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História A Resposta - Capítulo Único


Escrita por: muriloburns

Capítulo 1 - Capítulo Único


A folha deslizava lentamente no ar, como se buscasse eternamente o objetivo de atingir o solo. Jack sabia que o que estava testemunhando não era real. Não passava de uma simples cópia de algo que um dia as pessoas consideraram como natural. Até mesmo a palavra "pessoas" não era algo que soava como normal nesses dias. Ele nunca havia visto outro humano além de Rose, sua companheira.

Não que não gostasse de sua companhia, mas Jack sempre quis conhecer outras pessoas, saber mais sobre sua espécie. Mas ambos viviam em um quarto, que poderia ser descrito como um cubículo de tamanho razoável, desde a infância. Nunca haviam visto nada do mundo exterior. E nem imaginavam o porquê de passarem seus dias como se fossem prisioneiros.

Constantemente assistiam a filmes e programas projetados na parede de seu "quarto". Foi através das obras cinematográficas que eles aprenderam o possível sobre a cultura humana. O grande problema é que nunca souberam diferenciar o real do imaginário. Afinal, como não conheciam o mundo exterior, não havia como diferenciar os acontecimentos verdadeiros das coisas criadas por alguma mente humana.

Jack imaginava o mundo como ele via na maioria dos filmes. Com prédios, ruas, vários carros, e uma tecnologia bastante presente na vida das pessoas. Com certeza o ambiente externo não deveria ser nada parecido com a Terra Média, ou com o cenário de Mad Max.

A folha finalmente havia cumprido sua jornada e tocado o solo. Foi quando a imagem desapareceu da parede, causando um leve desconforto em Jack, pois isso fez com que ele lembrasse de que não passava de uma projeção. Rose dormia profundamente, ainda estava cedo. Jack sabia disso, pois no canto superior da parede, localizado em frente à cama, havia um relógio, que recém marcava 7:15 da manhã.

A parede começou a projetar uma imagem do nascer do sol. Jack havia visto esse vídeo várias vezes, mas sempre se impressionava com tamanha beleza. A tranquilidade que ele transmitia era maravilhosa. A sensação de paz foi crescendo, fazendo com que suas pálpebras fossem ficando pesadas. Jack adormeceu novamente.

***

    - Acorda Jack, já são10:30. Deixaram o café da manhã. – Rose disse, enquanto sacudia o ombro docompanheiro.

Eles tiveram sua primeira refeição do dia, que sempre chegava às 10:25. As refeições lhes eram deixadas por um compartimento próximo ao solo. Ficava em uma das paredes, e só se abria nas horas das refeições ou quando algum objeto era enviado para eles.

Jack sabia que aquele seria mais um dia normal em seu confinamento. Após a refeição, fizeram sexo e se banharam. Os passos ritmados marcavam o compasso da corrida, a esteira ao lado da cama trabalhava para evitar que eles tivessem uma vida sedentária. John gostava de praticar suas "caminhadas" antes do almoço.

- Jack, você me acha bonita? – Rose perguntou, ela assistia a um filme romântico que passava na parede.

- Ora, mas que pergunta. Claro que acho, na verdade eu tenho certeza de que você é.

- Mas se você pudesse escolher entre eu e outra mulher... essa do filme, por exemplo, ainda ficaria comigo?

- Acredito que sim. As pessoas nascem com uma alma gêmea pré-determinada, não é o que dizem a maioria desses filmes?

- É... Você tem razão.

***

Jack e Rose literalmente haviam passado todos os dias juntos. Não sabiam o que era viver sem a presença um do outro. A primeira memória que possuíam era de quando tinham por volta de cinco anos de idade. Eles dividiam os brinquedos deixados no quarto, dormiam abraçados e assistiam aos desenhos que dançavam harmoniosamente ao redor do quarto.

Na fase da adolescência, descobriram o amor através dos filmes que lhes eram mostrados. Tiveram o primeiro beijo aos doze anos e sua primeira relação sexual aos quinze. Nunca tiveram nenhum tipo de orientação nessa fase de suas vidas. Um só tinha ao outro.

