História A República - As palavras machucam

Na tarde de quarta-feira, Isa estava melhor da febre e do mal estar. Disse para Saga que precisava ficar um pouco com Mel, para ter uma conversa definitiva com Milo. Por sorte, os dois enviaram mensagens quase ao mesmo tempo um para o outro dizendo “preciso falar com você”. Marcaram de se encontrar na praça do bairro, que era pouco movimentada mas não tão longe da Universidade. Isa levou Mel para se sentir mais segura. Se sentaram num dos balanços do parquinho. Viu Milo se aproximar e pediu que Mel a esperasse.

_Oi Milo – disse sem encara-lo.

_Oi Isadora...

_Eu queria falar com você... Eu... Não sei por onde começo... – respirou fundo e viu a expressão debochada na face do outro.

_Será que pode começar me explicando o que você estava fazendo com outro cara na cama? – cruzou os braços e a mirou com raiva – Hein? Fala Isadora! Com quantos você me traiu?

_Milo, calma! Me ouve, eu ia mesmo falar sobre isso!

_Ia? Ia me falar que está me chifrando? Aliás, pra quantos outros você tá dando além de mim? Pro fulano que tava na sua cama, pro irmão dele,  pro seus amiguinhos da Medicina, pro montanha que tava com você na lanchonete, quem mais?!  Se bobear, até os meus amigos estão te comendo e eu não sei! – seu plano de humilhar Isa estava sendo posto em prática com perfeição. O rosto dela não tinha expressão.

_Eu não... – não sabia o que dizer. Como aquele menino lindo e sorridente da festa podia ter se tornado um monstro vingativo em alguns dias?

_Não, eu é que não devia ter confiado numa garota que sai e DÁ pro primeiro cara que consegue dar uns beijos nela... Nem virgem você era, se eu me lembro bem... Qual número eu fui? O duzentos?

_CALA ESSA BOCA SUJA! – a ruiva que até agora estava de longe o pegou pela gola da camisa e o atirou no chão, subiu sobre suas pernas e desferiu um soco em seu nariz – PARA DE FALAR O QUE VOCÊ NÃO SABE! SEU LIXO! – continuou a dar socos, conseguindo acertar outros três – SE EU PUDESSE EU MATAVA VOCÊ AQUI MESMO! EU SÓ NÃO FACO ISSO POR QUE NÃO VALE A PENA ME SUJAR POR UM LIXO COMO VOCÊ! NEM PRA MORRER VOCÊ SERVE! – deu mais um soco e viu o canto da boca sangrar. Foi puxada por Isa, que estava atônita diante de tudo aquilo. Aquelas palavras doíam mais que socos. Segurou suas lágrimas enquanto pôde.

_Vamos... Mel, não vale a pena... Deixa essa coisa aí – pela primeira vez em sua vida toda estava vendo a amiga nesse estado. Ela não era de brigar. Nem mesmo de falar alto. Caminharam até a Universidade, que felizmente estava vazia por que não havia aulas na quarta a tarde.

_Toma – Mel entregou uma garrafinha de água para a amiga. Ela não havia dito nada desde que chegaram. Seu rosto estava impassível. Inexpressivo – Me desculpa por ter me descontrolado... Mas eu não consegui – escondeu o rosto nas mãos – Não consegui ver aquele... Ele não sabe de nada – abraçou a morena, que permanecia com a respiração pesada.

_Tudo bem, Mel... Me leva pro quarto, por favor – voltaram a caminhar até entrarem na República. Por sorte as meninas estavam na piscina – Mel... E se ele contar pro Saga? Meu Deus – apoiou a cabeça nas mãos e deixou as lágrimas correrem. Como podia alguém ser tão... Não há palavras pra descrever o ódio que Milo sentia ao dizer aquelas palavras horríveis.

_Não pensa nisso agora, só descansa... Olha, eu vou deitar aqui com você – se deitou ao lado da amiga e a abraçou, sentindo as lágrimas quentes molharem seu ombro – Esquece o que esse infeliz disse... – acariciava os cabelos negros – Você sabe o que você é... Só você sabe o que passou... Ele não é ninguém pra definir você.... Ninguém! – abraçou-a mais forte – Eu nunca vou deixar ninguém te machucar de novo...

_Obrigada... – foi só o que conseguiu dizer. Não tinha forças pra falar mais nada. Só queria que esse pesadelo passasse. Que as suas lembranças sombrias não retornassem para a sua cabeça.

