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História A Reserva - Dor


Escrita por: Almaro

Capítulo 16 - Dor


Onde eu estava com a cabeça quando decidi acompanha-los até São Petersburgo? Me fiz essa pergunta várias vezes durante as últimas horas, fugi dessa cidade como o Diabo foge da cruz e agora estou voltando por livre e espontânea vontade, o porque disso eu ainda não sei.

O voo foi tranquilo, viajamos calados na maior parte do tempo, o Victor dormiu como esperado, o Yurio me olhava vez ou outra para conferir se estava tudo bem enquanto mexia no celular e eu me mantive trabalhando. Coloquei uma playlist qualquer para tocar e foquei na tela do note, entre os variados assuntos chatos que tinha para resolver, tinha um e-mail com um vídeo do meus filhos... que falta eles estavam me fazendo, mas no momento eu não tinha condições de cuidar deles... não queria magoa-los ou feri-los ou me machucar na frente deles. Acho que esse era o meu "porque" de estar aqui a caminho da casa do platinado.

Andar de novo por esse aeroporto era como voltar no tempo, lembrar da primeira vez que estive aqui e da ansiedade que senti na ocasião ou da última vez e de toda tristeza que carregava dentro do peito... parei para olhar um mural de um pintor russo que não lembro o nome agora, a pintura retratava uma paisagem muito colorida e alegre, não estava aqui antes e por isso comecei a reparar nas coisas envolta e nas mais diferentes pessoas que passavam por mim. Muitas estavam chegando e muitas outras partindo, haviam lágrimas, sorrisos, abraços e promessas... podia jurar que as palavras, sentimentos e emoções expressas aqui nesse prédio eram mais verdadeiras que em uma igreja, mais singelas que em um hospital e mais sinceras do que entre quatro paredes. Meu olhar se perdeu e quando dei por mim Victor estava na minha frente, sua face deixava transparecer todo o cansaço e preocupações dos últimos dias. Colocou uma mecha do meu cabelo para trás da minha orelha, sorriu suave e pegou a minha mão.

- Você quer estar aqui? Por que eu quero muito que você realmente esteja aqui comigo.

- Eu quero. - Sorri de volta, acho que foi o primeiro sorriso sincero em dias. Saímos do aeroporto de mãos dadas.

O táxi fez o percurso que tanto conhecia de forma rápida, passava pelas ruas e construções que anos atrás olhei admirado e agora me admirava de novo, pois nada mudou significativamente, a vida seguiu e tudo parecia igual à antes. Uma dúvida brotou em minha mente... e a casa do Victor, seria a mesma de antes? Como eu iria encarar isso? Um sentimento me incomodava... nostalgia? Não, era saudade!!! Fui muito feliz aqui, vivi o meu conto de fadas e no fim virei uma abóbora por ironia do destino ou força do acaso. O importante disso tudo era que estávamos chegando no edifício que chamei de lar durante um tempo e um medo me invadiu, comecei a sentir-me mal, o enjôo do nada apareceu. Estava começando a me sufocar dentro do carro sentado no banco traseiro... murmurei algo que ninguém parece entender.

- Para o carro... - supliquei.

- Você está passando mal? - Yurio tinha tirado os fones dos ouvidos e me olhava preocupado.

- Para esse carro, preciso descer agora. - Abri a porta de trás, precisava respirar. Yurio tentou me segurar e escutei o Victor gritando comigo e com o motorista que não entendeu nada. Saltei do carro.

A rua estava calma nessa hora, mas eu poderia ter causado um belo acidente, desci do carro ainda em movimento e no final o motorista parou o carro atravessado no meio da rua. Respirava com muita dificuldade, a ânsia de vomitar estava cada vez pior, Yurio deu a volta no carro correndo e quando viu o meu estado me apoiou, minhas pernas cederam e fui ao chão com o meu amigo me abraçando.

- Respira katsudon... só respira.