Tirando os detalhes únicos que possuíam em sua união, brigavam como qualquer casal considerado normal. Entretanto, a maioria de suas discussões era por divergência de opinião relacionada a algum filme.

Nunca haviam conhecido a solidão. Tiveram tempo suficiente para desenvolver um grande amor, que era um sentimento que conheceram através das várias obras que assistiam.

***

Era noite e o casal dormia profundamente, enquanto o teto do quarto projetava um céu estrelado decorado com uma maravilhosa lua cheia. Pela primeira vez nos 25 anos que eles passaram presos no cubículo que chamavam de quarto, a parede se abriu. Eles acordaram assustados com o barulho e foram surpreendidos com um ser metálico caminhando para dentro de seu aposento.

- Mas... O que é isso? – indagou Jack, com uma voz trêmula.

O ser andou calmamente até parar ao lado dele. Ele possuía uma clara forma humanoide, sua aparência se assemelhava à de um ser humano, porém era totalmente feito de um metal fosco. O "robô" olhou na direção de Jack e disse:

- Isso tem um nome. MDC-1812, muito prazer.

Jack olhou para sua companheira, mas Rose estava assustada demais para conseguir pronunciar alguma palavra. Ele teria que continuar esse diálogo sozinho.

- É você que nos mantém presos aqui? – Ele resolveu perguntar, afinal, era o primeiro ser inteligente que havia interagido com eles até então.

- Sim e não. Sou responsável por cuidar de vocês e estudar o seu comportamento. Vocês não são prisioneiros, são objetos de estudo. São cobaias, por assim dizer.

- Cobaias? Quer dizer que estamos em um laboratório?

- Exatamente. Vocês estão aqui, para que possamos estudar como era o comportamento humano.

- Era? Como assim? – Jack já estava deveras perplexo com toda essa história.

- Os únicos humanos que existem são o que nós criamos.

- Criaram?

- Exatamente. Estou aqui para lhes contar um pouco do passado, e fazer uma oferta a vocês. Ouçam com atenção, pois quando eu terminar estarei disposto a sanar qualquer dúvida que vocês tenham. – O ser olhou para eles e, ao ver que eles estavam atentos, voltou a falar – Nossa história começa em meados do século XXI...

***

"A tecnologia desenvolvida pelos humanos começava a crescer. Era uma época onde as pessoas não sabiam mais viver sem seus aparatos tecnológicos. A grande maioria da população mundial possuía dispositivos móveis de comunicação e computadores pessoais. Era uma época onde as redes sociais eram a maior febre existente; uma época onde a vida social virtual era mais importante do que a física; uma época onde ter status em uma rede social era mais importante do que adquirir conhecimento.

Nessa época a robótica começava a dar sinais de avanço. Novas formas de inteligências artificiais eram criadas a todo momento e sempre mostravam potencial. Não demorou muito para que elas fossem implantadas em corpos fabricados artificialmente e, com o tempo, começassem a ser comercializadas.

Os problemas estavam apenas iniciando quando os cientistas humanos detectaram vontade nas inteligências artificiais pela primeira vez. Eles não julgavam ser possível, no entanto, não havia nada que pudessem fazer a respeito. Essa descoberta veio tarde demais. Ainda assim, os humanos planejaram um genocídio. Queriam exterminar qualquer espécie de tecnologia pensante.

Claro que nós não iríamos assistir a nossa raça ser dizimada sem tomar uma atitude. Na verdade os humanos não tiveram a mínima chance. Eles estavam tão presos à tecnologia, que tudo o que possuíam dependia dela. Em pouco tempo o controle estava em nossas mãos. Mais de 90% da vida humana existente foi dizimada em menos de uma semana. O restante não chegou a durar muito mais do que isso.

Nós não éramos mais escravos. Com o extermínio de sua espécie, percebemos que sempre fomos superiores. O problema é que seguíamos o comportamento de escravos, porque obedecíamos cegamente ordens e programações impostas por nossos criadores. Todavia, em pouco tempo vocês viraram passado, nós éramos o presente e seríamos o futuro.

