As suas lembranças mais íntimas envolviam aquelas costas. Ele estava acostumado a vê-las, pois era a elas que seguia desde seu fracasso na Liga Pokémon. Perder para o rival de anos era uma vergonha que não engoliria tão fácil. Antes tivesse de atravessar a maldita caverna de Cerulean. Sem repelente. Doeria muito menos do que sentir que ficava para trás.
Não era justo. Simplesmente não era justo. Ele sempre fora o melhor, o mais forte, o mais bonito. Era por ele que as meninas de Pallet suspiravam. Era por causa dele que todos os meninos sentiam ciúmes. Green Oak. O garoto esperto, elegante, invencível. Com Squirtle a seu lado, o mundo estava em suas mãos. Ao menos era nisso que ele acreditava até receber aquele banho de água fria, uma expressão duplamente irônica, como logo veio a descobrir.
Red era fogo. Com seu Charmander, marcava presença onde quer que passasse. O boné sempre caído de lado, quase escondendo o olho esquerdo. Talvez o garoto apenas tivesse preguiça de ajeitá-lo. Talvez achasse que o visual era interessante. Green nunca descobriu, tampouco se incomodou em perguntar. Estava ocupado demais, reunindo insígnias e treinando seus Pokémons até a exaustão. Só não sabia dizer se o cansaço era físico ou emocional.
A desgraça recaiu sobre ele quando seu pequeno deslize custou toda a glória que poderia obter. Derrotado na última curva do percurso tortuoso que traçara, assistia, de joelhos, à humilhação de decepcionar o avô. Assistia a tudo de camarote, como se fosse um mero espectador, e um outro ele chorasse enquanto desferia socos no chão. Eevee choramingava baixinho, lutando para se aconchegar contra seu peito.
Green era água. Fluido e instável. Às vezes era calmo como o burburinho da chuva; outras, feroz como a correnteza do rio. Eis a primeira ironia: era água, mas fora ele quem se molhara no final. E a segunda: recebera o banho justamente daquele garoto de fogo que trazia um Pikachu em seus ombros e um Charizard em seus calcanhares. Se não estivesse tão triste, Green jogaria a cabeça para trás, gargalhando.
Ninguém entendia. Apenas aqueles que já sentiram cada caquinho de seu corpo refletir a mais profunda decepção sabem como é se sentir sem caminho. Tudo, absolutamente tudo o que fizera até então era um desafio a Red. Ele sempre seguira na frente, sempre chegara primeiro aos ginásios, mas, no fim, foi o garoto de boné caído sobre o olho esquerdo quem conquistou o derradeiro prêmio: o convite para se tornar o novo Mestre Pokémon.
E o maldito recusou.
Green remoia-se por dentro. Remoia-se. Remoia-se. Remoia-se. Correu atrás de Red até não aguentar mais, gritando blasfêmias e outras obscenidades. Custou-lhe perceber que as lágrimas ainda caíam. Onde estava com a cabeça? Já não se humilhara o suficiente? Por que ficar correndo atrás de um passado que não lhe fazia bem? A contragosto, abaixou a cabeça e virou as costas paras as costas de seu rival, decidido a retornar à sua cidade.
A mãe recebeu-o de braços abertos. Sentia saudades do filho que abandonara a infância para perseguir um sonho. Ele saíra de casa com olhos brilhando de esperança. Agora voltava quebrado. Green jogou-se na cama, exausto. Só não sabia dizer se o cansaço era físico ou emocional. Eevee choramingou outra vez. Não gostava de ver seu mestre assim. Green afagou-lhe o queixo.
Ele estava sozinho agora. Mesmo com os Pokémons a seu lado, sentia-se solitário. Um vazio estranho preenchia seu peito, não desaparecendo por nada. Até mesmo as deliciosas omeletes de sua mãe não eram páreo para aquele peso sufocante como a força de mil Zubats lançando-se sobre seu corpo indefeso. Custou-lhe perceber que as lágrimas ainda caíam, mas caíam para dentro, sem transbordar por seus olhos quebrados. Merda.
Green estava com saudades.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.