- O que você está sentindo? Yuuri vamos ao médico.

- Não Vitya... não quero. Eles vão me dopar e não quero mais passar por isso. - Finalmente confessei em voz alta o que se passava no meu íntimo e ele agora sabia o porquê de não querer ir aos hospitais, o meu medo era de ser tratado com um desequilibrado mental como aconteceu no passado. - Vamos pra casa, por favor.

- Tem certeza Katsudon? Podemos ir pra minha se preferir. -  Havia preocupação na voz do Yurio.

Olhei para o Victor não queria que ele se sentisse mal por minha causa, não fui forçado a nada e se estava aqui foi por que decidi. Agora não me parecia certo fugir mais uma vez.

- Esta tudo bem Yurio, vou pra casa. - Respirei fundo. - Vou melhorar.

 O motorista olhava a cena sem saber o que fazer para ajudar, no fim consegui me erguer com a ajuda dos dois russos e voltei para dentro do carro, faltava pouco para chegar apenas duas quadras. Victor e Yuri trocaram de lugares, agora o platinado estava atrás comigo tentando me acalmar.

Chegamos!!!

Yurio decidiu ficar com a gente, disse que não estava afim de ficar sozinho e por isso iria ocupar o quarto de hóspedes.

- Só não quero ficar escutando vocês dois se pegando. -  Fez uma careta.

- Até parece que se o Otabek estivesse aqui seria diferente com vocês? Por acaso iriam só dormir? - Brincou o russo mais velho no elevador, o clima estava menos pesado, mas a minha ansiedade estava martelando na minha cabeça e no meu peito, sem contar a minha curiosidade.

Victor abriu a porta e deu passagem para o Yurio que saiu entrando indo em direção ao corredor sem a menor cerimônia, já eu fiquei parado na soleira, esperei alguns segundos, olhava esperançoso para dentro e no fundo queria ver aquela bola de pelos gigante vir na minha direção, mas isso não iria acontecer... Makka morreu alguns meses depois que fui embora, o dono havia me contado em algum momento em New York. Respirei fundo e entrei, parei no meio da sala olhando em volta, ele tinha mudado a cor do ambiente e trocado alguns móveis e as cortinas, mas no básico era o mesmo.

Meus olhos pararam na única parede colorida do recinto, uma parede caramelo, era onde antes tinha o móvel de vidro com todos os troféus e medalhas do pentacampeão que joguei no chão no passado, no lugar agora havia apenas um aparador no estilo clássico e em cima dele um porta retrato com uma foto linda do Victor com o cachorro nos braços. Dei uma volta pelo lugar, estava diferente, não saberia dizer o que era, mas estava divergente da minha lembrança ou será que era eu que tinha mudado?

- Yuuri está melhor? Tudo bem?

- Acho que sim, não se preocupe.

- Então vá descansar um pouco, o que acha?

Não o respondi, virei em direção ao corredor e fui andando em passos lentos e ele me seguia com os olhos, podia sentir a sensação de ser observado.

O caminho até o quarto tinha mudado bastante, onde antes só era um corredor sem graça, agora tinha uma iluminação especial e na maior parede um painel que cobria de cima a baixo, ali registros de vários momentos da vida do Victor repousavam em preto-e-branco. Parei para olhar as fotos, tinha uma minha na época em que competia, ele parecia me dar instruções sobre algo, fiquei parado vendo até que escutei a sua voz atrás de mim.

- Minhas verdadeiras conquistas... só percebi isso quando perdi você. - Virei para encarar o homem que um dia foi orgulhoso por ser o melhor do mundo e não querer abrir mão disso.

- Onde estão todos os seus troféus e medalhas?

- Encaixotados e guardados, eles só serviam para juntar pó e me mostrar como minha vida podia ser vazia.

- Isso não tem haver com que fiz quatro anos atrás? - Indaguei receoso de que levaria uma bronca pelos estragos.

