História A República - Um sábado diferente

A turma do terceiro ano estava sendo liberada pelo professor ao meio-dia. Este ano, teriam aulas aos sábados, visando fixar as matérias que mais se cobrariam nos vestibulares. Muitos deles ainda não haviam decidido qual futuro escolher. Outros deixariam para a última hora e iriam para qualquer curso para o qual fossem aprovados.  

 Shion e Sisifo conversavam amenidades esperando suas namoradas do lado de fora dos portões do Colégio Santa Lúcia, um dos mais caros e renomados colégios particulares do Nordeste. 

_Que saco ter aula aos sábados! - disse a bela loira aos amigos, causando uma série de risadas entre eles. Yuzuriha era a garota mais bonita da escola e líder de torcida principal do time de futebol do terceiro ano. Tinha com seu primo um típico relacionamento popular, em que frequentavam festas badaladas e pubs de elite. Ainda que Shion relutasse em expor com tanta ostentação suas classes sociais, não se importava tanto com este fato. Era uma garota rica e pronto. Não era culpada pelas desgraças do mundo. 

_Sorte a de vocês! Às vezes nós temos aula aos sábados e nem conseguimos dormir na sexta! - disse Sísifo, abraçando Sasha, sua namorada. Junto de sua irmã, Saori, elas eram filhas do poderoso Mitsumassa Kido e herdeiras da grande Fundação GRAAD. Relativamente menos simplista que as demais, Sasha não fazia questão de esconder seu status.  Fato este que incomodava minimamente o seu namorado, que era um garoto muito liberto aos seus olhos. Humilde demais. Modesto demais. Amigo demais. 

Conversavam sobre a festa da noite passada pelo caminho até o Shopping. Os casais estavam tão entrosados, que mal notaram a tímida presença de Atla, o irmão caçula de Yuzuriha. Ele não tinha aula aos sábados e ia á escola somente para estudar na biblioteca, onde conseguia se concentrar melhor. Era semelhante ao irmão, não só fisicamente, como em pensamento. Era um  garoto dedicado e estudioso, e surpreendentemente mais sensato que os outros meninos de sua idade. 

_Atla, por que você não fica em casa dormindo, criatura? É sábado! - disse Sísifo para o menino, que riu discretamente da pergunta do loiro. 

_Por que quero ser aprovado no ITA... E na verdade, só com muito esforço poderei ser admitido lá, então comecei desde agora - disse o menino. 

_Seu pai deve ter muito orgulho de você, moleque - Sísifo permaneceu incentivando o mais novo. Tinha muita esperança no futuro dos mais jovens, sobretudo quando se tratava de seu rebelde sobrinho - Bem que você podia tentar colocar alguma coisa naquela cabeça oca do Régulus! Aquele idiotinha só pensa em vídeo-game e festa - revirou os olhos com um sorriso brincalhão estampado no rosto.  

_Nossa, Sísifo, tenha dó! Na idade do Régulus eu nem sabia o que era o ITA! - disse Sasha com propriedade,  como se hoje em dia soubesse do que se tratava - Eu só quero que você fique rico logo! Não sei lidar com essas coisas de estudo e trabalho.  Meu pai não me criou pra isso - empinou o nariz, vendo os demais sorrirem amarelo, até mesmo sua irmã. Atla apenas revirou os olhos e voltou a comer seu sanduíche. Definitivamente não pertencia àquele mundo. 

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Quarto das meninas - Ala feminina - República Beta 

Isa perambulava pelo quarto com seu celular na mão. Teclava a infinitas horas com um dos dois rapazes que conhecera na noite anterior sob as vistas grossas e mau-humoradas de Mel, que lia pela quinta vez o terceiro livro da saga Harry Potter. 

_Mel, combinei com o gato de ontem uma praia hoje... Que tal? - disse Isa, que vestiu seu biquíni em menos de cinco minutos.  

_Gato? Qual dos dois, Isadora? - revirou os olhos castanhos e pousou-os no livro novamente. 

_O último, o Saga... Vamos? Por favor cabrita, você vai se divertir! - a morena puxava a amiga pela mão - Anda logo, vai se arrumar! Não aceito não como resposta! 

_E quando você aceita? - mirou-a ranzinza - Você só me enfia em furada, meu santo Batoré! - se levantou em absoluto contragosto - E dessa vez ainda vou ficar segurando vela, vou te contar, eu não nasci pra isso não... - caminhou resmungando em palavras baixas até o banheiro, onde se trocou, saindo de lá com a mesma expressão entediada. 

