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História A Sereia de Meaípe... Onde nascem as lendas! - V


Escrita por: VncentRonan

Notas do Autor


Outro capítulo fresquinho amigos!
Uma pequena ressalva, haverá algumas palavra escritas de forma errônea nesse capítulo, mas é contextual, só queria ressaltar o sotaque de um personagem em especial que será introduzido na história!
Boa leitura!

Capítulo 6 - V


O tempo passa rápido como a água do mar que escorre pela areia da praia depois da onda se quebrar, anos se passaram. Driblando todas as dificuldades, Inácio irá completar seu vigésimo aniversário. Ele se tornou um homem bonito, de estatura alta e rígida, de pele morena e brilhante bronzeada de cor caramelo inigualável, atlético, de olhos firmes e profundos, cabelos tão longos e lisos que ultrapassam os meados das costas, fios negros como a noite. Trabalhou por toda a infância em bicos pela cidade, uma hora como ajudante na construção de casas, cavando poços artesianos, outra hora capinando o quintal de alguém rico. Não brilhava o orgulho em rejeitar nada, fosse o pior trabalho e nem o mais cansativo, precisa de cada centavo que puder ganhar. Não teve grandes oportunidades, como o protegido da velha bruxa as portas estavam sempre fechadas para bons empregos ou boa educação. Inácio sabe que não pode continuar pulando em galho em galho como um macaco brincalhão, precisa de um emprego fixo e que pague bem, não pode deixar que sua tia avó viesse passar por necessidades.

Xamutã alcançou a idade avançada, não consegue mais trabalhar, o tempo lhe arrancou a destreza das mãos – mesmo se pudesse, não há novos clientes de sua medicina há anos, a maioria das pessoas habituadas com ela à quilômetros não mantiveram a coragem o suficiente para continuar usando seus serviços, os que ainda persistem por alguma gratidão e ignoram os boatos são muito poucos. A fama de uma terrível bruxa se espalhara longe, a velha índia se viu isolada como aquela verruga por baixo da sola dos pés, detestada e muito bem camuflada. Durante os anos, vinte cinco pessoas desapareceram sem explicações na região de Guarapari, as idades variaram, mas sempre abaixo dos trinta anos, e apenas garotas – ninguém foi preso, nenhuma das vítimas voltou, nunca fora encontrado um corpo, nenhum rastro ou pista, todas sumiram no ar. As pessoas estão nervosas e assustadas, precisam de um culpado para extravasar seus temores. Na falta de explicações consistentes ou evidencia que leve ao verdadeiro criminoso, o medo e o ódio de todos recaem sobre a velha índia – nos meados do século XVIII na Europa, quando bastava apontar para alguém e acusar de bruxaria, já era motivo suficiente para uma festinha em volta da fogueira – de alguma forma distorcida Xamutã tem sorte por não ter nascido naquela época drástica, se não já teria se transformada em cinzas presa a um tronco. Mas os tempos são outros, não há provas para sua condenação, até que se prove o contrário, ela é protegida de qualquer agressão a sua integridade física pela lei, entretanto, nada a protege dos insultos e preconceitos, vista como um enfermo com sarna, perigoso tão somente ao se chegar perto.

Naquela manhã Inácio levantou com o cantar do galo, disposto a encontrar um emprego de verdade, não seria nada fácil. Todos os países ao redor do mundo passavam por momentos terríveis, fome e destruição, nações e economias se recuperavam da grande disputa causado pelo oídio desmedido que terminara há alguns anos atrás, houve muitas mortes, faltava recursos básicos, desemprego e pessoas sem rumo. Mesmo uma pequena vila de pescadores invisível para o resto do planeta não escapara das consequências da grande guerra. Não têm empregos suficientes, e quando se encontra algum se paga muito pouco. Se um homem honesto quisesse ganhar dinheiro de verdade, teria que se filiar ao único ramo de trabalho que gerava grande renda nas regiões costeiras, tem que ser um tripulante de um barco pesqueiro. No litoral apenas o segmento da pesca gerava empregos sólidos e salários melhores, suficiente para manter muitas cidades. Bons pescadores dispostos a enfrentarem os mares ganhavam bem, já que muitos abandonaram a profissão pelos rumores de que barcos de pesca eram os alvos preferidos para as grandes armadas testarem suas pontarias durante a guerra, com o fim dos conflitos o medo persistiu. Inácio à anos morando na beirada do mar não o adentrou de verdade, mesmo fascinado por ele – muito cuidado com o mar, o que ele tem de beleza , tem de sangue em suas águas, o mar não quer os que sabem nadar, por que esse já são dele, ele anseia por aqueles que não sabem e matem uma distância segura, então o mar espera pacientemente a oportunidade para conseguir um pouco mais de sangue; as palavras de sua tia-avó desponta nas lembranças constantemente para poder desrespeita os limites seguros do mar – há não ser por alguns mergulhos na beirada, sabia nadar muito pouco, muito menos tem o costume de velejar, ou, alguma vez pescou mais que tainhas com sua vara de pesca velha, mas precisa de dinheiro e ia tentar.

