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História A Queda - O Aeroclube


Escrita por: NoobsGodoy

Capítulo 14 - O Aeroclube


Acordei completamente atordoado, deitado num dos sofás da edícula. Não tenho ideia de como eu consegui dormir, afinal, as criaturas ficaram dentro da casa durante toda a noite, pelo jeito. O ar está gelado e fora um ou outro gemido dos infectados acima, a cidade está em total silêncio. Olhei para os lados, vendo que Angelo e Matheus dormem perigosamente perto um do outro, compartilhando um cobertor. Aí reparei que também estava coberto com um tipo de manta, que não tinha ideia de onde viera.

Levantei-me, olhando em volta. Mais neblina do lado de fora (ou cinzas de algum incêndio, a julgar pelo cheiro discreto no ar). William está sentado no chão, encostado ao meu sofá. Levantei-me e percebi que ele está acordado, com os olhos muito vermelhos e tremendo bastante. Imagino que não tenha dormido durante a noite.

– China. – Chamei em voz baixa.

William virou sua cabeça lentamente em minha direção, demorando a me focar. Sua expressão ainda é vazia. Quebrada. Puxei-o pelo braço, levantando-o lentamente.

– O quê... – William começou, mas um calafrio percorreu seu corpo, e ele se calou.

– A última coisa que você precisa agora é uma hipotermia. – Eu disse, fazendo-o se deitar no sofá.

Joguei a manta por cima dele e William a puxou para cima, tentando se aquecer. Sentei-me no chão, encarando-o preocupado. Eu fico de guarda.

– Isso tudo parece mentira. – Ele disse com a voz meio fraca.

Hesitei. O que eu mais queria dizer é “e é, deve ser tudo um sonho maluco”. Porém eu sei que é verdade, por mais absurda que seja.

– Não é. – Limitei-me a dizer, tristemente.

Segurei os joelhos com os antebraços, tentando me aquecer novamente. O vapor de condensação insiste em escapar da minha boca, deixando claro que o dia está realmente frio. Acima de nós, as criaturas ainda fazem barulho. Não em quantidade como a da noite anterior, porém eu sei que estão lá. E não consigo pensar no que fazer a seguir.

– Não deve ter sido uma noite de sono muito agradável com o cobertor da Mel. – William disse, rindo fracamente.

Eu o encarei.

– Imagino que deve ter sido melhor que a sua. – Disse, sorrindo.

Ele me fitou por poucos segundos, depois seu olhar se perdeu na parede atrás de mim. Ficamos nesse silêncio por um bom tempo, perdidos em pensamentos abstratos.

– O que a gente vai fazer? – William tornou a falar.

– Seguimos o plano. Até o aeroclube.

– Não, nós... a espécie, sei lá. O mundo não é nosso mais, ele... Ele acabou. O que a gente vai fazer?

Abaixei a cabeça, tentando pensar numa resposta. Essa é difícil. Parece que para todo lugar que olhamos, tudo está em ruínas. E estamos apenas no quarto dia dessa merda. Quarto? As coisas em Campinas parecem ter acontecido há tanto tempo que eu nem sei mais. Olhei para William, ainda querendo uma resposta.

– Tenta dormir um pouco. Enfrentar os mortos com sono não deve ser uma coisa boa. – Falei, forçando um sorriso.

William riu baixo, e deitou-se de costas, fechando os olhos. De onde estou, ele pareceu meio fraco, tremelicando e se envolvendo nas cobertas do falecido cachorro. Depois de ontem, ele precisa de nós. Na real todos precisamos uns dos outros.

– E não importa como, a gente vai ficar junto. Nós quatro. – Eu disse por fim, imaginando um jeito de isso acontecer.

William sorriu com o canto da boca. Em pouco tempo pude ouvir sua respiração mais pesada, indicando que caiu num sono pesado. E agitado, imagino. Encostei minha cabeça na parede atrás de mim, ouvindo nada além da respiração dos meus amigos dormindo, e das coisas se arrastando no andar de cima. Não imagino que tenham nos ouvido, porém algo me diz que sabem que estamos aqui. Talvez tenham algum tipo de instinto que os guia à presa ou algo do tipo. Crio palpites, mas na real, não sei absurdamente nada dessas coisas. A não ser que são meus inimigos.

O susto ontem foi grande em duas frontes. Sim, a horda de infectados foi aterrorizante, mas os humanos... Uma coisa é você matar uma criatura que é como um animal, que apenas faz as coisas sem ter uma razão ou motivo específico, um ser que “vive” por instinto. Outra é você se defender de outra criatura humana, senciente e basicamente, igual a você. A empatia fala mais alto, e isso pode ser um erro fatal. A verdade é que, não importa o que a natureza jogue sobre nós, o homem sempre vai conseguir ser mais cruel. Sempre.

