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História A Quinta Dimensão - Um


Escrita por: slay0x

Notas do Autor


Yey! Eu estava sumida? Estava. Vou apanhar? Vou. Mas, mil desculpas a todo mundo que me acompanha pela sumida espetacular nesse site, mas prometo que estou voltando com tudo. Enfim, essa fanfic me veio depois de eu jogar Life is Strange, junto com alguns traços de Efeito Borboleta (<3). Eu espero que todas(os) gostem, porque fiz com muito carinho.

Então, a vocês, AQD:

Capítulo 1 - Um


 

UMA MÚSICA ALTA ressona em meus ouvidos, mas eu não presto atenção em sua letra. Mesmo com fones, sons dos carros na estrada e minha respiração pesada, apenas o tum, tum, tum de meus pés contra o asfalto é abrangente. Minha regata está ensopada de suor e, alguns fios escuros de cabelo caem sobre meu rosto. Minhas mãos e pernas mexem-se simultâneas enquanto meu peito sobe e desce constantemente. Comecei com essa história de correr para tentar não pensar. Essa ideia me veio na cabeça depois de ler um livro no qual a protagonista praticava atletismo para se acalmar e não pensar. No entanto, falar é fácil. Eu simplesmente não consigo parar de pensar. Quanto mais eu tento, mais eu penso. É terrível. Eu quero somente ser capaz de me desligar do mundo só por alguns minutos. Esquecer quem eu realmente sou. Esquecer o que eu posso fazer. Esquecer tudo, só me portar como uma garota normal.

Esse é meu último dia como menor de idade. Meu aniversário de dezoito anos será amanhã as sete e trinta e cinco da manhã. Quando eu acordar, poderei sair daquele orfanato maldito para nunca mais voltar.

É difícil pensar nas circunstâncias que me levaram a morar no Orfanato Whitemore. Relembrar os motivos aos quais eu estou aqui, agora é doloroso. É difícil lembrar da sensação que tive ao ver meus pais morrerem na minha própria frente, fecharem seus olhos para nunca mais abri-los. Realmente, eu não queria ter nascido para sentir tanta dor, sofrer e passar por tanta coisa ruim.

Uma rajada de vento passa por mim quando dobro a esquina da rua do orfanato. Já está anoitecendo e, mesmo que eu não quisesse, deveria voltar para Whitemore. Estou prestes a fazer dezoito anos, mas ainda estou sob custódia do governo. É um saco, tudo isso que está acontecendo comigo. Meus pais, partiram cedo demais. Eu sei que eles não tem culpa disso, óbvio que não. Mas mesmo assim, me deixaram sozinha, sem ninguém. Eu era nova demais. Inocente demais. Me deixei influenciar pelas pessoas que diziam querer meu bem. Confesso que hoje, sinto um pouco de raiva de mim mesma quando mais nova.

Ao abrir a porta do local onde eu moro – que, com certeza não é como uma casa – já noto as crianças passando correndo pelos corredores, as monitoras berrando com as crianças, alguns adolescentes travessos entrando em armários em casais... um caos total. E, inconscientemente, eu sorrio com isso. Confesso que irei sentir um pouco de saudade desses momentos loucos. Mesmo assim, a saudade que eu sentirei não chegará nem aos pés de minha vontade de sair desse lugar. Meus passos ecoam na escada de madeira enquanto eu subo. Ouço meu nome sendo pronunciado e, ao me virar em direção ao pé da escada, avisto Theodora, uma das monitoras do Whitemore.

— Audrey querida, já voltou?

Ah, claro que não. Ainda estou na rua, não vê?

— Sim, já está anoitecendo e tenho que terminar de arrumar minhas malas. – finjo um sorriso. – Eu já vou subindo.

Viro-me e recomeço a andar.

— Sabe que estaremos aqui para o que precisar, certo? – ouço sua voz abafada pelas paredes, assim que entro no segundo andar.

É óbvio que ela disse isso. Ela sempre diz. Faz-se por boa samaritana, mas eu sei muito bem quem Theodora realmente é. Foi ela que, alguns anos atrás, quando me via brincando com outras crianças, me obrigava a limpar o chão do orfanato. Quando eu recusava, ela me trancava em um pequeno compartimento no porão do orfanato e me deixava lá. No escuro. Com fome.