_Pelo amor de Deus, mulher! Tem certeza que você tem dezoito anos? Parece que tem cem! Rabugenta! - circundou o pescoço da amiga com o braço direito - Eu não conhecia esse biquíni! Rapaz, você já viu a sua cor, Melissa? Está parecendo uma lagartixa! Credo, você estava MESMO precisando de uma praia! Pega as suas coisas e vamos, que o gatinho está nos esperando. 

_Está TE esperando, Isadora. TE esperando - retrucou rabugenta. 

_Que seja! Vem! - puxou a ruiva pela mão antes que ela mudasse de ideia.  

Desceram o primeiro lance de escadas e se encontraram com o rapaz nas proximidades do bloco feminino. Isa e Saga se cumprimentaram com um beijo e ele apertou a mão de Mel ao ser apresentado. Provavelmente a viu de relance na festa, mas estava ocupado demais com Isa para notar qualquer coisa além dela. 

Caminharam alguns quarteirões até a praia, que estava relativamente cheia, porém, ainda havia um espaço considerável, onde estenderam suas cangas na areia e um guarda-sol os protegia do calor. Mel retomou sua leitura, na tentativa de deixar o casal à vontade. 

_Então, Isa, minha futura médica. A médica mais linda do mundo - sorriu - De onde vocês são? Você e Melissa. 

_Daqui mesmo, na verdade eu nasci aqui no Nordeste, mas moro longe da faculdade, então meus pais preferiram me deixar morar na República. Já a Mel nasceu no Rio de Janeiro, mas veio pra cá por causa do trabalho do pai dela há uns treze anos. Nos conhecemos no ensino fundamental e ficamos amigas desde aquela época, e por sorte passamos para a mesma faculdade... E você?

_Bem, eu...- coçou os cabelos loiros, levemente envergonhado - Eu tenho um irmão gêmeo, Kanon... Mas ele disse que as aulas só começam para ele depois do carnaval, então ficou na Bahia com nossos pais e o nosso primo, o maluco lesado do Aioros - sorriu - Convenhamos, nós só nos parecemos fisicamente, por que o resto - deu uma risada - Olha só, este é ele - mostrou uma foto recente dele e do irmão em sua festa de formatura. Eram genuinamente iguais, sem tirar e nem pôr - Dá pra ver logo de cara que a gente é muito diferente, não é?

_Bem... Na verdade, assim de cara não dá não... O que eu vejo é que ele parece um pouco mais... Um pouco mais...- não encontrava as palavras adequadas para definir o que gostaria de dizer, quando ele lhe parecia mais animado. Mais divertido. 

_Maluco! - riu - Já perdi as contas de quantas vezes eu cuidei dele quando estava de porre - revirou os olhos - O pior de tudo é que a minha mãe apoia, você acredita?! Ontem mesmo, fizeram uma chamada de vídeo e advinha onde estavam? No meio do bloco do Araketu! 

_Mas que coisa! - gargalhou - Isso é por que eles não conhecem as ladeiras de Olinda! Assim que ele passar o primeiro carnaval lá, nunca mais vai querer passar em outro lugar! 

_Eu é que não gosto de passar o carnaval em lado nenhum! Deus me livre, eu odeio carnaval! 

_Nossa, ainda bem que você não quis ficar com a Melissa! Valha-me Deus! Vocês juntos iam render péssimas histórias! Pense! "Nossa, uma vez a gente estava tomando coca e..." ou "nossa, um dia a gente estava em casa numa sexta-feira e..." 

_Acho então que escolhi a garota certa - se aproximou dela com um sorriso maldoso nos lábios e a beijou com carinho, afastando-se apenas quando o ar lhes faltou - Bem, eu vou pegar uma água de coco... Aceita? A Mel aceita?

_Mel... Melissa? Cabrita!? - olhou para a amiga e viu que ela olhava fixamente para a direita. Isa acenou negativamente para Saga e acompanhou o olhar da amiga. Um homem, relativamente mais velho, que parecia já na casa dos quarenta, mas ainda conservado, tinha os cabelos grisalhos e olhos que de longe pareciam verdes, jogava frescobol com um outro rapaz - Melissa Oliveira - sorriu de canto - Agora entendi sua distração!

_Eu... O que? Oi? Entendeu... Entendeu o quê? - disse completamente desnorteada a ruiva, que voltou ao rubor ao ver a expressão sapeca da amiga - Isa... O que é? - cruzou os braços e fez cara de brava.