Inácio tentou nos barcos próximos de sua casa, não conseguiu nada. Então seguiu por uma estrada, passou pelas praias de Bacutia e Macunã, seu objetivo é chegar à praia de Guaibura ao norte da vila, lá muitos pescadores ancoravam seus barcos e por isso era o centro de um modesto comércio local, onde vendedores em bancas espalhadas vendia de tudo um pouco. No caminho ele passa por muitas casas, tabernas e hospedarias, todas novas, a vila de Meaípe evoluiu e expandiu bastante, mas as pessoas continuavam as mesmas, ásperas e ameaçadoras. Em seu caminho cruza com três rapazes e uma moça, a moça estava abraçada num dos rapazes como um filhote de macaco se prende na mãe, pelo o que se pode entender daquele jogo, os dois eram namorados. O grupo flauteava revezando uma garrafa de licor, brincavam na estrada sem as apreensões da época – os rapazes são filhos de famílias com posses, tipo de pessoas que dês que nasceram nunca precisaram se preocupar com nada, apenas em como gastar dinheiro.

- Veja só pessoal, não é a cria do demônio? – O rapaz que na sua vez tinha posse da garrafa de licor apontou. – Venha aqui seu esquisito, beba com a gente!

Inácio ignora, passa por eles em silêncio, apenas vislumbra a moça, é muito linda; ela perdida diante dos próprios sentimentos, as afeições lembra um prisioneiro sem esperanças.

- É ele mesmo! O cachorrinho da velha bruxa, lembro bem dessa cara feia. – O rapaz que namora a moça continuou. – Não seja tímido, venha beber com a gente!

- Não... Vocês são loucos, Parem de provocá-lo, ele vai se irritar! – O outro garoto mais cauteloso, acredita nos boatos que cingem Inácio e teme o que ele seja capaz de fazer caso perca o controle.

- Hora... Você tem medo dele?  Deste os tempos de criança, eu o vejo ser humilhado, uma vez até tentei conversar com ele e teve essa mesmo tipo de atitude arrogante, nenhuma vez o vi reagir, apenas abaixa a cabeça e vai choramingar escondido em algum lugar. É algum tipo de retardado covarde. No fundo sabe que sua existência é um erro, uma pessoa que nunca devia ter nascido! – O rapaz com a garrafa de licor é o mesmo que alguns anos agrediu e rascou as compras de Inácio, ele nota o interesse dele pela moça. – Ai Leonardo... Ele está babando por sua garota.

- Seu cão desprezível, você acha que pode ter uma cocada como essa? Esqueça, esse tipo de garota é demais para você, e também essa aqui já tem dono! – Rapaz abraça forte a moça, força um beijo, depois aprecia a soberba conquista, faz isso intencionalmente para Inácio notar que de mediato responde desviando a visão, aperta os passos e consegue cruzar por eles, continua ignorar. – Isso mesmo cachorrinho obediente, abaixe a cabeça e vá embora. Se quiser uma garota, vá procurar na sarjeta, nos cantos sujos, nos becos escuros nos fundos de algum bordel, talvez ache alguma desesperada.

- Que tal esfregar a cara deles por esse chão imundo...

