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História A Queda - Reencontro


Escrita por: NoobsGodoy

Capítulo 17 - Reencontro


A fogueira esquenta nossos corpos, mas não chega nem perto de aquecer e confortar nossas almas. O vento frio é barrado pelo prédio que estamos atrás, mas a noite ainda é gélida e como estamos num local longe de vistas, optamos por fazer a fogueira. Lado a lado, ombro a ombro, cada um com seus pensamentos, medos e incertezas.

O hospital está vazio, a não ser por uma ou duas salas fechadas com as palavras “INFECTADOS, NÃO ABRA”. A entrada para o estacionamento está bloqueada por dois ônibus, obstruindo os portões esmagados, de modo que a única entrada para nosso “esconderijo”, é pelo estacionamento da faculdade, pelo qual viemos, do outro lado do complexo.

Sem médicos, sem militares, sem pessoas. Sem vida alguma, por fim. Comemos os últimos enlatados que conseguimos resgatar do aeroclube, de modo que amanhã para não passar fome, vamos precisar ir atrás de comida. Está ficando cada vez mais difícil.

Um espasmo percorreu meu corpo, ao me lembrar da sala infernal que entrei hoje mais cedo. Vir aqui talvez tenha sido um grande erro, e quanto mais tempo se passa, menos lugares parecem ser livres ou seguros. Pensando bem, o ócio do aeroclube parece extremamente agradável.

– Ideias? – Angelo perguntou, cortando o crepitar do fogo.

Ninguém respondeu. Acredito que nenhum de nós tem estrutura psicológica no momento para pensar claramente. Eu mesmo no momento gostaria de dormir até tudo isso acabar.

– Precisamos de comida. – Matheus disse, com os olhos bem abertos e focados no fogo perto de seus pés.

– Certo. Primeiro o mais importante – Angelo disse, mudando de posição. – Tem o Convém no fim da rua que dá pro estacionamento do hospital. Talvez ainda tenha alguma coisa lá.

– Talvez. – William murmurou, perdido.

– Amanhã vamos pra lá então. Depois a gente pensa mais. – Matheus disse, estendendo as mãos às chamas.

– Se não tiver nada? – Perguntei, olhando perdidamente para o fogo.

Eles ficaram em silêncio por um tempo, imaginando uma resposta boa ou reconfortante talvez. Não houve.

– Continuamos em frente. – Zola disse depois de um tempo.

– Eu fico de guarda primeiro. Alguém tem que ficar acordado aqui com um rádio. – Matheus disse, levantando-se e engatilhando a pistola.

– Eu fico. Cês dois tentem dormir um pouco. – Angelo disse, pegando os walkie-talkies e atirando um deles à Matheus.

– Beleza. – William disse, puxando para perto de si o arco no chão.

Acenei positivamente, aproximando-me mais do fogo. Matheus pegou a lanterna, olhando em volta pensativo.

– Vou subir no segundo andar desse prédio e ficar de tocaia na janela. Já vimos que aqui tá tudo vazio mesmo. Fico de olho no estacionamento.

– Beleza. Mesmo canal? – Angelo perguntou.

Mala assentiu com a cabeça e saiu, indo até o prédio e sumindo na escuridão. Deitei-me de lado no chão, apoiando a cabeça em minha mochila, agora meio vazia. William deitou-se a meu lado, suspirando profundamente. Adormeci em pouco tempo, contra todas as chances.

Passaram-se o que me pareceram dois segundos, quando Matheus me chacoalhou, acordando-me.

– Tô morrendo de sono. Tem como cobrir lá?

Acenei em positiva, bocejando. Mala esticou-me seu braço, ajudando-me a levantar. Peguei o walkie-talkie, enganchando-o no cinto da calça. Matheus também me entregou a pistola carregada e a lanterna. Guardei-a arma dentro da calça e mantive a lanterna na mão. Ele deitou no chão ao lado de William que dorme pesadamente perto da fogueira que aos poucos se extingue.

Angelo, encostado na parede do prédio, está olhando, perdidamente para o alto. Ergui os olhos e me deparei com um céu estranhamente estrelado. Um mês sem quase nada de emissões de gás carbônico e sem nenhum tipo de iluminação deixam o céu com um aspecto incrível. Suspirei, lembrando-me que terei que ficar dentro do prédio e adentrei o corredor, acendendo a lanterna.