Acabei adormecendo novamente, sendo acordado por Matheus, não sei quanto tempo depois.

– Tá tudo quieto lá em cima. – Ele disse assim que meus olhos o focaram. – Come alguma coisa e vamos subir. O plano tá de pé né?

– É. – Eu disse com a voz rouca.

Levantei-me, olhando em volta. William ainda dorme, assim como Angelo que agora tem o cobertor e o sofá inteiros para si. Matheus tirou da mochila  duas barras de cereais, jogando-as para mim.

– Café da manhã? – Perguntei, satirizando o tamanho dos alimentos.

– Cala boca e come. Quando subirmos a gente faz coisa melhor. – Ele disse, sorrindo tenso.

Sentei-me a seu lado, abrindo uma das barras de cerais. O silêncio no andar de cima é estranho. O que teria levado as criaturas a saírem daqui? Algo que chamou a atenção delas e nos tenha passado despercebido. Talvez um carro ou algum animal? Não dá pra saber. Não tenho ideia do que essas coisas veem como presas.

– O que rolou ontem – Matheus começou – não foi... Foi foda. O China...

– Eu sei. – Eu disse, após engolir uma parte da barra. – Foi pesado pra ele, mais do que qualquer outro. A gente tem que ajudar ele a segurar essa barra.

– Sim, com certeza. Mas na real, é bom a gente se preparar.

Terminei a primeira barra de cereais, e então minha mente fez a conexão. Encarei Matheus, que me observa em silêncio.

– Quer dizer que a gente talvez tenha que fazer algo do tipo também? M-matar?

– É uma merda, é verdade. Mas ontem foi o começo. Saqueadores, assaltantes, pessoas... Ruins. Isso sempre vai existir. Agora ainda mais. Vivemos num mundo sem lei.

– Eu entendi. Mas ainda assim... Se preparar psicologicamente pra matar, não é...

– Natural. Não, nem um pouco, ao menos não pra gente. Mas o China fez isso. E se não tivesse feito, é provável que ele, você, ou todos nós estivéssemos mortos. Temos que estar prontos.

– Sim. – Disse, ficando em silêncio por alguns segundos. – Uau. Em quatro dias nossa existência mudou completamente.

– Mas ainda existimos. – Matheus argumentou.

Fiquei em silêncio, terminando de comer a segunda barra. Ele então tirou de baixo do sofá a pistola que conseguimos ontem. Estremeci, ao imaginar o que aquilo pode fazer.

– Pelo menos temos isso. – Ele murmurou, examinando a arma.

– Não. – Eu disse, mudando de posição. – A gente não sabe usar essa coisa. É bom conhecermos ela antes de usar.

– Conhecer ela? Quer levar ela pra comer ou algo do tipo?

– Você entendeu. – Eu rebati, estendendo a mão direita. – Dá aqui.

– Quê?

– Eu entendo um pouco disso.

– Jogar Battlefield não te faz de atirador, Gugs.

– Eu tenho um primo fanático, lembra? Conheço algumas coisas.

– Tá. – Ele disse vencido, porém relutante, entregando-me a arma com o cano apontado para mim.

– Essa é a primeira coisa que não pode acontecer. – Eu disse, pegando a pistola e apontando-a para cima. – Sempre pro teto ou pro chão. Não quero tomar bala.

Matheus assentiu, pouco ligando para a instrução. Ele se aproximou de mim, curioso com a peça preta em minhas mãos. Reconheci a pistola como uma Beretta M9, padrão da PM aqui da cidade. É confiável e deve ser fácil achar munição. Apertei um botão na lateral da empunhadura e o clipe de munições caiu no chão, fazendo um exagerado barulho metálico.

– Agora pode apontar pro amiguinho? – Matheus perguntou em tom jocoso.

Em expressão de desaprovação, puxei a parte de cima da arma, que fez um click!. Uma única bala pulou da câmara, e meu amigo a pegou no ar, assustando-se.

– Ok, chega de piada. – Ele disse, entregando-me a munição.

Coloquei-a no chão e esvaziei o pente, contando todas as balas, depois as coloquei novamente no clipe.

– 16. Não dá pra muito. – Angelo, de repente acordado, comentou, com a voz sonolenta.

– Descobri que a gente vai acabar se matando se usar essa coisa agora. Melhor esperar um pouco. – Matheus disse.

– Não pretendo usar essa merda aí não. Se o plano der certo, vamos daqui pro aeroclube sem problema nenhum.

– Se o plano der certo. – Matheus disse.

Recarreguei a arma, inserindo o clipe e engatilhando-a. Depois, ao localizar a trava de segurança, travei a pistola, colocando-a sobre a mesa.

– Não vamos subir? – Perguntei à Matheus.

Ele acenou positivamente com a cabeça, levantando-se e pegando as armas corpo a corpo que fizemos ontem. Ele entregou o cano a mim e eu girei-o nas mãos, familiarizando-me com seu peso.