- Não. - Mais uma vez afagou meus cabelos e sorriu triste. - Se eu tivesse percebido isso antes... - desviou os olhos. - Vou ver algo para o jantar.

Ele voltou na direção da cozinha e eu continuei meu caminho para o quarto. Meu coração disparou enquanto me aproximava da porta, como anos atrás senti medo do que poderia encontrar e para minha surpresa o quarto também tinha sofrido reformas. A pintura era em tons de cinzas, claro na grande maioria, a cama tinha uma cabeceira branca e havia dois espelhos um de cada lado que faziam um dueto com os criados mudos que ornavam com o restante da decoração. Sobre um deles um porta retrato vermelho sangue, era a peça mais extravagante no quarto e lá estava uma foto nossa do casamento.

Uma sensação ruim.

Tropecei no tapete, minha respiração estava descompassada mais uma vez, um turbilhão de sentimentos me atingiu como uma onda forte, peguei a foto e minhas mãos tremiam muito... porque ele tinha aquela foto no quarto? Quantas pessoas já tinham vindo pra essa cama e olhando pra essa foto com um sorriso nos lábios? Quantas sentiram pena de mim? Ou quantas sabiam quem eu era?

- Yuuri... - alguém me chamou longe.  - Yuuriiiiii... - o que estou fazendo aqui? - Yuuri olha pra mim. - A voz está bem perto de mim, me assustei, deixei cair o porta retrato e o vidro quebrou.

- Yuuri não se mexa, não quero que se machuque. Vou buscar a pá e a vassoura.

Victor saiu do quarto e eu olhei pra baixo... “eu consigo estragar tudo que toco”... me abaixei para pegar o quadro do chão e espetei o dedo em um caco. " É fácil... você já fez isso... lembra? Pega o pedaço maior, vamos você consegue!!!  Lembra da sensação? A sensação de não sentir mais nada enquanto a escuridão te abraça... o barato que sentiu quando começou a perder os sentidos, você parecia flutuar, você ainda quer isso, não quer?... não lute contra, lutar só te faz sofrer. Não sinta mais nada"... meu dedo estava sangrando passei sobre a foto, procurei com os olhos o pedaço mais pontiagudo e peguei... fiquei encarando o caco na minha mão.

- Solta isso Yuuri, agora. - Uma ordem, não quero ver os olhos do tigre russo, não posso olhar senão minha coragem vai sumir. Fechei os olhos e os dedos sem me importar com a dor. - Caralho porco, solta isso!!!

- Não. - Gritei. - Não quero mais sentir.

Victor encontrou no quarto correndo.

- Yuuri?! - Em um pulo agarrou meu pulso e sacudiu. - Abra a mão. Abra agora por favor... Não quero que se machuque mais.

- Não quer?!?! - Olhei seus olhos marejados. - Mas eu só quero me machucar agora... Já fiz isso antes. - Fechei a mão com força, o caco estalou e se quebrou entre meus dedos, me cortando, um grito de dor morreu na minha garganta e minhas lágrimas desceram junto com o sangue que pingava no chão.

- Yurio pega uma toalha. - Segurou o meu rosto com força. - Por que fez isso? Eu preciso saber o por quê??? - Secou minhas lágrimas de forma ríspida, foi desnecessário e parecia não querer vê-las caindo.

- Por que eu precisava sentir algo maior que a dor que estava me consumindo por dentro. Você não tem noção do que é sentir isso... - Abri os dedos e o vi alternar o olhar entre meu rosto e minha mão. - Da primeira vez cortei os dois pulsos...

Ele enrolou a toalha na minha mão e encostou a testa na minha, suas lágrimas se misturavam com as minhas... sua respiração pesada batia no meu rosto.

- Não vou perder você... - falou num fio de voz.

- Só preciso de uma boa razão para ficar... me dê uma razão...

- Eu amo você. 



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