A expressão da moça é diferente dos rapazes, era uma lamúria humilde de quem já suportara muita coisa ao longo da curta existência, conhece as dificuldades de viver no mundo já que nascera sem sorte. A última coisa que ela tem dentro dela é amor. Não é fácil a vida para os humildes, ainda mais se for uma mulher, as dificuldades multiplicam várias vezes. Já que nascera bonita, se agarrou no primeiro burguês que apareceu e que tivesse um pouco de dinheiro sobrando no bolso, agarra forte e vai fazer de tudo para não soltar, mesmo que tenha que ser um objeto, uma relíquia exposta na vitrine do orgulho dos ricos – de toda forma, não importa as razões de cada um, ela e Inácio são parecidos, são sobreviventes de uma vida abstrusa.

Inácio é jovem e saudável, mas por tudo que ele passou já é suficientemente maduro para fazê-lo se sentir excluído e solitário. Desde que descobriu o súbito desejo latente pelas garotas não conseguira se aproximar de uma diretamente, também, por onde andou nessa cidade não tinha encontrado alguma que o interessasse o suficiente para quebrar as barreiras e tentar uma investida. Não faltava moças lindas e deslumbrantes, apenas é diferente das outras pessoas, compreende isso perfeitamente. Uma vontade, mas como um aviso dentro dele que o alertava de que tentar as investidas naturais da idade nas garotas que chamavam sua atenção, como se sua alma gritasse que seriam grandes erros, forte suficiente que mesmo que tentasse não conseguiria fazer diferente. Acreditou e aceitou essa passagem de sua história futura, que seguiria através das ruínas da solidão na sua estrada de vida.

Com alguns minutos de caminhada eis que chega ao destino, praia de Guaibura. Uma praia grande, de areia fina e fofa como almofadas novas. Muitos barcos, tamanhos e modelos diferentes, pequenas jangadas que para se locomoverem apenas se faz necessitar de remos, também enormes barco com grandes mastros que se utilizaram do vento nas velas para viajarem longas distâncias. Espantosa a quantidade de peixes de todos tipos, achatados e cumpridos, pequenos e inchados, junto ao um cheiro salobro e fétido que pairava no ar. Muitas bancas independentes comercializavam os pescados ali mesmo, vendedores cobertos de sangue gritavam suas promoções, escamavam os peixes e em seguida eles retiram as entranha sem nenhuma modéstia. Para a grande maioria dos barcos, os capitães tinham mais lucro comercializando toda sua carga de uma vez com grandes comerciantes, tudo era levado para o grande mercado da cidade, mas ainda sim muita coisa sobrava para o comércio local. Muitas pessoas espalhadas, desde homens bem vestidos, donas de casa comprando o almoço, pedintes esfaimados juntando em suas bolsas cabeças de dourado, algumas crianças correndo acompanhadas das mães.

Inácio surpreso, já havia estado ali algumas vezes, mas não notara como é movimentado e cheio de vida, talvez que não fosse preciso, só que provavelmente iria passar muito tempo nesse lugar e todos seus detalhes peculiares se ressaltaram. Ele agitado e estrepitoso, pensava se ia se acostumar a trabalhar num lugar como esse, não escondia a ansiedade.  Mas logo tudo se transformou em frustração, nenhum capitão de barco ou vendedor, ninguém quis lhe dar um emprego, todos possuem o crendice acrimoniosa e o desprezo habitual – uma leve sensação de mal estar, pensou que talvez ali não é lugar para ele. Acabara de ser rejeitado mais uma vez.

- Ei... Não adianta pedir, ninguém vai lhe dar um emprego! Eles todos são homens supersticiosos que temem perder vendas por ter um mau agouro feito você por perto. Sinceramente quero que se afaste da minha banca, não vou vender nada se você ficar ai parado com essa cara de paspalho. – Disse um homem magro com um facão molhado de sangue na mão, ele acabara de decepar uma cabeça de dourado. Implicava com Inácio como se dissesse, saia daqui logo, se não será o próximo!  – Você vai sair ou não de perto da minha banca? Posso chamar os homens da lei ou mesmo te chutar para longe, ninguém iria reclamar com isso!

- Desculpe senhor! – Inácio abaixou a cabeça. – Eu só preciso de um emprego!