Eu estremeço só de me lembrar daqueles dias – literalmente – escuros. Mas tudo bem, eu não vou mais passar por isso. Não vou mais ser trancafiada em locais contra a minha vontade. Não vou mais ficar presa. Eu vou ser livre, pela primeira vez na vida. Quero me sentir viva novamente, assim como quando meus pais eram vivos e ninguém tinha dó de mim. Assim que entro no meu quarto, observo as caixas empoleiradas em um canto escuro. Eu divido o quarto com mais duas garotas de quatorze e quinze anos, mas não reclamo, afinal elas são legais. Tenho um computador ultrapassado que ganhei três anos atrás, com conexão discada, de um tio distante que veio me visitar – mas, não me adotar, é claro. Com ele, faço minhas pesquisas extracurriculares e arrumo alguns amigos virtuais. Nora é um deles, uma garota um ano mais velha que mora em New Haven. Ela, quando fez dezoito, comprou um apartamento no centro da cidade, começando a morar com uma amiga dela. Havíamos combinado que eu iria para lá assim que saísse daqui, visto que, havia feito uma prova para ingressar na Yale e passei. Minha carta de aprovação com o selo azul de Yale está dobrada cuidadosamente dentro de um caderno cujo algumas anotações eu escrevo. Suspiro pesadamente enquanto tiro o casaco que estava usando para correr e os fones de ouvido, depositando-os silenciosamente sobre a cama. Irei, antes de tomar um banho, falar com Nora, para dar os últimos ajustes de quando eu, matematicamente falando, chegarei no apartamento dela depois de partir daqui.

Demora um pouco para ligar o computador antigo, mas assim que o desktop aparece, já clico no ícone do Skype. Nora está on-line, para variar.

Seu rosto sorridente logo aparece, assim que inicio a chamada.

— Hey! Audrey, amanhã você vem certo?

— É. Não aguento mais ficar esperando, é sério, quero sair desse inferno.

— Te entendo, foi assim comigo quando eu saí de casa. – ela levanta as mãos, sacolejando-as. – Quando saí na rua, com minhas malas eu gritei "FINALMENTE LIVRE!".

Não posso deixar de rir. Ela é uma figura.

— Talvez eu faça isso amanhã. Aí eu gravo e mostro para você depois.

— Posta no Vine. Aí eu mostro para os meus amigos assim que ver. Você vira uma viner famosa, conhece os viners famosos e vira amiga deles. Fim.

Balanço minha cabeça, enquanto noto alguém passar por trás de Nora.

— Quem dera fosse fácil. Quem dera. Ei, quem é...?

Nora parece notar, porque assim que a pessoa passa novamente, ela a puxa, revelando uma garota ruiva, com cabelos ondulados e algumas sardas no rosto. Tem olhos verdes.

— Esse gnomo aqui é a Leah.

— Hello, Audrey! Eu sou a "pessoa que mora com a Nora" – ela faz aspas com os dedos, enquanto ri e mostra covinhas. Céus, irei me sentir um ET perto delas. – Iremos nos dar bem, eu espero.

— E se não se derem, dou um headshot em cada uma. – Nora diz, enquanto faz uma espécie de arma com as mãos e aponta para nossas testas. Eu sorrio, enquanto ouço a gargalhada das duas. Tenho que me conter, pois, há essa hora algumas crianças já estão dormindo.

— Gente. – falo, depois de um tempo conversando sobre os preparativos. – Tenho que desligar. Logo, logo vem a Theodora encher o saco e, talvez bote fora esse PC velho que irei deixar para as meninas aqui do quarto. Tchau.

— Tchau, sua frígida. Feliz aniversário, tá? — Nora responde, batendo um punho contra o outro. — Amanhã nós teremos uma conversa ao estilo Mike Tyson. Pode esperar.

Eu balanço a cabeça e desligo a web cam, cortando a conexão logo depois. Levanto-me da cadeira giratória na mesa do computador e começo a revirar algumas caixas e mochilas, procurando um pijama. Quando o acho, marcho para o banheiro, começando a me despir para tomar meu último banho no Whitemore.

 

Mal consigo conter minha felicidade ao ver as caixas sendo postas dentro de um pequeno furgão onde irão ser levados meus pertences. Eu estou com uma mochila em mãos e, em minhas costas outra idêntica repousa. Em parte, meu subconsciente acostumado ao Whitemore está com receio de sair daqui, no entanto, eu devo sair dali. Não é por opção – mesmo que ela coopere em sua maioria para minha mudança – mas sim porque querendo ou não eu tenho de sair. Já estou com dezoito anos, no fim de contas.

Talvez tenha me desligado por algum tempo, mas assim que volto a mim, vejo que Lucius, o zelador do orfanato, já havia posto todos meus pertences dentro do furgão. Ele, gentilmente, havia se oferecido para me levar até New Haven, até a casa de Nora e Leah. O senhor, agora já dentro do automóvel, me encara. Poderia ter me chamado antes, mas eu não prestara atenção. Murmuro um pedido de desculpas e, dando uma última olhada para o orfanato, avisto Theodora parada na entrada do casarão. Acena-me e, em um ato de simpatia – ou talvez, apenas alívio – aceno de volta. Meus olhos, então, vagam para as janelas da velha edificação. Cortinas amareladas condecoram o velho orfanato, dando-lhe um toque sombrio, nada acolhedor. Em uma delas, avisto olhos. Mas, não são olhos conhecidos. Não pertencem a uma criança órfã. São olhos frios. Vermelhos como sangue.