– É, eu fico aqui com o China. – Angelo disse, ainda sentado no sofá.

– Fica quieto então. – Matheus disse.

– E tranca a porta. – Eu completei, ao sairmos da edícula.

Ficamos em frente à escada, ambos temerosos por subi-la.

– Tiramos par-ou-ímpar? – Matheus perguntou em voz baixa.

Suspirei, cansado e subi o primeiro degrau, segurando firmemente o cano. Ao chegar no topo, encostei o rosto contra a porta de vidro, que aparentemente fora arranhada durante a noite. Estremeci, ao lembrar das coisas que podem estar lá dentro. Girei a chave lenta e silenciosamente, suando frio. Empurrei a porta, deslizando-a calmamente até abri-la por completo.

A cozinha está às escuras e vários objetos estão no chão, como pratos em estilhaços, copos trincados e uma ou duas panelas abandonadas nos cantos. As velas, antes em cima da mesa, estão caídas, algumas sobre a madeira, outras sobre o piso. Não há sinal de vida. Ou não-vida, que seja. Entrei na cozinha.

Calculando cuidadosamente meus passos, consegui desviar dos cacos e dos barulhos que fariam caso eu pisasse neles. Estiquei a cabeça para o pequeno corredor que leva da cozinha à sala, e para meu terror, parado no meio dele, há uma figura cambaleante. Escorei-me no armário no canto da parede da cozinha, o coração batendo a mil. A coisa se manteve em silêncio. Matheus me observa expectante alguns passos atrás de mim.

Pedi silêncio, pondo o indicador sobre a boca, e depois apontei à sala. Ele pareceu entender a mensagem. Com todo cuidado, abri uma das gavetas numa bancada à minha frente, revelando uma coleção de talheres. Escolhi a faca mais afiada que havia (fora as que já estavam no cano em minhas mãos) e peguei-a, colocando-a em posição de “combate”, com a lâmina apontada para fora do corpo.

Aproximei-me do infectado, ainda alheio à minha presença. É um jovem de no máximo trinta anos, tem ferimentos de mordidas no pescoço e aquelas feias bolhas espalhadas por um dos braços. Fora isso, parece estar em ótima forma (para um cadáver, eu quero dizer).

Passo a passo, fui chegando mais perto, sempre com cuidado onde piso. À pouca distância, a coisa estremeceu, virando noventa graus para a direita. Por pouco não me viu.

O infectado vibra em espasmos bizarros, parecendo farejar o ar. De sua garganta, escapam sons bizarros, como um cão farejador moribundo tentando sentir sua presa. Em cima disso, solta um leve gemido completamente aterrorizante. Fechei os olhos, preparando-me para o ataque.

Pulei nas costas da criatura, derrubando-a no chão. O infectado caiu pesadamente no piso de pedra, comigo preso às suas costas. A coisa gritou em puro ódio, tentando morder meu braço agarrado a seu pescoço. Gritei de medo afastando o membro, e sem hesitar, enfiei a faca na cabeça do monstro.

A lâmina entrou fundo, encerrando de imediato a reanimação cadavérica do inimigo no chão. Levantei-me, observando o infectado sujar o chão da casa de William com aquele sangue negro e grosso.

Um grito me tirou o ar. Da porta da sala, entrou outro infectado, correndo na minha direção. Sem reação, não pude desviar antes de ele pular em mim. Ambos caímos no chão, com ele sobre meu corpo, berrando e babando aquele sangue nojento. Mal tive tempo de desviar o olhar, tentando empurrá-lo para longe com o cano, enquanto ele abocanha o ar.

No momento que fui gritar, um barulho metálico retumbou perigosamente perto de minha cabeça. O peso do monstro pareceu dobrar sobre meu corpo, e pude ver quando sua cabeça foi atingida pelo taco que Matheus segurava. O infectado parou de gritar no mesmo instante, e sua cabeça ficou pendurada pelos pregos, bem sobre minha cara.

Chutei o cadáver, me puxando pelas pernas trêmulas de Matheus, que segura a cabeça do monstro na ponta do taco. Ele puxou a arma, e a cabeça veio junto, espirrando mais sangue pelo chão. Ao menos consegui impedir que o jato de sangue respingasse em minhas roupas, desviando no último segundo.

– Puta merda. – Matheus murmurou, chacoalhando o taco.

A cabeça se desprendeu dos pregos na ponta da arma, sendo arremessada pela sala e bateu contra a janela, comicamente alocando-se numa caixa de brinquedos da irmã mais nova de William (além de deixar uma bela mancha de sangue na cortina).

– É, acho que perdi minha fome. – Comentei, sentindo-me tonto.

