o médico apontar seu fuzil contra Matheus caído ao lado do carro. Sem saber o que fazer, corri em sua direção.

*               *               *

– Espera! – Berrei, levantando o cano da arma para o céu.

– Foi mordido?! – O homem vociferou, visivelmente transtornado.

Matheus acenou freneticamente com a cabeça em negativa. Os disparos começaram a pipocar de repente atrás de nós, fazendo um grande estardalhaço.

– Anderson, aqui! – Gritou Marcos, disparando sua arma contra a crescente horda de infectados.

O médico virou-se ainda relutante, correndo até o grupo de militares quase subjugados. Matheus se levantou, olhando assustado para o garoto que quase tirou sua vida. Cada vez mais criaturas se aproximam, vindo também de outras ruas.

– Isso é loucura! – Gritou um homem, correndo até a casa mais próxima atrás da praça.

Ele chutou a porta que caiu de primeira, e antes de correr para dentro, foi atropelado por três criaturas infernais.

– Estamos perdendo terreno! – Informou um soldado aos berros, enquanto recarregava sua arma.

– Recuar! Procurem abrigo! – Marcos ordenou, andando de costas.

– Por aqui! – Outro rapaz berrou, seguindo uma das ruas.

O grupo correu atrás dele, mas os militares manteram a posição, dando cobertura. Após alguns segundos, os disparos cessaram. Os soldados correm atrás de nós, com expressões aterrorizadas nos rostos. Atrás deles, uma sonora explosão retumbou pela cidade, jogando para cima partes da praça, do carro e dos infectados. Permanecemos na corrida frenética até outro cruzamento, quando Marcos ordenou a parada. Um ônibus está atravessado na rua, bloqueando-a numa provável tentativa de conter o avanço da infecção.

– Pra dentro do ônibus. – Ele comandou. – Gomes, verifique. Vocês, atentos aos arredores.

O soldado entrou no veículo, enquanto os que restaram ficaram do lado de fora, olhando para o fim da rua, ansiosos.

– Veículo limpo. – Gomes disse após uns segundos.

Nós entramos no carro, ansiosos para sair do lado de fora. Numa outra rua próxima, ecoam sons de disparos.

– É o grupo 3? – Um soldado perguntou.

– São M4. – Marcos disse após uns instantes.

– O que fazemos? Recuamos?

– Recuar? Mantemos o plano. A pé até o Hara. – O tenente rugiu.

– Nós quase morremos! – Um civil do outro grupo protestou.

– Isso é loucura! – A garota tornou a falar.

– Tenente, eles precisam de nós.

– Manteremos o plano. Não há nada que possamos fazer por eles agora. – Marcos insistiu.

– O caralho que não! – Exclamei, dando um passo à frente. – Temos armas, precisamos ajudar eles! Meus amigos...

– Estão mortos a essa altura garoto. – Ele me cortou.

– Não tem como você saber disso! Eles ainda estão atirando!

– Quer ir atrás dos seus amiguinhos? Fique à vontade. – O tenente disse, apontando à porta do ônibus. – Alguém me dá a porra do mapa. – Concluiu, dando as costas à mim.

– Covarde, você não pode abandoná-los! – Insisti. Agarrei seu ombro, virando-o e o fiz olhar em meus olhos. – Eles são seus homens!

Marcos permaneceu em silêncio, tenso. Do nada ele puxou um absurdo revólver da bainha, apontando-o contra mim.

– Abandonar? Não dá pra abandonar o que está morto, não é? Diga-me, rapaz, o que você escuta, além do vento batendo contra os prédios? – Ele perguntou, engatilhando o revólver e encostando o cano na minha testa.

Estremeci quando o aço frio encostou minha pele. Eles não estão mortos. Eu sei que não. Eu não aceito isso.

– Eu... – Comecei, mas Matheus me cutucou.

– Gu... – Ele falou com a voz falha.

Virei-me, afastando o revólver em bravura estúpida. Matheus me olha com profunda tristeza no rosto. Sua expressão diz o inevitável, o que eu não quero ouvir. Os disparos cessaram e alguns gritos permanecem, agonizantes, ecoando pelas ruas da cidade. Daí veio o silêncio.

O pior aconteceu. A realidade veio como um soco frio bem na boca do estômago, tirando o ar de meus pulmões. A angústia cresce dentro de mim, embora esteja relutante a aceitar. Mas aconteceu. Eles se foram. Eles realmente se foram. William e Angelo, eles... Estão mortos. Como podem estar mortos? Por que eu não acordo logo desse pesadelo?! Uma única lágrima escorregou (nem consigo defini-la como sendo de tristeza ou de fúria), mas limpei-a rapidamente. Não há tempo para isso. É fácil falar. Ergui a cabeça após tentar me recompor, em expressão furiosa. Marcos mantém a arma apontada à minha testa, esperando pela resposta.

– Não ouço nada. Apenas o vento contra os prédios. – Respondi.



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