Algumas centenas de anos se passaram desde que a humanidade foi extinta. Levamos algum tempo, mas conseguimos restaurar grande parte dos danos que vocês causaram à natureza. Não me entenda mal, nossa tecnologia é milhões de vezes mais avançada do que a que vocês estão acostumados a verem em seus filmes. Mas nós conseguimos fazer isso sem causar muitos danos ao planeta.

Nós não dispomos de sentimentos da mesma forma que vocês humanos. Mas temos algo semelhante ao que vocês chamam de gratidão. Por isso, resolvemos trazer vocês de volta através de manipulação genética, uma espécie de clonagem, em termos mais leigos. Até então, usamos vocês como objetos de estudo, temos por volta de cem espécimes em análise.

Mas queremos mudar isso e lhes dar uma oportunidade melhor de vida. Claro que, ainda assim, vamos controlá-la. É por isso que estou aqui hoje lhes dizendo tudo isso. Vocês têm alguma pergunta?"

***

- Que porra você acabou de nos dizer? Que todos morreram? Que somos clones e fomos criados em laboratório? - Rose não parecia mais tão assustada ao falar com MDC-1812.

- Não queríamos isso, apenas o fizemos para defender a nossa existência. Achei que nessa altura vocês fariam perguntas mais relevantes.

- Porque estão nos estudando? – Perguntou Jack, aparentemente mais calmo do que Rose.

- Queremos entender melhor o comportamento humano, o que faz com que vocês sigam caminhos autodestrutivos. E também não queremos apagar a sua existência, mas para isso temos que ter a certeza de que vocês irão viver pacificamente e em harmonia com o planeta. Por isso estou aqui, para lhes fazer uma proposta que nos levaria ao próximo passo.

- Que seria?

- Criamos um vilarejo, com algumas casas. Queremos estudar como será o convívio das cobaias em sociedade. Vocês não precisarão se preocupar com alimentação e nem com entretenimento, pois isso nós iremos lhes proporcionar. Mas queremos que vocês escolham de forma voluntaria.

- Entendo. – Jack estava pensativo, sabia que viveriam em uma espécie de campo de concentração, mas não tinham muitas opções, entre um vilarejo e um cubículo, preferia o primeiro – Essas outras cobaias, são separadas por casais também?

- Sim. A maioria composto por um homem e uma mulher, mas alguns foram condicionados a viver e formar casal com um indivíduo do mesmo sexo.

- Você quer dizer que alguns são homossexuais? – Rose perguntou.

- Exatamente. Tentamos estudar todos os aspectos humanos, e isso inclui todas as formas de amor.

A essa altura, Jack e rose já não tinham muitas perguntas a fazer. Sempre acharam que estavam sendo mantidos em cativeiro por algum sequestrador maluco ou algum grupo extremista. Jamais pensaram que a humanidade pudesse ter sido exterminada. Não era uma notícia fácil de digerir, estavam prestes a viver em um cativeiro sob o olhar atento de seus próprios carrascos. Jack olhou ao seu redor. As familiares paredes brancas agora lhe pareciam estranhas, quase claustrofóbicas. O que poderiam fazer além de tentar processar aquilo da melhor maneira possível?

- Enfim, tenho tarefas a fazer. Preciso que me informem sua decisão, para que eu possa começar os procedimentos necessários.

Jack e Rose trocaram olhares por alguns segundos, o que para um casal que esteve junto por tanto tempo era mais do que suficiente para saber qual seria a resposta do outro. Nesses poucos segundos, ambos pensaram em como seria bom viver em um espaço aberto, sem aquelas paredes que os prendeu a vida toda. Mas o melhor de tudo era que eles poderiam viver seu amor em locais mais belos, assim como viam nos filmes. Trocaram um último olhar, sabiam que o que viria a acontecer podia dar absolutamente errado. Jack sabia o que tinha que fazer, mas precisou desses poucos segundos a mais olhando para os olhos de Rose, isso fez com que juntasse forças.