 

*               *               *

 

Depois de muito esforço, conseguimos tirar os corpos dos monstros de dentro da casa. Isso foi difícil, agora, comer depois de fazê-lo, foi muito mais. Porém, estamos bem alimentados, prontos (ao menos fisicamente... talvez) para irmos até o aeroclube.

Angelo e eu demos uma volta no quarteirão, escoltando a área. Tudo está estranhamente vazio. Fora os dois infectados que matamos pela manhã, não há mais ninguém por aqui. O que pode ser bom. Ou não.

Agora estamos terminando de preparar o carro, colocando alguns suprimentos no porta-malas. William parece estar com um pé atrás para sair daqui. Ele disse que se a família voltasse, queria estar ali para revê-la. Eu o motivei a escrever um bilhete, informando que estamos indo para o aeroclube, porém, acredito que eles já estejam lá. Ao menos foi o que eu disse a ele. Na real, eu não tenho ideia do que esperar naquele lugar. Temos que ir logo.

– Prontos? – William perguntou, ao terminarmos de carregar o Fiesta.

– Não. – Respondemos em uníssono.

Wiliiam sorriu nervosamente, e entrou no veículo. Nós o seguimos, entrando no judiado carro da Ford. Bati a porta traseira e o vidro, já trincado, estilhaçou-se, espalhando cacos pelo chão da rua.

– Desculpa. – Eu pedi, envergonhado.

– Quando isso acabar, você me deve uma janela. – William disse, com bom humor.

– Se bem me lembro, uma vez você me disse que se o mundo acabasse, eu ia ficar te devendo um carro. – Respondi, saudoso.

– Quê? – Matheus perguntou, claramente confuso.

– Ah, é uma coisa que o China me disse um temp... Sabe, não importa agora. – Eu disse, olhando para os lados.

William ligou o veículo e arrancou, ganhando velocidade pelas ruas esburacadas. Em pouco tempo passamos do posto Bremen, rumando velozmente até o aeroclube. Não há absolutamente ninguém por aqui, vivo ou morto.

– Aquela horda de ontem... Pra onde foram? – Angelo perguntou do banco da frente.

– Não sei, e não quero descobrir. – William respondeu, concentrado.

Localizei a fumaça do acidente aéreo de ontem, agora não mais preta e sim de um cinza claro, manchando os céus da cidade. Quantas vidas foram tiradas num piscar de olhos, naquele avião? É arrepiante só de pensar nisso.

Do nada, eles começaram a pipocar pelas ruas. A princípio, um ou dois, parados aleatoriamente. Conforme fomos nos aproximando da região do lago, mais e mais foram aparecendo, tornando difícil manobrar o carro por aqui. Se ficarmos cercados, aí sim fudeu de vez. Porém, algo me chamou a atenção em relação a eles. Parece que temos dois tipos de infectados, os rápidos e os lerdos. Imagino que com o passar do tempo, o processo de mortificação os deixa mais lentos, o que nos é uma vantagem. Ou parece.

– Caralho. – William murmurou, freando o carro por um instante.

Acompanhei seu olhar e senti todo meu corpo congelar. Numa das ruas que levam ao estádio, não dá pra ver o asfalto, pois este está tomado por uma quantidade absurda de infectados. De longe ouvimos os gemidos e rugidos raivosos que eles soltam. O som é assustadoramente alto, retumbando por um quilômetro de raio, talvez mais.

Aceleramos novamente, passando pela rua. Por sorte, as criaturas não nos viram. Imaginei que talvez ainda haja alguns sobreviventes no estádio, o que acaba chamando a atenção dessas coisas. Não consigo pensar o terror que essas prováveis pessoas sentem ao ver a visão do inferno, indo devorá-los.

Algo me chamou a atenção para o lago à esquerda do carro. Na margem oposta, uma quantidade considerável de infectados se aglomera na balaustrada de pedra, estendendo os braços na direção da água. A princípio imaginei que estavam nos vendo do outro lado, porém percebi logo depois que se trata de alguém que está dentro do lago.

Uma pessoa (à essa distância não sei detalhar muito mais que isso) está num pequeno barco inflável bem longe de ambas as margens. Os infectados não conseguem nadar, aparentemente. Alguns deles dão a volta na pequena barreira, atirando-se na água e nunca mais emergindo. A pessoa foi astuta ao pensar nisso, porém quando quiser sair vai ter que bolar um bom plano. Deixamos o Taboão, subindo uma colina ao sul.

Uma das garagens dos ônibus da cidade fica ao lado do aeroclube. Não consegui ver nenhum veículo no pátio, e o portão arrebentado indica que alguém está usando-os. Um mundo sem lei, de fato. Subimos a pequena colina que leva ao aeroclube.

Em pouco tempo o asfalto deu lugar à estrada de terra, chacoalhando nossa viagem. Aparentemente William não liga mais para a aparência do veículo. Acho que, assim como eu, ele quer ver logo o que há por trás dos portões do aeroclube. Mantemos o curso.