— Audrey, pronta?

Desvio meu olhar do orfanato e abro a porta do passageiro, entrando logo em seguida. Respiro fundo e fecho meus olhos brevemente antes de voltá-los para Lucius.

— Sim. Estou pronta.

Meus olhos, ardendo, vão ao encontro novamente do casarão, esperando, mesmo que lá no fundo, ter mais uma visão daqueles olhos sombrios. Mas nada esta lá. Talvez fora obra da adrenalina que está tomando meu corpo, mas, juro que havia sentido aquela mesma coisa que sempre sinto quando algo está prestes a dar muito errado, como uma premonição. Como se, meu espírito perdesse um pequeno pedaço de sua essência. Como se o buraco que se instalara em meu peito aumentasse um pouco mais.

 

Nunca imaginei o quão magnífico poderia ser o prédio que Nora morava. Em minha cabeça já se passara condomínio popular, prédios comerciais com elevadores barulhentos, mas não algo de tamanha grandiosidade que é esse enorme monumento na minha frente. Aquele prédio tem, no mínimo cem andares. Como mais cedo havia chovido, não é possível ver o topo do nem mesmo levantando a cabeça. A parede da fachada é de vidro espelhado. Uma cor estranha paira sobre ele. Um brilho esverdeado, como o mar do Caribe. Se eu não fosse boa em geografia, poderia arriscar que, ao invés de Lucius ter me levado para New Haven, trocara as pontas e me deixara em Dubai. Mesmo que pareça que eu estou exagerando — o que claramente era uma mentira, visto que em toda minha pacata vida minhas paisagens resumiam-se a corredores escuros e casas antigas — aquele é o lugar mais bonito que já havia visto. Toda a grandiosidade humana formando aquele monumento majestoso faz meus olhos brilharem.

Agradeço a Lucius pela vigésima vez naquele dia. Realmente, se não fosse por ele, teria de pagar caro para me tirarem daquele fim de mundo. Junto com ele, eu carrego as caixas que havia trazido. Não são muitas, e não são extremamente pesadas. Contém, apenas lembranças que conquistei em todos os anos que morei em orfanatos. Alguns pertences que permanecem comigo após o falecimento de meus pais e, um velho álbum de família. Fotos que eu era criança, quando eu ainda poderia me considerar uma pessoa completamente feliz. Carregar aquelas caixas fazem com que eu me lembre dos momentos em que passei com meus pais. Dos risos e palavras ditas uns para os outros. Dos momentos em vão, que mesmo sem nenhum propósito concreto, foram os melhores e mais reais da minha vida. Quero que tudo fosse um sonho, sabe? Que eu acordasse de uma hora para outra com as batidas insistentes de minha mãe na porta do meu quarto. Quero poder jogar lacrosse com meu pai novamente, cair e rolar na grama úmida do quintal de casa em pleno outono junto dos dois.

Sinto meus olhos arderem e desvio o olhar das caixas. Enquanto encaro a mim mesma no reflexo das portas cromadas do elevador. Ele desce, do quinquagésimo andar até o térreo. Enquanto Lucius traz a última levada de caixas e pequenas bolsas. Engulo as lágrimas que teimam em descer, pensando em tudo que me fez chegar ali, em tudo que eu deverei omitir de Nora e Leah daqui para frente. Meu coração se aperta com esse pensamento, mas eu fico firme.

Nossos maiores medos são fabricados por nós mesmos.

As portas do elevador, junto de um sonoro aviso que o mesmo está no andar solicitado, são abertas, revelando um cubículo espelhado com chão de mármore branco — combinando com o hall de entrada — totalmente vazio. Mordo meu lábio inferior assim que Lucius deixa a última caixa no meu lado. Viro-me para ele, respirando fundo e encarando o senhor que, do fundo do meu coração, desejo que fosse meu avô.

— Então, isso é um adeus.

Encaro ele, com as sobrancelhas caídas por um momento, enquanto o mesmo, enterra suas mãos desajeitadamente em suas calças largas cor cáqui.

— Senhor Lucius, eu irei visitar você. Quando for ver meus pais, passarei lá.

O olhar do velho pesa sobre mim. Ele cerra o maxilar, parecendo aflito.

— Não. – ele engole em seco. Franzo as sobrancelhas, desconcertada com seu desespero repentino. – Audrey, minha filha. Você não pode ir mais para Whitemore. Não pode mais chegar perto de lá.

— P-porquê não? O que tem demais?