- Escute rapaz... – O homem magro respirou fundo. – Nenhuma dessas pessoas vão te ajudar mesmo implorando. Porém, seguindo nessa direção, logo à frente, se tiver um pouco de sorte, talvez você possa consegui alguma coisa. Há um velho alemão de miolos moles, pegou muito sol na cabeça durante a vida, ele até acredita que uma vez foi salvo da morte por uma sereia. É um homem que vive secado por suas paranoias, por isso nenhum pescador para muito tempo em seu barco, não suportam suas loucuras. Talvez você consiga alguma coisa com ele, é sua melhor e única opção. É Cross o nome dele!

- Vou até ele, vou achá-lo.... Que bom! Obrigado senhor! – Inácio se alegrou, foi em busca do tal alemão desajuizado.

- Sim... Sim... Vá logo. Pobre rapaz! – Falou baixo o homem magro, tão baixo que Inácio nem percebera.

Inácio andou por alguns metros, muito entusiasmado. Ele já ouvira de relance pessoas comentando sobre esse homem que deposita todas as esperanças, geralmente criticando, mas nuca o encontrou pessoalmente e não conseguia imaginar que tipo de pessoa seria o Cross, pensamentos brancos que nem leves hipóteses da personalidade dele passavam por sua cabeça, somente tinha a certeza de tentar com toda sua vontade. Sabia muito pouco sobre os alemães, apenas que são de uma terra distante e que estavam no centro da grande guerra de anos atrás e por isso muitas pessoas os odeiam. Um homem robusto de braços grandes voltava de um barco que deixasse ancorado beira praia.

- O senhor é o alemão Cross? – Inácio perguntou ao homem.

- Deus me guarde... Não me compare àquela raposa de alto mar sem juízo! – O homem analisou bem o rosto de Inácio. – Um momento rapaz, você é o afilhado da velha índia! Bem que uma conversa chegou aos meus ouvidos que você rodava a área atormentando os capitães procurando por emprego em algum barco. Não me diga que quer pedir emprego aquela raposa? – O homem ria muito. – Aposto que aquele desajuizado é bem capaz de dar uma vaga no barco dele para um amuleto peçonhento como você, seu cheiro é de má sorte, rapaz. De toda forma, quem você procura é aquele branco grande e barrigudo, está tirando as crostas de ostras daquele barco! – O homem continuou seu caminho, continuava rindo. – Boa sorte rapaz, vai precisar!

Inácio desceu para a praia, se aproximou, não muito para ser notado, ficou parado por um instante analisando suas possibilidades – nada tinha dado certo para ele até aquele momento, parado ali tentou pensar num jeito de conseguir o emprego. Aquele homem na sua frente aparentava ter por volta de uns quarenta e cinco anos, muito grande que beirava os dois metros de altura, seu peso é por volta de uns cento e quarenta quilos, se não for mais, apesar da barriga avantajada, todos os cantos daquele robusto corpo, ele parecia extremamente forte. Estava sem camisa, as costas peludas, a pelagem das costas da mesma cor do cabelos da cabeça e barba, lembrava o fogo.  No braço a tatuagem de uma ancora, tinha letras por baixo, mas de onde a avistou, não dava para ler a deturpada escrita. Numa mão uma barra de ferro pontiagudo, na outra uma marreta. Marretava a barra de ferro sobre a crosta de ostras presas no casco do barco, não era fácil, precisava de alguns golpes para tirar um pedaço grande de crosta. Inácio se aproximou perto demais dessa vez.

- Desculpa te atrapalhar, mas você se chama Cross? – Inácio perguntou timidamente.

- Minha santa mãe, que Deus a guarde! Ela me batizou de Crossenbergue. Mas uma sarrdinha de terra firrme como você, que se dirige a mim com trejeitos inermes nessa ocasião importante para mim, deve me chamar de capitão Cross! – Capitão Cross disse alto e firme, tinha um sotaque engraçado. Parou de marretar as crostas de ostra e se virou por completo. – Seus motivos para vim me chatear quando cuido do meu precioso navio, sarrdinha?

- Longe de minha vontade querer incomodar Capitão Cross. Mas eu preciso muito de um emprego, espero que possa me aceitar em seu barco, farei sempre o melhor que puder! – Inácio de cabeça baixa.

