Era um final de tarde calmo e confortável, apenas cinco dias depois do verão ter deixado à costa oeste. O clima estava fechado, com imensas nuvens cinzentas e uma densa camada de neblina cobrindo um terço do estado. Uma tímida chuva de inicio de outono caia levemente sobre a grama verde dos campos, deixando um cheiro de terra pelo ar. A semana inteira fora composta por um calor quase que infernal, o tipo de clima que fazia todos ficar rabugentos e preguiçosos, a maiorias das pessoas tomavam banhos gelados por mais de meia hora, andavam com roupas claras e de textura leve, ou simplesmente, reclamavam do calor sem parar. E naquela noite de sexta feira, Daniel Craig estava dormindo profundamente no banco de um trem em movimento. O garoto possuía cabelos naturalmente loiros acinzentados que eram repicados e rebeldes, e de certa forma, combinavam com ele, os olhos eram de um castanho escuro, sempre em tom tempestuoso. Tinha a pele branca em um tom considerável, e não possuía nenhuma característica extravagante sequer.
Era um garoto completamente normal. Ou ao menos gostaria de ser.
Acordou com um pulo quando deixou a latinha de refrigerante que estava em sus mãos cair no chão, felizmente ela já estava vazia, evitando assim uma grande sujeira. Não lembrava de ter terminado aquilo antes de cair no sono. Olhou em volta, se esforçando para descobrir onde estava, mas a mente grogue não ajudava muito com isso. Passou a mão esquerda freneticamente nos olhos enquanto tentava não dormir de novo.
Sentiu uma pequena rajada de vento chicotear seu rosto violentamente e suspirou, encarando os bancos cinzentos e vazios da cabine que se encontrava, não havia ninguém ali por perto além de ele mesmo. Não sabia dizer se isso era frustante ou de certo modo, libertador. Não gostaria que outras pessoas o encarassem enquanto ele dormia profundamente. Daniel desviou o olhar pro lado, fitando a pequena janela do trem com uma pequena fresta aberta, por onde o vento estava entrando. Ele se permitiu fechar os olhos por um momento, aproveitando a sensação de liberdade que o ar fresco lhe trazia.
Daniel havia recebido a carta de aceitação da faculdade na semana retrasada a aquela, quase não pudera acreditar enquanto sentia seus dedos tremerem contra o papel de material grosso, as letras do seu nome escritas com caligrafia perfeita e o carimbo vermelho não deixavam mentir: Ele realmente havia sido aceito. Daniel estava vindo do interior do estado, de uma pequena cidadezinha repleta de sítios e ruas de barro, um lugar aonde não havia água quente ou sinal de celular, conhecida principalmente pelo grande cultivo de vegetais e legumes de grande qualidade que abasteciam todos os mercados daquela área.
Conseguir uma bolsa na melhor faculdade do estado fora uma conquista enorme não só para Daniel, mas como para a cidade inteira, visto que os jovens que regrediam naquela região não pareciam ter muita oportunidade de vida. Apesar de se esforçarem muito para isso, muitos deles não conseguiam por puro preconceito dos diretores das faculdades e colégios, eles o enxergavam como verdadeiros animais selvagens, ignorantes, e todo tipo de coisa que se pudesse imaginar, entretanto, daquela vez havia sido diferente, ele foi aprovado, havia conseguido, seus pais ficaram completamente orgulhosos, assim como todos os seus conhecidos e desconhecidos.
Era a melhor coisa que poderia acontecer, para eles.
Mas para Daniel, estava sendo um saco.
Todas as pessoas da cidade grande pareciam olhar de maneira atravessada pra ele, talvez pelas roupas surradas e o sotaque forte que não deixava mentir da onde ele vinha, ouvira até mesmo sussurros a seu respeito, risadinhas maldosas, gente apontando o dedo sem o menor tipo de educação. E o pior disso tudo é que ele quase não tinha tido contato com alguém de fato, temia que aquilo fosse apenas a ponta do iceberg. Sentiu uma imensa vontade de desistir naquele momento, queria voltar pra casa, tinha medo do que poderia acontecer quando realmente chegasse ao seu destino.
Mas, o que diria para seus pais?
O coração deles partiriam em milhares de pedacinhos ao ver que ele havia desistido de uma oportunidade como aquela, assim como o dele próprio, quando recebesse o olhar de desapontamento sobre si. Chacoalhou a cabeça em um movimento súbito, espantando os pensamentos negativos para longe. Não iria desistir de jeito nenhum, unicamente pelo o orgulho que ele queria trazer para sua família e região.
Daniel tornou a suspirar de maneira frustada antes de apenas se deixar conformar, não tinha volta agora. Abriu os olhos, os sentindo lacrimejar, mas não era exatamente por culpa do vento forte, estava perdido e sozinho, um péssimo jeito de começar uma nova vida em um novo lugar. Porém, é valido considerar que nem todo tipo de começo é fácil, estamos acomodados com nossas vidas pacatas, e tudo fora disso, parece assustador de principio, ainda mais se você não tiver ninguém para te apoiar.
Escutou a voz de uma moça explodir por entre os auto-falantes ao seu lado, o deixando parcialmente surdo, ela anunciava a chegada da próxima estação, essa qual era o seu real destino, Daniel ofegou automaticamente e sentiu um grande pânico interna lhe subir por dentro do estomago. Travou por alguns segundos, entrando em um grande conflito interno entre sair lá fora e encarar um novo mundo ou ficar por ali mesmo e voltar pra casa, a primeira opção acabou ganhando quando ele tornou a se lembrar dos pais e como eles pareciam orgulhosos. Daniel recolheu a latinha de refrigerante vazia do chão e pegou uma mochila completamente estufada que jazia entre seus pés, se preparando pra levantar, passou as alças azuladas pelos ombros e arrumou a postura, quase perdendo o equilíbrio tamanho seu nervosismo.
- Bem, não pode ser tão ruim assim. - Comentou pra si mesmo, se esforçando ao máximo pra não deixar seu sotaque nativo lhe escapar pela língua e ergueu a cabeça, se deixado encher de esperança e energia positiva. E então, deixou a cabine, prestes a descer do vagão e encarar uma nova jornada.
O que Daniel não sabia era que sim, a vida pode e vai ser tão ruim assim.
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