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Milo se levantou e cuspiu o sangue que se acumulou em sua boca. Sentia dor pelo rosto e nas costas, devido à queda ter sido dura. Entrou numa galeria e foi em direção ao banheiro, na tentativa de ver seu rosto. Seu olho direito estava meio roxo, havia cortes na área interna de sua boca.

_ATÉ QUE A FILHA DA PUTA NÃO É RUIM DE BRIGA... É MELZINHA, SE VOCÊ FOSSE HOMEM IA APANHAR MUITO! - cuspiu mais uma placa de sangue - EU DISSE, ISADORA! Disse que você ia pagar caro por me chifrar... ME FAZER DE IDIOTA! - esmurrou o mármore da pia.

Saiu do banheiro e voltou na direção da República, entrando em seu quarto sem fazer barulho, em seu íntimo, estava envergonhado por ter apanhado de uma garota.
Camus, que estava estudando em sua mesa de centro, ouviu o barulho de alguém se sentando na cama de Milo. Se virou e foi rapidamente até ele.

_Milo! O que foi isso? Quem fez isso? – Camus estava incrédulo. Milo se metera em outra confusão?

_Melissa... Ela me deu uns tapas – depois de alguns minutos pensando se contaria a verdade ou não, resolveu ser honesto com Camus – Ah, Camyu, a Isadora pediu!

_O que você foi falar pra garota Milo? Coisa boa não foi! Se fosse,  você não teria apanhado da amiga! O que você disse?

_Camus, me faz um curativo, depois a gente conversa...

_Depois uma pinóia! Larga de ser teimoso pelo menos uma vez na vida e me ouve! Eu sabia que isso não ia acabar bem! – disse o outro, procurando uma gaze no banheiro. Passou um líquido nela e andou até Milo, passando a gaze sobre o olho ferido - Você não tem jeito MESMO!

_AI! ISSO ARDE!

_Devia arder até mais! Pra você deixar de ser imbecil! -  pressionou com mais força para causar mais dor no moreno – Acho melhor você ir pra enfermaria, lá eles vão tratar melhor disso, vem - puxou-o pela mão e o conduziu até a enfermaria. Finalmente, mesmo que à base de pancada, Milo havia se libertado de Isa. Agora o caminho estava livre para ele.

No caminho, encontraram Shura, que saia do prédio de administração com pressa ao ver o amigo naquele estado.

_Milo! O que houve?

_Nada... Depois eu explico! – disse ranzinza e entrou na enfermaria para receber os curativos.

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A tarde chegou, Isa ainda estava mal por tudo que ouviu de Milo, mas precisava contar a verdade a Saga antes que o outro a fizesse. E ainda por cima aumentasse toda a história como fez consigo. Ela não suportaria perder Saga de uma maneira tão insensível. Ligou para ele e pediu que fosse até o quarto para conversarem. Preferiu que Mel não estivesse lá. Confiava que Saga jamais faria qualquer brutalidade consigo.

Ouviu duas batidas na porta do quarto e foi abrir, seu rosto estava terrivelmente inchado e vermelho, pelo choro e pela decepção.

_O que fizeram com você, pequena? – disse, apertando os punhos.

_Não, nada... Ninguém fez nada... Fui eu quem fez, a princípio... – o puxou pela mão e se sentou de frente para ele na cadeira da mesinha de Mel – Saga, eu preciso muito conversar com você, mas antes eu adianto que talvez seja uma conversa dura... – suspirou.

_Isa... – se preocupava de imediato. Imaginou que ela queria terminar consigo pelo que disse sobre a virgindade – Se for pelo papo da transa, eu esqueço esse assunto! Eu – foi calado com o dedo indicador da menina.

_Por favor, não me faz sofrer mais... Eu queria mais que tudo que sua primeira vez fosse comigo... Mas eu acho que depois do que eu vou dizer... Saga, eu cometi um erro... Desde a festa de recepção dos calouros, eu fiquei com um outro garoto além de você... E eu ainda estava ficando com ele... Até ontem...

_Isa – sua expressão se tornou atônita – Mas... Por que? Por que não me disse?

_Saga, por que você não continuaria comigo se soubesse disso! – aumentou o tom de voz – Por que isso é errado!