— Não entende? – sua voz abaixa uma oitava. – Eles sabem sobre você. Aqueles cujo não posso mencionar, para o seu próprio bem, sabem de sua existência. De suas... Origens e seu dom. Você tem que ficar aqui. Tome cuidado com as pessoas próximas a você. Elas podem te fazer mal. – ele pára por um momento, virando a cabeça para os lados, como se estivesse sendo observado. Não consigo falar nada, sinto como se minha garganta tivesse fechada. Assim que seus olhos pousam em mim novamente, há algo lá, mas não consigo desvendar o que exatamente é. – Tenho que ir agora. Fique com Deus.

Meu coração pula uma batida. Eles? Eles quem?

E o que diabos ele estaria dizendo sobre dom? Que dom?

Minha visão ofusca e, assim que volto minha atenção para o velho senhor em minha frente, o mesmo sumiu. Seu furgão, no exterior do prédio arranca os pneus e, uma leve fumaça é percebida. Suspiro pesadamente, enquanto começo a pendurar as pequenas bolsas em meus ombros e, empilhar as quatro caixas que trouxe comigo em meus braços, para assim entrar no elevador e, finalmente apertar o botão do centésimo andar.

Sinto-me em um filme assim que chego na cobertura. Na verdade, já estava me sentindo dentro de um filme de magnatas assim que pus meus pés naquele prédio. De certa forma, me sinto deslocada ali. Não é uma coisa que eu estava acostumada, afinal. O chão de mármore polido daquele andar reluz minha silhueta por onde piso. Os corredores, grandes e claros, dão a vaga impressão de um cruzeiro caribenho. As portas, todas com pequenas placas douradas cujos números dos apartamentos estavam sobre elas, parecem ter sido tiradas do palácio da família real britânica. Com as caixas em mãos, equilibrando-as de forma sobrenatural, consigo achar o apartamento 301 A que me fora indicado por Nora mais cedo. Toco a campainha com o cotovelo e, quase que imediatamente, a porta é aberta.

Uma mulher, cabelos negros, pele alva e olhos tão escuros quanto seus fios aparece sorridente. Os olhos transmitindo surpresa, espanto e felicidade. Nora é uma pessoa carismática, mesmo quando está de mau humor pode ser assim. Mais do que amiga, ela é minha confidente, minha irmã. Sabe sobre meus pais, mas Leah não. E, daqui a diante, eu deverei ter cuidado com isso.

— Audrey?! – sussurra meu nome, parecendo não acreditar. – Meu Deus! É você! Só não abraço você, por causa dessas caixas aí. Você é mais linda do que parecia no Skype!

— Nora! – respiro fundo, enquanto ela me ajuda com as caixas e entramos em seu apartamento. – Ainda não acredito que estamos fazendo isso.

— Audrey, você é minha irmãzinha, é o mínimo que posso fazer. E, aliás, não quero que me agradeça. – ela diz, assim que fecha a porta do apartamento. – Você merece tudo isso, e muito mais. – pisca.

Eu rio, mas assim que entramos no hall, meu riso morre.

Estamos em uma espécie de "sala de entrada". O chão é revestido de porcelanato. As paredes em tons pastéis e, os móveis em estilo vintage. Uma grande parede de vidro se ergue além da sala de televisão, que é composta por um sofá gigante, um enorme tapete bege claro e, uma televisão que poderia ocupar uma parede inteira do meu antigo quarto no orfanato. Uma lareira se ergue na parede anterior a do sofá, mas está apagada. O hall de entrada fica alguns centímetros acima do nível do piso do resto da casa. Assim, quando saímos dali, descemos dois degraus para parar na sala. Na mesma parede da lareira, um corredor se abre.

— Jesus.

Nora ri com minha expressão, enquanto caminha em direção ao corredor, fazendo um sinal para que eu a seguisse.

— Noralia Bennet, como não me avisou que tinha todo esse dinheiro? – pergunto, indignada. Estou me sentindo muito mal ali, de verdade. Ela faz uma careta em minha direção, claramente incomodada por tê-la chamado de Noralia. Ela odeia seu nome completo.

— Primeiramente: esse apartamento não é meu, é da Leah; nós só moramos aqui. – ela diz, abrindo uma porta no final do corredor e acendendo as luzes. – Segundamente: ela conseguiu isso tudo trabalhando, e eu dei uma ajudinha. Não nascemos em berço de ouro, se é isso que quer saber. E terceiramente, mas não menos importante: Não me chame de Noralia. Obrigada. De nada.