O corredor é ainda mais tenebroso à noite. A escuridão é total e a lanterna tem dificuldades em mostrar o caminho. Achei as escadas à esquerda e, tomando fôlego, comecei a subir os degraus. Seis lances depois, cheguei ao corredor do segundo andar do prédio. Idêntico ao térreo, caminhei pelo corredor escuro, passando pelas salas de aula fechadas.

Aqui não há tantas mesas e menos marcas de sangue, mas o cheiro do andar de baixo ainda é bem presente. No fim do corredor, está a janela que dá vista ao estacionamento. À sua frente, uma cadeira solitária indica que Matheus a deixou ali para fazer a vigília. Sorri, por algum motivo, ao ver o objeto parado, iluminado pela fraca luz do exterior.

Espiei o estacionamento escuro, conseguindo enxergar poucos metros à frente. O vento ruge ali fora, assolando o prédio de concreto que não parece notar. Fora esse som, só se escuta os poucos infectados nos sacos lá em baixo, tentando nos encontrar. Boa sorte, otários. Sentei-me na cadeira, atento a qualquer tipo de movimentação estranha. Foi uma longa noite.

Sozinho com meus pensamentos, só percebi a manhã chegando quando William apareceu atrás de mim, arco pendurado no ombro e a pistola num coldre em sua cintura.

– Vamos dar uma olhada no estacionamento. Talvez os soldados tenham deixado alguma coisa pra trás nas barracas.

Encarando-o, assenti ainda pensativo. Quanto mais procuramos, menos encontramos, e menos quero continuar procurando. É simplesmente desanimador esse ciclo.

– Nada de noite? – William perguntou quando me levantei espreguiçando-me.

– Nada. Só aqueles andarilhos ensacados ali em baixo.

– Se vamos ficar aqui, precisamos dar um jeito nesse portão. – Ele comentou, olhando pela janela.

– Não sei se quero ficar aqui. – Murmurei.

William virou-se, fitando-me. Depois assentiu, olhando para baixo:

– Esse lugar é bem diferente do que eu pensava. Mas de que adianta ficar remoendo? Vamos em frente, continuar. É a única direção que dá pra ir.

– Isso foi estranhamente profundo. – Comentei, sorrindo.

– Eu sou um cara culto. – Ele disse, com um olhar arrogante.

Voltamos pelo corredor em silêncio, descendo os lances de escadas até chegar ao térreo. O cheiro fica mais forte aqui em baixo, porém já quase o ignoro. Acho que estamos nos adaptando à toda essa sujeira. Antes de sair para o estacionamento, fui para o outro lado, onde passamos a noite. Angelo e Matheus dormem calmamente ao lado da fogueira já extinta.  Deixei-os assim e retornei pelo corredor, ao encalço de William.

O dia está frio, mas o sol brilha intensamente do lado de fora. A fumaça do aeroclube ainda sobe aos céus, provavelmente atraindo as criaturas até lá. Pulamos sobre a cerca que os sobreviventes colocaram, entrando no estacionamento. O Gol e o Fiesta continuam parados no mesmo local, chamando a atenção, já que são os únicos carros “comuns” no meio de um comboio militar. O Leopard se mantém imponente parado atrás dos carros. Imaginei se seria difícil operar um veículo desse.

William destrancou o Fiesta, abrindo o porta-malas. Ao tocar o alarme, os sacos de corpos na tenda ao lado se remexeram, grunhindo. Suspirando, aproximei-me deles com a faca, encravando-a nos locais que imagino estar as cabeças das criaturas. Após eliminar todos eles, William juntou-se a mim, trancando o Fiesta com o alarme. Ele traz uma mangueira em sua mão.

– Vamos precisar de combustível. O Gol é gasolina?

– É sim. Sabe usar isso? – Apontei à pequena mangueira plástica.

William lançou-me uma expressão de deboche.

– Tá perguntando se eu seu chup... – Ele se interrompeu ao ouvir sua frase. – É eu sei usar. – Respondeu, sorrindo.