_Estou te manjando, Melissa... De olho no coroa gato ali - apontou para o tal homem e teve seu dedo segurado pela amiga.

_PARA, Isadora! Tá doida? Ele vai ver!

_Melhor ainda! Se ver, ele vem aqui e chega em você! Eu to vendo você tarar ele aí há horas!

_Grrr! Não estou tarando ninguém, tá!? - sua vermelhidão agora era de raiva e vergonha - Você está é falando com o seu carinha aí! Não está vendo nada além dele!

_Eu vejo tudo, meu amor! - notou um olhar furioso da amiga - Tá bom, tá bom - ergueu os braços em sinal de paz. 

_Ai! - retomava sua leitura, quando sentiu algo pesado atingir sua cabeça com força e fechou os olhos num reflexo, apertando os dedos contra o local atingido. Sentiu uma mão segurar a sua, abriu lentamente os olhos e quase entrou em colapso ao ver quem estava à sua frente. Era ele! 

_Está tudo bem? Por favor, me desculpe! - os olhos verdes do belo homem a encaravam com preocupação - Não medi a força, está sentindo dor?

_É claro que ela está sentindo dor! Olha a bolada que ela levou! Cabrita, está tudo bem? - Isa podia ser o mais apavorada quanto fosse possível, mas quando se tratava de Mel, ela virava outra pessoa. Cuidadosa e zelosa. 

_Calma, Isa... Está tudo bem sim - tentava ignorar a presença daquele homem à sua frente, mas seu coração estava descompassado - Sim, senhor... Está tudo bem! Está tudo ótimo! Não foi nada! 

_Com licença, vou comprar uma água gelada para sua amiga e já volto! - disse em direção à Isa e saiu.

_Isa você pirou? Foi só uma bolinha de frescobol! - a repreendeu.

_Afe, Melissa, fiquei preocupada, ué! Mas já que você está bem, vou ser sincera. Eu já estou cansada desse seu moralismo! Para com essa gracinha de não me toques! Pelo amor de Deus, seja mulher! Você está afim desse homem, seja direta, demonstre!

_Ei, calma, cabrita... E se ele for casado? Ele é mais velho! 

_Não tinha nenhuma aliança no dedo dele - disse em tom óbvio e se virou para frente - E para de se comportar como uma criancinha, ele está voltando!

_Aqui está sua água... Me desculpe, que falta de educação a minha, nem me apresentei! Meu nome é Hakurei, o seu...?

_Eh... Mel... Melissa... E eu já estou bem, mas obrigada pela água - sorriu rubra - Não foi nada.

_Então posso ficar despreocupado? - sorriu, fazendo Mel se derreter por dentro e acenar um "sim" com a cabeça - Bem, vou estar no mesmo lugar, mas prometo ter mais cuidado na próxima vez... Até mais, Melissa!

_Até mais, Hakurei - sua respiração estava descompassada.

_Então a minha cabrita é chegada numa velharia? - disse Isa sorrindo, fazendo com que Saga fizesse uma expressão interrogativa para ela. 

_Para, Isadora! - abaixou a cabeça, apenar confirmando sua fala. Sua preferência realmente sempre fora por homens mais velhos, provavelmente por sentir segurança na falta da presença de seu pai.

_Estou brincando, cabrita! Até que ele é gato - suspendeu as sobrancelhas - Acho que você devia ser mais ousada e mostrar que está a fim.

_Vou pensar no seu caso, Isa... Volta pro seu boy aí e me esquece! - riu para a amiga e voltou a fitar Hakurei, vez em quando arriscava um sorriso discreto, que era correspondido.

Isa e Saga foram para a água, onde aproveitavam para se beijar com mais liberdade, já que não queriam que Mel segurasse vela, como ela mesma havia dito. 

_Melissa? - o mais velho se ajoelhou na frente da menina, percebeu os olhares constantes da menina para si - Posso te convidar para um passeio? Pela praia, mesmo! Gostaria de me desculpar de uma forma decente pela bolada.

_Eu... Eu... Preciso estudar hoje! Pode... Pode ser um outro dia? - estava absurdamente nervosa e temia profundamente se arrepender mais tade, mas não estava preparada. Conhecia a si mesma. Agiria como uma idiota.

_Claro que sim, normalmente não tenho muito tempo, mas posso arrumar um tempinho para você - riu - Se quiser, é claro.

_Tudo bem... Eu vou te dar meu telefone... Nós marcamos... Um dia.