Suspiro, notando que estive prendendo minha respiração por todo esse tempo em silêncio. Percebo que, a porta que minha amiga houvera aberto dava para um quarto mediano. Tem as paredes cor de creme e os móveis em tons claros. O mesmo esquema de janelas da sala se repete ali, uma parede inteira de vidro que tinha como vista o rio Hudson e o East. Uma cama com dossel é destacada dos demais móveis. Os lençóis, perfeitamente colocados por cima da cama. Uma televisão de tela plana condecora a parede em frente à cama, junto de duas portas, uma de cada lado da televisão.

— Nossa.

— Esse será seu quarto. – Nora anuncia, deixando as caixas em cima da cama, imito-a. — Não é o maior do apartamento, mas sei que você tem uma coisa contra lugares grandes. Escolhi o menor de todos, você pode decorar como quiser, certo? Está bom para você?

— Está... Perfeito. – eu digo, ainda boquiaberta. – É sério esse negócio de ser o menor de todos? Porquê esse quarto é maior do que o dormitório conjunto do orfanato e...

— Se você achou ruim, pode dormir no armário de vassouras.

Ela ri e, acompanho-a também. Pego uma almofada da cama e atiro em seu rosto.

— Vai se catar, Bennet! – seguro minha barriga, enquanto andamos até a janela do prédio. — Leah está aqui?

— Ah, não. Ela está em uma viagem. Ela trabalha como modelo, sabe. Sua agenda está bem cheia ultimamente.

— Entendo... Putz, que vista linda. A vida de vocês deve ser perfeita aqui.

Nora suspira, enquanto cruzava os braços.

— Sabe, nem sempre foi assim.

— É. Entendo você. – confessei. – Mas, mesmo assim, você recomeçou, certo? Talvez eu também possa recomeçar.

Ela sorri, enquanto se aproxima e me abraça. Fico estática no primeiro momento, mas logo retribuo o abraço. Faz anos que não recebo algum gesto de afeto. Nora é como uma irmã para mim, agora está comprovado.

— Você vai.

— Assim espero. – eu falo, e minha barriga ronca. Ela se afasta de mim segurando o riso, mas logo o deixa escapar.

— O Wrightssauro está acordando! – faz uma careta. – Comida chinesa?

— Tô dentro!

Não reparo no tempo que passa, mas sinto meu estômago pesar de tanto que comi com Nora. Ela já havia ido dormir e, eu estou agora em meu quarto. As caixas repousam em um canto qualquer, vazias, visto que já havia arrumado tudo o que tinha para arrumar. As luzes da cidade refletiam em meu rosto, pernas e braços, dando à minha pele uma coloração de tons vermelhos, cinzas e azuis. Talvez tenha passado horas, minutos ou segundos desde que me sentei na beira da janela. Não estou contando para saber. O visor de meu celular marca uma e meia da madrugada, mas não estou com sono. Uma música indie ressona pelo quarto, mas meus pensamentos estão longe demais para prestar atenção na letra. Mesmo que eu tente, mesmo que já se passou um certo tempo, quando fecho os olhos aquele relance que tive em Whitemore mais cedo se repete. Aqueles olhos aparecem como se estivessem prestes a me devorar. É estranho, mas sinto que irei vê-los novamente, mesmo que contra minha vontade.

Sei que não posso mais ficar parada. Sei que se o fizer, irei enlouquecer nesse quarto. Dou um salto, ficando em pé e enfiando meu celular em meu bolso. Não estou de pijamas, então não troco de roupa. Apenas apanho um casaco de meu closet e saio do quarto. A casa segue escura e silenciosa, meus passos fazem grunhidos irritantes contra o chão de porcelanato, mas ainda sim continuo a andar. Tão logo chego até a porta de entrada, apanho uma chave extra que Nora havia me dito para usar quando saísse e logo abri a porta, saindo e a fechando cuidadosamente para não bater. Assim que entro no elevador, observo meu reflexo nas portas espelhadas. Estou com os cabelos presos em um rabo, minha roupa continua a mesma desde quando cheguei ali — calças jeans escuras, uma regata branca e um casaco cinza. Minhas feições estão cansadas, e posso notar leves olheiras embaixo de meus olhos, mas não ligo, poderia ser pior.

Assim que o bip do elevador indicando que eu já chegara no térreo soa pelo elevador, acordo de meus devaneios. Eu saio rapidamente, ansiando estranhamente por ar puro. Meus passos ecoam pelo hall de entrada vazio e, quando passo pela recepção, o velho porteiro sorri para mim. Estremeço, não porque ele sorriu, mas sim porque seus olhos são daquele mesmo tom vermelho sangue dos olhos de Whitemore. Ele não é o mesmo porteiro de antes. Desvio o olhar dele antes que eu paralise de medo e continuo a andar em direção à porta. Ela destravará assim que o porteiro apertar o botão da trava automática. Eu espero alguns segundos, mas assim que vejo que ele não irá abrir, viro-me para sinalizar que quero sair.

Ele não está lá. Não está na mesa de recepção.