_Meu irmão cansou de fazer isso com até mais de duas meninas ao mesmo tempo! Isso não é um pecado! Eu só não consigo entender por que mentiu... - seu rosto estava decepcionado.

_Mas acontece que Kanon é homem! E o homem nunca está errado! A mulher que sempre é a vagabunda!

_Eu jamais pensaria isso de você, Isa! Nós não namoramos! Você tinha todo o direito de ficar com outro cara, assim como eu, mas eu não quis! Só o que me deixou triste foi você não ter confiado em mim... Será que eu não mereço a sua confiança?

_Merece! É claro que merece! Só que eu nunca imaginei que existia um homem como você, que não vê o que fiz com maus olhos, como o outro fez! Me perdoa... Por favor!

_Eu perdoo, Isadora... Eu só quero saber se ainda há algo pra me dizer... Por que eu detesto mentiras e não vou perdoar mais uma... – estava sério. Realmente, não a culpava tanto assim por ter medo de contar sobre isso. Os homens costumam ser muito machistas com esse tipo de comportamento. Mas não ele.

_Sim... Tem mais uma coisa – chorou – Eu... Eu não posso ter minha primeira vez com você por que eu... Eu já tive uma... Na verdade mais que uma... – sua respiração pesou. Estava despedaçada por dentro por ter de frustrar o sonho de amor de Saga – Eu transei com o outro menino que eu estava...

_Você... – se sentiu a pior das criaturas. Por que ele não era bom o suficiente para ela? Para ser digno de ser seu primeiro? O que esse outro tinha que faltava em si? O que deixou de fazer por ela? – Eu... Eu preciso ficar sozinho, Isadora... Depois a gente conversa... – saiu cabisbaixo pela porta e foi direto para seu quarto.

_Kanon? – o gêmeo se virou e viu o irmão em prantos, e foi prontamente abraca-lo. Apertou forte o irmão e sentiu suas lágrimas molharem seu pescoço.

_O que houve? – continuou o apertando em seus braços. Quem quer que fosse, iria pagar caro por fazer Saga chorar – Vem, eu tô aqui – afagou os cabelos azuis e se deitou, puxando o irmão para o seu colo, como se fosse uma criança – Não precisa falar agora – beijou os fios azulados e voltou a abraca-lo.

_Kanon... A Isa... Ela... Eu não sou bom o suficiente pra ela?

_Saga, você é bom o suficiente pra qualquer um no mundo! Ela te dispensou?

_Não – fungou entre as lágrimas – Ela não estava só comigo... O que faltou pra ela? Eu sempre dei carinho! Sempre fui fiel! Sempre fui compreensivo com o jeito dela de ser! – tapou o rosto com as mãos, que foram retiradas pelas do irmão.

_Para! Para de se diminuir! Você sempre foi perfeito pra ela! Se alguém tem problema, esse alguém é ela! – estava irado com a morena pela primeira vez. Como assim ela traía Saga? Ah, mas isso não ia ficar assim! Tinha de entender o que houve! – Deita aqui e descansa, vou la na cantina buscar um chá pra você... Ah, Saga, a propósito... O dia que eu estiver doente não me dá chá não! Me dá cachaça! – sorriu e viu um riso singelo do outro. Deu-lhe um beijo na testa e saiu do quarto.
Saga permaneceu pensando em tudo aquilo. Amava Isa mais que qualquer coisa no mundo. Mas ela parecia não o amar tanto assim...

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Isa estava desolada. Encarava o teto e o via embaçado pelas lágrimas. Andou até sua mesinha e pegou o bichinho de pelúcia que Saga lhe dera. Um cabritinho branco. Ele conhecia seus mínimos detalhes, seus gostos, o que a fazia feliz. Ele só a trouxe felicidade. Apertou o bichinho nos braços e chorou sobre ele. Mas por que infernos isso tinha de chegar a tal ponto? Quando em sua vida imaginou que uma brincadeira de festa adolescente acabaria trazendo tanta tristeza e agonia? Que se apaixonaria novamente e verdadeiramente após o que passara antes?

_Eu me odeio! – deu um murro no travesseiro e se deitou sobre ele novamente. Estava sentindo um vazio inexplicável por dentro. Escutar tudo aquilo de um cara em quem ela confiou para fazer amor. Ter de contar à quem realmente amava que teve de decepcioná-lo de uma forma tão cruel, mas inevitável. Ligou novamente pra Mel. Precisava dela mais que nunca.