Foi tudo muito rápido, isso é tudo que eu posso afirmar sobre o que aconteceu hoje a tarde. Vi meu pai sendo morto na minha frente, vi minha mãe sendo presa, vi policiais levando eu e minha irmã para um orfanato e vi a minha inocência ir embora.
Agora estou sentada ao lado de minha irmã tentando responder uma série de perguntas que, por mais simples que sejam, ainda são complicadas de responder. "De onde você é?", "onde você mora?", "o que aconteceu com seus pais?" Interrogava a mulher à minha frente, mas agora não sei nem responder qual é o meu nome se me perguntarem.
-Estou assustada, só quero ir embora daqui e passar o resto do dia no colo da minha mãe enquanto ela me faz carinho._ Minha voz quase não saiu direito ao falar isso, mas foi o máximo que consegui dizer.
Perceberam que eu não iria conseguir responder a nenhuma daquelas perguntas, então só levaram eu e minha irmã para um dos quartos do orfanato para que pudéssemos passar a noite lá. O quarto tem duas beliches, um pequeno armário com uma televisão em cima dele e um banheiro. Estamos no mesmo quarto que outras duas meninas, as duas na faixa dos 4-5 anos. As cumprimentei e esperei que alguém entrasse no quarto para nos ajudar, porém ninguém veio. Peguei a toalha dentro da cesta de piquenique (a única coisa que temos agora) e direcionei minha irmã ao banheiro para tentar lhe dar um banho, acho que por agora vou ter que ser como uma mãe pra ela...
Fiz o meu melhor e depois de limpa, coloquei a roupa que ela estava vestindo no parque, afinal é tudo que temos por agora.
-Já está quase na hora de você ir dormir, por quê não se deita na sua cama enquanto eu tomo banho?
-Não quero ficar sozinha_ Abaixou a cabeça.
-Vai ser rapidinho, eu prometo
-Não me deixa sozinha, por favor!_ Ja está com voz de choro, e eu também estaria se não tivesse que tentar me mostrar forte pra ela...
-Tudo bem, então fique aqui no banheiro comigo enquanto eu tomo banho, ok?
-Ok.
Terminei de tomar banho e a conduzi até o nosso beliche, vou deixar ela dormir na mesma cama que eu, afinal ela está bem assustada com tudo que aconteceu hoje e com certeza vai ficar com medo se ficar 'sozinha'
-Quer que eu cante alguma coisa pra você?
-Eu queria que você lesse um livro pra mim, que nem mamãe faz...
-Não tem livros nossos aqui Sol, prometo que quando tiver... Se algum dia tiver livros aqui eu leio pra você, ok?
-Quanto tempo vamos ficar aqui?
-Também gostaria de saber...
-Sign o' the times, pode ser?
-Claro, como quiser._ Acho que, inconscientemente, ela acabou escolhendo uma música que tem haver com o que estamos passando no momento. Comecei a cantar baixinho para não atrapalhar as outras meninas a dormir e depois de pouco tempo ela acabou adormecendo na "minha" cama, já eu fiquei um bom tempo acordada pensando no que aconteceria conosco.
...
Acordei cedo não reconhecendo onde estava e ai me lembro de tudo que aconteceu ontem e imediatamente começo a chorar baixinho. Saio divagar da cama e vou ao banheiro rapidamente, deixando Sol sozinha na cama. Volto para a cama dando graças a Deus que ela ainda esteja dormindo, não sei nem como confortaria ela direito se ela tivesse acordado e começado a chorar por achar que estava sem mim também. Deito novamente e começo a pensar no que iria acontece hoje, será que vão tentar fazer aquele questionário novamente? Espero que sim porquê agora sinto que conseguiria responder a todas aquelas perguntas só pra voltar para nossa casa. Depois de certo tempo, entrou uma mulher de uns trinta e poucos anos no quarto acordando a todas e pedindo:
-Levantem-se logo e arrumem suas camas, o café da manhã está pronto. E vocês duas_ apontou para nós_ comam junto com as outras e depois vão para minha sala.
Fizemos o que ela pediu e quando terminamos de comer fomos direto para a sua sala.
-Bom, temos que recomeçar a série de perguntas, afinal você não respondeu nenhuma ontem é ainda nos fez perder tempo._ Usou um tom extremamente rude, como se eu tivesse feito algo extremamente errado. Tem um policial do seu lado, o mesmo que estava aqui ontem e que me trouxe para esse lugar.
-Garotinha, você está se sentindo melhor para falar hoje? Podemos esperar mais um pouco se você quiser_ Ao contrário da moça, o policial usou um tom amigável e compreensível comigo.
-Estou sim, senhor. Pode começar.
-Ok. Qual é o seu nome, o nome da sua irmã e os dos seus pais?
-Meu nome é Beyoncé. O nome dela é Solange e os nomes dos nossos pais são Matthew e Tina._ Os dois anotaram tudo que disse numa ficha e continuaram perguntando.
-Qual a idade de vocês?
-Eu tenho sete e ela vai completar dois anos esse mês.
-Onde vocês moram?
-Não sei o endereço direito, senhor.
-Se eu te levar ao parque você consegue me direcionar... Melhor, se eu te levar para frente da sua escola você conseguiria me direcionar até a sua casa?
-Conseguiria, eu voltava a pé todo dia pra casa.
-Que bom, assim vai ficar mais fácil de achar algum parente para ficar com você.
-Por que eu não vou ficar com a minha mãe? Ela não pode ter sido presa, ela não faz nada de errado..._ Novamente minha voz começou a ficar embargada só de pensar em ficar sem os dois.
-Sua mãe... Você terá que ficar afastada dela por um pequeno prazo, mas não se preocupe logo você terá ela de volta.
-Vou ficar aqui enquanto isso?
-Depende. Se alguém quiser te adotar e acharmos essa pessoa mais qualificada como pai ou mãe para você... Talvez você ache um novo lar e, se a nova família concordar, você pode ver sua mãe as vezes. Mas isso é só no caso de não acharmos nenhum familiar próximo a vocês, você se lembra de algum?
-Tem o meu tio...
-Ótimo, vamos ligar pra ele, você sabe o número da casa dele, certo?
-Não, mas eu fui na casa dele ontem.
-Onde fica?
-Fica a quase meia hora da minha casa, e eu me lembro que o nome do condomínio é "Update for a day".
-Esse não é aquele condomínio que as pessoas alugam uma casa por pouco tempo?_ Disse a moça
-É sim... Bom, tem a possibilidade de seu tio não estar mais aqui, mas podemos tentar procura-lo.
-Se ele não estiver aqui nós vamos para a adoção?
-Depende da sua mãe, se tudo der certo você voltará pra ela mas se não..._ Nesse momento, um octoque começou a tocar em seu bolso e a voz grossa de um homem começou a dizer: "A mãe da garotinha já foi julgada, ela ficará presa por no mínimo 10 anos por agredir um policial."
Essa foi a ultima coisa que ouvi antes de sair dali correndo com minha irmã atrás de mim, agora nós nem temos um lugar para chorarmos sozinhas sem ninguém ficar olhando como se nunca tivessem visto garotinhas assim. Fomos para o "nosso quarto" e ficamos lá por um bom tempo sozinhas. O que será de nós? E se alguém nos adotar e abusar da gente? E o pior: eu sou a criança mais velha daqui, pouca gente adota pessoas com mais de 6 anos... e se quiserem adotar somente a Solange? A esse ponto minhas lágrimas já haviam secado, mas só de pensar sobre isso, um bolo se formou na minha garganta e elas fizeram questão de reaparecer.
E agora?
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