O maldito porteiro não se encontra em lugar nenhum daquele maldito lugar. Eu respiro, meio trêmula enquanto começo a andar em direção à mesa da recepção. Mas, assim que dou meu quarto passo, um estalo atrás de mim ecoa pelo hall vazio. Percebo, então, que o barulho veio da porta. Eu começo a me virar, com receio, até ter uma visão da grande porta de vidro que se encontrava... Aberta. Ela estava aberta agora, estranha e sombria, revelando a rua atrás de si.

Não penso duas vezes antes de começar a correr para fora. Meus pés atingem o asfalto com uma velocidade incrível, mas eu continuei a correr. Nenhum carro passa pela rua, mas eu tenho uma sensação de estar sendo observada. De estar sendo seguida. Ignoro esses pensamentos paranóicos e continuo a correr. Mesmo que a velocidade da corrida me deixe um pouco cansada, é libertador poder correr novamente, sentir o vento gelado do começo do inverno batendo em minhas bochechas as fazendo corar. Meus pulmões ardem e minha respiração entra ardente em minhas traquéias. Corro por minutos, mas não conto eles para saber o quanto corri. Estou em uma área da cidade repleta de casas maiores e mais majestosas do que as outras, e uma voz no fundo de minha cabeça diz: que burrice, agora não há como voltar sem acordar Nora. Penso seriamente em ligar para ela, pedindo que me venha buscar, mas assim que pego meu celular, uma rajada de vento me atinge, juntamente com o som altíssimo de uma música eletrônica.

— Ei! Garota!

Sei que isso foi para mim. Há apenas eu na rua, mas sinto receio em olhar para trás, para o carro que parece me seguir lentamente. A música abaixa um pouco e, novamente a voz me chama.

— Você, aí! – percebo que a voz é feminina e, não me parece de alguém psicopata querendo matar as pessoas.

Viro-me e observo o carro andar lentamente até parar do meu lado.

— Oi. – é o que eu consigo responder, acenando brevemente para as quatro meninas que estão dentro do carro. Elas parecem ter pouco menos de minha idade, mas vestem uniformes de líderes de torcida, então elas devem estar no segundo, ou terceiro ano do ensino médio. É.

— Qual seu nome? – uma delas pergunta. Ela tem cabelos negros lisos e compridos, a pele clara.

Eu arqueio uma sobrancelha, mudando o pé de apoio. Essa conversa parece uma daquelas conversas de Chat de Internet.

— Audrey. E o seu?

— Cristina. – ela sorri, enquanto as outras sorriem junto. Elas meio que parecem metidas de longe, mas agora prestando atenção, penso que a impressão de metidas se deve ao uniforme de cheerleaders, que sempre é associado a pessoas metidas. – Você quer ir a uma festa conosco? É bem perto daqui.

— É mesmo! – outra fala. Ela tem cabelos ruivos presos em um coque. Seu sorriso mostra uma falha entre os dois dentes da frente. – É da Cordellia High junto com Yale, vai ser demais!

Cordellia High, huh? Se não me engano já ouvi esse nome em algum lugar. Mas, Yale, terá pessoas de lá e, é bom me enturmar com eles, certo? Nora e Leah não estarão lá para me fazer companhia.

— Hum, okay. Vamos lá.

Eu abro um sorriso e agradeço à Cristina me ceder seu lugar enquanto vai para o meio do banco de trás. As outras três garotas que se apresentam como Kyla, Julie e Lydia. As quatro são totalmente divertidas, despreocupadas. Admiro-as, porque não precisam se preocupar em esconder um segredo que pode matá-las. Admiro-as, porque riem sem se incomodar, aproveitam tudo sem deixar nada para trás.

Não percebo quando chegamos. O tempo passou tão rápido e, ao invés de prestar atenção no caminho, ri com elas. Assim que o carro para, observo a casa ao qual paramos. É uma casa com paredes pintadas de branco, dois andares e no estilo totalmente americano. O gramado bem cortado e caminhos de pedra até a rua. Bonita.

Batidas na porta me fazem sobressaltar. Xingo-me mentalmente; estou me desligando muito nesses últimos tempos. Sorrio para Cristina que, parada na parte de fora do carro, me observa com seus olhos alertas. Todas as meninas já entraram, mas Cristina me espera sair e começa a andar comigo assim que boto meus pés na calçada da casa. Nunca fui em uma festa de colegial antes, nem de faculdade, ou uma dos dois, como essa. Copos estão espalhados pelo gramado, confetes e festões aleatoriamente pela calçada. A música aumenta enquanto nos aproximamos da casa.