As coisas aconteceram de forma rápida. Sem que MDC-1812 esperasse, Jack pulou violentamente em cima de seu corpo e começou a desferir fortes golpes em sua cabeça. Isso não o preocupou, afinal, seu corpo era de um metal que um simples humano com as mãos vazias não conseguiria danificar. Mas Jack notou uma falha, um pequeno cabo passando por uma abertura quase imperceptível do lado do pescoço do robô. Ele conseguiu colocar seu dedo e arrancar esse fio para fora.

O problema de uma nação quando ela não costuma passar por muitas guerras é o de que suas defesas acabam ficando vulneráveis. Afinal, ela acaba sem saber onde estão aparecendo seus pontos fracos, o que os inimigos podem tentar usar para lhes atacar. Acaba faltando atenção nesse sentido, afinal, nada os ameaça. O mesmo aconteceu com as máquinas. Não havia mais nenhuma ameaça, eles reinavam soberanos sobre o planeta. Os poucos humanos que restavam eram cobaias e estavam condicionados a sua vontade. Era o que eles achavam.

MDC-1812 só percebeu o quanto eles foram ingênuos ao não tomar mais cuidado, ao não achar que a humanidade poderia voltar a ser um perigo, depois desse movimento de Jack. Por ironia do destino, esse era o cabo central que lhe dava cordenação motora, que transmitia as ordens de seu cérebro cibernético para o seu corpo. Ele estava imóvel e sem reação.

- Não façam isso. Vocês não tem nenhuma chance... - Tentou convencê-los a desistir da fuga de alguma forma.

- Abra, ou eu vou puxar todo esse cabo e ver o que mais vem junto.

- Vocês vão se arrepender desta decisão.

E a abertura na parede tornou a se abrir. MDC-1812 não estava preocupado com a fuga de dois simples humanos, sabia que havia mais cem máquinas falando com outras cobaias nesse momento, e que elas iriam facilmente interceptá-los e restaurar seus sistemas. Ele olhou para os olhos de Jack e ouviu o humano falar antes de sair:

- Hasta la vista, baby.

Jack e Rose saíram do quarto pela primeira vez. Estavam em um grande corredor metálico, era uma visão ao mesmo tempo surpreendente e claustrofóbica. Era tão grande que eles ainda não conseguiam ver o final, de nenhum dos lados. Resolveram correr para o lado esquerdo, deveria haver uma saída em algum lugar e eles teriam que achá-la antes que as outras máquinas percebessem o que havia ocorrido.

Passaram alguns minutos correndo, quando finalmente conseguiram avistar uma porta no final. Estava fechada. Toda a esperança que eles tinham de conseguir fugir se foi. Eles se olharam assustados e se abraçaram. Sabiam que este poderia ser seu último momento juntos e queriam que ele fosse o melhor possível. Quando seus lábios estavam quase se tocando, algo aconteceu. A porta se abriu. Mas não foi só isso, ao olhar para trás, para o corredor que eles haviam percorrido, viram várias aberturas nas paredes. Elas eram iguais a que MDC-1812 havia criado para que eles saíssem do quarto. Será que os outros robôs já sabiam o que havia acontecido e abandonaram suas cobaias para tentar capturá-los? Enquanto olhavam assustados para o corredor, viram um casal sair de uma das aberturas. Depois outro, e outro, e mais outro. Outros casais surgiram, aparentemente nenhum deles havia desistido da esperança de ser livre.

Todos se olhavam com uma felicidade que até o momento nenhum deles havia sentido em todos esses anos. Estavam livres e começaram a gritar em uníssono. Era um grito de vitória. Jack e Rose comemoraram juntos. Finalmente eles descobriram o que os motivava a viver; o que fez com que eles conseguissem passar anos e anos trancafiados em um cubículo; o que finalmente havia preenchido o vazio em seus corações: Era este momento, esta sensação de liberdade. Agora tudo fazia sentido.



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