– Será que dá pra abrir essa coisa? – Perguntei, apontando ao blindado parado.

– Você é o expert.

Observei o veículo, pensativo. Depois guardei a faca na bainha e escalei a dianteira do tanque, segurando-me no canhão que nem se mexeu com meu peso. Escalei até chegar no topo da torreta, encontrando a escotilha superior. Forcei-a para cima e ela se abriu de forma surpreendentemente fácil.

Como é de se esperar, o Leopard está às escuras. Saquei a faca e com o cabo da arma, bati na lateral do veículo, fazendo um escandaloso barulho de metal. Sem nenhuma reação, peguei a lanterna e saltei para dentro do espaço apertado do tanque.

O ambiente é pequeno e úmido (imagino que comandar esse veículo devia ser um inferno). A única fonte de luz (além da lanterna acesa) vem de uma pequena abertura na dianteira do tanque. Uma bala está carregada no canhão principal, com a traseira aberta, porém o Leopard foi canibalizado. Não há nenhum console sobrando aqui, de modo que só se vê os fios cortados espalhados pelo chão.

Um rifle está apoiado num dos cantos da máquina. Peguei a arma, examinando-a. Acredito se tratar de um M40, um fuzil de ferrolho de grosso calibre. Tirei o clipe e puxei o ferrolho, fazendo saltar a bala na câmara. Coloquei-a no pente, totalizando as 10 munições da arma. Recarreguei e engatilhei o rifle, pendurando-o no ombro direito pela bandoleira.

Olhando em volta, não vejo mais munições da arma, mas de qualquer forma, já foi um achado. Qualquer coisa que funcione é algo precioso hoje em dia. Saí do veículo, sendo ofuscado pela luz solar.

– Não liga? – William perguntou do chão.

– Não deve ter nem motor. Foi canibalizado. Mas achei isso. – Ergui o rifle e pulei do tanque, aterrissando ao lado de William.

– Parece ser mais forte que a minha arma de chumbinho. – Ele comentou, pegando a arma.

– Isso vara a porta de um carro como se fosse papel. Foi um achado.

– Quantas balas?

– Dez. Vamos ter que economizar.

– Pra variar. – Ele disse, devolvendo-me o M40.

Pendurei-o no ombro e guardei a faca na bainha, enquanto andamos pelo estacionamento vazio. As tendas não parecem ter nada de interessante, a não ser um monte de equipamentos médicos já usados. Não me infectei sendo mordido e não pretendo me infectar com uma porra de uma agulha. Passamos reto, indo até o jipe mais próximo.

– Faz o que tu manja. – Zombei, ajoelhando-me ao lado do carro.

William fez uma cara engraçada, fechando os olhos e comprimindo a boca. Ele desamarrou a pequena mangueira e abriu a porta do tanque do jipe, enfiando-a pelo buraco.

– Espero que seja à gasolina essa merda. – Ele comentou, pondo a boca na mangueira.

– China – Eu o interrompi, antes de ele sugar o combustível. – Você vai tirar a gasolina daí pra jogar ela no chão? Cadê o galão pra você guardar?

Ele me olhou, parecendo confuso por um instante. Depois sorriu, levantando-se de forma idiota. Eu comecei a gargalhar.

– Opa. – Ele comentou, tirando a mangueira do tanque.

– Mano, o mundo acabou e você continua lerdo. Meu Deus. – Comentei, lacrimejando.

– Cala a boca aí. Ninguém precisa saber disso. – Ele disse, também rindo.

– Obrigado por esse momento. – Falei sem fôlego.

Um ronco distante nos silenciou. O som, vindo de algo mecânico é baixo, mas parece se aproximar cada vez mais. De imediato demos um passo para trás, sem saber ainda do que se trata.

– Pega o rádio. – William disse, tirando o arco do ombro e preparando nele uma flecha. O som fica cada vez mais alto.

Assim que tirei o Walkie-Talkie do bolso de trás, o rugido ficou extremamente alto, como se um dinossauro metálico estivesse a ponto de invadir o estacionamento da universidade. Assim que apertei o botão para falar ao rádio, o Urutu no qual Marcos deixou o aeroporto avançou pelo portão estourado na entrada do estacionamento.



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