Pouco menos de um quilômetro à frente, a estrutura do pequeno aeroporto surgiu, primeiro com a torre de comando. O alto da construção parece em bom estado, fora uma janela quebrada. Pergunto-me o que pode ter ocorrido para uma única janela ter sido quebrada, enquanto as outras permanecem intactas.

O aeroclube é bem modesto. Tem apenas uma pista para pousos e decolagens (não tenho ideia do tamanho, mas nada muito grande pode pousar aqui). O térreo da torre serve como um tipo de centro de visitantes, com uma pequena lanchonete (esta sim está bem avariada). À frente, há o hangar principal, onde um único Cessna amarelo repousa solitário sobre seu trem de pouso triplo. De resto, nada.

William parou o Fiesta atrás da grade do hangar, junto com outros três veículos aparentemente abandonados. Ficamos dentro do carro, à espera (outra vez) de algum sinal dos infectados.

– Definitivamente não tem uma base aqui. – Angelo disse, suspirando.

William se apoia no volante, observando tristemente o espaço do aeroclube. Não há sinal do Hércules que vimos, nem de qualquer resquício de uma base militar. A família de William não está aqui. Ninguém está aqui. Basicamente, estamos em outro beco sem saída.

– E agora? – Matheus perguntou, encostando-se no banco.

O silêncio permaneceu pesado no carro. Todos esperam algum tipo de resposta de William, que deu a ideia do aeroclube. Imagino a pressão sobre ele no momento. Decidi então tomar as rédeas. Saltei do veículo.

– Onde cê vai? – O motorista perguntou ainda no carro.

– Não viemos aqui pra ficar do lado de fora. Vou dar uma olhada e ver o que achamos.

– Você vai sozinho? – Matheus gritou do banco de trás.

– Eu não queria, mas a animação de vocês tá foda. – Respondi, girando o cano nas mãos.

A porta do carro se abriu e William saltou, correndo para me alcançar. Os outros dois demoraram, porém também se juntaram a nós. O Fiesta, arranhado, batido e sem a janela traseira, parece um carro abandonado, assim como os outros três.

Angelo e Matheus nos alcançaram em pouco tempo. Matheus ainda tem o taco ensanguentado, William está com o arco pendurado num ombro e Angelo tem a espingarda de pressão.

– Quer trocar? – Ele perguntou, estendendo-me a arma.

Acenei positivamente e recuperei a espingarda com os chumbinhos, guardando-os no bolso da calça, ao lado do celular. Olhei para William e ele fez que sim com a cabeça, preparando uma flecha. Revezar. Entramos na lanchonete.

Há duas máquinas de bebidas no canto direito do prédio. Ao lado deles, há uma geladeira de sorvetes desligada. O cheiro de azedo já começa a ficar forte. Num dos vidros das máquinas, uma palma ensanguentada marca presença, tornando o ambiente macabro. Segurei firmemente a arma, nervoso.

Demos a volta no balcão, e atrás dele, jaz um corpo de uma garota, não muito mais velha que nós. Seus olhos estão abertos em expressão furiosa, vermelhos como fogo. Na cabeça, está fincado um grande espeto de metal, respingado de sangue. Continuamos pelas escadas, ignorando aquele corpo.

Subimos cinco lances até chegarmos no topo da torre. Protegida por uma porta, a sala de controles está em silêncio, o que, naturalmente, me deixa um pouco nervoso. Girei a maçaneta devagar, e a porta caiu com tudo em cima de mim.

Um infectado (bem grande, inclusive) arrancou a porta dos batentes, caindo sobre mim e derrubando os outros três. A coisa levantou gritando, batendo violentamente no ar. Um golpe acertou Matheus que foi atirado a uma razoável distância, rolando um lance de escadas.

O infectado mirou o próximo alvo, que é Angelo, e investiu com violência. Zola desviou de forma engraçada, porém eficiente. O infectado perdeu o equilíbrio e bateu contra a parede. Aproveitando-se do momento, Angelo balançou com violência o cano de chumbo, acertando com tudo a cabeça da criatura. O homem caiu no chão, ainda grunhindo baixo, mas continua tentando se levantar. Angelo tomou fôlego, e com um grito de raiva controlado, desceu outra vez o cano contra a cabeça da criatura. As facas se cravaram no crânio da coisa, matando-a para valer.

Levantei-me, atirando o que sobrou da porta para o lado. William desceu o lance de escadas, ajudando Matheus a se levantar.

– Tudo bem? – Perguntei, olhando os dois subirem as escadas.

Matheus acenou em positiva, segurando a cabeça com uma expressão dolorida.

– Ninguém foi mordido né? – Angelo indagou, observando trêmulo o cadáver a seus pés.

– Hoje não. – William disse lá de baixo.