_Você é muito...

_Muito desajeitada! Isso sim! Ai meu Deus - balançava as pernas insistentemente enquanto ele escrevia seu telefone em seu celular.

_Está tudo bem, isso é bonitinho! - piscou um olho - Pode me ligar se quiser - andou na direção oposta.

Permaneceu estática e, de fato, se arrependeu de ter sido tão infantil. Viu uma linda loira abraçá-lo com força. Seu arrependimento passou na hora. Mas como assim ele estava a convidando para um passeio, mas na verdade era casado? E com uma menina que parecia ser no mínimo uns vinte anos mais jovem? Bateu os pés e foi embora, avisando de longe para a amiga. Chorona que era, não conteve algumas lágrimas. Tinha o péssimo hábito de apostar muito em coisas pequenas.

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Entrou em seu quarto e se jogou sobre cama. Felizmente, as outras meninas não estavam. Detestava dar explicações. Após bastante tempo refletindo, decidiu andar um pouco pelo campus de gramado verde da faculdade. Andou até lá e foi visitar alguns prédios, aproveitando a deixa para ver qual seria a sua sala. Precisava se distrair. Entrou na biblioteca e viu o garoto com quem conversava ontem na festa, acompanhado de dois rapazes loiros, mas um deles era veterano, o havia conhecido ontem durante a festa. Ele permanecia com cara de poucos amigos.

_Melissa? - disse Mu, se levantando e caminhando até ela.

_Olá, Mu! - tentou sorrir - Mas já está aqui? Nem começaram as aulas direito!

_Sim, as minhas começaram ontem mesmo, e daqui a duas semanas eu já tenho provas! Eu sou da medicina, não lembro se te contei ontem - sorriu com delicadeza.

_Acho que não... A maluca da minha amiga também é, mas do jeito que é, matou a aula de ontem - riu. Por mais que Isa parecesse ter começado a faculdade com o pé esquerdo, precisava dar este desconto a ela. Depois de tudo o que passou, não poderia exigir muito dela. Apenas que desse um passo de cada vez. 

_Bem, eu não gosto de faltar aula. Na verdade,  meu pai detestava que eu ou meus irmãos faltássemos, e meu irmãozinho se tornou um pequeno gênio - coçou os cabelos, desconcertado - Bem... Aceita um café?

_Prefiro um chocolate! - sorriu com timidez - Eu amo chocolate!

_Bom saber...- disse em tom baixo.

_O que disse?

_Não, não disse nada.

Isa e Saga, que passavam pela frente da faculdade, viram que Mel estava acompanhada do garoto que conhecera ontem na festa. Pareciam conversar de modo descontraído na cantina da Medicina. 

_Depois aquela cabrita fala de mim! - disse Isa, sem saber do ocorrido da praia. "E eu que não perco tempo com homem, né Melissa?"

_Fala o que de você, Isa? - perguntou Saga, com quem a menina estava de mãos dadas.

_É... Que a Mel diz que eu como muito mas já está lá na cantina comendo - tentou improvisar. Não queria que Saga soubesse que ela ficou com outro garoto na festa.

Ele a levou até o alojamento, onde se beijaram e conversaram por mais tempo. Ele foi embora. Não muito tempo depois, recebeu uma mensagem de Milo pelo celular. Sorriu. Elas ainda teriam muito o que contar uma para a outra!

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Em pouco tempo de conversa, os dois descobriram muitos gostos em comum. Chocolate. Filmes, séries e sobretudo, ficar em casa. 

_Eu percebi desde ontem que você não queria estar naquela festa - disse o ariano, sorrindo de forma alegre e sorvendo um gole de seu chocolate quente. 

_É, eu realmente não queria! - respondeu, também sorrindo - Nossa, você gosta de chocolate quente? Tipo, aqui?! 

_É, todo mundo me chama de estranho, diz que eu vou ficar com dor de barriga e blá blá bá - riu - Meu pai é médico, ele mesmo me disse que não tem problema nenhum nisso! 

_Eu pensava que só eu tinha esses gostos estranhos! 

_Gostos estranhos? 

_É! Tipo, tomar chocolate quente no verão, colocar molho verde na palha italiana - observou a repugnância nas faces do garoto. 

_Ok, aí já é demais! Até pra mim! 

Passaram boa parte do dia conversando e se conhecendo melhor. Talvez o homem da praia fosse apenas uma atração momentânea. Via em Mu uma luz inexplicável. Ele lhe parecia um ótimo amigo. 

Continua