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História A Queda - Outros Inimigos


Escrita por: NoobsGodoy

Capítulo 13 - Outros Inimigos


O posto Bremen fica a menos de 500 metros da casa de William. Ele parou o carro numa esquina há alguns metros de distância, para observar a movimentação do local, e as palavras “cidade morta” nunca fizeram tanto sentido quanto agora.

– Tá quieto. – Comentei.

– Isso é bom.

– É bom até sermos surpreendidos.

Ele pareceu hesitar. Porém, poucos segundos depois, engatou a primeira marcha e o carro avançou pela rua deserta. Paramos ao lado da bomba de gasolina mais próxima e William pegou na chave para desligar o motor.

– Ainda não. – Falei, afastando sua mão. – Dá um tempinho. Se precisarmos sair rápido, é bom que o carro esteja ligado.

– É bom também não deixar o motor morrer. – Ele disse sorrindo.

– É, também é importante. – Concordei, ainda olhando em volta.

Esperamos por mais uns dez segundos e então ele desligou o motor. Saltei do veículo, ainda olhando pelos arredores, com medo de infectados aparecerem do nada. O outro avalia o estado da bomba, pensativo.

– Tem energia. Só espero que o barulho dela não chame atenção.

– Um pouco tarde pra pensar nisso. – Murmurei tenso.

William acenou positivamente com a cabeça e agarrou a mangueira, colocando-a na boca do tanque do Fiesta. O som da bomba de gasolina no silêncio é estranhamente alto, o que me deixa nervoso.

– Precisamos revezar.

– Oi? – Ele pareceu distante.

– Eu consigo dar um tiro a cada dez segundos chutando baixo, e você com esse arco não é muito mais rápido que isso. Se alguém vier, eu atiro primeiro, daí enquanto recarrego, você atira.

– Revezar. Tá. – Murmurou, voltando sua atenção para a mangueira.

Uma silhueta, aproximando-se cambaleante e lentamente, me chamou a atenção numa pequena praça do outro lado da rua. A figura parou de pé, olhando para o chão como se algo muito interessante acontecesse ali. Sinalizei a William e ele interrompeu o fluxo de combustível e nós dois nos agachamos atrás do carro. Esperamos pela coisa vir gritando ensandecida (como eles sempre fazem), porém ele se manteve quieto, parado na praça.

– Acha que é um sobrevivente? – Perguntei.

– Não sei. – Ele olhou por cima do carro – Se for, tem alguma coisa... Espera, ele tá virando.

Espiei através dos vidros do carro, e vi quando o homem de camisa branca se virou lentamente. Todo o lado direito de seu corpo está chamuscado, coberto de bolhas e em partes, queimado até o osso. Não tenho ideia de como aquilo ainda está de pé.

– É, não é humano. – William disse, desviando o olhar.

Uma ideia me ocorreu ao olhar para o cano da arma, descansada no chão entre minhas pernas.

– Preciso tentar uma coisa. – Comentei e ainda agachado, dei a volta no veículo.

– O quê cê vai fazer? – William sussurrou nervoso.

Com o indicador sobre os lábios, pedi silêncio e andei de cócoras pelo posto, tentando não ser visto por aquela besta do outro lado. Imagino distanciar-me da praça uns 20 metros, talvez. É uma distância maior do que qualquer tiro de chumbinho ou airsoft que eu já dei na vida, mas preciso saber se essa arma realmente serve para alguma coisa. Aproximei-me ainda mais.

Parei atrás de um hatch prateado da Peugeot, abandonado em cima da entrada do posto e apoiei o cano da arma no capô do carro. A coisa ainda não me viu. Apontei, desejando que a luneta de William estivesse instalada no rifle de pressão. Tenso, deixei a mira da arma exatamente sobre a cabeça da criatura, com um milhão de perguntas em mente.

Qual a precisão dessa coisa? Qual a velocidade do vento? A essa distância, há algo mais que devo considerar para acertar o tiro? E se por acaso eu acertar, é possível que um chumbinho de quatro milímetros atravesse um crânio humano, mesmo que esteja meio morto?

Relaxa, só aperta o gatilho. Firmei a arma contra o ombro direito e antes de começar a pensar novamente, disparei. O leve tranco do rifle não condiz com o barulho que ele fez ao ser utilizado. O ar comprimido saiu em alto e bom som do cano da espingarda, ecoando por vários metros. Eu literalmente pude ouvir o chumbinho atingir o infectado, que caiu no chão com um surpreso “UHN!”. O corpo da criatura quase se desmontou por completo, provavelmente por estar terrivelmente deformado pelo fogo. Levantei-me, atento ao que pudesse vir a seguir.