– Tudo bem? – Perguntei à Zola.

– Enjoado. E você?

– Sim. Salvou a gente.

– Já tava na hora. – Ele respondeu, com um sorriso fraco.

Entrei na sala de controle, pisando cuidadosamente e sondando o ambiente. As persianas estão fechadas, deixando o ambiente às escuras. Nenhum outro infectado veio correndo, o que quer dizer que a sala está vazia, eu acho. Aproximei-me da janela, abrindo as persianas. O sol fraco iluminou o ambiente, revelando-o.

O infectado que acabamos de matar, provavelmente foi mordido durante a noite. Deve ter se trancado na sala (talvez para se proteger de outros monstros?) e acabou se transformando aqui. Nossos passos pelas escadas o alertaram de nossa presença, talvez. Por pouco não morremos. A sala é prova disso tudo. Os computadores, a maioria deles, está em ruínas, indicando o processo de transformação. O rádio da torre está desaparecido. Fora isso, não há nada demais. Talvez vir aqui não foi uma ideia tão boa mesmo.

– O outro hangar. – William disse, colado à janela da torre.

Aproximei-me dele, acompanhando seu olhar. O outro hangar maior, geralmente trancado para o público, está entreaberto, indicando que, possivelmente, alguém está ou esteve ali.

– Vamos ver. – Eu disse, ajeitando a espingarda nas mãos.

– Vou pegar uma lanterna no carro. Me esperem perto da entrada do hangar. – Matheus disse, descendo as escadas correndo.

– Vem. – Chamei William, puxando-o pelo braço.

Descemos as escadarias até chegarmos ao pé da torre. O ar está frio como sempre, trazido por um insistente vento gélido. O sol fraco foi bloqueado por uma nuvem espessa, que indica que em breve teremos chuva novamente. Esse tempo não ajuda em nada. Matheus voltou correndo com as três lanternas que pegamos da casa de William, entregando uma a Angelo e outra a mim. Subimos a pequena escada, parando em frente ao hangar.

– Espera. – Eu disse, dando um passo na direção do portão entreaberto.

Apoiei o rifle de pressão no metal do portão e liguei a lanterna, que iluminou em partes o ambiente. As janelas do hangar estão cobertas por um tecido escuro, impedindo a entrada de luz solar. A lanterna não revela mais do que alguns metros. Tenso, peguei o rifle, segurando-o com uma mão. Então apoiei a lanterna em baixo do braço esquerdo, e com a coronha da arma, bati com violência no portão metálico.

O som produzido ecoou por dentro e por fora da estrutura, mais alto do que eu imaginei. A reação lá de dentro foi imediata. Ouvimos quatro ou cinco gritos distintos, e os passos correm em nossa direção.

– Se prepara! – Gritei, deixando a lanterna cair e preparando o rifle.

William esticou a corda do arco, fazendo mira. Matheus e Angelo levantaram as armas corpo a corpo, preparando-se para o ataque. Dei um passo para trás, ficando ao lado dos outros. O primeiro infectado veio com tudo, esbarrando na porta metálica e perdendo o equilíbrio, estatelando-se no chão. Matheus aproveitou a deixa e atingiu sua cabeça com o cano, fincando os pregos no crânio da criatura.

Enquanto Mala tenta tirar o taco preso da cabeça do infectado, outra criatura veio correndo, pronta para mordê-lo. Com um susto, apontei o rifle na direção do monstro e disparei. O ar comprimido não fez tanto barulho quanto antes e o estrago também foi bem menor. O chumbinho atingiu com tudo o peito do infectado, que hesitou por apenas dois segundos. Tempo suficiente para Angelo acabar com ele, com dois golpes relativamente precisos.

Matheus recuperou sua arma e ficou a postos, esperando o próximo. William mantém a corda retesada, fazendo mira na direção do escuro hangar.

– Recarregando. – Eu avisei, abrindo o cano do rifle de pressão e pondo um chumbinho na abertura.

Três infectados apareceram de uma vez, fechando o cerco. Matheus e Angelo deram um passo para trás com medo. William finalmente soltou a flecha, que acabou cravada na testa de uma das criaturas, no tiro mais lindo que já vi feito por ele. O infectado caiu de imediato.

– Recarregando! – William berrou, preparando a outra flecha.

Matheus desferiu o golpe no outro monstro, derrubando-o no chão. Angelo também atingiu seu inimigo, deslocando o braço da criatura que cambaleou.

– Gu! – William berrou de repente.

O infectado pulou sobre mim antes de eu conseguir reagir. O rifle agora carregado escapou da minha mão, ficando a poucos centímetros de distância. Bloqueei o agressor com os braços, esperando a ajuda de meus amigos, porém ao erguer os olhos, vi que isso não aconteceria.