- Maldição, levante a cabeça, tem que se olhar nos olhos quando se pede alguma coisa, que tipo de sarrdinha eu vou pensar que você é se fica se escondendo. – Inácio levantou a cabeça, mas seus olhos giravam nas órbitas oculares, evitava olhar diretamente. – Você tem algum tipo de problema nos olhos?

- Não capitão Cross! – Respondeu Inácio.

- Então pare com essa droga que já estou tonto. Olhe diretamente para mim! – Inácio não tinha o hábito de encarar nada, muito menos um homem como aquele, mas o fez. Concentrou-se a visão diretamente no pé do nariz do capitão Cross. – Assim é melhor! Eu não sou tão estúpido como todo acreditam, sei muito bem quem é, reparei você mesmo que não tenha me reparado, é o rapaz que vive com a velha índia. Aposto uma moeda de ouro como todos os cães sarrnentos, covarrdes, trapaceiros, homens da pior espécie que você viu pela frente, toda aquela escória mandaram vim me procurar! Você já velejou, pescou alguma vez em alto marr sarrdinha?

- Nunca Capitão Cross. Na verdade, eu não sei lidar com o mar, nado muito pouco, mas aprendo rápido e não sou preguiçoso!

- Não entende nada sobre os mares, não sabe nadarr, você fede a má sorte, mas ainda sim quer ser um marujo, não consigo dizer que tipo de sarrdinha é você. E no meu ver, isso não é bom quando se lida com o marr! – Capitão Cross entregou a barra de ferro e a marreta a ele. Inácio os pegou, Percebeu como ambos eram pesados. – Pois bem, eu estou marretando o maldito casco desse navio junto com os primeiro raios de sol, você vai assumir meu lugar enquanto vou refrescar a garrganta. Quando voltar, dependendo do quanto dessa casca imunda você conseguir tirar, posso pensarr se lhe dou ou não uma chance de ser um marujo do meu navio. Não é nada acerrtado entre nós, tudo vai depender de você. Entendeu sarrdinha?

- Sim Capitão Cross...

- Muito bem, comesse de uma vez e tome cuidado, não vá fazerr um furo na minha amada sereia, se não faço o dobro em sua cabeça oca! – O capitão Cross saiu às pressas batendo canela, já um pouco distante, analisou o rapaz que cuidadosamente dava as primeiras marretadas. – Sarrdinha ingênua! – Murmurou que quase não conseguiu ouvir sua própria voz.

Inácio analisou a situação, é um grande barco de madeira com seu casco coberto de crosta de ostra. Na lateral grandes escritas em destaque, “Sereia de Meaípe” – é comum para os proprietários batizar seus barcos com nomes de alguma importância em suas vidas – entendeu porquê do capitão se referir ao barco como amada sereia. Dependendo da posição com que os barcos fossem ancorados na praia, quando a maré seca, a água que os sustenta se evadisse toda, ficam encalhados na areia, tomba parcialmente, com isso um lado do casco fica todo exposto – capitães experientes aproveitam essa manobra, para que em terra firme possam fazer alguns reparos que em água não conseguiriam. A corda da proa se encontra folgada amarrada numa árvore formando uma barriga saliente, há uma corda na popa que amarrada numa ancora sem vida encalhada na areia seca.

Inácio de pé, frente aquele desafio que teria que completar se quisesse o emprego, o casco do barco completamente coberto ao longo por uma espessa camada de ostras – conforme se acumulavam eram um risco para as embarcações, ainda mais os feitos na maioria por madeira, já que o mesmo poderia rachar. Depois de algumas marteladas, mãos doidas, um corte que se abria e sangrava, o entusiasmado veio perceber que realmente não era fácil arrebentar aquela crosta úmida, é dura como concreto. Irá precisar de força e habilidade para encaixar a ponta da barra de ferro de forma a desprender o maior pedaço possível por marretada. O sol queimando por cima de sua cabeça.  Precisa continuar, não somente, mas arrancar a maior quantidade possível dessa coisa de qualquer forma.