A porta está aberta, revelando uma sala repleta de luzes coloridas, corpos dançantes e risos. Cristina engancha seu braço no meu e me guia para dentro da casa antes que eu possa contestar. Meus olhos vagam pelas meninas e eu me sinto mal. Elas estão tão arrumadas e eu aqui, com uma roupa normal, com um cabelo normal, e uma expressão confusa no rosto. Os olhos perdidos no meio de corpos suados e os ouvidos pulsando por causa da música alta que toca no momento. Cristina acena para pessoas que eu não conheço, até que, em um sussurro, ela diz que já volta, que vai conversar com seu namorado e já vem até mim novamente. Eu apenas concordo com a cabeça, continuando a andar e a observar as pessoas dançando, bebendo e se divertindo. Algumas se beijam. Outras pulam ou gargalham.

Mesmo que o ambiente seja propício para universitários, sinto-me deslocada dali. Não é o meu lugar, não há motivos para eu ficar e não tenho ânimo para aproveitar tudo aquilo.

Paro no pé de uma escada, me escorando na mesma enquanto passo meus olhos pelas pessoas dali, tentando achar uma das meninas que haviam me trazido até cá.

— James, eu...

Algo cai sobre minha blusa. Eu não sei o que é, mas é gélido demais. Eu suspiro ao olhar para baixo. Minha blusa está totalmente encharcada. Pingos do que provavelmente poderá ser vodca estão em meu rosto. O cheiro do álcool inunda minhas narinas. Olho para cima, em direção às escadas de onde o líquido veio e me deparo com um garoto. Ele me encara com uma expressão em um misto de culpa, surpresa e estupefação, enquanto eu só franzo as sobrancelhas.

— Me desculpe. – ele diz, depois de um tempo em silêncio. Sua voz é grave, mas nem tanto. É agradável ouvi-lo falar. – Eu realmente não vi você. Desculpe.

— Não precisa se desculpar. – eu digo, dando de ombros e sorrindo sem jeito. Eu quero me enfiar em um buraco no chão, mas disfarço. Cruzo os braços em frente da blusa, já imaginando como ela deve estar: transparente. – Eu só preciso trocar de blusa, mas não conheço ninguém por aqui, então eu vou ir pra casa.

Eu me viro, ainda com os braços cruzados, me amaldiçoando por ter tirado meu casaco e o deixado no carro de Julie. Começo a caminhar, mas alguém segura meu ombro direito.

— Espera.

Aquela voz.

Sinto os pelos de minha nuca se arrepiarem de uma forma estranha, mas contorço meu pescoço, disfarçando. Viro-me e arqueio uma sobrancelha para ele, que não está mais segurando o copo vermelho nas mãos. Tenho vontade de rir ao ver a expressão dele. Parece que está realmente preocupado. Bom, penso, pelo menos ele não é feio. Nem. Um. Pouco.

Certo, Audrey, você está bêbada apenas pelo cheio da vodka, huh?

— Olha, é sério. Eu tenho que trocar de roupa se não...

— Eu posso resolver isso pra você. – ele diz, engolindo em seco logo depois. Ele deve pensar que eu vou dar um tapa nele, ou um chute no meio das pernas. Isso me dar mais vontade de rir.

— Okay. — eu cedo, deixando escapar uma leve risada. – O quê você vai fazer, expert?

Ele respira fundo e sorri torto para mim. Eu apenas franzo as sobrancelhas esperando sua resposta. Mesmo com a festa cheia de pessoas, eu sentia que alguém me observava, mas depois que o garoto apareceu, a sensação de comichão na nuca sumiu. Estranho.

— Vem comigo, que eu te mostro. – ele pega em minha mão e, antes que eu possa fazer alguma coisa, começa a correr em direção às escadas, subindo por elas logo depois.

Não gravo direito o caminho ao qual percorremos, porque estou concentrada demais em equilibrar meus pés no chão. Nunca fui forte para bebidas, por isso apenas o cheiro forte da vodka me deixa zonza. Os corredores abafam o som vindo do térreo, e a iluminação fica por conta da lua, pois as luzes permanecem apagadas por onde nós andamos. Tenho vontade de perguntar onde diabos estamos indo, mas assim que abro minha boca para falar, ele abre a porta de um quarto mais afastado e liga as luzes.

É um quarto neutro. Não há decoração que possa definir quem realmente possa dormir ali, os móveis são em madeira escura, enquanto os tecidos das cortinas, do tapete que decora o centro do quarto e as fronhas são em variações de cinza. As paredes em branco. Eu encolho os ombros assim que o rapaz solta minha mão. Ando, até o centro do quarto, observando a decoração com atenção. Mesmo que não há nada que possa chamar atenção de alguém, sinto que há algo mais no quarto, mas algo me impede de saber.

Um barulho de porta é ouvido e, assim que me viro para ver o que aconteceu, percebo que o garoto está sem camisa, estendendo-a para mim.