Matheus ainda está ocupado com seu infectado, desviando dos murros da criatura e acertando diversos golpes nela com o taco. Zola está engalfinhando-se com o outro maldito, que tenta tirar a arma de suas mãos. William sacou a Katana e dá diversos golpes num outro monstro que surgiu de trás do hangar principal, batendo nele diversas vezes e sem causar muito dano aparente. O infectado sobre mim ainda tenta me matar, apertando suas mãos em meu pescoço.

O ar começou a faltar, e a dor na garganta é muito forte. Se soltar minhas mãos, a criatura sem dúvida alguma conseguirá me morder, porém não sei mais quanto tempo aguento com a privação do oxigênio. O coração bate em pura adrenalina, pedindo com urgência para afastar a criatura de mim.

Mantendo a mão esquerda no peito do infectado, segurando-o, estiquei a direita para pegar o rifle de pressão no chão. Meus dedos raspam pela coronha lisa de madeira, sem conseguir agarrá-la, escorregando. Os cantos da minha visão já estão turvos e os sons nos ouvidos estão abafados.

Concentrei-me, tentando pensar de forma clara, porém o pânico complica tudo. Com ódio crescente da criatura que insiste em tirar minha vida, finalmente consegui agarrar a arma de pressão, trazendo-a para perto de mim. Com o braço direito, ergui o rifle, encostando o cano na têmpora do infectado que não pareceu notar. Puxei o gatilho e a cabeça da criatura deu um tranco na direção oposta da arma. O monstro caiu para o lado, libertando meu pescoço.

Rolei para a direita, ficando deitado de lado, tossindo e tentando recuperar o ar. A dor na garganta é insuportável a esse ponto e torna difícil respirar. Percebi pelo canto do olho a perna do infectado se mexer, aparentemente tentando se levantar. Tonto, coloquei-me de pé, apoiado no rifle de pressão descarregado.

Andei cambaleando até o infectado no chão que ainda tenta se levantar. Com o pé, virei-o de barriga para cima. Ele rugiu ao me ver e esticou os braços, tentando me agarrar. Com a coronha da arma, atingi sua cabeça com violência, desfigurando seu rosto já ensanguentado. Repeti o golpe três vezes, levando-me à exaustão. No quarto, a coronha da arma quebrou, trincando todo o corpo de madeira até o cano. Enraivecido, virei o rifle e espetei o olho do monstro com o cano, fincando-o até atingir o chão do outro lado. O infectado parou de se mexer, e seus braços caíram ao lado do corpo. Soltei o rifle, que caiu no chão, quebrando de vez e também caí sentado, completamente exausto.

– Gustavo! – Ouvi distante a voz de William.

Olhei em sua direção e o vi correndo até mim. Ele pegou meu braço, levantando-me apoiado nele.

– Já é a segunda coisa minha que você quebra hoje. – Ele disse com um sorriso nervoso.

Eu sorri, encostando minha cabeça nele, cansado.

– Consegue ficar de pé?

– Consigo, só... – William voou para o lado, calando-me.

De alguma forma me mantive de pé, e vi o infectado com a Katana cravada no abdome em cima de William, no chão. A criatura preparou a mordida final. O arco de meu amigo caiu a meus pés e mesmo tonto, não hesitei em pegá-lo. Preparei a flecha, ajustando o arco na mão e corri mancando até os dois na luta mortal no chão, poucos metros à frente.

Desferi um potente chute na cabeça do infectado que rolou para o lado e em seguida já puxei a corda. Pisei no peito do homem que atacou William e soltei a flecha, que atravessou o crânio da criatura sem problema nenhum. Novamente o silêncio. Larguei o arco no chão, ajudando William a se levantar. Matheus e Angelo se juntaram a nós, ambos ofegantes.

– Pior que estamos ficando bons nisso. – Angelo disse, descansando sobre os joelhos.

– Ainda dá pra melhorar. – Eu disse, tentando respirar fundo.

– E agora? – Matheus perguntou, olhando em volta.

– Agora a gente sabe que não tem mais ninguém no hangar. Vamos dar uma olhada. – Eu respondi, ainda ofegante.

– E depois? – Angelo perguntou.

– Uma coisa de cada vez. – William disse, arrancando a flecha da cabeça do infectado que eu acabei de matar. – Nossa – Ele murmurou, chacoalhando o objeto para tirar o sangue.

Tirei a outra flecha do infectado caído na porta do hangar, entregando-a à William e entrei no prédio, acendendo a lanterna. Os panos pretos nas janelas impedem qualquer passagem de luz, e imagino que o primeiro passo seria tirá-los dali. Caminhei até um canto na parede, encontrando uma corda que, aparentemente, leva até o teto. Puxei a corda com força e o pano cobrindo a janela caiu, deixando a luz solar entrar com tudo e ofuscando-me.