Nada aconteceu. William me olhou, também em pé, ao lado de seu carro. Convencido de que não há risco, atravessei a rua, indo até o corpo do homem carbonizado. Ao chegar mais perto, a coisa se mexeu e estaquei no meio da rua, ao lembrar que não havia recarregado a ‘arma’. Pensei em correr até a segurança relativa do posto, porém a coisa não se levantou. Cheguei um pouco mais perto, pronto para dar no pé ao sinal de qualquer movimentação estranha.

Eu certamente o atingi (contra todas as chances) e isso com certeza não o matou. Ao me aproximar ainda mais, pude ver o local em que a pequena bala o atingiu, demarcado por um fino filete de sangue podre, que escorre pela calçada. O homem ainda tenta se levantar, mas seu corpo desfigurado não tem mais força.

– Acertou? – William perguntou ao chegar ao meu lado.

– Não é forte o suficiente pra matar. – Respondi, abrindo o cano da arma. – Mas dá um bom susto e parece que pelo menos derruba eles.

– Já é alguma coisa. Ah, é. – Ele disse, e correu de volta ao carro.

Inseri o chumbinho pela abertura traseira da arma e fechei-a com força, engatilhando-a. A espingarda não é o mais adequando pra sobreviver a uma situação dessas, mas talvez possa ajudar até chegarmos num lugar seguro. William voltou poucos segundos depois, com o arco em mãos, junto com uma flecha.

– Quero ver se isso aqui serve também. – Ele comentou, ficando perto da cabeça da criatura, que tenta nos agarrar com seu único braço bom.

William puxou a corda, armando o arco, mas não atirou. Ele permaneceu olhando a coisa, gemendo baixo para nós, com aquele judiado braço esquerdo segurando a calça de China. O arco se manteve retesado.

– É estranho. – Ele murmurou, sem abaixar o arco.

– Eu sei. Não parece certo, mas... não tem outro jeito. – Respondi.

É estranho, de fato. Por mais que todos nós conheçamos a natureza dessas criaturas (mesmo que em pouco tempo de convivência com elas), sua aparência geralmente nos atrasa. São humanos, ou pelo menos já foram. Pessoas com vidas, sonhos, famílias e amigos, assim como nós. Não têm culpa se são assim. Porém, por mais estranho e errado que possa parecer, o mundo é esse agora.

Não parece natural, mas na real, é. A natureza se baseia em selvageria, e nós fazemos parte disso, queiramos ou não. Por mais que lutemos por ser boas pessoas, seres humanos decentes, há algo dentro de nós que está pronto para sair, para ferir e matar se for preciso. Para sobreviver.

William respirou fundo, puxando um pouco mais a corda do arco. O ‘humano’ a seus pés não parece reconhecer a arma, ou a sentença que se abateu sobre ele. Permanece agarrado à barra da calça, sacudindo-a enquanto tenta trazê-la para seus dentes mortos. Seus gemidos são fracos, diferente dos infectados que enfrentamos pela manhã, mas de qualquer forma não parecem natural de nenhuma maneira.

O sentimento que um ser parcialmente morto nos traz é bizarro, algo extremamente antinatural que confunde o cérebro e não deveria existir. Talvez por isso seja meio difícil executá-los quando assim. Além de parecerem meio humanos, não aceitamos bem o que nossos olhos veem (ele está morto, por Deus!). Óbvio, quando estamos na adrenalina, cercados por essas coisas, tais pensamentos não nos ocorrem. Mas agora, com o “monstro infernal” à nossa mercê, literalmente sob nossos pés, não parece... Correto. Sacudi a cabeça, tentando afastar essa ideia. Que diabos cê tá pensando?

– Amigo, não é humano. Você sabe, ele não hesitaria em...

– Eu sei. – William me cortou. Sua boca se contorceu num leve espasmo, talvez de relutância ou simplesmente medo por toda essa situação de merda.