O Capitão Cross despreocupado se aproximava de uma taberna rudimentar. – Muito bem Cross... Fiquei sabendo que você já arranjou um novo marujo, pelo menos esse deve saber alguma mandinga para atrair os peixes! – Gritou um homem no outro lado da rua. Vários outros homens começaram a ri feito hienas.

- Brarrrrr... Vá você e junto dos outros cães risonhos para o inferrno! – Capitão Cross fez um gesto com a mão ressaltando um dedo, como se dissesse parem de encher meu saco se não enfio isso em seus traseiros! Antes de entrar na taberna, mediu o céu atencioso, avistou a posição do sol. – São dez da manhã, ainda tem seis horas de maré seca. – Disse para si mesmo.

Dentro da taberna, não há janelas, parece uma caverna escura e úmida, tipo de lugar perfeito para pessoas que querem ficar em paz. O Capitão Cross se aproximou do balcão. – Pedro... Eu quero uma garrafa de cachaça, da amarelada envelhecida em bons barris de madeira, entendeu rapaz? Não me venha com urina de padre sem gosto que costuma empurrar para seus fregueses, sua canoa furrada!

- Veja só... Se não é a velha raposa do Capitão Cross! Pensei que hoje não teria sua estimada presença em meu estabelecimento, pelo menos não a essa hora da manhã. Hoje não ia tirar o dia para reparar seu barco? – Disse Pedro por traz do balcão, pegou uma garrafa de cachaça envelhecida na prateleira, amarela como ouro.

- Barco não maldito. É meu navio! Não se preocupe com isso, apenas faça o que tem que fazer, e me entregue essa garrafa que estou com sede! – Capitão Cross pega a garrafa.

- Ela é toda sua... Capitão! – Pedro solta a garrafa nas mãos dele.

Capitão Cross com a garrafa entre os braços, junto de um copo, busca o canto do bar, na parte mais escura, abaixo da lâmpada queimada, lugar preferido, puxa uma cadeira e se senta. Enche o copo até quase transbordar, de uma só vez manda toda cachaça goela abaixo. Sentado com a garganta ainda queimando pela primeira dose, pensou no rapaz que deixara cuidando de seu navio – por quanto tempo ele iria ficar debaixo daquele sol trabalhando pesado até se dá conta que fora feito de palhaço? O capitão já que perdeu o dia de trabalho por causa daquele rapaz, esperava ao menos que ele tirasse uma boa quantidade daquela sujeira inútil de seu navio. Cross não gostava de dizer não para ninguém, aprendeu com seu capitão quando serviu na marinha, o melhor e eficaz método de dizer não para alguém é fazendo que desista do que quer. De toda forma, quando voltar, se encontrar sua marreta e a barra de ferro já seria de bom agrado.

Essa velha raposa do mar não é um homem ruim, apenas já carrega muitos pesares na consciência para ter que suportar os de outros – mais um copo de cachaça cheio goela abaixo. Muito pouco se sabe desse homem, apenas que é alemão. Não tem ninguém que diga que é seu amigo, não se envolve com mulheres, sua vida é o mar e as garrafas de cachaça. Ele apareceu nessas terras alguns anos atrás, logo depois o homem comprou um barco, trabalhando e tentando levar a vida sem chamar atenção. Muitas pessoas dizem que foi um homem que o mar não quis e depois cuspiu-o longe de casa em outra terra. Outras bocas afirmam que é um covarde, enlouqueceu com os horrores da guerra e fugiu das fossas militares de seu país. Têm aqueles que acreditam que ele possa ser um espião, que com fim da guerra foi esquecido. Existem várias especulações sobre seu passado. Capitão Cross sabe bem que não é aceito nessa vila, como não será em lugar nenhum, uma guerra é apavorante por todos os lados, e quando se trata de um estrangeiro, sempre haverá o receio que ele possa trazer a guerra junto na bagagem – mesmo uma guerra encerrada há anos.

Duas garrafas vazias se acumulavam nos pés da mesa e outra garrafa ainda pela metade enfeitava a vista. Capitão Cross está vermelho como um camarão frito no óleo. – São que horas agora Pedro, responda rápido rapaz?

- Nove e meia... – Pedro respondeu enquanto lava alguns copos.