O hangar não está vazio. Dois aviões particulares de pequeno e médio porte  estão parados lado a lado nos fundos. À frente deles, há um pequeno helicóptero do modelo Robinson de treino, com uma das portas abertas. A janela panorâmica está trincada e com uma bela mancha de sangue, que se estende pelo chão, indo até os fundos da estrutura. Segui a mancha, passando por dois jipes camuflados e uma mesa que, aparentemente, foi um centro de operações.

O rastro me levou aos fundos da estrutura do hangar, atrás de um blindado do exército. O cheiro indica o que tem ali. Curioso, me aproximei ainda mais e me arrependi ao ver o corpo. Ou o que sobrou dele. Aparentemente, nós interrompemos o almoço daquelas criaturas.

– Então? – Matheus disse, quando nós nos juntamos no meio do hangar. – Plano?

William baixou o olhar, sem saber o que dizer. Tínhamos muita esperança nesse lugar. Agora que vimos que não há nada aqui, estamos completamente perdidos de novo. Olhei em volta, analisando a estrutura.

– Vamos ficar aqui. – Disse, por fim.

– Esse é o plano? – Matheus perguntou, olhando-me insatisfeito. – A ideia era que aqui teriam os militares. Ó, não tem. Então por que ficar aqui? Por que aqui é mais seguro que a minha casa, ou a sua ou a de qualquer um de nós?

– Primeiro por que é afastado. – Respondi de prontidão. – Fora esses caras aqui, você viu mais algum infectado por aí? Ninguém sabe que estamos aqui, e isso já é uma puta vantagem. Segundo: isso era uma base militar, isso é óbvio. Olha o quanto de equipamento deixaram pra trás. Eu não duvido que eles voltem um dia.

– Ninguém sabia que a gente tava no China também. – Matheus retrucou.

– Mas lá era temporário. No nível da rua é muito mais fácil ser encontrado. Aqui, não tem por que os infectados chegarem. Nada chama atenção pra entrada do aeroclube. – Concluí, estendendo os braços.

– Beleza, a gente sabe que é seguro. – Angelo interveio. – E aquele papo de “o que nós temos aqui não dura mais que umas semanas”? Ainda podemos morrer de fome e sede, sabia?

– A gente dá uma olhada pela base, garanto que encontramos alguma coisa por...

– E se não encontrarmos? – Matheus tornou a falar – Saímos por aí em busca de comida enquanto tem essas porras querendo nosso cu? Belo plano!

– A situação é a seguinte. – William disse, erguendo a voz. – Nós estamos na merda. Sempre estivemos desde que isso começou. Eu errei ao dizer que deveríamos vir pra cá, então me desculpa. Se você ou o Zola ou qualquer um tenha outra ideia, é só falar! Por que eu simplesmente não sei mais. Tô perdido. – Ele concluiu, bufando.

O hangar ficou em silêncio, com o ar pesado e frio. Isso não vai ajudar em nada. Entendo a tensão que se passa, mas é difícil pensar claramente nessa situação.

– Você sabe que eu não falei por mal, só tô com medo de...

– Pois é, Mala, adivinha? Eu também tô com medo. – William o interrompeu. – Eu tô tão perdido quanto qualquer um de nós.

– Isso não leva a nada – Angelo começou. – Brigar não leva a nada. Vamos nos acalmar e ser práticos. Uma coisa de cada vez. O que tem tanto aqui?

– Fora os carros militares, dois aviões e um helicóptero. – Respondi, cansado.

– Tem um gerador nos fundos, mas não sei se funciona. – Matheus disse.

– Achei um rádio atrás daqueles jipes ali – William apontou. – Acho que consigo dar uma geral nele.

– Beleza, já é um começo. A gente vai ter que se adaptar nessa situação de merda, então, o quanto antes, melhor. – Angelo concluiu.

Após um pesado silêncio, cada um foi para um canto, o que para mim representou um tipo de separação simbólica. Suspirei, tristemente.

Fui tomado por um tremelique, causado ou pelo frio, ou pelo estresse. Essa situação está acabando com nosso psicológico. Novamente tenho medo de sairmos dessa e de uma forma ou de outra, acabar com nossa amizade, nosso convívio. Uma coisa este mundo novo me provou: não há lugar para felicidade. Nós agora somos como animais selvagens, sem opção alguma. Devemos comer, devemos beber, devemos dormir. Devemos nos proteger do crescente número de criaturas que querem nossa pele.

Sentindo-me tonto, saí do hangar, para tomar um ar fresco. Olhei para o céu cinzento, completamente perdido. Os olhos marejados indicam o medo que sinto disso tudo, a saudade da minha antiga vida, dos meus pais, dos meus outros amigos. Testemunhamos em primeira mão a queda da sociedade e praticamente da humanidade. A guerra contra os mortos só começou e pelo jeito está bem longe de acabar, e no final, só há uma verdadeira regra numa guerra.

Sobreviver.



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