O infectado geme cada vez mais alto, irritado pelo fato de que seu ataque esteja dando tão errado. Sua garganta maltratada emite sons estranhos, como se suas cordas vocais estivessem parcialmente queimadas (o que deve ser verdade). O volume aumenta cada vez mais e então, William soltou os dedos. A flecha sem ponta atravessou a cabeça já fragilizada da criatura, que simplesmente desmontou após o golpe fatal. Um breve espasmo percorreu seu corpo, e então, tudo o que restou daquela vida, foi uma feia combinação de sangue e restos carbonizados.

 

 

*               *              *

 

            Ao voltarmos à casa, decidimos que seria melhor arriscar ir até o aeroclube pela manhã, assim teríamos um tempo para nos prepararmos. O resto da tarde passou rápido, pois nos mantivemos ocupados confeccionando nosso “equipamento”.

William afiou todas as flechas com sua faca de combate, deixando-as com pontas perfurantes. Depois, prendemos vários pregos na ponta de um taco de Baseball que ele tem. Também colamos duas facas de cozinha extremamente afiadas na ponta de um cano de chumbo abandonado nos fundos da casa. Não é ideal, mas poderia ser muito pior.

Os itens estão reunidos na mesa da cozinha, prontos para serem usados. No momento estamos comendo as coisas que pegamos no supermercado, todos em silêncio, todos assombrados pelos próprios pensamentos, imagino. A noite caiu há algumas horas e só aí percebemos que a energia elétrica se fora, de modo que o que nos ilumina agora são algumas velas espalhadas pela mesa.

– Amanhã, se essa ideia do aeroclube for furada... O que a gente faz? – Matheus perguntou observando William.

Ele demorou a responder, pensativo. Por algum motivo, William foi unanimemente eleito o líder do nosso grupo. Não estou reclamando, só estou feliz por não ser eu. Parece ser muita responsabilidade.

– Não vai ser. – Ele respondeu.

– Mas e se for?

– Não vai...

– China. – Matheus cortou, erguendo a voz. – Não quero botar defeito no seu plano ou sei lá, te desestabilizar. Mas temos que pensar em todas as possibilidades. Se por acaso o aeroclube for furada, a gente precisa de um plano B.

– Tem alguma ideia? – William rebateu de imediato.

Matheus lançou lhe um olhar ofendido. Lá vem essa maldita pressão psicológica de novo. O stress acaba com a gente. Tenho medo de sairmos dessa merda ao custo da nossa amizade.

– Foi mal. – William disse. – Eu tô preocupado com.... Tudo.

– Eu sei, mano. – Matheus respondeu, olhando tristemente ao seu celular. – Todos estamos.

– Se der errado a gente improvisa. Igual fizemos hoje. – Angelo falou de forma decidida.

– Demos sorte. Muita sorte. E isso pode acabar. – William comentou distante.

– A gente se... – Um alarme de carro numa rua próxima me interrompeu.

De imediato levantamos, alertas, atentos a qualquer barulho no ambiente. Pouco depois, o alarme simplesmente cessou, deixando-nos no silêncio.

Exceto pelas vozes.

Imaginei tê-las ouvido alguns segundos atrás, mas pensei ser algum tipo de truque que minha mente estressada quer pregar em mim. Porém, pelas expressões, os outros ao redor da mesa também as ouvem.

– Não tenta os carros com alarme, seu idiota. E olha, tá com um pneu furado.

– Como é que eu ia saber?

– Tem uma luz piscando no vidro quando o carro tem alarme.

– Esse aqui. – Uma terceira voz, em frente à casa interrompeu os outros. – Não, tem também.

– É, mas se liga. Tá parado bem na frente dessa casa e o portão tá aberto. Se dermos sorte a chave tá aí dentro.

– Um Fiesta? E ainda bem judiado? Não parece uma boa opção.

– É melhor do que andar a pé. E mesmo assim, se não descolarmos o carro, precisamos de um lugar pra ficar essa noite. Aquela horda não vai demorar pra chegar aqui.

– Dá uma olhada, Tico.

– É, claro, sempre eu. – A voz reclamou.

Ouvimos o portão da casa de William ser aberto. Fudeu. Alertas, nós pegamos as “armas”, escondendo-nos na parte traseira da cozinha. O homem tentou abrir a porta da sala, girando a maçaneta duas vezes.

– Trancada. – Disse aos outros.

– Posições. – Uma das outras vozes mandou.

Um estranho silêncio se seguiu, deixando-nos ainda mais nervosos. Ouvi passos na garagem e alguém tentou abrir a outra porta que leva à cozinha, mas também sem sucesso.