Dou um salto para trás. Quem ele acha que é para chegar tirando a camisa de uma hora para outra, já querendo partir para a fase dois?

— Mas que p...

— Ei, não é nada disso que você está pensando! – ele se apressa em dizer. Engolindo em seco logo depois. Limito-me a levantar uma sobrancelha para ele, desconfiada. – É só que, achei que fosse mais adequado você usar algo que não esteja molhado, sabe? Porque, em festas de faculdade não é muito aconselhável sair andando com uma blusa branca molhada.

Franzo a testa, mas pego a camiseta mesmo assim, olhando ao redor e procurando algum banheiro. Contesto que não há nesse quarto e deixo meus ombros caírem acompanhados de um longo suspiro.

— Para começo de conversa, foi você quem derrubou toda aquela vodca em mim.

— Me desculpe, mas eu não vi você. De verdade.

— Você precisa de óculos.

— Perdoe-me se sua altura não é o suficiente para se notar em uma festa.

Eu abro minha boca e fecho em seguida, pensando no que eu poderia devolver. Odeio quando falam mal da minha altura — ou falta dela. Odeio. Odeio. Odeio.

— Olha aqui, seu... Cara, eu nem sei o seu nome! Você nunca me viu na vida e já fica falando mal da altura alheia! Não conhece bons modos?

Ele bufa, aparentemente exausto devido a nossa discussão inútil.

— Alexander Young.

— O quê?

— Meu nome. Alexander Young. – diz ele, coçando a nuca e fechando os olhos rapidamente. – E o seu é...?

Ignoro sua última pergunta, desviando meu olhar dele e de seu corpo exposto. Céus, de onde ele vinha? Parece esculpido pelos deuses!

Foco, Audrey.

Viro-me e, começo a levantar a barra de minha blusa, mas aí me lembro que ele deve estar me observando fazê-lo e solto meus braços.

— Poderia se virar, por favor?

— Ahãm.

Reviro os olhos e tiro minha blusa rapidamente, colocando a de Alexander logo depois. Viro-me novamente para ele e, ao notar que o mesmo não havia percebido que eu me virara, pigarreio, atraindo sua atenção novamente. Franzo a testa, segurando minha blusa molhada em mãos, enquanto penso em algo que posso falar.

— Hã... Acho que tenho que dizer... Obrigada.

Ele sorri, enquanto relaxa sua expressão, outrora tensa.

— Tudo bem, não foi nada. – ele diz, ainda com o sorriso no rosto.

— Certo... – eu digo, balançando a cabeça e começando a andar até a porta. Abro-a, e dou um passo para fora, observando Alexander seguir meus passos e recomeçar a me guiar pelos corredores.

— Então...

— Audrey Wright.

— O quê?

— Meu nome. Audrey Wright.

Ele ri baixo, enquanto caminhamos lentamente pelos corredores.

— Okay. Então, Audrey, você estuda na Cordellia?

— Não... – respiro fundo, assim que ouço a música começar a aumentar. – Sou caloura na Yale.

Um sorriso aparece no rosto de Alexander, ele balança a cabeça em sinal de entendimento e eu apenas me limito a arquear uma sobrancelha.

— Iremos nos ver muito então.

Oh, ele é um aluno de lá, então.

Eu aceno com a cabeça e, depois de alguns segundos observando o movimento das pessoas dançando suadas entre si, viro-me novamente para ele e aproximo-me, para não ter de gritar.

— Tenho que ir agora. Até... Algum dia.

Ele acena, para depois me perguntar se eu quero uma carona. Nego, com a cabeça, e depois saio da casa cheia. Mesmo tendo sido o causador de todo o tumulto que me acontecera, pelo menos ele teve a decência de me ajudar com a camiseta. No entanto não quero me aproveitar da abnegação alheia.

Ando mais um pouco pela rua deserta, os carros, pouco a pouco ficam cada vez mais escassos. Aquele comichão atrás do pescoço, que parei de sentir enquanto estava na festa, acompanhada de Alexander, acabara de voltar, mas dessa vez mais forte. Assim como no prédio de Nora. Esse pensamento faz meus passos se apertarem, mesmo que eu não seja das mais medrosas. Sinto como se aqueles olhos vermelhos de Whitemore estivessem em minha frente a cada vez que pisco, e essa sensação não é boa. Pelo contrário. Faz-me querer vomitar.

Começo a andar mais rápido, a respiração fazendo pequenas espirais em minha frente. Cruzo os braços ao sentir uma brisa fria passar pela rua. Assim que dobro a quarta esquina, avisto um táxi e aceno para vir até mim. E, mesmo depois de entrar no veículo, rumando para casa novamente, ainda sinto o comichão e a sensação de estar sendo seguida.

Observada por aqueles olhos vermelhos.



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