- Eu bebo e você que acaba embriagado, Pedro meu rapaz...  Seu relógio anda para trás?

- Nove e meia da noite... Capitão! – Pedro mordeu a língua para não se render a cômica confusão.

Capitão Cross se levantou, agarrou a garrafa de cachaça pela metade, foi até o balcão e deixou algumas moedas. Saiu da taberna bebendo a cachaça aos goles no gargalo. Por fim a vontade é de ir direto para seu quarto na pensão da velha azeda domina seu corpo, desmoronar na embriaguez – quando as noites são torturadas seguidamente por lembranças sujas de sangue, embriaguez é uma boa forma de se conseguir dormir, álcool um poderosos sonífero.  Mas não podia desfrutar de sua cama, não antes certificar as condições de seu navio, ficou longe dele o dia inteiro, não pode ser tão descuidado com sua amada sereia, já que ao lado de Verônica, aquele barco é tudo que amorosamente possui.

Quando chegou à praia, de imediato avistou seu navio flutuando sobre ondas amaina, numa maré calma, preso por corda amarrada na árvore que não deixa ser carregado pelas correntezas oceânicas. Não viu mais nada. Distraído, perguntou-se onde diabos ele enfiou sua marreta. Desceu cambaleando para a praia e caminhou até a beirada, onde ondas territoriais deixavam claro o limite onde se podia ir para não ter as canelas ensopadas com a pura água salgada. Só então pode ver. Grandes blocos de crosta de ostra amontoados num monte. Não viu antes devido o nível de álcool em sua mente, já não deixa distinguir bem o chão sobre seus pés, ainda mais reparar uma pilha de sujeira, mesmo uma pilha enorme como aquela.

Inácio emergiu da água, bem ao lado do barco. Numa mão segurava a marreta e a barra de ferro, na outra trazia um pedaço de crosta de ostra, Jogou-a juntos das outra na pilha formada na areia. Quando avistou o Capitão Cross.

- Você voltou Capitão Cross. – Inácio saindo da água. – Pensei que ia ter um pouco mais de tempo, queria arrancar mais dessa coisa. Quando comecei a pegar o jeito, a água começou a subir rápido, levei um susto, pensei que fosse afundar. Mas quando a água chegou num certo ponto o barco começou a flutuar, ainda bem que dava pé, assim pude continuar com meu serviço. – Inácio agachado, orgulhoso de seu trabalho duro, espalhando as crostas de ostra com a mão sobre a areia, queria que ele visse bem. – Arranquei o máximo possível, mas ainda posso continuar!

Capitão Cross mesmo que não quisesse, se surpreendeu, aquela quantidade de crosta na areia indica que é no mínimo a metade que estava agarrada no casco do seu navio. – Me deixe ver suas mãos! – Inácio ergueu as mãos. Capitão Cross contou parcialmente os inúmeros cortes. – Você tem titica de gaivota na cabeça? Era para desistir e ido embora quando a maré começou encher!

- Não podia desistir, nunca conseguir em minha vida uma oportunidade de trabalho tão boa como essa. Eu precisava continuar arrancando de qualquer forma e você disse que ia voltar. Que tipo de sardinha iria pensar que eu sou depois de desistir com só um punhado de crosta que conseguir arrancar com quase meio dia de trabalho? Pena que não conseguir juntar mais. – Inácio lobrigou a garrafa de cachaça que o Capitão Cross tem na mão.

- Essa garrafa lhe incomoda rapaz? – Capitão Cross admirado com a força de vontade desse cabeça dura desajeitado. Veio a sua mente embriagada que se amigar por alguém não é conduta segura para um homem que guarda tantos segredos e erros, que uma vez descobertos, não podem ser perdoados – mesmo que agora seja um homem diferente, viesse se tornar uma alma caridosa. Precisa fazer algo rápido para ele sumir da sua frente e não ter mais vontade de voltar. Aprendeu em casos semelhantes que é melhor usar a verdade. – Eu fiquei o dia inteiro frauteando, desfrutando de uma boa cachaça, enquanto você ficou aqui sozinho trabalhando duro no meu navio. Sinceramente, o estado de suas mãos demonstra que você não é hábil para o mar, e eu deste o início sabia, mesmo assim usei sua ingenuidade e não me arrependo disso. Não sei dizer que tipo de sarrdinha é você, só sei que não gosto! – Mordeu o gargalo da garrafa e engoliu grande quantidade de uma só vez de cachaça.