– Luz. – Murmurou um dos homens.

Só então me toquei que deixamos as velas acesas sobre a mesa. Fudeu muito. A porta foi aberta e cauteloso, um homem entrou na sala, portando um pedaço de pau numa mão e uma pequena lanterna na outra. Os outros dois aparentemente ficaram para trás, esperando ouvir do ‘explorador’.

– Vai ter que me ensinar a arrombar portas assim. – Disse um dos que ficaram do lado de fora.

Sem dizer uma palavra, William se levantou, ficando atrás da mesa da cozinha mas bem à vista do homem, que estacou. Ele forçou um sorriso, tentando esconder a madeira em suas mãos.

– E aí cara. – Cumprimentou à distância.

– O que vocês querem? – William perguntou, seco.

– O que nós... – Ele mudou o tom bruscamente, tentando ser gentil, e colocou o pedaço de pau na mesa bem devagar. – Olha amigo, cê sabe que as coisas não estão boas aqui fora. Tem como deixar a gente passar a noite aqui? Somos só três.

– Não vai dar, cara.

– Qual é, você não pode nos deixar aqui fora, vão nos matar! – O homem insistiu.

Segurei firmemente a espingarda, completamente tenso.

– Vou ter que pedir que saiam. – William disse, firme mas visivelmente amedrontado.

O homem ergueu as mãos, como quem desiste e lançou um sorriso amarelo.

– Tudo bem. Eu sei que não dá pra confiar muito nas pessoas, ainda mais com esses saqueadores e tal. Mas deixa eu te perguntar.... Você tá sozinho? É meio perigoso ficar por aí sozinho nessa situação. Garanto que uns amigos podem te proteger...

– Vocês têm que sair. – William insistiu cerrando os punhos.

O sorriso do homem desapareceu e ele baixou as mãos, olhando por um breve segundo para os próprios pés. Então de repente, pegou a madeira e correu na direção de William que mal conseguiu dar um passo para trás. Sem pensar, levantei-me e mirei a espingarda contra o homem, que estacou a um passo de distância de China, ainda parado atrás da mesa.

O homem levantou as mãos de novo e sorriu outra vez, agora visivelmente nervoso.

– Não tá... Tão sozinho né. – Ele comentou. – Garoto, abaixa essa arma e a gente conversa de homem pra homem.

– Eu tô ligado a conversa que você ia ter. – Rugi, trêmulo olhando para a madeira nas mãos do homem.

Ele hesitou, olhando brevemente para trás.

– Amigos! Preciso de uma mão aqui!

Um outro cara entrou na sala com uma pistola nas mãos. Fudeu, fudeu, fudeu!

– Rapaz, que tal se a gente só conversar? Ninguém quer um tiroteio aqui né? – Disse o segundo.

– A arma. – Eu falei, tomado por uma estúpida bravura – Vocês dois.

– Sabe que eu não posso fazer isso. – Disse o segundo. O outro já soltou a madeira.

– Então vaza. – Mandei, tentando parecer confiante.

– E se a gente conversar?

– Não gosto de falar com um cano apontado pra mim. – William comentou, totalmente rígido de medo.

– E nem eu. – Disse o cara, antes com o pedaço de madeira.

– Nós dois abaixamos? Que tal? – Disse o da pistola.

– Não confio. – Falei, suando.

William num rápido movimento pegou o arco no chão e armou-o com uma flecha, apontando ao cara à sua frente.

– A arma. – Ele repetiu, puxando a corda.

– Pessoal? Esquece essa merda, a gente precisa ir. – Disse o outro do lado de fora.

Os dois se entreolharam, assustados. William e eu demos um passo à frente. Encostei o cano da espingarda no peito do cara que entrou primeiro e ele engoliu em seco. William esticou ainda mais a corda, apontando a flecha contra sua cabeça.

– Dá a maldita arma pra eles! – Pediu o “refém”.

– Caras, tem que ser agora! – O outro gritou de fora.

O da pistola tremeu de ódio e jogou a arma aos pés de William. Por meio segundo nós nos distraímos com uma vela caindo na mesa e o da madeira se aproveitou disso, socando-me o rosto. Caí para trás e a espingarda ficou nas mãos dele. William, sem reação, foi atingido por uma pesada coronhada. O homem se abaixou para pegar a pistola no chão, mas foi interrompido por um golpe doloroso de Angelo em suas costas. Ele o atingiu com o cano de chumbo, com a parte de trás das facas.

O homem perdeu o fôlego, mas conseguiu correr na direção da porta. O outro tirou da cintura uma segunda arma, apontando-a contra nós. William, rápido como nunca, recuperou o arco armando-o e sem fazer mira alguma, disparou a flecha, que atravessou a sala em alta velocidade, cravando-se nas costas do cara que me golpeou.

Este gritou de dor e caiu nos braços do outro que mirava contra nós. Surpreso, ele segurou o amigo, impedindo-o de cair no chão.

– VAMOS CARALHO! – Gritou o de fora.

O homem arrancou a flecha das costas do amigo, atirando-a no chão. Ambos saíram mancando da cozinha, voltando à garagem. Pude ouvi-los correndo (com dificuldade) para o fim da rua, gritando uns com os outros. Levei um tempo para me recuperar do choque. William, completamente em pânico, deixou o arco cair, fazendo barulho. Matheus me ajudou a levantar e embora aturdido, corri até a porta da sala e fechei-a, tendo uma pequena visão de uma verdadeira maré de seres cambaleantes andando pela rua.

– As velas. – Eu falei em voz baixa, apagando-as rapidamente.

Angelo foi até a janela da sala para observar o movimento e voltou com uma expressão aterrorizada no rosto.

– A gente tá...

– Eu sei. – Cortei-o, pegando minha mochila que arranjei no estádio, no quarto de William.

Ele permanece parado, visivelmente perturbado ainda olhando na direção da flecha ensanguentada, caída no chão da sala. Aproximei-me e o puxei por um braço, guiando-o para fora da cozinha.

– Eu... Eu matei... – Ele balbuciou com a expressão vazia.

– Você não matou. – Eu disse, tentando ficar calmo. – Vamos descer e daí a gente fala sobre isso.

– Não, eu...

– China – Eu o virei, fazendo ele me encarar. – Eu não consigo imaginar o dilema que se passa na sua cabeça agora e sei que foi uma situação de merda. Só que agora, a merda tá maior ainda e eu preciso que você colabore. Pode fazer isso, amigo?

– Colabore. – Ele repetiu, finalmente focando-me. – Pra onde? – Disse com a voz fraca.

– Pra baixo. Vamos ficar quietos até eles passarem.

Ele acenou positivamente, e juntos, descemos as escadas, trancando a porta da cozinha atrás de nós. Nesse momento ouvi o portão da garagem ser empurrado, rangendo num exagerado volume. Depois, um baque surdo se seguiu, de algo pesado caindo no chão. Ficamos completamente calados, tentando ouvir o que quer que fosse. E não devíamos ter feito isso.

Em nosso silêncio, ouvimos os sons das criaturas lá fora. Dezenas, talvez centenas de pés, calçados ou não se arrastando pela rua, indo na direção do nada. Os monstros periodicamente fazem um som com suas bocas, um tipo de grunhido medonho que vem do fundo da garganta. A origem de alguns desses sons é a garagem, bem ao nosso lado. Arrastei William para baixo e entramos na edícula, onde Angelo e Matheus seguram firmemente o cano e o taco, respectivamente.

Fechei a porta de correr o mais silenciosamente possível e me virei de imediato, suando frio e encarando-os na escuridão. As coisas lá fora agora formam um gutural gemido uníssono, se espalhando por todo o ambiente. Um som tão infernal que poderia levar qualquer um à loucura em pouco tempo. William, abalado, sentou-se num sofá no canto da edícula, encarando o vazio. Angelo sentou ao seu lado, após passar o cano para mim.

– Você sabe que não teve chance. Era você ou ele. – Ele disse em voz baixa.

William assentiu, sem piscar. Sua expressão está diferente, uma que nunca vi na vida. Algo se quebrou lá em cima, assustando a todos. Percebi que estou tremendo por puro medo. Muita coisa aconteceu em pouquíssimo tempo. Saqueadores, uma arma de fogo (que recuperei antes de descer), China deu uma flechada num outro ser humano! Respira. Sentei-me, sentindo-me tonto. As coisas caminham ruidosamente no andar de cima, derrubando objetos no chão. Um calafrio percorreu todo meu corpo e fechei os olhos, tentando acordar desse maldito pesadelo. Eu sei que jamais seremos os mesmos após esta noite.



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