- Se não gosta de mim, ou gosta muito dessa cachaça, isso não me importa! – Inácio encarou aquele homem grande, o fez naturalmente que nem percebera. – Tudo que fiz hoje, foi o trabalho que você me mandou fazer. Nada mais que isso. Faria tudo outra vez amanhã, eu preciso muito de um emprego, você foi o único no dia inteiro que pelo menos me deu uma possibilidade!

- Estendas essas mãos com a palma virada para cima. – Capitão Cross despejou cachaça sobre as mão do Inácio. Havia uma boa quantidade de palavras que queria dizer, mas delas apenas se formou uma bolha de ar na garganta que engoliu junto com outra golada na cachaça.  - Vá para sua casa rapaz e cuide dessa mão!

Inácio por um momento se entristeceu, ainda assim não perdeu a expressão serena no seu rosto, colocou a marreta e a barra de ferro sobre os pedaços de crosta de ostra, ia embora sem reclamar ou com alguma mágoa, tinha certeza que fez o melhor, aprendeu com a tia avó que enquanto estiver vivo sempre vai ter o amanhã.

- É melhor que esteja aqui amanhã bem cedo, venha preparado, não vai ser moleza, vamos zarpar antes de o sol nascer. Realmente devo ter perdido o juízo. Vou levar uma sarrdinha de terra firme para alto marr. Que seja! Se for imprestável, pelo menos deve dar uma isca que os peixes gostem de mastigarr. – Capitão Cross sabe e entende muito bem que o enternecimento é um sentimento perigoso e que não gera lucros para ninguém, apenas grandes problemas. Quando estiver disposto a ajudar alguém deve estar preparado para abrir mão de muitas coisas. O velho Capitão Fugiu desse ideal boa parte da vida. Durante o tempo que permaneceu nessa vila ouviu histórias sobre a velha índia que é o demônio sorridente, sabe de muitas diversidades que aquele rapaz suportou, graças a revolta da vila contra eles a sua presença foi deixada de lado apesar ser alemão. A comoção, afinal, originava-se da compreensão por experiência própria, de certa forma entender o quanto de sofrimento o garoto suporta lacrado dentro de si daquela maneira. Possibilidades de encontrar na inexplicável vontade de viver dele algumas formas de se redimir de boa parte de seus pecados.

Inácio sorriu largo, e se foi embora no escuro caminhando pela praia.

Capitão Cross ficou parado por mais alguns minutos, terminou com toda cachaça que restava. Olhou para seu navio – espero não me arrepender sereia; pensou. Seguiu no caminho para a pensão da velha azeda – Droga, aquela velha vai ladrilharr os ouvidos outra vez por causa da cachaça. Quem diria que aquela sarrdinha... – Reclamava para os céus. Continuou andando levando consigo a marreta, a barra de ferro e a garrafa vazia, a qual insistia que se ainda podia extrair algumas gotas do precioso líquido.

Depois de caminha por um bom tempo na escuridão, já podia ver um ponto luminoso, era a cabana da sua tia-avó, Inácio finalmente chegou em casa. Adentrou alegre e de pensamentos sossegados.

Xamutã sentada na sua cadeira preferida, feita com madeira escura, trabalhada detalhadamente com adornos de animais talhados nas extremidades e trançada com palhas secas. Ela fumava seu cigarro de tabaco e folha de bananeira.

Inácio foi até sua tia-avó, apertou forte a mão tremula dela. – Eu consegui! Vou trabalhar num barco de pesca, o barco do Capitão Cross!

- Eu conheço, é um homem forte! – Xamutã tinha dificuldade para falar, junto com seu corpo que tremia constantemente devido à idade avançada, enfrentava também mais algumas outras doenças. Mas a velha índia ainda conseguia manter firme a lucidez. – Se encoraje meu garoto, você pode aprender muita com ele!

- Eu sei! – Inácio afirmou sorridente.

 

Continua... 



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